Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi escrita por Juliiet


Capítulo 13
Dia 6, domingo, 7 de agosto. (parte 2)




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   Respirei fundo e contei até dez. Tinha de reunir coragem e enfrentar o problema, era a melhor maneira, não concorda Sr. Albert?

   Andei dois quarteirões e parei no lugar em que pegaria o ônibus. Ainda estava cedo, mas eu precisava ligar para Renata e dizer que iria me atrasar um pouquinho. O problema é que eu estava sem celular.

   Então eu vi ali perto um telefone público. Fui até ele, mas não tinha nenhum cartão telefônico. Merd...desculpe Sr. Albert, preciso controlar minha língua, ou melhor, minha mão. Juro que às vezes ela parece ter vida própria e escreve coisas que eu...enfim, não escreveria normalmente.

   Acabei pegando emprestado o cartão telefônico de uma mulher com duas crianças ali perto. É, ainda existem pessoas boas nesse mundo de merda.

   Liguei para a casa de Renata. Ela atendeu no terceiro toque.

   - Alô?

   - Renata, sou eu.

   - Ah Lidy, você já está vindo?

   - Er...não. Eu preciso parar em um lugar antes, depois vou para sua casa.

   - Ah, tudo bem, só não demore muito.

   - Certo.

   - Onde você precisa ir?

   Droga, eu não podia contar a verdade. O que ia dizer? Estava muito nervosa e tinha muita gente ali perto. Eu não estava no humor para dissecar as pitangas da minha vida complicada. Mas também estava sem ideias para uma boa mentira.

   - Eu... – disse, tentando pensar em alguma coisa. – Eu...preciso ir encontrar o Fred na casa de um amigo dele para...pegar a chave de casa.

   - Ok.

   - Até mais. – disse e desliguei.

   Devolvi o cartão para a mulher e agradeci, ainda me sentindo meio desconfortável por ter mentido para a Renata, mas eu consertaria isso quando chegasse na casa dela e pudéssemos conversar direito. Finalmente meu ônibus chegou e eu embarquei.

   Sentei-me num lugar à janela, no fundo do ônibus. Que besteira eu estava fazendo? Por que queria tanto ver Felipe de novo?

   Ai, Sr. Albert, por que eu não posso ser como o senhor? Por que eu tenho que ser uma garotinha idiota que fica querendo coisas que não pode ter? E que, ainda por cima, está jogando sua dignidade no lixo?

   Espera aí, o que eu estou pensando? Eu, por acaso, quero aquele...aquele...

   E tudo porque ele foi um fofo e cuidou de mim ontem.

   Ok, melhor parar de pensar besteira.

   O ônibus estava quase vazio, por isso cheguei rápido ao meu destino. Ainda tive que andar um pouco para, enfim, parar na frente da enorme mansão de Felipe.

   Não tinha notado o quão grande e bonita ela era. Senti uma minúscula pontinha de inveja ao pensar na minha casa apertada e sem graça. O bairro onde Felipe morava era cheio de mansões grandes e bonitas. Onde eu moro ninguém tem casas assim.

   A casa de Felipe era branca e amarela. Tinha várias janelas grandes, e uma porta principal por onde passaria um elefante. Também havia um jardim na frente, bem cuidado e florido. Sentia-me cada vez menor a casa passo que dava em direção à casa.

   Respirei fundo e toquei a campainha. Soou cortante e fria, mas acho que isso foi só a minha imaginação.

   Alfie atendeu a porta e se estava surpreso com minha presença ali, escondeu muito bem. A família de Felipe realmente tem empregados muito profissionais. Corei imediatamente ao lembrar de nosso último encontro.

   - Entre, senhorita Lidia. – Ele disse, guiando-me para dentro. – Ele estava esperando por você.

   Não perguntei quem era ‘ele’ pois sabia que se tratava de Felipe.

   - Ah, obrigada – disse, enquanto sentava em um confortável e bonito sofá.

   Alfie saiu da sala e me deixou ali, sozinha. Olhei rapidamente ao meu redor. A sala era grande e impecavelmente branca. Tinha o pé direito alto e cortinas esvoaçantes pareciam flutuar nas janelas. Os móveis eram brancos, em sua maioria. Era tudo branco demais, claro demais, grande demais ali. De repente me senti minúscula e suja.

   Não esperei muito. Logo vi Felipe descer a bonita e grande escada. Ele estava vestindo um suéter azul marinho, calças jeans e tênis. O cabelo estava do jeito de sempre, lindo, caindo sobre os olhos muito verdes. Sua expressão era absolutamente indiferente.

   Pensei que ia morrer de vergonha ao lembrar que nós dormimos juntos, que ele me viu meio nua e que quase me beijou.

   - Felipe, eu – comecei, mas ele fez um gesto com a mão para me calar.

   - Estou com dor de cabeça e sua voz me irrita – ele disse, finalmente mostrando-se irritado. – Apenas siga-me, está bem?

   Meu temperamento fez com que minha língua coçasse com uma resposta mal-criada, mas eu lembrei que pretendia me desculpar e fiquei calada, assentindo com a cabeça.

   Sinta-se orgulhoso, Sr. Albert, de sua aluna com incrível controle emocional.

   O segui escada acima. Ele tinha pernas compridas e subia de dois em dois degraus e eu lutava para acompanhá-lo. Percebi que não estávamos indo para seu quarto, que eu tinha certeza, ficava no andar de baixo.

   Estava aliviada, Sr. Albert – não decepcionada. Claro que não. Que coisa mais descabida.

   Felipe abriu uma porta e entramos no que parecia ser uma biblioteca. Meus olhos se arregalaram. Uma biblioteca na própria casa. Uau.

   Era o único lugar daquela casa – que eu já tinha visto, claro – que não era branco, claro e ridiculamente grande. Era do tamanho normal de uma sala. As estantes eram marrons e cobriam boa parte das paredes, e chegavam até quase o teto. Havia duas poltronas beges, que pareciam ser bastante confortáveis e uma mesa redonda de madeira. Nessa mesa estavam minha saia, limpa e cuidadosamente dobrada, minha meia, rasgada, mas limpa, meus sapatos (por incrível que pareça eu nem lembrava de ter fugido descalça) e minha mochila.

   Felipe sentou numa das poltronas, de costas para mim.

   - Er – eu comecei, pensando em como dizer o que eu tinha para dizer. – Desculpe ter saído daquele jeito ontem e...obrigada, você sabe, por ter cuidado de mim, você sabe, err, quando eu bati a cabeça.

   Eu sei que eu estava sendo meio confusa, Sr. Albert, mas por favor, eu não sou assim normalmente! Eu sou perfeitamente capaz de falar claramente e sem enrolar, só não com Felipe.

   Ele passou um tempo sem falar e comecei a me perguntar se ele tinha me ouvido. Quando eu abri a boca para repetir tudo que tinha dito, ele se levantou e me fitou.

   - Você vai trabalhar para mim? – perguntou, indiferente, como se estivéssemos comentando algum trabalho da escola.

   - O quê? Não, eu – fui dizendo, mas ele me cortou.

   - Então pegue suas coisas e saia.

   Fiquei atordoada por uns segundos, mas não o faria falar duas vezes. Se não era bem-vinda ali, iria embora. Só esperava que meus olhos não enchessem de água antes que eu saísse dali.

   O que raios está acontecendo comigo?

   Apanhei minhas coisas e ensaiei uma despedida seca, mas ele se adiantou. Abriu a porta da biblioteca para mim, e enquanto eu passava, segurou meu braço, logo acima do cotovelo, com força desnecessária.

   Senti vontade de chutar sua canela, mas escrever isso para o senhor ler, Sr. Albert, me pareceu muito humilhante.

   - Você vai voltar, Lidia – ele disse com seu jeito arrogante, olhando em meus olhos. – Eu sou a melhor coisa que já aconteceu na sua vida.

   Certo, como se ele não tivesse acabado de me expulsar de sua casa.

   Puxei meu braço devagar, mas ele entendeu e o soltou. Negarei até a morte a vontade que tinha que ele não me soltasse. O encarei de volta e disse, antes que minha voz tremesse:

   - Minha vida não é tão ruim assim.

   Dei-lhe as costas e me encaminhei para a saída. Alfie abriu a porta para mim e, lamento dizer-lhe Sr. Albert, fiquei um pouquinho desapontada por ele não ter ido atrás de mim.

   Quando cheguei ao prédio de Renata, meu humor estava péssimo.

   - Lidia! – Sra. Dixon, mãe de Renata exclamou ao abrir a porta. – Que bom que chegou. Os cookies já estão esfriando.

   Cumprimentei-a e entrei, mas confesso que nem o cheiro delicioso que vinha da cozinha me animou. Renata abriu a porta de seu quarto e saiu. Estava vestindo uma calça de pijama da Hello Kitty e um top lilás.

   - Até que enfim você chegou, Lidy – ela disse. – Nossa, você está péssima.

   Renata me levou para seu quarto, que é pouca coisa maior que o meu, mas bem mais arrumado, e me fez olhar meu reflexo no espelho.

   Estava horrível.

   Estava pálida e com olheiras embaixo dos olhos. Meus lábios estavam secos e rachados e alguns fios de meu cabelo tinham escapado do rabo de cavalo. Não é a toa que Felipe não me queria em sua casa.

   - Preciso muito comer alguma coisa – disse, sentindo-me mais fraca do que nunca. Não estava com fome, mas sentia que ia desmaiar se não colocasse alguma coisa no estômago.

   Renata assentiu e foi até a cozinha. Voltou logo depois segurando uma bandeja com cookies, pães e suco de laranja.

   Sentamos no chão e começamos a comer. Enquanto eu me forçava a engolir, Renata falava:

   - Onde você esteve ontem? Eu perdi o ônibus da escola, então mamãe me levou de carro, mas quando eu cheguei lá, você não estava. Vi Fred e perguntei por você, ele disse que tinha te visto esperando o ônibus. Aí eu disse para ele que você não tinha chegado. Aí ele deu de ombros e foi embora. Você não sabe o que eu passei! Fiquei pensando que você tinha sido seqüestrada, atropelada, atingida por uma bala perdida, abduzida. Então eu liguei para a sua casa.

   - Você o quê!? – gritei com a boca cheia.

   - Relaxa, ninguém atendeu. Sua mãe devia estar no trabalho. Bom, mas eu fiquei a aula toda preocupada com você. Quando cheguei em casa, liguei para o seu celular, mas ninguém atendia. Eu já tinha começado a pensar em ligar para hospitais, delegacias, necrotérios...

   - É só eu sumir por um dia e você já me mata – disse com um sorriso. Estava me sentindo melhor com isso, saber que pelo menos existia uma pessoa no mundo que se importava de verdade comigo.

   - Não ria! – ela disse, mas estava sorrindo também. – Foi então que eu liguei para a sua casa de novo e o Fred atendeu. Ele me disse que você estava bem, mas que não ia dormir em casa. E ainda disse mais: se a sua mãe me ligasse, era para eu fingir que você estava aqui! Agora me conte! O que realmente aconteceu?

   Suspirei. E então contei tudo, com todos os detalhes.

   E Renata ouviu tudo embasbacada. Parecia que ela nunca mais ia fechar a boca. Quando eu finalmente acabei, ela parecia incapaz de falar.

   - Diga alguma coisa, Renata! – falei, meio nervosa.

   - Ai meu Deus – ela disse.

   - Outra coisa, por favor.

   - Ai meu Deus – ela repetiu. – Vocês dormiram juntos!

   - Bem – eu disse, corando, mas ela não me deixou terminar.

   - Oh! Vocês...você sabe...fizeram?

   Olhei para ela, incrédula.

   - É claro que não! Eu estava desmaiada!

   - Mas ele pode ter...mesmo com você desmaiada.

   - Oh! É claro que não! Ele não seria tão sujo. Além do mais, eu saberia.

   - Saberia mesmo?

   - Renata!

   Ela suspirou, conformada, e disse:

   - Tudo bem, tudo bem. Se você diz que nada aconteceu, eu acredito. Mas, me fala –

   - Não – interrompi. – Rê, não quero mais falar sobre isso. Por favor, eu não aguento mais ouvir falar de Felipe. Vamos assistir um filme?

   - Está bem – ela disse, mas eu sabia que ela ainda estava curiosa.

   - Ah, e eu posso dormir aqui?

   - Claro.

   Abracei-a e agradeci.

   Nós passamos a tarde toda assistindo Sete Noivas Para Sete Irmãos (o filme preferido de Renata) repetidas vezes. Pensei que mamãe fosse me ligar, mas ela não ligou. Não sei dizer se fiquei aliviada ou triste com isso. Nos arrumamos para dormir logo depois do jantar.

   Peguei este diário e comecei a escrever meu dia, deitada no colchão ao lado da cama da Renata. Não me preocupava que ela pudesse ver o que eu escrevia, porque ela estava absorta demais escrevendo no seu próprio.

   Agora ela está dormindo. E a luz está apagada. Só consigo escrever por causa da iluminação fraca que vem de um poste na rua. Não consigo ver uma só estrela no céu negro.

   Amanhã, eu vou vê-lo de novo.

   E sabe o que é pior Sr. Albert?

   Estou contando os minutos.


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Notas finais do capítulo

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