Entre a Promessa e a Flor escrita por Nymus


Capítulo 9
9 - Entre a Promessa e a Flor




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Dois dias depois que Glast Heim foi limpa e o Druida Vermelho sumira da face de Rune Midgard, Atrius caminhava pelo santuário de Odin em Prontera, sem vestir um dos uniformes de sacerdote, optando por uma roupa sombria, fazendo seus cabelos verdes realçarem em todo aquele negro. O santuário estava silencioso, ninguém costumava ir lá aquela hora da manhã.

Ele dividia-se em uma parte aberta que saia num jardim bem cuidado, onde havia espalhados bancos de mármores por todos os lados e uma estatua de Odin sentado em seu trono. Do lado coberto, seguia um teto alto, segurado por imensas colunas rodeadas por flores. Bancos estavam dispostos entre pequenas estatuas dos deuses Asgardianos.

Ali estava toda a calma que Atrius procurava para seu espírito. Escolheu um banco estratégico no jardim aberto e sentou-se nele, colocando ao lado uma caixa ricamente decorada ao lado. Observou o jardim, sem ver nada a sua frente.

Sua mente rodopiava com os últimos eventos vividos e seu coração pesava, carregado de um pesar que ele nunca sentira antes. Parecia sufocado e as palavras engasgadas em sua garganta.

Inclinou-se subitamente pra frente e cobriu o rosto com as mãos.

Era sua culpa! A culpa era toda sua!

Blood Raven estava com Vic. Havia se apoderado do corpo de sua amiga, de sua companheira de armas. E ele? Ele não fizera nada! Sendo especialista na Arte do Exorcismo, ele nada fizera! Deixara Blood Raven tomar conta dela, fazer seus gestos os dela e fazer com que ela fugisse. Ela podia estar em qualquer lugar naquele momento e aquele mal nunca pararia.

Sua obrigação... sua promessa perdera-se no momento que ela saltara pela janela e num imenso corvo se transformara. A Cota estava destruída. Tudo havia sido em vão.

E nesse meio tempo que ele se preparava para ser aquele que carregaria a Cota de Odin, havia abdicado do amor de Florette por algo que agora não tinha mais importância. Ele falhara e nem mesmo de sacerdote ele devia ser chamado. Não havia mais aquela responsabilidade e com a Cota destruída, não havia mais a Promessa. A Promessa perdera todo o seu brilho e nada mais era agora do que um objetivo vago e distante. Sem a Cota, nenhum mortal poderia conter o poder de Blood Raven, e mesmo agora, ele acreditava que poderia ter sido parada.

As armas fabulosas que Odin dera a Rune Midgard perderam-se pelo tempo e a Cota era mais uma delas. Depois que viu que falhara em sua Promessa, perdera todo o poder e agora não controlava mais a Cota. Ninguém mais poderia. A arma que fora forjada para aprisionar Blood Raven de nada servira, pois em um único gesto, ela partira a Cota e desativara a habilidade mágica da arma.

Blood Raven que tinha uma necessidade crescente de obter poder para novamente enfrentar Odin, agora era uma inimiga que estava solta. Assassinara Dommenicus com facilidade e depois mais três noviços foram encontrados mortos, com mais dizeres de sangue na parede. Ela era cruel e não tinha nenhum sentimento. Ela não podia ser detida.

Quando estava treinando para fazer valer sua Promessa, o antigo Sumo Sacerdote havia lhe dito que se a Cota fosse destruída, a única maneira de parar Blood Raven era que sua cria se voltasse contra ela, ou que os Guerreiros do Ulster fossem invocados. E então ele sorriu maldoso embora os olhos fossem pura candura e disse com uma voz calma: "isso claro, se Odin não proibisse Invocação como Art"". Os Filhos do Ulster poderiam deter Blood Raven, mas o custo era muito alto. Desprezar as ordens de Odin era se voltar contra ele e seus filhos e filhas, era ter que enfrenta-lo frente a frente. E os Filhos do Ulster só poderiam ser invocados se a terra bebesse o sangue de uma virgem pura, como dizia a lenda. Se tivessem sorte na Invocação, a deusa Cathain Mayfair, a Dama do Lago, seria invocada.

Mas ele não considerava essa opção. Havia entrado para a Ordem de Odin para segui-lo e sabia de todas as punições desse e do outro mundo por tal ofensa as regras de Odin. Não, estava claro para ele que invocar Ulsters não era uma idéia nem ao menos a ser considerada.

E quanto a cria de Blood Raven, havia boatos que tal pessoa existia, mas Atrius não acreditava nisso. Se houvesse alguém com poderes como o de Blood, certamente teria sido notada em meio aos humanos. Mas ninguém fora notado e mesmo assim, sua Promessa incluía aprisionar tal pessoa.

O que ele faria agora?

Como diria ao pai de Vic que não fora poderoso o suficiente para salva-la? Como poderia voltar a encarar os Altos Sacerdotes e contar a eles que falhara? Por sorte, ou não, eles ainda se encontravam fechados na sala do Alto Conselho, recebendo mensagens de fora através de Angus Pendragon e nada mais. Ninguém sabia o que eles tanto faziam ou o que tanto discutiam, mas era claro que o assunto era Blood Raven.

Ela devia ser temida por todos os sacerdotes de Odin, que se tornavam inúteis frente a ela. E era de conhecimento de todos que ela tinha paixão em acabar com vidas dedicadas a Odin.

Um som no jardim chamou sua atenção e Atrius ergueu os olhos marejados para ver Beauty parada a sua frente. Ele sentiu vergonha por estar em lágrimas, e desviou do olhar dela, olhando para o lado. Ouviu ela se mover e sentar ao seu lado depois, tocando seu ombro e depois suas mãos juntas que se apertavam com força.

- Que a Paz de Frigga caia sobre você meu amigo – a ouviu dizer.

Paz? Quando poderia encontrar isso? Sentia-se tão mal, tão culpado... tantos anos e tudo o que conseguira fora um fracasso total. Tanta dedicação e crença de seu mestre e para quê? Para ver Vic pulando por uma janela e se transformando num corvo? Estava errado, ele não precisava de paz, ele precisava de uma punição por ter falhado.

Beauty deitou a cabeça contra o braço dele e nada mais falou, ficando ali com ele durante tempo indefinido. Ele não conseguia tirar da mente a cena de Vic pulando pela janela. O olhar incredulidade de seus amigos, o olhar arrasado de Jack. Ele que o havia salvado da morte certa, mostrando a Vic como se sentia em relação a ela, como acreditava que ela podia dominar aquela "coisa".

Pobre Vic... teria a alma condenada por Odin por fazer conspiração com Blood Raven. E nem ao menos teria como se defender de sua ira.

- O tempo pode melhorar tudo. Teremos conhecimento, teremos paz, teremos notícias – murmurou Beauty com a voz embargada – por favor Atrius, diga que ainda acredita que podemos melhorar isso! Que minha esperança não é falsa...

O silêncio dele foi a resposta para as palavras dela. Não condizia com a verdade ele afirmar que ainda tinha esperanças. Pois não tinha. Nenhuma. As palavras perderam-se, sem sentido aos olhos dele. Queria ele poder explicar tudo a ela. Dizer como se sentia, como estava sendo para ele. Sentia-se tão perdido...

- Odin vai cuidar dela. Eu acredito nisso...

Atrius por fim olhou para ela. Viu um olhar de crença total nas palavras ditas, tão forte, que ele teve que exibir um sorriso triste.

- Assim espero, Beauty.

O som de passos sobre a grama chamou a atenção de ambos que viram um noviço acompanhado por Angus.

- Atrius – Angus o cumprimentou com tom frio.

O sacerdote apenas acenou com a cabeça. E usando de sua técnica de esconder sentimentos, escondeu-se atrás de uma máscara de frieza e nada falaria até que fosse realmente necessário. Não gostava de se revelar naquele estado que se encontrava, muito menos para pessoas como Angus que pareciam desprovidos de sentimentos.

- Você está bem? – por fim, o cavaleiro perguntou.

- Estou um pouco...

- Abalado, eu diria – Angus comentou e deu um sorriso franco que durou segundos.

- Você ficara bem – disse Beauty, a voz saindo num sussurro. Ela se levantou e sorriu, e Atrius nem olhou em sua direção quando ela desapareceu.

Assim que ela se foi, Angus Pendragon permaneceu. Atrius não tinha coragem para olha-lo. Ficaram em um silêncio incomodo depois. Atrius sentia-se desconfortável na presença daquele homem poderoso e então voltou a apertar suas mãos no colo.

- Senhor Atrius, não ficarei aqui prolongando meu tempo curto com o senhor. Portanto serei direto: o que você fez com a minha filha?

Aquela era a pergunta que Atrius estava se preparando para responder, mas ao olhar para Angus e vê-lo olhar com impaciência em sua direção, tudo o que havia ensaiado sumiu de sua mente. Como poderia enfrentar aquele homem se nem ao menos ele conseguia se enfrentar? O que poderia dizer?

- Senhor Angus - começou Atrius incerto - perdoe-me por não ter conseguido ajudar sua filha. Não me sinto honrado o suficiente para tratar desse assunto agora.
- Ajudar? O que quer dizer com isso rapaz?
- Ela foi envolvida pelo mal de Blood Raven meu senhor. Não pude ajuda-la. Não pude liberta-la daquela prisão mágica... sinto-me tão mal por isso. Vyctory é minha amiga e saber que não consegui ajuda-la me parte o coração.
- O que houve com ela então?
- Blood Raven a dominou e antes que eu pudesse expulsa-la, ela fugiu com o corpo de Vic, transformando-se num corvo.

Para surpresa de Atrius, Angus Pendragon apenas suspirou como se estivesse aliviado por isso. O sacerdote ficou confuso por alguns instantes. Havia contado algo horrível ao pai de Vic e ele ficara aliviado? Algo estava errado. Ele poderia ter ficado aliviado por Vic não estar morta. Mas do que adiantaria? Agora ela era um zumbi... um simples instrumento da maldade de Blood Raven.

- Não entendo senhor como pode ficar aliviado. Eu não a salvei do que pode lhe acontecer, ela pode estar em qualquer lugar agora e pode estar fazendo alguma maldade. O senhor sabe que foi Blood Raven que assassinou o senhor Dommenicus e aqueles noviços... Vic tem uma habilidade sobrenatural com a espada e imagino o que ela pode estar fazendo agora já que não a impedi.
- Há coisas que fogem de seu conhecimento senhor Atrius - Angus falou, mantendo o tom de voz baixo - grandes segredos. Cuidarei pessoalmente para que minha filha seja trazida de volta. E agradeço por não ter feito nada a minha pequena.
- Mas senhor... como pode me agradecer por não ajuda-la?
- É o que eu digo senhor Atrius, conhecimentos que lhe fogem... fico feliz por sua ação. É tudo o que deve saber e suas respostas aliviam o sofrimento do meu coração. Encontre-se em paz e mantenha a calma - Angus por fim deu um rápido sorriso. Cumprimentou Atrius com um leve aceno de cabeça e tocou a testa, virando-se e deixando o sacerdote as sós novamente.

Segredos?

Todos tinham os seus. E aquele homem acabara de revelar que havia alguma coisa naquilo tudo. Ter deixado Vic escapar era algo terrível de suportar, e saber o que havia coisas por trás disso tudo o deixava ainda mais arrasado. O quanto teriam que esconder até que essa verdade viesse a tona?

Certamente não muito, pois assim como Odin não tolerava as trapaças de Loki, nenhum de seus sacerdotes suportaria algo parecido.

E agora que pensava nisso, via todos os segredos velados envolvendo os amigos. A curiosidade abateu-se sobre ele tão forte quanto sua dor pelo fracasso e perda de uma amiga. Os conhecimentos que lhe fugiam... Lier e sua adoração por vermelho, aquele imenso anel em seu dedo sempre brilhante e o rubi de lapidação perfeita. Vic e sua coleção de armas elementais forjadas em um estranho metal negro gravadas com runas. Raposa Noturna e sua estranha rejeição a sacerdotes de todos os tipos, a raiva que era sentida a cada olhar, a cada gesto e a cada palavra não pronunciada. Zanzar Ten e sua magia que ultrapassava os conhecimentos dos mais sábios magos e feiticeiros da atualidade de Rune Midgard.

Ao que parecia todos tinham seus segredos. Era justo te-los. Ao mesmo tempo que Atrius pensava que por eles, as coisas nunca seriam totalmente claras. Mas quem era para falar alguma coisa? Ele tinha seus segredos. Aquelas coisas que ele tentava sufocar, queria poder esquecer. Os seus segredos.

Sua mente foi para Florette e a estranha visão que ele tivera com ela. As asas de penas leves, as feições delicadas, o olhar sobrenatural. Era como se por um breve instante, ela não fosse humana e pertencesse a algo... algo que ele não podia compreender. Era uma linda visão, aquela mulher em roupas de tecidos transparentes que insinuavam as formas do corpo, revelavam em uma sombra os detalhes.

Sentiu-se perdido no momento seguinte.

Ele estava pensando em muitas coisas. Seu coração estava pesado e saudoso. E ele totalmente perdido.

Era de noite quando Atrius levantou-se entorpecido. Ficara ali o dia todo, pensamentos povoando sua mente, estranhas sensações pelo corpo. Não podia fazer nada quanto a isso e estava incomodado pela fragilidade que se encontrava. E com todo isso, ele não parava um só minuto de pensar em Florette e de como queria vê-la.

Achava bobo, mas estava com medo.

O amor que sentia por ela parecia ser a coisa mais importante depois de um dia de reflexões. Sabia que só encontraria as respostas se pudesse deitar a cabeça no colo dela e sentir os dedos dela acariciando seus cabelos.

Tudo havia desmoronado e agora ele precisava de um lugar seguro para ficar. E o único lugar que sabia ser seguro era com ela. Assim, tirou uma gema azul do bolso e observou a pedra a luz da Lua. Considerou o que ia fazer e porque o faria, mas acabou não se dando explicações suficientes porque tudo o que conseguia pensar era que queria estar com ela, ficar com ela, poder vê-la.

Utilizou a gema e abriu um portal para Payon.

Parado a porta da casa de Lier, ele observou as luzes de velas acesas, colocou as mãos no bolso e sentou-se numa raiz de arvore do outro lado da trilha que passava ali. Olhou para a varanda do quarto de Florette, lembrando que ela havia escolhido aquele quarto porque ficava de frente ao jardim e a janela do lado dava para uma frondosa árvore que parecia crescer em harmonia junto a casa.

Respirou fundo o perfume das flores noturnas e encostou a cabeça na árvore, sem tirar os olhos do quarto escuro.

Ele sabia que seria mais fácil entrar na casa do que ficar ali fora esperado poder vê-la, mas sentia uma culpa tão grande pelo o que havia acontecido que somente vê-la já lhe faria bem.

O tempo passou e ele ficou ali. Nem notou quando Raposa Noturna desceu de uma árvore sem fazer nenhum ruído e parar a frente dele. Olhou para a ladina e ela colocou as mãos na cintura aborrecida.

- O que está fazendo aqui?

Ele não respondeu. Sabia que Raposa não gostava de sacerdotes e que se dissesse alguma coisa, poderia se complicar com ela. E tudo o que não queria no momento era mais problemas. Raposa abaixou-se na frente com um movimento delicado e preciso.

Os traços de parentesco com Florette eram poucos. A mesma suavidade das expressões era notada, os olhos levemente afilados. Mas nada mais era parecido. Raposa era rígida, os olhos dela expressavam desdém enquanto conversava com ele quando não estavam cheios de ódio.

- Você deveria ir embora e esquecer tudo isso - disse Raposa com o silêncio dele. - Embora pouco me importe com seu sofrimento, não gosto de ver minha irmã triste por um sacerdote.
- Se eu não fosse um, faria alguma diferença pra você?

Ela o olhou de cima a baixo com um olhar apreciativo.

- Talvez...
- Sua irmã não sabe que estou aqui.
- Eu sei, pois se soubesse, certamente a tola estaria aqui fora com você - ela se pós de pé e o olhou como se fosse algum ser superior, Atrius a ignorou totalmente, estava acostumado aquelas situações com ela. - Esqueça tudo sacerdote, é o melhor que tem a fazer.

Com um movimento rápido, Raposa saiu da frente dele e quando ele olhou, ela entrava na casa.

Se ele pudesse esquecer de tudo seria muito bom... esquecer? Porque não havia pensado nisso antes? Uma idéia surgiu em sua mente e embora ela fosse dolorosa, era a mais correta a se tomar. Levantou-se e seguiu para Alberta, onde poderia encontrar a pessoa perfeita para ajuda-lo.


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