Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi escrita por Juliiet


Capítulo 30
Dia 15, terça-feira, 16 de agosto. (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

DRAMA. Esse é o nome desse capítulo. Sorry, gente, mas ele tinha que ser dramático, senão não seria a Lidia. Bom, mesmo assim, eu espero que vocês gostem :)



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   - Mas que bela cachorra você está me saindo – eu disse para Renata quando ela entrou no nosso quarto no dormitório das meninas naquela manhã.

   Isso mesmo. Naquela manhã.

   Sr. Albert, por que eu ainda me sinto uma piranha depois de uma sessão de sacanagem das boas? O que são uns amassos com Felipe e Leo em comparação a passar uma noite inteira se aquecendo do frio enfiada na cama do Daniel Corelli?

   Bom, pelo menos era o que eu estava achando que tinha acontecido. Até porque não estava escrito na testa da Renata que ela havia passado uma noite fazendo sexo selvagem com um amigo do meu ex número 2. Mas ela estava com as maçãs do rosto tão vermelhas que parecia que todo o sangue do corpo dela tinha se concentrado ali. Hahá, ela pensou que iria escapar impune do meu interrogatório, mas foi pega no ato!

   Bom, tecnicamente não no ato (graças a Deus, eu já tenho traumas suficientes por uma vida inteira) mas o senhor entendeu, Sr. Albert.

   - Que coisa horrível de se dizer para uma amiga, Lidia – ela disse, ficando ainda mais vermelha (se é que isso era possível) e começando a trocar de roupa.

   Eu havia dormido praticamente no momento em deitei na cama na noite anterior e nem notei que Renata não havia voltado para o quarto. O despertador me acordou às 7 da manhã (os escravos, digo, os ajudantes precisavam acordar antes do resto do pessoal para ajudar com o café da manhã) e foi só então que percebi que Renata não estava ali e que a cama dela estava feita.

   Se eu não soubesse que, depois de mim, Renata é a pior arrumadora de camas da galáxia, pensaria que ela já tinha levantado e arrumado sua cama antes de sair.

   Mas ela claramente havia passado a noite se divertindo na cama alheia...

   - Anda logo Renata – eu disse, sentando-me na cama com lençol perfeitamente esticado dela – Desembucha.

   - Não há nada para falar – ela disse enquanto trocava de roupa e penteava os cabelos loiros acinzentados.

   - Aham, e eu sou a virgem santa – eu disse, rolando os olhos. Ok, eu sou virgem, mas santa...tenho minhas dúvidas.

   - Ah Lidy – ela disse, suspirando e sentando ao meu lado na cama. – Eu to apaixonada.

   - Ok, essa parte eu meio que deduzi sozinha. Eu estou querendo mesmo saber aquela parte em que você e o Corelli abalaram as estruturas desse chalé. Como é que vocês conseguiram privacidade? Estão todos divididos de dois em dois nos quartos.

   - Do que você tá falando? – perguntou Renata com genuína surpresa.

   Renata + Corelli + cama – roupas = ....

   - Renata, você passou a noite toda com o Corelli – eu disse, finalmente – não venha tentar me dizer que nada aconteceu!

   - Ora, você também passou uma noite inteira com Felipe – ela retrucou com malícia – aliás, mais de uma. Quem me garante que nada aconteceu?

   Por que ela tinha que tocar no nome do infeliz?

   - Espera aí – eu disse, indignada. – Primeiramente, eu só passei duas noites na casa do Felipe e eu garanto que...bem, não aconteceram muitas coisas. Depois, não é de mim que estamos falando.

   - Aham, acredito – ela disse com sarcasmo. - Mas como assim você só passou duas noites na casa do Felipe? Ouvi o Fred falando que você só voltou para casa ontem.

   - Eu fiquei na sua casa, lembra?

   - É verdade, mas foi só uma noite.

   - Eu passei uma noite num hotel e...

   - Você ficou num hotel?! – ela perguntou antes que eu terminasse de falar.

   - É, Felipe me levou lá e –

   - VOCÊ PASSOU UMA NOITE NUM HOTEL COM FELIPE?

   - Você quer parar de me interromper? – eu disse exasperada. – Não aconteceu nada naquele hotel.

   Era quase uma mentira, Sr. Albert, mas bom, era de Renata que estávamos falando.

   - Se você diz... – Renata falou com cara de quem não estava acreditando.

   - E a outra noite eu passei...bem...no apartamento do Leo. – eu falei.

   - COMO É QUE É?

   - Ah, eu e Felipe já estávamos terminando e...

   - Terminando? – ela ecoou, interrompendo-me novamente. – E você ainda tem a coragem de me chamar de cachorra! Você que está às voltas com DOIS caras. Eu, pelo menos, só estou me agarrando com um. Sabia que tinha alguma coisa errada por você não ter pirado completamente quando viu o Leo entrando no ônibus...

   Depois disso, ela começou a rir.

   Vai entender a mente dessa garota.

   Mas numa coisa ela tinha razão: ela até podia ser uma cachorrinha, mas eu era a líder da cachorrada.

   Não que eu me orgulhe disso, Sr. Albert.

   - Ok, confesso que isso não foi coisa de boa moça – eu disse. – Mas a cachorrice em questão não é a minha, mas a sua. Fala logo, o que você e o Corelli fizeram a noite toda?

   Ela tomou fôlego e finalmente declarou:

   - Nós conversamos, nos agarramos, rimos, nos agarramos, jantamos, nos agarramos, jogamos cartas, nos agarramos...

   - Chega Renata, eu já entendi que vocês se pegaram que nem dois cachorros no cio, o que eu quero saber é se foi com roupas no corpo ou com roupas no chão.

   Renata pelo menos teve o decoro de parecer indignada com a minha pergunta por alguns segundos, antes de cair na risada.

   - Nem todas as roupas estavam no chão – ela disse, ainda rindo. - Algumas estavam no sofá, outras no tapete...

   Meu queixo foi parar no chão.

   - Estou brincando, Lidia, acorda! – Renata disse antes que eu falasse alguma coisa. – Foi uma sessão de agarramento completamente normal, sem roupas voando pelo quarto.

   Soltei a respiração que estava prendendo.

   - Você quase me matou do coração agora, sabe disso não é?

   - Você quase me mata do coração todos os dias. – ela respondeu dando de ombros. – Agora mesmo quando me disse que passou uma noite com Felipe num quarto de hotel...

   - Vamos esquecer isso, tá bem? Estamos atrasadas.

   Esperei Renata terminar de se arrumar e saímos. Graças ao sistema de aquecimento central, o chalé todo estava confortável e aquecido, de modo que eu deixei o casaco no quarto.

   Fomos para a cozinha, mas a cozinheira (uma senhora gentil chamada Rita) disse que tinha tudo sob controle por lá e nos mandou arrumar a mesa do café da manhã.

   A sala em que as refeições seriam servidas era muito aconchegante. Tinha uma mesa enorme de madeira com bancos longos também de madeira. O tapete era uma coisa felpuda que eu tinha certeza seria muito bom de pisar se eu não estivesse de tênis. E num canto mais afastado havia um sofá marrom e duas poltronas vermelhas de aparência confortável, principalmente porque ficavam perto da lareira, que não era verdadeiramente necessária, mas dava um charme ao lugar.

   Tínhamos acabado de arrumar tudo quando Rita nos chamou para levar a comida para a mesa. Não tinha percebido até aquele momento, mas como não havia jantado na noite anterior, estava cheia de fome.

   Como que atraídos pelo cheiro dos pães, bolos, ovos, salsichas e todas as outras coisas gostosas que Rita havia preparado, os alunos começaram a aparecer.

   Renata e eu pegamos um prato, enchemos de comida e fomos sentar nas poltronas próximas da lareira. A ideia foi minha, já que eu não estava com vontade de falar com ninguém nem de olhar Felipe flertando com aquelas meninas feitas sob medida.

   A sala logo ficou cheia de alunos, de barulho e de risadas. Estávamos saboreando nosso café da manhã quando Leo apareceu ali, todo sorridente, e sentou no sofá.

   Eu sabia que eu devia estar com raiva do Leo, mas não conseguia. Ele era meu melhor amigo e eu sabia que ele não se sentia do mesmo jeito em relação a mim. Mas ele aceitava o que eu podia oferecer sem reclamar e só queria o meu bem. Eu sabia que ele estava querendo me ajudar com aquele beijo, bom, mais ou menos, ele podia estar só puto com Felipe e aproveitou a oportunidade de jogar na cara dele que eu estava com outro. Mas mesmo assim, é impossível ficar com raiva de alguém como Leo.

   - Bom dia, garotas – ele disse e roubou um pedaço de bolo que havia no meu prato. – Eu já arrumei a minha cama para poupar o trabalho de vocês!

   - Ah nem me fale – Renata disse, tomando um gole do seu chocolate. – Só de pensar que daqui a pouco vou ter que colocar as mãos nas camas dos garotos já fico enjoada.

   - É, - eu disse. – Você fica enjoada de colocar as mãos, mas não faz objeções de colocar o resto do corpo, não é?

   Nós rimos e ela me atirou um pedaço de pão.

   - Ei, não faz sujeira! – eu disse, rindo. – Nós que vamos ter de limpar depois.

   - Merda, é verdade – ela disse, rindo também.

   Olhei para Leo e vi que o sorriso dele não chegava aos olhos. Ele estava chateado comigo por causa de ontem. Dava para ver. Meu próprio sorriso esmoreceu. Eu odiava o fato de que, querendo ou não, eu o estava machucando.

   - Renata – Leo disse, desviando o olhar do meu. - Você se importa de eu roubar a Lidia um pouquinho? Eu preciso conversar com ela sobre uma coisa.

   - Oh, claro, sem problema – ela disse, contendo o riso e então, deu uma tossida, que posso jurar que soou como “cachorra”. – Eu preciso ir procurar o Daniel mesmo.

   - Agradecer pela noite de ontem?

   Leo me puxou pela mão e me levou lá para fora antes que Renata resolvesse atirar o prato todo em cima de mim.

   Quase soltei um palavrão.

   Estava fazendo tanto frio que eu comecei a tremer imediatamente.

   - Espera um pouco – eu disse com dificuldade, pois meus dentes estavam batendo . – Eu vou lá dentro pegar meu casaco.

   - Não – Leo disse e segurou meu braço. – Pode ficar com o meu. – ele tirou o agasalho que estava usando e colocou sobre meus ombros. Estava quentinho e cheiroso.

   - Obrigada – eu disse.

   Leo encurtou a distância entre nós de modo que eu sentia sua respiração no meu cabelo. Levantei o rosto, mas ele estava olhando por cima de mim. Segurei seu rosto com as mãos (que estavam congelando sem luvas) e o fiz abaixar até seus olhos se encontrarem com os meus.

   - O que você quer me dizer? – perguntei.

   - Eu quero pedir desculpas – ele disse. – Por ontem.

   Comecei a esfregar as mãos, mas ele as tomou e passou a esfregá-las ele mesmo. Senti seu calor ir invadindo-me pouco a pouco.

   - Desculpas aceitas – eu disse, sorrindo. – Eu não consigo ficar com raiva de você.

   Ele abriu um sorriso, verdadeiro desta vez.

   - Bom para mim. – ele disse.

   Eu o puxei pelas mãos e o abracei bem forte.

   - Eu te amo, pequena – ele disse e eu sabia que, para ele, aquelas palavras significavam muito.

   Mais uma vez amaldiçoei meu coração que se negava a me escutar e que tinha resolvido bater por um cara que não gostava de mim.

   Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a porta se abriu e, como se tivesse sido conjurado pelos meus pensamentos, o dono do meu coração saiu com aquela Alicia e com os amigos.

   - Quer dizer que vocês continuaram o que começaram ontem? – ele perguntou, ácido. Na frente de todo mundo.

   Que pilantra!

   Todos riram, menos Renata e Corelli que estavam ali atrás.

   Eu não sabia o que dizer, ainda estava nos braços de Leo, mas era uma coisa completamente inocente.

   O pior de tudo era que eu me importava, me importava que Felipe pensasse que eu era uma cachorra que logo depois de namorar com ele (mesmo que tenha sido um namoro atípico) já estava me jogando nos braços de outro. Me magoava que ele me tratasse com aquela acidez, com maldade. Pior, aquilo me matava.

   Pensei que ia acabar chorando e como não queria fazer isso ali, na frente dele e de todo mundo, larguei Leo e saí correndo.

   O que, claro, foi a coisa mais estúpida que eu podia ter feito.

   É isso mesmo que você está pensando.

   Deve ter sido hilário, bom, para mim não, mas para as pessoas que viram a louca (eu) escorregar no gelo e espatifar no chão.

    São nesses momentos que eu desejo sumir.

    - Lidia! – Ouvi Leo dizer. Ele foi até mim e se abaixou, segurando meu rosto para ele. – Você está machucada?

    - Não – respondi. Não estava machucada, bom, não fisicamente. – Me tira daqui.

    Leo me ajudou a levantar e fomos em direção a entrada do chalé. Todo mundo estava me olhando, mas pelo menos eles não estavam rindo. Parei na frente de Felipe.

    - Eu já entendi que você me odeia – eu falei, sem me importar que meus olhos revelassem a minha dor. – Mas será que você não pode me deixar em paz?

   Não esperei por resposta e fui com Leo para dentro.

   - Eu vou me trocar – eu disse para ele. – Aquela neve me molhou toda.

   Ele passou a mão pelo meu cabelo.

   - Tudo bem, eu te espero – ele disse.

   Balancei a cabeça.

   - Não. – eu disse, tirando o casaco e entregando para ele. – É melhor você ir. Eu não vou poder te acompanhar mesmo. Renata e eu precisamos arrumar tudo primeiro. Vamos demorar.

   Ele concordou e saiu, quase esbarrando na Renata, que entrava com Daniel.

   - Aonde você vai, Leo? – Renata perguntou.

   - Esquiar, eu acho. – Ele respondeu indo embora.

   Eu comecei a subir as escadas para o quarto, mas Renata me chamou. Eu fingi que não ouvi e continuei meu caminho, não queria falar com ninguém naquele momento. Se eu visse pena nos olhos de alguém, não aguentaria.

   Entrei no quarto e tirei a roupa molhada. Estava terminando de me vestir quando alguém bateu na porta.

   - Entre – eu disse. Não dava mais para ficar me escondendo.

   Para minha surpresa, quem entrou no quarto não foi Renata, e sim o Daniel.

   - Oi Lidia – ele disse, meio tímido.

   Amarrei meus tênis e me levantei.

   - Oi Corelli – disse. – Onde está Renata?

   - Ah, ela começou logo a limpar a mesa do café-da-manhã.

   - Eu preciso ir ajudá-la. – disse, abrindo a porta.

   - Não, espera! – ele segurou meu braço e fechou a porta.

   Virei para ele, curiosa.

   - O que foi? – perguntei.

   - Eu preciso falar com você – ele disse, me soltando.

   Coloquei as duas mãos na cintura e esperei ele começar a falar.

   Daniel respirou fundo e disse:

   - Acho melhor você sentar, isso pode demorar um pouco.

   Ai meu Deus, alguma coisa estava cheirando mal ali. E não era eu.

   Sentei na cama.

   Daniel ficou andando de um lado para o outro no quarto.

   - É o seguinte, você sabe que eu sou amigo do Felipe e –

   - Ah não começa – falei, interrompendo-o. – Não vem com essa pra cima de mim, eu não quero saber do Felipe.

   - Espera Lidia, deixe-me terminar. Aí você tira suas próprias conclusões.

   Respirei fundo e me calei.

   - Eu sou amigo do Felipe – ele repetiu – desde que nós éramos crianças. E nesse semestre ele disse que ia mudar de colégio e nos chamou para ir com ele. Bom, a gente já estava de saco cheio do nosso colégio então isso não foi problema. Mas eu sabia que não era só por causa disso que o Felipe queria mudar de escola. Então eu o interroguei e ele me contou tudo.

   Não disse nada. O que eu deveria dizer? Que Felipe era cheio de objetivos obscuros e que isso não me surpreendia nem um pouco?

   - Bem, Felipe é meu melhor amigo e eu sempre me importei muito com ele. – Daniel prosseguiu. - Quando ele disse que queria mudar de colégio por causa de uma garota, eu fiquei muito feliz. Afinal, Felipe sempre foi muito solitário, apesar de nunca, realmente, estar sozinho. E ele nunca se interessava seriamente por garota nenhuma. Desde que ele era muito novo ficou acostumado com as garotas se jogando para cima dele, então nunca precisou correr atrás delas.

   Felipe mudou de escola por causa de uma garota? Seria por minha causa? Será que ele realmente gostava de mim?! Mas como?...Continuei calada e Daniel prosseguiu:

   - Mas então Felipe disse que eu estava redondamente enganado, ele não estava interessado nessa garota de maneira romântica. Não, ele queria vingança. Felipe me contou toda a história, que agora acho que você já deve saber, da sua mãe com o pai dele. Sei que nada pode justificá-lo ou justificar a mim, que sabia de toda a história e mesmo assim não fiz nada, mas Felipe sempre foi muito apegado à mãe e com o sofrimento dela, ele sofreu também. Então ele transferiu toda a culpa do sofrimento da mãe dele para a sua mãe. Para ele, ela era a culpada de tudo.

   “E como se vingar melhor do que atingindo um ponto fraco? Felipe partiu da ideia de que você seria o ponto fraco da sua mãe e resolveu fazer da sua vida um inferno e acabar com você, aí sua vingança estaria concluída. Ele queria fazer você se apaixonar por ele para depois te rejeitar na frente de todo mundo.”

   Abaixei a cabeça, deixando que os cabelos cobrissem meu rosto. Agora mesmo que eu não tinha nada para dizer. Minha concentração era usada apenas para impedir as lágrimas que insistiam em queimar atrás dos meus olhos.

   Então tudo, desde o início, tinha sido planejado friamente. Desde aquele primeiro dia em que eu o vi e tropecei na poça de lama, tudo foi calculado. Nada foi de verdade. Nenhum gesto, nenhuma palavra, nenhum sentimento.

   Eu entreguei meu coração a um homem que só via em mim um meio de se vingar. Um objeto a ser usado em seus planos de vingança. Era ainda pior do que ser um brinquedo.

   Agora eu colhia os frutos da minha própria estupidez. Como eu pude me deixar apaixonar por alguém tão cruel? Como eu fui tão cega a ponto de não perceber o que estava bem na minha cara? Como eu me deixei envolver cada vez mais naquela teia de mentiras?

   Eu poderia sobreviver sabendo que Felipe me usou para se divertir, mas sabendo que ele planejou tudo, sabendo que ele planejou que eu me apaixonasse por ele, planejou meu sofrimento...isso era demais para agüentar.

   Como se viesse de algum lugar distante, percebi a voz de Daniel, que continuava a falar. Com muito esforço, passei a prestar atenção.

   - ...ele estava a cada dia mais afastado de nós, mais cheio de segredos. Nunca dizia onde estava ou o que fazia, não saía mais com a gente. Você fez uma coisa que não estava nos planos dele, Lidia, você mexeu com ele.

   Comecei a rir, não pude evitar. Meus olhos queimavam com a vontade de chorar, mas eu ri.

   - Você não pode estar falando sério! Felipe me odeia!

   Daniel se aproximou e sentou ao meu lado.

   - Na verdade, Lidia – ele disse, muito sério. – Eu estou quase convencido de que ele te ama.

   - Você só pode estar brincando! – ri. – Felipe, me amando? A sua imaginação corre solta, não é, Corelli?

   - Estou falando sério. Eu nunca vi Felipe tão feliz como nessas últimas semanas. E para provar que era por sua causa, vou te contar uma coisa. Um dia depois que você se mudou para a casa dele, Felipe teve uma briga séria com o pai. Mais uma...os dois vivem brigando, mas enfim, o ponto não é esse. Logo depois da briga, Felipe me ligou. Ele estava tão estressado que não queria ir para casa, então me chamou para irmos num shopping, porque ele precisava fazer umas coisas.

   “Fomos e, chegando lá, ele entrou numa dessas lojas femininas...e comprou uma...meia calça. Bom, eu acho que conheço meu amigo o suficiente para saber que ele não curte essas coisas e...uma vez ele comentou comigo que as suas meias vivem rasgando. É só juntar os fatos.”

   Tentei sorrir, mas era difícil. Peguei as mãos de Daniel com as minhas e olhei nos olhos dele.

   - Você gosta da Renata, não é, Daniel?

   Ele franziu o cenho, surpreso com a pergunta, mas disse:

   - Sim, gosto.

   - Está vendo? Felipe nunca disse isso para mim. Bom, ele até disse, mas era tudo um plano, não era sincero, agora eu sei. Além do mais, ele não me deu meia calça nenhuma.

   - Talvez ele estivesse esperando a hora certa...

   - Nunca houve nem haverá uma hora certa para Felipe e eu. Eu não significo nada para ele. E, agora, ele também não significa nada para mim.

   Era o que eu tentava dizer a mim mesma, pelo menos.

   - Daniel – continuei. – Acho que você tem ideias muito românticas a respeito da vida.  A coisa simplesmente não é assim. Quando você gosta de uma pessoa, você gosta. Quando não gosta, não gosta. Não se pode forçar um sentimento quando ele não existe. Eu aprendi essa lição com Felipe.

   Surpreendendo até a mim mesma, eu larguei as mãos de Daniel, me levantei e saí correndo. Não aguentava ficar mais nem um segundo ali. Corri porta afora, desci as escadas e continuei. As lágrimas quentes que rolavam por minhas bochechas logo se tornaram geladas e cortantes, quando eu abri a porta do chalé e saí na neve fria, na direção oposta a dos estudantes, para não precisar ver ninguém.

   Minhas roupas eram quentes, mas não podiam brigar com o frio que se mostrava claramente superior, fazendo-me tremer da cabeça aos pés.

   Eu continuava correndo na neve, como uma louca. Tropeçava aqui e ali, mas levantava e continuava correndo. O ar entrava gelado e com muita dificuldade em meus pulmões, o vento fustigava meus cabelos e quase não permitia que eu abrisse os olhos. Minhas lágrimas secaram, mas apenas as que escorriam pelos olhos. As lágrimas que meu coração derramava...ah essas, essas não secariam nunca.

   Ninguém me seguia. Eu estava sozinha.

   Tropecei mais uma vez, mas não consegui me levantar. Eu arfava, meus pulmões ardiam e eu respirava com dificuldade. A neve molhava minha calça e me fazia sentir um frio que eu nunca imaginei sentir antes.

   Eu estava gelada por dentro e por fora.

   Olhando ao redor, eu só via o branco. O branco ofuscante e belo da neve que me cercava. Deitei-me ali, como se a neve fosse apenas uma cama mais gelada que as outras, e senti o frio atravessar meus ossos. Meu corpo todo tremia.

   Não vou mentir, Sr. Albert. Eu realmente queria, naquele momento, que a morte chegasse e me levasse. Naquele paraíso de gelo, eu queria que ela aparecesse numa carruagem negra e imponente e me arrancasse dali com suas mãos frias.

   Sei que tudo isso é o cúmulo do drama, até mesmo para mim. Mas...eu ainda o amava. E eu sentia, dentro de mim, que aquele não era um amor bobo de adolescente. Eu o amava como mulher, não como menina. E o amaria para sempre.

   E eu odiava isso tudo! Odiava aquele amor estúpido que insistia em cravar suas raízes em mim, mais fundo e mais fundo, até que se tornasse parte vital do meu ser, sem o qual eu não viveria. Odiava que eu fosse tão vulnerável, tão frágil. Odiava não conseguir enfrentar a perda daquele amor...

   Mas seria mesmo uma perda? Não se pode perder o que nunca se teve e Felipe nunca me amou. Seu coração nunca foi meu. Foi tudo em vão. Um amor desperdiçado e lágrimas inúteis.

   Mas mesmo tendo consciência disso, mesmo sabendo que tudo era em vão, eu não conseguia, eu não suportava a ideia de seguir em frente. Não sabendo que o amor da minha vida, o homem pelo qual eu morreria e mataria, não só nunca me amou, como me usou para ferir minha mãe, que, por mais errada que estivesse, continuava sendo minha mãe.

   Se você já amou e teve seu coração partido, vai entender a dor que eu estava sentindo, que minhas palavras não conseguem expressar.

   Os minutos se arrastavam. Seriam mesmo minutos? Qual a diferença entre minutos, horas, dias? Quanto tempo eu passei ali, desejando que minha vida acabasse, esperando assim, que eu ficasse entorpecida e não sentisse a dor daquelas feridas abertas tão profundamente na minha alma?

   Não poderia dizer.

   Não conseguia nem queria me movimentar, continuava apenas deitada ali, com os olhos abertos, contemplando a pureza branca que me encarava majestosa e indiferente.

   Apenas lembro que estava beirando a tão esperada inconsciência quando tive uma última e bela visão de um par de olhos verdes.

   Aqueles olhos tão amados...


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Notas finais do capítulo

Quando eu voltar da aula, umas 10 e meia, eu posto o resto do capítulo, ok? E amanhã tem o último o/ Beijooos e até mais tarde :)