Universe escrita por Yumi Oni


Capítulo 7
Defective Tragedy


Notas iniciais do capítulo

Gomennasai! Eu sei q demorei, mas vo dexar pra me desculpar nas notas finais >.< espero q gostem da história do Ruki-chan.



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“Grite a si mesmo...

Drene a si mesmo...

Não se esquecendo de ansiar pela liberdade

Grite a si mesmo...

Grite sua dor...

Sem esconder seus eus”

~ Ruki POV ~

Minha vida se resume a duas partes:

Antes de Suzuki Akira e depois de Suzuki Akira.

O conteúdo continua o mesmo em ambas mas a simples presença dele me fez encarar o mundo de uma forma diferente.

Pelo pouco que me lembro no começo eu vivia com meu pai... se é que posso chama-lo assim. Foi uma fase que me rendeu alguns traumas, felizmente não lembro de muita coisa. Dentre as que não lembro posso citar minha mãe, o que quer que tenha acontecido com ela foi bem longe de mim.

E das poucas memórias que tenho com meu pai, nenhuma é boa.

–Papá.

–O que é agora?

–Chichi... tô cum fome.

–Deve ter alguma coisa na cozinha agora me deixa em paz.

–M-Mas eu num alcanço. – seu olhar foi o suficiente pra me calar, nem a fome de um dia inteiro me faria despertar a ira de meu pai.

–Suma da minha frente.

Não precisou de mais pra que eu corresse dali, no meu quarto peguei o único objeto naquela casa que eu podia chamar de meu: um retalho de tecido velho e encardido.

–Nee Rei-chan, achu que num tem janta hoje di novo. – minha barriga roncou com a constatação, aquilo doía – Se eu fizé sozinhu o papá fica feliz?

Na minha mente de criança aquilo fazia sentido, talvez o simples fato de mostrar a ele que eu não era um incômodo o fizesse gostar um pouquinho que fosse de mim.

A ingenuidade é uma dádiva da infância que eu não tive...

Caminhei a passos curtos e silenciosos até a cozinha, puxei uma das cadeiras para alcançar a mesa, nela tinham algumas frutas duras demais pra que eu comesse e mais ao centro dela havia uma broa de milho, me esticando o máximo que meu corpo de dois anos permitia consegui trazê-la pra perto, apenas o suficiente pra me alimentar.

Saciada a fome a sede se fez presente, procurei com os olhos ainda de cima da cadeira por um copo. Encontrei um em cima da pia e logo estava levando a cadeira pra lá também. O som do plástico sendo arrastado não me pareceu errado enquanto meu objetivo era pegar o copo mas eu devia ter lembrado que nunca era boa ideia fazer barulho.

Concentrado na minha tarefa subi mais uma vez na cadeira só que a pia era mais alta, o copo continuava longe, peguei uma caixa que tinha no chão perto dali e com muito esforço a coloquei em cima da cadeira, logo o copo não estava tão longe assim mas ainda parecia impossível pegar, meus dedos rasparam nele algumas vezes.

–Mas que merda você tá fazendo? – o susto com a voz de meu pai me fez derrubar o copo que rolou na pia até cair no chão se desfazendo em cacos.

Não lembro muito bem da surra daquele dia mas sei que foi nela que ganhei a cicatriz na palma da mão resultado de um corte profundo com um daqueles cacos...

–Rei-chan, o que eu fiz dessa vez? – perguntei apertando aquele trapo como se pudesse me salvar daquilo tudo.

–Hmm? O que é isso moleque? – ele o puxou de minhas mãos – Hã? Em que lixão encontrou isso?

–É o Rei-chan. – disse baixinho.

–Rei-chan? – ele riu maldoso – É um brinquedinho seu? Pois olha bem o que eu faço com ele.

O ver rasgar aquele pedaço de pano doeu mais do que qualquer outra coisa.

–Vou te contar uma novidade Takanori, eu cansei de te aturar. Mas hoje é um dia especial, sabe por que?

–É m-meu anivers-sário? – lágrimas escorriam por meu rosto, meus olhos ainda presos naqueles trapos jogados ao chão.

–Sim! Mas não é especial por isso. – ele prendeu meu rosto com suas mãos me obrigando a olha-lo – É especial por que eu vou me livrar de você.

Dali em diante foi tudo tão rápido, poucos segundos e ele queimava na minha frente. Eu não fiquei com medo, muito pelo contrário, seus gritos de desespero eram só um detalhe naquela dança fascinante das chamas, era tão lindo que eu queria tocar.

–Uma criança? Desde quando esse bastardo tem um filho? – ainda encantado com o fogo nem me dei conta de que mais duas pessoas estavam ali.

–Oe, garoto! – um homem com duas cicatrizes no rosto me chamou – Como se chama e quantos anos tem?

–Oota Takanori, hoje eu faço três anos.

–Até que ele é esperto. – o loiro ao seu lado comentou com um sorriso que provavelmente era pra me assustar mas não surtiu efeito – Ou simplesmente muito burro.

–Não está com medo? Eu acabei de matar seu pai.

–Ele ia me matar. – respondi simplista.

–Wow! Belo presente em? – o loiro se intrometeu rindo.

–Cala a boca. – o homem das cicatrizes mandou e o outro mesmo contrariado obedeceu – Você a partir de hoje vai se chamar Matsumoto Takanori.

–Tá maluco Shinigami? Vai adotar o pirralho? – ele não respondeu, só virou as costas e quando já estava na porta perguntou.

–Vocês não vem?

Passei uma semana ao lado daqueles dois, não lembro ao certo por onde passamos só lembro que pela primeira vez em minha curta vida eu não tinha medo.

“Tento descobrir meu lugar em uma cidade escura

Nós estaremos fora de casa esta noite

Me esqueci das palavras a te dizer

Um hobby instável”

Se aproximava a noite quando paramos na porta de um prostíbulo, o lugar que eu chamaria de casa pelos próximos sete anos.

–Pode ganhar dinheiro com ele como bem entender só não o quero cheio de cicatrizes e marcas quando voltar para busca-lo.

–Mas você sabe que alguns clientes gostam de-

–Não me importa o que eles gostem. Só dê ao garoto um lugar pra dormir e comida pra comer até que eu possa voltar.

–Como desejar Shinigami-sama. – a mulher que um tempo depois fui saber que era a dona dali sorria – O garoto estará aqui quando voltar.

–Ótimo. E você – ele se voltou pra mim – enquanto estiver aqui dentro se chamará Ruki.

Minha estadia ali nem foi tão ruim assim. Claro que não era agradável ser abusado todos os dias mas pelo menos ali eu tinha alguém que se importava comigo mesmo que fosse só pra me manter inteiro até Shinigami-san vir me buscar. Com o tempo eu aprendi a ser o que cada cliente queria ter em sua cama e com isso passei a ser o mais desejado ali e com apenas dez anos já era o prostituto de mais valor daquela casa.

Yoko-sama não podia estar mais feliz com os lucros, meu número de clientes diminuiu já que poucos podiam pagar por uma noite comigo e eu até tinha tempo pra estudar lendo os livros que Yoko-sama me trazia de suas idas á cidade.

–Você virou uma bonequinha de luxo Ruki-chan. – Tomiko-san era minha cliente mais frequente – Realmente é uma pena que não esteja a venda.

Ela falava ainda deitada na cama pouco se importando com a nudez. Pelo menos, por enquanto, ela estava satisfeita.

–Eu ficaria tão feliz se pudesse tê-lo em minha casa, na minha cama a hora que eu quisesse. – Tomiko era o tipo de pessoa que gosta de ser ouvida, que nunca admite ser contrariada e que adora mandar em outras pessoas, especialmente aquelas que sabiam obedecê-la como eu – Já está cansado?

–Nunca pra você nee-san. – ela também tinha algum fetiche doentio ao me imaginar como seu irmão mais novo por isso pedia que eu a chamasse assim.

–Ruki-chan é sempre tão frio com as palavras – ela sentou em meu colo, aproximando os lábios do meu ouvido – e sempre tão quente em meus lençóis.

–Eu sei o quanto você gosta nee-san, isso é o bastante pra que eu seja o que quiser.

–Diz isso pra todos?

–De que importa?

–Tem razão chibi, não importa.

Ainda tive muitas noites como aquela com Tomiko-san, conversávamos, fazíamos sexo, conversávamos de novo e depois mais sexo, sempre nessa ordem. Não tinha dia certo ela só aparecia lá e pagava o suficiente pra me ter a noite inteira.

“Pista de um estojo de plástico, música de suicídio

Um psicopata legal em uma linha vermelha perfeita

Uma cabeça cheia de palavras mordentes (..)

Brincadeira melancólica e afiada”

Cheguei a pensar que ela estava criando algum tipo de obsessão por mim o que se confirmou quando depois de uma semana sem aparecer ela veio com aquele papo estranho.

–Não gostaria de sair daqui Ruki-chan? De não precisar se deitar com esses imundos? De ter uma vida normal como as outras pessoas?

–Eu não tenho que gostar ou querer nee-san, sempre me disseram isso. Além do mais o Shinigami-sama virá me buscar quando chegar a hora, até lá não posso sair daqui.

–Shinigami você diz. Fala daquele homem que te trouxe quando era pequeno? – não pude disfarçar a surpresa que me atingiu – Sim, eu vi quando botou os pés aqui pela primeira vez otouto. Uma gracinha de menino transformado num boneco de modelar. Vou acabar com suas ilusões pequeno, ele não virá te buscar.

–O quê? Mas ele prometeu. – um sorriso sádico se alastrou em seu rosto.

–Nem todas as promessas são cumpridas. Diga-me você, a quanto tempo espera? Cinco, seis anos?

–Sete. – eu não tinha percebido onde ela queria chegar, só me preocupava com a possibilidade de ter sido abandonado ali como tanto me neguei a acreditar.

–Acha mesmo que em sete anos ele não tenha tido nenhuma oportunidade de vir te buscar? O mais certo seria dizer que ele não quis.

–É mentira! Shinigami-san não me deixaria aqui!

–Verdade? O que você tem a oferecer a um homem como ele? Talvez sexo, mas ele não me parece do tipo que se deita com alguém tão... usado. – senti raiva dela.

–Como se atreve a dizer essas coisas? Shinigami-sama me deu uma vida!

–Uma vida num prostíbulo! Se sente grato por isso? Oras Ruki você não conhece nada além do sexo, dinheiro e as paredes que te separam do mundo lá fora, acha que o que tem aqui é bom? Não é nada comparado ao que teria se viesse comigo. Posso te oferecer tudo o que quiser, te mostrar as vantagens de se ter dinheiro.

–Eu sei muito bem o que tem lá fora e não é muito diferente daqui. Se eu fosse com você minha vida também não mudaria, só seria prostituto de uma pessoa só. – minhas palavras a irritaram – Nada que puder me oferecer me faria esquecer do homem que me salvou.

–Se apaixonou por ele? – ela riu me olhando com desprezo – Você, se apaixonou por ele?

–Não. Só sou eternamente agradecido. Agora, se não precisa mais de meus serviços. – me levantei vestindo um kimono absurdamente curto negro com chamas vermelhas subindo de sua bainha.

–Eu não lhe dispensei Ruki. – parei a tarefa de enlaçar o kimono – E não terminamos nossa conversa.

–Meus assuntos pessoais não lhe dizem respeito. Nossa relação é apenas profissional, caso volte a falar o que não deve pedirei a Yoko-sama que não aceite mais do seu dinheiro. – ela levantou da cama apertando a gola de meu kimono.

–Você pode ser o bilhete de ouro da cafetina mas não tem tanto poder assim. Especialmente por que sou eu quem mais paga por você.

–Muito pelo contrário Tomiko-san, numa semana faturo muito mais e você sabe disso.

–Por mais que seja verdade você não aguenta tempo o bastante de sexo pra saciar mais de três por noite. – foi a minha vez de rir com todo o escárnio que tinha por ela.

–Tomiko-san melhor do que ninguém sabe que eu aguento o tranco. Hoje eu me dou ao luxo de só trabalhar três dias na semana mas se eu resolvesse por algum acaso trabalhar todos os dias de novo seu dinheiro não faria a menor falta. – a vi levantar a mão como se fosse me bater e por um momento foi como se meu pai estivesse ali – Toque em mim e te faço queimar de novo.

Ela recuou, assustada com meu tom de voz.

–Queimar? Do que está falando?

–Foi o que aconteceu com o último que levantou a mão pra mim, você não quer ser a próxima certo? – ameaça-la me deixou confortável, era a primeira vez que eu via o medo nos olhos de alguém, era... indescritível.

Mesmo que eu não pretendesse cumprir a ameaça já que nem sabia como se queimava alguém sem ter nada em mãos. Provavelmente ela chegou a mesma conclusão que eu tinha: era impossível.

–Vou te ensinar a nunca mais me ameaçar Ruki-chan. – ela pegou sua bolsa onde sempre levava roupas pro dia seguinte e tirou dali um chicote desses usados em cavalos – Espero que volte a ser o bom menino de sempre quando eu terminar.

Eu tentei fugir mas a porta estava trancada por fora, uma de suas exigências da qual tinha esquecido, o rapaz do lado de fora só abriria quando ela dissesse que podia independente da quantidade de gritos que eu desse já que gritos e choros desesperados eram bem comuns ali.

Aquela noite foi a pior de todas, o couro sujo com meu sangue, os gritos, as lembranças de meu pai e ao amanhecer do dia uma Yoko totalmente desesperada chamando o médico da casa.

Depois disso ela cuidou de mim pessoalmente, como se eu fosse alguém muito importante pra ela, o que era mentira. Ela só tinha medo de Shinigami-sama voltar exatamente agora em que eu estava de cama por uma surra que jamais deveria ter acontecido e com cicatrizes recentes demais para ela culpar minha infância.

E assim como ela temia e eu ansiava, Shigami-san apareceu ali exatamente uma semana depois.

–Pensei ter deixado bem claro que não queria cicatrizes no garoto. – foram suas primeiras palavras assim que me viu, mesmo vestido algumas ainda eram visíveis.

–I-Isso foi um pequeno problema com uma cliente, desde então Ruki não tem mais trabalhado e ela não tem mais vindo aqui.

–Diga-me o nome.

–Shinigami-sama, é falta de profissionalismo da minha parte dizer quem são meus clientes.

–Se não entrega-la morrem as duas. – ele foi direto e eu fiquei estranhamente feliz por saber que ele as mataria por mim.

–Matsui Tomiko. – respondi por ela, ele me encarou com seus olhos negros e profundos como a noite sem estrelas e se voltou para Yoko.

–Vou fazer um favor ao planeta me livrando de você.

–E-Espere Shi-inigami-sama! Va-vamos conversar a respeito.

–Não converso com humanos sujos como você. – e pela segunda vez eu ouvi aquela única palavra – Queime.

Eu poderia olhar por quanto tempo fosse, aquele fogo simplesmente me envolvia como se me convidasse a dançar mas dessa vez eu não tive muito tempo para olhar, o fogo se alastrou rapidamente pelo piso de madeira e Shinigami-sama sem a menor pressa me pegou no colo pulando comigo a janela. Mal pus os pés no chão e toda a casa pegava fogo, eu podia ouvir os gritos de todos lá dentro, pela primeira vez senti pena de alguém.

Nem todos os garotos que estavam lá eram ruins, nem todos mereciam morrer queimados.

–Consegue andar? – voltei minha atenção para Shinigami, ele estava uns passos mais afastado, acendia um cigarro usando um dedo como isqueiro.

–H-Hai. – aquela centelha de felicidade se alastrou por meu peito quando ele virou as costas e começou a andar. Ele finalmente tinha vindo me buscar.

–SHI-NI-GA-MI!!!! – o loiro que descobri se chamar Shi gritou correndo em nossa direção.

Pode parecer estranho eu confiar num cara que chamam de Deus da morte e seu parceiro, ironicamente ou não, chamado Morte mas eu me sentia bem com eles.

–Nossa, o monstrinho cresceu! – Shi definitivamente não tinha noção de tempo e a meu ver não tinha envelhecido nem um pouco desde que nos conhecemos.

–Já passaram sete anos, o que esperava? – perguntei sem conseguir segurar a língua.

–Já? Eu diria “só” monstrinho. Meu tempo não corre no ritmo do seu. – fiquei perdido naquelas palavras.

–Shi, já chega. – sua voz ecoou como um trovão – Encontre Matsui Tomiko.

–Sim, meu Amo. – e o loiro sumiu, tão rápido que só senti o vento.

–Takanori – ele chamou minha atenção – você gosta do fogo não é? – assenti – Mesmo sendo ele quem matou seus amigos pelas minhas mãos?

–Nenhum deles eram meus amigos, talvez um ou outro não merecesse morrer mas eu não me importo. – estava sendo sincero, ninguém naquela casa realmente me importava.

Nesses sete anos não me senti a vontade pra falar com ninguém lá dentro, minhas falas ensaiadas eram para meus clientes e ninguém mais, nem Yoko-san ouvira minha voz mais de duas vezes. Eu não me importava em ficar sozinho com meus pensamentos enquanto esperava Shinigami-sama me levar embora pra onde quer que fosse.

–Gostaria de aprender a usar o fogo? – meus olhos brilharam com a hipótese.

–Hai! – ele deu um meio sorriso.

–Bom, quando chegarmos em Kanagawa vou começar a treiná-lo. Encontrou ela Shi? – eu nem ao menos percebi que ele já estava ali até Shinigami-sama mencioná-lo.

–Ninguém foge da morte, você devia saber disso. Me siga. – o loiro com um único salto pousou no telhado tão levemente que parecia flutuar.

Shinigami-sama mais uma vez me pegou no colo me fazendo corar pela primeira vez em muito tempo. Depois de pular pro telhado assim como Shi fizera eu deixei de ver muita coisa, na verdade só o que meus olhos conseguiam acompanhar eram rápidos borrões até pararmos em frente a uma mansão.

Fui pro chão, caminhamos até a entrada tranquilamente, os seguranças nem tiveram tempo de pensar e já estavam no chão com sangue escorrendo dos olhos, ouvidos, nariz e boca. A visão me deu arrepios.

“Horrorosos calafrios na coluna vertebral (..)

Triste brincadeira afiada”

–Me deixe cuidar dos peixes pequenos koi. – Shi tinha um sorriso macabro no rosto.

–Como quiser. – o loiro desapareceu mais uma vez.

Eu e Shinigami-sama continuamos nossa caminhada só encontrando corpos pelo caminho, era uma mansão realmente grande mas ele em nenhum momento hesitou ao escolher que lado seguir, não duvidava de que ele soubesse exatamente pra onde ir.

No terceiro andar entramos no último dos quartos, lá já estava Shi observando Tomiko atentamente para que não fugisse... como se ela tivesse alguma chance.

–Ruki! – ela exclamou parecendo aliviada – Meu otouto querido, quem são esses homens e o que fazem em minha casa? – pela primeira vez em minha vida, eu gargalhei de tanto rir. – O-O que é engraçado chibi?

Shi e Shinigami não disseram nenhuma palavra, só me observavam curiosos com a reação inesperada. O espelho na cabeceira da cama king size na qual ela estava sentada me permitia ver meu sorriso, tão ou mais sádico que o sorriso que o loiro sempre dava.

–Engraçado é te ver tão perto da morte e continuar te achando patética. – seu rosto empalideceu – Eu te avisei que ia acontecer certo? Ou você realmente pensou que eu estava “tentando te assustar”?

–Um pivete como você não pode fazer nada! – ela gritou desesperada.

–Talvez, mas a morte e seu Deus estão do meu lado, foi realmente um desprazer conhece-la nee-san.

–E-Espera, o que quer dizer com isso moleque? – aquela forma de me chamar me fez ter vontade de esganá-la com as próprias mãos.

–Que hoje é o dia em que pagará por seus pecados humana. – a voz de Shi se distorcia a medida que falava – Pagará por ter tocado no monstrinho do meu Amo, para o seu azar eu sou a morte. – em segundos Shi encostou dois dedos no rosto dela, fazendo surgir um símbolo que desconhecia e voltando pro nosso lado no segundo seguinte – E quem a morte encontra, o Shinigami cobra a dívida.

Shinigami-sama deu dois passos à frente, o olhar aterrorizado dela fez meu sorriso alargar.

–E sua dívida será paga com vida. Queime.

Nada me pareceu ser mais interessante do que vê-la queimar até virar cinzas.

–Se eu não te conhecesse poderia jurar que era realmente a morte pela sua atuação lá dentro. – comentei assim que saímos da mansão, essa agora em chamas.

–Realmente Shinigami, não podia ter arrumado uma criança normal pra cuidar não? Escolheu logo um bipolar.

–Eu não sou bipolar.

–Não mesmo? E quem era aquele garoto rindo histericamente lá dentro?

–Ele era o Ruki. – respondi abrindo um sorriso sincero, eu me sentia leve e satisfeito.

–Tô falando! Depois não reclama se o monstrinho resolver seguir seus passos.

–Não se preocupe Shi, ele já os está seguindo.

Seguimos para Kanagawa e em nossa primeira noite lá Shinigami-sama me levou pro bosque, lá ele me contou tudo sobre os bruxos e os feiticeiros, suas desavenças e até sobre seu trabalho, que seria como um assassino de aluguel a serviço do conselho. Me explicou também sobre sua relação com Shi, uma ligação meio complicada entre Amo e Consorte a qual eu não entendi muito bem no começo.

A cada noite ele me ensinava algo diferente e em pouco tempo eu já podia incendiar pequenas coisas e apagar o fogo quando bem entendesse.

–O monstrinho até que tem talento. – Shi comentou ao me ver fazer um círculo de fogo na palma da mão.

–Hoje você terá uma lição diferente Takanori. Quero ver mais daquele Ruki.

–Vai mesmo leva-lo pra esse caminho? O monstrinho tem coração frágil dá pra saber só de ver o quanto se apegou a você em uma mísera semana. Sabe que se ele entrar não terá volta.

–Você também viu o olhar dele daquela vez. – só foi preciso aquela frase e Shi perdeu todos os seus argumentos, não que eu tivesse entendido alguma coisa a respeito.

–Já está na hora. – segui Shinigami-sama até o parque da cidade.

Era tarde e por isso não encontramos ninguém no caminho, no parque só havia um garoto, provavelmente da minha idade, correndo atrás de uma borboleta como um gato corre atrás de lã.

–Ele é um Mectro-lux, o primeiro depois de quase cinco séculos. Recebi uma missão especial pra ele mas quem vai executá-la será você.

–Vamos mata-lo? – perguntei em dúvida. Ele não me parecia alguém tão poderoso assim.

–Não. – ele riu, provavelmente pela minha indiferença quanto ao que ia fazer – Você vai assusta-lo, uma queimadura é o bastante. A interpretação fica por sua conta... Ruki.

Sorri ao pensar em ver aquela expressão de novo e ainda deixar Shinigami-sama satisfeito, não tinha muito o que pensar, só agir.

Me aproximei do garoto, agora caído no chão, pra chamar sua atenção eu ri, um truque simples com o vento e minha risada se espalhava em todas as direções, mais um truque bobo e eu o mantinha no chão, pra garantir que não ia fugir.

–Não te ensinaram que é perigoso sair sozinho à noite?

Ele finalmente notou minha presença ali, meu sorriso cresceu. Aquele olhar assustado não me dava pena, pelo contrário, eu estava lhe fazendo um favor.

–Sabia que existem pessoas malvadas? Elas podem te fazer mal quando estiver sozinho. Principalmente de noite. É o horário perfeito, e crianças como você deviam estar em casa se preparando pra dormir. – eu podia falar com conhecimento de causa.

Eu podia ver em seus olhos inocentes que jamais vira ou sofrera algum tipo de maldade... me pareceu tão injusto. Se iludir que o mundo era um lugar bom quando se tem tanta coisa ruim embaixo do tapete.

–V-Você também é criança e também não está em casa. – aí ele se enganava, eu estava sim em casa.

Shinigami-sama era minha casa. Onde ele estivesse eu também estaria, o que ele pedisse eu faria, não havia certo ou errado só eu e o homem que me deu uma segunda chance.

–Mas eu sou diferente, eu posso me defender. E você, pode se defender de mim? – o sorriso ainda brincava em meu rosto quando sussurrei – Queime.

–AAAAAAH! – meu sorriso sumiu, ouvir os gritos dele me fez ver que aquele fogo não era tão bonito. Era... errado.

Meus pés se moveram sozinhos, eu apaguei o fogo.

Aqueles gritos, aquele choro, era tudo errado, ele não merecia o que eu estava dando.

Alguém com os olhos tão puros não merecia passar pelas minhas mãos.

Eu não queria mostrar o medo pra mais alguém. Eu não queria ser como meu pai.

“Lenta chuva gelada, mesmo desejo que constantemente repito

Lenta chuva gelada, que derrete na solidão

Eu tento não me tornar um deles”

Não percebi quando comecei a correr, menos ainda quando comecei a chorar, só notei essas duas coisas quando dois braços me envolveram.

Shi-san me acalentou até que eu me acalmasse de novo.

–Está tudo bem monstrinho, você fez o que tinha que fazer.

–P-Por quê? Ele não fez nada. – talvez aquele sentimento novo fosse o que chamam de remorso.

–Ele precisava disso pra despertar. Pense que se não fosse você poderia ter sido pior sim? – também pela primeira vez vi Shi com um sorriso triste no rosto – Agora vamos pra pensão descansar, amanhã vamos pra Tóquio bem cedinho e você precisa estar disposto.

Aquela foi a primeira noite pra muita coisa, foi a primeira vez que chorei por alguém que não fosse eu, foi a primeira vez que recebi um abraço, a primeira vez que soube o que era carinho, foi também a primeira vez que eu vi a decepção nos olhos de Shinigami-sama.

Na manhã seguinte nenhum de nós conversou, só nos perdemos em pensamentos dentro do trem. Os meus em especial se resumiam a uma frase.

Eu não era útil.

Shinigami-sama não precisava de um peso morto sem propósito. E se eu não era capaz de fazer o que ele queria logo seria descartado.

Ao menos, era isso que eu pensava.

Assim que chegamos Shinigami-sama disse que precisava falar com o conselho sobre alguns assuntos e me deixou com Shi, passamos por diversos lugares até anoitecer e caminharmos pra cobertura de Shinigami-sama no centro.

–Sinta-se a vontade monstrinho, o banheiro é naquela porta, vou separar roupas novas pra você. Agora evapore da minha frente que eu ainda vou preparar a janta. – não pude evitar de sorrir.

Shi-sama podia não ser muito bom com as palavras e até parecer meio maluco a maior parte do tempo mas era uma boa pessoa. Ele se preocupava comigo de verdade.

Não me demorei no banho, roupas limpas me esperavam em cima do cesto, me vesti já sentindo o cheiro bom de comida se alastrando no ambiente.

–Nee Shi-san, Shinigami-sama vai demorar muito? – perguntei próximo à parede, observando-o terminar de por a mesa.

–Por que monstrinho, a fome é tanta que não vai aguentar esperar? – senti meu rosto esquentar.

–Claro que não, só queria saber se ele vai jantar com a gente.

–Sim, ele já está chegando... e pelo visto não vem sozinho. – mau ele falou ouvi o som da porta sendo aberta. – Okaeri.

Os passos ecoaram pelo apartamento e por um reflexo dos últimos anos me inclinei pra frente em respeito a quem entrava. Shi já havia me dito pra parar com essa mania.

Shinigami-sama sentou em seu lugar à mesa, meus olhos caíram no garoto que o acompanhava, ele tinha o cabelo loiro e liso, olhos de um exótico cinza, ele devia ter uns dezessete anos e estava magro demais.

–Monstrinho, vem me ajudar a servir. – fui ajudar Shi sentindo o olhar do loiro sobre mim.

–Suzuki Akira está sob minha responsabilidade agora, espero que se dê bem com ele Takanori. – parei a colher com arroz na metade do caminho.

Ele ia morar conosco.

Tentando disfarçar o choque da informação continuei servindo, vendo-o sentar na ponta da mesa, afastado. Seu rosto mostrava todo o desagrado que tinha em estar ali e me perguntei o que teria de tão ruim nisso.

Logo jantávamos num silêncio estranho, nem Shi-sama se atreveu a fazer suas brincadeiras de sempre, meus pensamentos de mais cedo estavam voltando a ocupar minha mente quando ouvi o som de copo quebrando.

Era de Akira, ele tinha feito de propósito. Shi e Shinigami-sama não tinham a melhor das expressões, minha primeira reação foi tremer, não me importei com aquela tensão no ar ou o olhar desafiador que Akira sustentava, eu só precisava limpar aquilo.

Qualquer sinal de bagunça ou sujeira me deixava daquele jeito. Cacos de vidro especialmente.

Nem ao menos percebi quando me ajoelhei e comecei a catar os cacos com certa pressa, como se ninguém pudesse ver, como se a qualquer momento alguém fosse aparecer e gritar pela bagunça que eu tinha feito.

Também não percebi quando lágrimas começaram a rolar dos meus olhos nem quando comecei a apertar os cacos com força desnecessária fazendo alguns entrarem na carne fina de minhas mãos.

–Taka-chan? – Shi mais do que depressa se ajoelhou ao meu lado mas eu não conseguia parar – Não precisa limpar isso querido, deixa que eu faço.

–Iie, ele vai ficar bravo. – sussurrei sem parar minha tarefa.

–Ele quem? – eu não consegui responder, acabei apertando mais os cacos vendo meu sangue escorrer – Droga. Solte isso monstrinho, vamos cuidar de sua mão primeiro.

Eu teria continuado limpando se Shi não tivesse me obrigado a levantar, minhas mãos continuavam tremendo, eu ouvia vários gritos, todos falando o quanto eu era inútil mas um em especial se sobressaiu.

–Moleque inútil, olha bem a merda que fez com meu copo! Vou te ensinar a nunca mais tocar no que não deve.

Meus olhos pousaram em Akira, ele parecia assustado com minha reação.

–Me deixa terminar de limpar Shi-sama. – pedi mas ele continuou me puxando pra fora da cozinha.

–Não mesmo chibi. E para de apertar os cacos ou vai doer mais pra tirar. – ele me fez sentar na cama enquanto pegava a caixa de primeiros socorros.

Realmente, doeu.

–O que te deu monstrinho? Era só um copo. – Shi perguntou enquanto enfaixava minha mão.

–Mas eu quebrei. – ele me olhou incrédulo.

–Quem quebrou o copo foi Akira.

–Não Shi, quem quebrou fui eu. – insisti.

–Se você diz. – ele deu de ombros mas continuou me olhando meio estranho como se questionasse a si mesmo se eu era maluco de fato.

Mas fui eu quem derrubou o copo, eu quem devia limpar.

Depois daquela cena na cozinha eu não tive coragem pra voltar e terminar o jantar, Shi-sama insistiu em trazer tudo numa bandeja pra que eu terminasse no quarto mesmo mas eu tinha perdido a fome. Ele reclamou um pouco por tudo estar exatamente do jeito que me entregou mas no fim desistiu de me fazer comer mais.

Na penumbra do quarto olhei minha mão enfaixada por um tempo. As ataduras levemente sujas de sangue me pareciam familiares de alguma forma.

–Rei-chan. – como um flash lembrei daquela faixa que tanto gostava, não sabia dizer ao certo que fim ela teve.

Passado mais algum tempo notei que nenhuma luz vinha pela fresta da porta e supus que todos já tinham ido dormir. Eu faria o mesmo se não estivesse tão bem acostumado a só pregar os olhos entre quatro e meia e cinco e meia da manhã mesmo cansado do jeito que estava pela mísera meia hora de sono que tive antes de entrar naquele trem.

Tentei me distrair das mais variadas formas até finalmente resolver fechar os olhos e esperar pelo sono. Cheguei a respirar mais devagar e mais profundamente como se dormisse, até que algo realmente começou a me incomodar.

Era como se estivessem me olhando.

Quando abri os olhos e vi o rosto de Akira a centímetros do meu eu pensei em gritar mas sua mão tapou minha boca enquanto ele fazia sinal de silêncio com a outra. E mesmo que eu quisesse gritar eu não o faria, simplesmente por que ele pediu. Infelizmente eu ainda era uma boneca de modelar.

Ele notou que eu não faria nada e retirou sua mão.

–Você tem medo deles? – ele sussurrou.

–Eles quem? – sussurrei de volta.

–Shinigami e Shi.

–Não. Eles são legais.

–Legais? – sua voz soou surpresa – Eles são assassinos, podem ser tudo menos legais. – a certeza dele me irritou.

–Eles são legais comigo. Também seriam com você se não agisse da forma que agiu na cozinha.

–Ninguém é legal com um youkai incontrolável.

–Shi-sama também é um youkai.

–Mas ele tem coleira.

–Coleira?

–Por que chorou na cozinha? Era só um copo. – ele desconversou.

–Era um copo quebrado.

–Certo, quebrado, mas continuava um copo. Você parecia com medo de alguma coisa. – eu desviei o olhar – Era medo de alguém em especial?

–Por que não gosta do Shinigami-sama? – ele bufou.

–Ele é um bruxo assassino precisa de mais? Agora responde a minha pergunta.

–Eu... – inconscientemente comecei a tocar minhas ataduras – tinha medo do meu pai.

–Seu pai? O que ele fez?

–Ele me batia... quando eu incomodava demais, ou fazia alguma coisa errada. Eu não lembro direito, só sei que era ruim.

–E o que aconteceu com ele?

–Shinigami-sama o matou. No meu aniversário de três anos.

–E você ainda consegue gostar desse cara?

–Meu pai ia me matar naquele dia. – observei sua expressão de choque se tornar arrependida.

–Desculpe fazê-lo lembrar dessas coisas.

–Iie... é bom falar com alguém as vezes.

–Amigos então? Pode falar comigo sempre que quiser.

–Amigos? – ele queria ser meu amigo?

–Você não quer? – sua voz soou desapontada.

–Quero! – respondi depressa – Quero. – ele sorriu como se tivesse ganhado algo muito especial.

–Bom, agora eu vou te deixar dormir. – ele levantou e caminhou até a porta.

–Akira. – chamei, recebendo sua atenção de novo – Posso te chamar de Reita? – ele pareceu pensar um pouco.

–Só se eu puder te chamar de um jeito especial também. – senti meu rosto aquecer.

–Me chama de Ruki.

Foi a partir desse dia que eu descobri como era viver de verdade.

Akira ainda não confiava em Shinigami-sama e Shi-sama mas pelo menos não fez mais nenhuma cena como aquela, talvez, por minha causa.

Ele me contou que tinha sido capturado por bruxos quando ainda era um filhote e cresceu sendo treinado para ser um bom consorte. Me contou também que ele já fugira várias vezes mas sempre acabava sendo trazido de volta. E contou também que foi o próprio Shinigami-sama quem se ofereceu pra cuidar dele.

Shi-sama no começo não gostou muito da minha aproximação com Akira provavelmente pela fama dele de encrenqueiro, mas agora que morávamos juntos não tinha muito o que fazer, e ele também estava se comportando.

–Monstrinho e cão de guarda, eu e Shinigami vamos terminar uma missão numa cidade próxima e enquanto estivermos fora espero que se comportem.

–Não precisa se preocupar Shi-sama, vamos ficar bem. – respondi.

–Tenho minhas dúvidas. De qualquer forma estamos indo.

Com o fechar da porta, Reita que fingia assistir televisão se voltou pra mim que arrumava a estante pela oitava vez essa semana.

–O que me diz de sairmos?

–Não é uma boa ideia. – eu ainda não tinha me acostumado que podia sair sempre que quisesse. Era... estranho demais.

–Nem se eu disser que hoje é um dia especial? – parei o que fazia, olhando pra ele ainda sentado no sofá.

–Especial?

–Sim! Mas eu só conto se aceitar sair comigo. – fiz bico.

–Chantagista. Eu saio com você, agora conta por que é especial. – sentei no sofá bem perto dele, como se fosse me contar um segredo.

–Bem, eu não te contei antes mas... – Reita se aproximou, quase encostando seus lábios nos meus – hoje é meu aniversário.

–AAAH! – não consegui conter o grito, praticamente pulei pra fora do sofá – De-De verdade? – ele assentiu rindo da cara que eu provavelmente estava fazendo – Então... eu vou me arrumar!

Corri pro quarto tentando afastar as ideias malucas que invadiam minha mente sempre que Akira ficava perto demais, como na primeira vez que nos falamos.

Eu havia lido uma vez que as pessoas costumam comemorar em seus aniversários com festa e presentes. Prometi a Reita que no aniversário dele faríamos algo assim mas como ele deixou pra me avisar agora eu não tinha o presente, mas tinha em mente uma coisa, só não sabia se ele ia gostar.

Acabei por escolher a roupa que o próprio Reita comprou pra mim um dia desses, era uma calça preta rasgada nos joelhos, uma camisa cinza lisa e um coturno de salto plataforma. Tomei um banho antes de me vestir. Coloquei também um anel na forma de crânio que Shi tinha me dado.

–Rukiii, se demorar mais vou achar que desistiu.

–Já to terminando. – olhei no espelho mais uma vez para ter certeza que tudo estava no lugar e saí.

Reita me olhou da cabeça aos pés atônito e só o que eu pude pensar era que ele não tinha gostado.

–Não gostou?

–Não é isso, é que você é muito lindo e vestido assim fica ainda mais. – me senti corar ao mesmo tempo em que um sentimento novo me aquecia.

–Você também está muito bonito. – falei baixo meio constrangido por dizer algo assim.

Ele vestia uma calça preta com vários bolsos, uma blusa branca com desenhos grafitados em preto, nos pés ele usava um tênis também branco. No cabelo ele fez um moicano meio inclinado me lembrando uma cacatua? Me permiti sorrir.

Combinava com ele.

–Vamos? Tem um lugar que você vai gostar de ir.

–Mas era você quem devia gostar, o aniversário é seu.

–E você está me acompanhando, fora que não se discute com aniversariante.

–Tudo bem, não digo mais nada.

Eu não gostava de sair porque sempre tinham pessoas demais, barulho demais e eu facilmente me perdia no meio de tantas ruas e esquinas. No final eu só saia acompanhado e mesmo assim quase nunca o fazia.

–Chegamos. – ele anunciou quando paramos em frente a um salão de beleza.

–E viemos para? – Reita sorriu como se aprontasse alguma coisa.

–Vamos mudar um pouco o seu visual. – no mesmo instante ele começou a me puxar pra dentro.

–Reita eu não preciso disso, sério. – ele era mais forte do que eu mas continuei tentando voltar pra saída, o lugar estava cheio de pessoas andando de um lado pro outro, o cheiro de esmalte, acetona e mais alguma coisa que não soube identificar estava impregnado no ambiente. O lugar era bonito mas algo ali me incomodava e não era só a quantidade de pessoas.

–Akira, que surpresa vê-lo aqui, ainda mais acompanhado. – um rapaz que não me parecia japonês, entre 20 e 25 anos, moreno, com roupas discretas se aproximou.

–Isao! Já faz um tempo desde que nos vimos. Esse é o Ruki e é dele que você vai cuidar hoje.

–É um prazer conhece-lo, me chamo Isao, sou o cabelereiro chefe.

–É um prazer conhece-lo. – retribuí.

–Já sabe o que quer fazer? – olhei Reita num pedido mudo de ajuda.

–Na verdade eu o trouxe aqui sem falar nada, vai ser um presente.

–Ah, então acho melhor começar mostrando algumas opções, que tal um novo corte de cabelo? – depois de ver várias revistas acabei decidindo por um corte irregular, mantendo minha franja.

Isao e Reita também sugeriram que eu pintasse o cabelo de outra cor já que meu vermelho vibrante (vermelho esse que nem tinha sido eu quem havia escolhido) já tinha desbotado. Resolvi pintar com um vermelho mais fechado, parecendo um ruivo mais “natural”.

Isao também me ensinou uns truques para arrepiar o cabelo do jeito que eu queria e no final, ao me olhar no espelho, quase não me reconheci. Ele também havia me maquiado com a desculpa de que um presente devia ser completo, mas não era nada exagerado ou pesado como eu usava antes, só um pouco de delineador.

–O que achou? – Isao me perguntou sorrindo, Reita tinha ido pagar por tudo enquanto não terminava.

–A-Arigatou gosaimasu Isao-san, ficou melhor do que eu esperava.

–Que bom que gostou, sempre que quiser é só voltar.

–Hai.

–Isao, como sempre você fez um ótimo trabalho. – Akira falou sem tirar os olhos de mim.

–Agradeça aparecendo mais vezes.

–Não garanto nada.

–Como sempre. – os dois apertaram as mãos – Espero que não faça mais nenhuma besteira senão vai acabar preso de novo.

–Ele não vai, não enquanto estiver comigo. – me intrometi sem pensar, os dois me encararam surpresos pelo tom de voz que usei.

Nem eu sabia o motivo mas só a ideia de ficar longe de Reita me deixava possesso e mesmo sendo uma brincadeira não consegui me conter.

–Hum, é bom saber que agora tem alguém pra te botar na linha, fique de olho nele Ruki-kun. – Isao sorriu mais uma vez antes de voltar ao trabalho.

Completamente sem jeito saí do salão com passos apressados, Reita que vinha logo atrás tomou a dianteira com um sorriso convencido no rosto.

–Quer dizer que vai me manter na linha?

–Enquanto estiver ao meu alcance. – respondi em tom de brincadeira.

–Sempre vai estar. – o ouvi falar bem baixo me fazendo duvidar se fora isso mesmo.

–Disse alguma coisa? – me obriguei a perguntar.

–Disse que agora vamos comemorar.

–Ah... Reita, por que disse que era um presente?

–Porque é um presente.

–Mas o aniversário é seu. – protestei.

–E você já está me dando o presente da sua companhia.

–Não é justo! Eu também quero te dar um presente.

–Já que insiste. – entramos no shopping que tinha ali perto, ele me entregou seu cartão de crédito – Compre o que quiser, vou te esperar naquela fonte ali. A senha você já sabe.

Assenti e segui em direção as lojas, entrei primeiro numa dessas que vendem de tudo e sem precisar procurar muito encontrei meu primeiro presente, paguei e entrei numa loja de instrumentos musicais.

–Olá, gostaria de ajuda? – o vendedor perguntou sorridente.

–Anõ.. eu queria ver uns modelos de baixo. – ele pareceu surpreso mas logo disfarçou.

–Claro, os baixos ficam aqui, deseja alguma marca em especial?

–Da ESP.

Sem precisar procurar muito encontrei o baixo que queria, não fazia muito tempo eu e Reita foleamos uma revista de instrumentos musicais e Akira me disse que seu favorito era o baixo, que ele até aprendera a tocar mas nunca pode comprar um já que estava sempre fugindo.

Bem, ele não ia mais precisar fugir de qualquer forma.

Perdi uns belos minutos pensando em como fazer com que Reita não desconfiasse do que era. Acabei desistindo, ele já devia estar sabendo desde que eu entrei na loja de qualquer forma.

–E eu duvidando que você fosse mesmo comprar um. – Reita falou atrás de mim, com o susto quase derrubei o baixo que estava no estojo encostado ao balcão.

–Achei ter dito pra parar de duvidar de mim. – rebati.

–É o que vou fazer daqui pra frente. – ele pegou o baixo antes de me dar um beijo na testa – Arigatou chibi, gostei muito do presente.

Não pude evitar de fazer bico pelo “chibi” mas deixei passar por que era ele falando então não soava tão mal.

–Tem mais um, mas esse eu só vou te dar mais tarde. – entreguei seu cartão vendo seus olhos caírem na caixinha em minhas mãos.

–Estou curioso. – sorri.

–Era o objetivo. Aonde vamos agora?

–Conhecer um lugar antes de jantarmos.

–Mais surpresas?

–Você vai gostar dessa também.

–Akira – chamei um pouco mais sério recebendo sua atenção – Isao-san é um youkai também não é? – ele confirmou – Então o que eu senti no salão era?

–Um aviso para bruxos e feiticeiros.

–Ele é fugitivo então.

–Mais ou menos isso. Por que o interesse?

–Nada em especial, só queria saber se não estava imaginando coisas.

Caminhamos por um tempo até um parque de diversões, Reita nem me deu tempo de pensar e já estávamos na fila da roda gigante, minutos depois eu fui entender o por que, estava anoitecendo e o por do sol visto dali de cima era incrível.

–Lindo. – eu nunca tinha visto um céu tão belo quanto aquele.

–Nee Ruki, você não lembra mesmo que dia é hoje não é? – o olhei sem entender.

–Seu aniversário certo? – Akira sorriu um pouco.

–Na verdade não, assim como você eu não lembro quando é meu aniversário.

–Então você me enganou. – falei cruzando os braços e ficando sério.

–Não é meu aniversário mas é um dia especial. Faz um ano que eu te conheci. – senti meu rosto esquentar e abaixei os olhos na direção de minhas mãos, onde segurava a pequena caixa preta.

–Baka, isso não é razão pra comemorar. – falei baixinho, meu coração batendo tão depressa que parecia prestes a explodir.

–Claro que é! Eu já te disse Taka-chan, eu gosto de você. – apertei mais a caixa.

Sempre que ele dizia isso eu ficava confuso, não sabia se ficava feliz, irritado, se chorava ou sorria, eram sensações demais e eu não sabia lidar com nenhuma.

Mas era uma reação idiota já que Reita provavelmente me via como um irmão mais novo, aquele que precisa ser protegido, aquele que não consegue interagir com os da sua idade e que não consegue confiar nos adultos, que só sabe depender dele desde que moramos juntos.

–Ruki olha pra mim. – meu peito doía ao constatar que ele não precisava de mim e talvez nunca fosse precisar.

Foi no susto que notei suas mãos em meu rosto e seus lábios tocando os meus.

Pareceu a eternidade enquanto eu sentia seu toque tão gentil e caloroso, totalmente oposto a tudo que eu estava acostumado a receber.

Ele se afastou um pouquinho me olhando nos olhos como se pudesse ver tudo.

–Eu gosto de você Ruki.

–Eu... eu... – sem conseguir completar a frase fechei os olhos e empurrei a caixa contra seu peito.

Sem dizer uma palavra ele a abriu tirando dali o lenço branco com tribais na cor preta, eu tinha escolhido esse por que eram suas cores preferidas.

–É muito bonito. – revirei os olhos, tirei o lenço de suas mãos, dei a volta e amarrei o lenço em seu rosto na altura do nariz, tomando cuidado pra não apertar demais.

Quando terminei fiquei na sua frente para ver o resultado, como eu imaginava nele ficou perfeito.

–Sabe, isso vai chamar certa atenção. – ele comentou olhando a si mesmo através do vidro.

–Eu sei. Nem se atreva a tirar até chegar em casa.

–Novo tipo de coleira? – Reita riu mas não fez a menor menção de tirar o lenço.

–Entenda como quiser. Só não quero os outros olhando pra você como o Isao fez.

–Oh, está se tornando possessivo.

–Você é meu. – falei roubando um selinho dele.

–E você é meu demoniozinho.

“Cubra seu amor com uma máscara, eu juro para a vida toda

Eu não estarei totalmente misturado ao desespero

Brincadeiras melancólicas e afiadas, o que eu tenho a fazer?(...)

Não se esquecendo de ansiar pela liberdade(...)

Meus defeitos estão dançando”


Depois desse dia Reita e eu ficamos ainda mais íntimos, Shi-san logo notou mas não teve nenhuma reação até o dia em que Akira insinuou que tínhamos dormido juntos. Shi-san destruiu metade do apartamento e Reita acabaria do mesmo jeito se eu não tivesse convencido Shi de que apenas dormimos o que não deixava de ser verdade.

Com o tempo passei a fazer algumas missões do conselho e Reita consequentemente passou a fazê-las também mais para ficar de olho em mim do que me ajudar a completa-las.

As coisas começaram a desestabilizar quando o conselho notou que eu era realmente bom e começou a me mandar em missões mais difíceis, missões essas que não me permitia levar um acompanhante a não ser que este fosse meu consorte. Tudo teria ido bem se na minha terceira missão eu não tivesse voltado com um braço quebrado. Reita ficou possesso, me fez ouvir até cansar e no final disse que eu não faria mais missões.

Não que eu realmente me importasse, só as fazia porque davam algum dinheiro e como Shi-san pela primeira vez estava apoiando Reita em alguma coisa achei melhor parar e procurar algo menos perigoso pra fazer. Passados menos de dois dias que eu comuniquei minha decisão Shinigami-sama recebeu uma carta informando seu afastamento temporário sem motivos aparentes.

Era como um aviso de “ou você volta ou ele sai” que deixou dois youkais soltando fogo pelo apartamento enquanto o próprio Shinigami parecia não se importar, mas só parecia.

Uma semana depois Shi-san totalmente inconformado com Shinigami-sama que nem ao menos contestara o afastamento foi até o conselho tirar satisfações. Ele voltou no dia seguinte com um maldito selo na língua que o impedia de falar e um bilhete para Shinigami com os dizeres: “Ponha seu consorte em seu lugar.”

Depois disso eu mesmo fui até o conselho, Reita tentou me convencer a ir junto mas eu o impedi, o assunto não lhe dizia respeito e não o deixariam entrar independente do que dissesse.

Lá dentro eu era chamado de Shinigami também, não por eu ser o filho adotivo dele mas porque eu tinha muito do Deus da Morte em mim por assim dizer.

–Shinigami, a que devo sua visita? – o bastardo parado ao lado da janela com uma taça de sangue na mão perguntou, um sorriso falso brincando em seu rosto.

Não finja que não sabe senhor. – minha voz estava distorcida pela raiva, pela primeira vez desde que eu entrara ali não tinha o menor controle do que podia fazer, precisava matar alguém e rápido – Retire o selo de Shi-sama. – tentei me concentrar em outra coisa, o motivo deu estar ali.

–Se voltar a trabalhar conosco eu posso pensar no assunto. – ele estava provocando – Sabe, eu sempre gostei do seu olhar Shinigami-chan, sempre gostei do seu ódio e você provou que ele é bem útil pra nós mas você não quis nenhum consorte que ofereci, isso te torna mais vulnerável que os outros, mas você continuou completando missões melhor do que muitos bruxos que tenho. – ele falava girando a taça em sua mão – Virou um incômodo ver que você não tinha muitos pontos fracos a não ser aqueles três. Eu não tinha nada pra te manter aqui, mas posso mudar isso. – quando terminou ele deixou a taça cair, o vidro se partiu pulando em várias direções, o sangue se espalhando no chão e no segundo seguinte cerca de 20 youkais estavam á minha volta sedentos por sangue.

Eu não pensei, não senti, sem ao menos tirar os olhos daquela taça eu matei todos. Ainda não era o bastante, precisava ver o desgraçado a minha frente virando cinzas ou não ficaria satisfeito.

Ele riu, sua gargalhada ecoando pelo cômodo me incentivando a fazer o que Ruki queria, talvez, mata-lo não seria tão mal.

–Sabe Shinigami-chan, você tem o que muitos bruxos demoram milênios pra ter. E seus olhos da cor do inferno sempre me chamaram a atenção, o que eu não daria para tê-lo em minha guarda pessoal. – sim ele sempre quis isso, desde a primeira vez que pôs os olhos em mim, o problema da guarda pessoal é que todos passam pela cama dele.

–Uma pena que ele não esteja interessado não é mesmo? – Akira parou do meu lado e pelo estado de suas roupas podia dizer que toda a guarda até ali tinha virado jantar.

–Suzuki Akira. – ouvi-lo falar o nome de Reita deu a Ruki um motivo extra para estraçalha-lo membro por membro. Ah eu não ia segura-lo por muito mais tempo – O youkai incontrolável e o bruxo que não segue as regras, vocês dão uma boa dupla mas, acham que foi prudente deixar seus queridos tutores sozinhos?

Enterrei uma mão banhada em chamas em seu peito, sabia que não o mataria, o infeliz era imortal, mas Ruki estava pouco se importando pra isso.

Quem mandou pra lá? – perguntei antes de arrancar o coração dele e vê-lo derreter em minhas mãos.

–Shinigami-chan, você é mesmo arisco, infelizmente meu peito vai demorar pra voltar ao normal você sabe, e se tem uma coisa que odeio é quando estragam minha imagem. – ele ia me atacar de volta mas Reita o chutou fazendo parar a uma distância considerável, outros bruxos e youkais começaram a aparecer e Ruki me deixou pensar mais claramente, tínhamos que sair de lá e encontrar Shi e Shinigami-sama o mais rápido o possível.

Akira segurou minha mão e antes que eu perguntasse estávamos de volta na cobertura de Shinigami-sama, tudo estava revirado, marcas de fogo pra todos os lados e eles não estavam ali, eu não os sentia.

–Ruki. – Reita me chamou indicando algo no meio daquele monte de destroços – Ali.

Demorou um pouco até que eu visse, eles estavam ali, o que restava deles estava ali.

–Quem? – ia dar o primeiro passo mas Reita me segurou, tinha uma barreira em volta deles, provavelmente, faria entrar em combustão o que a tocasse – Quem Reita? QUEM FEZ ISSO?

–Eu fiz. – assim que ouvi a voz já estava atacando-o, um sorriso debochado era só o que eu conseguia enxergar naquele borrão de socos, chutes e fogo – Esquentadinho, bem que me disseram.

Em poucos segundos todo o apartamento pegava fogo, eu já não tinha controle do que estava fazendo só queria aquele desgraçado morto.

–Lamento dizer Ruki, mas ainda não vou lutar à sério com você, minha diversão aqui já acabou, se quiser continuar me procure, meu nome é Gackt. – ao terminar ele sumiu, no mesmo tempo em que bruxos e mais bruxos começaram a invadir o apartamento.

–Vamos indo. – Reita tentou me segurar mas eu ainda precisava fazer algo, qualquer coisa, e a única coisa que eu podia fazer agora era matar aqueles bastardos.


“Isso não é possível de escapar”




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Notas finais do capítulo

Okay eu demorei mas postei um capitulo bem grandinho pra quem não desistiu de mim >.< (sei q terão pessoas querendo me matar pelo q fiz com o Ruki mas enfim, eu aceito as ameaças)
E gomen de verdade por ter demorado tanto, minha inspiração foi embora e não queria voltar nem por um decreto.
Anyway, agora vou tentar normalizar as coisas e se não for muita cara de pau... deixem reviews pra mim? *-* Preu saber se ainda tem alguém lendo depois de tanto tempo -.-
Kissus mina.