Entre a Promessa e a Flor escrita por Nymus


Capítulo 10
10 – A Escolha de Atrius




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Florette passou a mão na saia e depois ajeitou uma fita que prendera em voltas na perna direita. Olhou-se no espelho fosco e verificou se havia ficado alguma coisa fora do lugar, mas estava tudo bem.

Sentia-se bem melhor do que dias atrás e ficara em repouso todo esse tempo para que pudesse recuperar-se completamente e para que as manchas negras que cobriam seu corpo pudessem se esvaecer até sumir. Agora seu corpo mantinha aquela aparência saudável e sua pele estava sedosa devido aos cremes que estava aplicando.

Todo aquele tempo, deitada no quarto, ela pensava no que havia acontecido. Pensava em Vyctory e onde ela poderia estar, em Jack Diovanni que segundo o que ficara sabendo tornara-se sombrio e triste e pensava principalmente em Atrius, pois o conhecia e sabia que ele deveria estar tomando toda a responsabilidade para si. Mas na verdade não havia culpa para ninguém. O noviço que fora interrogado pelas autoridades da Ordem de Thor dissera que a mãe havia sido aprisionada e ele fizera um acordo com o Druida Vermelho, a fim de atrair vitimas para ele. Só não sabia que estava sendo enganado e que o Druida fortalecia-se dia após dia com todas aquelas almas. Era bom saber que ele havia sido punido e que agora voltara a ser pó e parte do passado das pessoas.

Sua recuperação a fizera pensar em seus atos. Sabia que Atrius tinha uma responsabilidade e que ficar atrás dele só pioraria a situação entre eles, deixando-o cada vez mais distante e isolado. Ela deveria respeitar as escolhas dele e tentar apagar tudo o que sentia por ele. No fundo, sabia que era o melhor para os dois. As normas não haviam sorrido a eles, e seus destinos não estavam ligados, a não ser pelo sentimento que tinham um pelo outro.


Ouviu uma leve batida na porta e virou-se para ver Zanzar Ten, que colocou a cabeça para dentro do quarto e sorriu ao vê-la. Ele usava um traje rico em bordados de fio de ouro e os cabelos longos estavam presos. Os olhos dele percorreram o corpo dela e ele fez um sinal de aprovação. Florette riu e olhou para si mesma. Usava um vestido branco e inúmeras fitas vermelhas amarradas pelo corpo. Os cabelos púrpuros estavam trançados em quatro tranças com fita e passavam do meio das costas.

- Está ansiosa – Zanzar perguntou, referindo-se ao Festival de Payon que começaria naquela noite e duraria cinco dias.

Ela fez um aceno positivo com a cabeça e pegou uma fita rosa que havia deixado sobre a mesa, passando-a pelo braço. Zanzar entrou no quarto e do bolso tirou uma fita azul. Como dizia a tradição de Payon, quem entregasse a fita a outra pessoa era puro sinal de interesse.

O Festival era famoso, muitas pessoas encontravam seus pares nele. Diziam se tratar da áurea mágica da noite ou as bênçãos do amor não esquecido de Munak e Bongun. O Festival levava o nome dele e celebrava o amor. Pessoas de toda Rune Midgard chegariam para participar do Festival.

Fora no festival passado, que levados pelo amor que sentiam e por toda aquela magia contida na noite que Florette e Atrius haviam deixado suas necessidades corporais falarem mais alto do que a razão e entregaram-se um ao outro durante todo o período que durara o Festival. Eles haviam ficado no quarto e só saiam para comer, ainda assim, logo voltavam as caricias e pouco descansaram, conversando de tudo ou perdidos em alguma sensação.

Sentindo que Zanzar tocava seu braço, Florette despertou do passado e observou quando ele enrolou a fita azul no braço dela de forma cuidadosa.

- Pronto – disse ele.

Florette corou.

- Mas Zanzar... eu...
- Eu não vou utilizar isso. Espero que não se importe de ficar com a minha.

Ele falava sério e Florette relaxou. Os olhos cinzentos foram do rosto dela para a fita e Zanzar riu alto.

- Pobre Wild Bill... a caçadora já está com uma fita...
- Você... você não procura ninguém? – ela perguntou num sussurro, tocando a fita azul.
- Não – ele voltou a ficar sério – eu já tive alguém e isso me foi suficiente.

A voz dele saiu carregada de rouquidão e mistério. Florette em sua verdadeira natureza tornou-se curiosa, mas conhecia Zanzar e sabia que nada ele falaria. Haveria de ficar curiosa, esperando que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Mas nada falou e deu uma gargalhada insana depois, indo para a porta e a deixando sozinha.

Não demorou muito e Florette foi se encontrar com o Bruxo na sala. Assim seguiram para o Festival. Foram em silêncio até lá.

- Acha que todos vão vir? – ela perguntou e Zanzar a olhou.
- Não sei. Mas Wild Bill vai estar.

Ela revirou os olhos.

- Não estou falando dele! Por que insiste tanto nisso?
- Eu? Insistir?
- Sim, você! Porque tanto me fala do Wild? Você está começando a me aborrecer com isso.

Zanzar pareceu se distrair com alguma coisa e demorou a responder, como se estivesse pensando bem no que diria. Olhou para ela novamente e um sorriso sádico ficou em seus lábios.

- Por nada – respondeu simplesmente, dando uma risada depois. Florette não ficou convencida com a resposta e sabia que ele escondia alguma coisa. Mas não teve tempo de perguntar, pois logo ele tornou a falar – Wild Bill não é uma má pessoa. E ele realmente gosta de você.
- Hummm... não estou interessada e você sabe disso.
- Acha que ele virá não?

Florette corou violentamente e baixou a cabeça fugindo do olhar dele. Zanzar gargalhou e a abraçou pelos ombros.

- Você não entende nada mesmo né? Pois bem... que a noite seja sua então.

As palavras misteriosas de Zanzar Ten ficariam na mente de Florette por muito tempo, mesmo ela não sabendo ao certo porque ele dissera aquilo.



Atrius colocou o chapéu de Bongun na cabeça e depois pegou o frasco que estava sobre sua mesa. Olhou para o líquido claro e brilhante a parca luz de seus aposentos em Prontera e sentiu o coração pesado.

Dias se passaram desde que ele tomara aquela decisão. Havia algo sinistro em agir assim, da mesma forma que ele sabia que era o certo a fazer. Por mais que se responsabilizasse por tudo o que ocorria, sabia qual era sua missão e o que deveria fazer. E aquela certeza era perturbadora.

A Cota de Odin refizera-se quando ele tomara a decisão e havia tirado agora pouco do pulso e guardado na caixa de madeira. Não a levaria, pois queria estar ciente do que iria fazer e não forçado a fazer o que fazia. Ele tinha o poder de escolha, como todos, mas sua escolha era cruel.

Ao menos, o líquido contido no frasco o ajudaria a aliviar a tensão. E ele estava tenso, tremia um pouco e estava suando de expectativa. Sabia que ela estaria lá e dessa vez ele não resistiria a todo o amor que sentia por ela. Reafirmaria seu amor eterno e sabia que seria correspondido.

Guardou o frasco no bolso da calça e pegou uma gema de sua algibeira.

- Odin me abençoe pelo o que vou fazer...

Esfregou a gema e ela desfez-se na sua mão, abrindo o portal para Payon na sua frente. Respirando fundo, deu um passo a frente e outro em seguida, saindo em Payon. Pessoas assustaram-se com sua chegada misteriosa e depois o saudaram, seguindo caminho para o centro onde o Festival estava sendo realizado.

Como se mergulhasse em um sonho, Atrius dava passos cautelosos quando avistou as luzes coloridas e ouviu a música dos bardos. Leu a faixa com os dizeres do festival e encheu-se de coragem, ajeitando o chapéu e indo na direção a uma das entradas.


Assim que passou pela entrada, procurou com os olhos avistar Florette. Suas mãos suavam frio e ele as esfregou, rindo de seu nervosismo. Agia com um adolescente e não o homem que era, e de certa forma aquilo era divertido. Andou um pouco e passou por uma barraca onde era oferecida brincadeira de alvo.

Ali, encostado a estrutura de madeira, encontrou Jack Diovanni. O mercenário nem havia o visto, olhando em outra direção. Embora trajasse uma roupa azul, adequada ao Festival, Jack parecia absorto em alguma coisa e estava longe. Atrius foi até ele.

- Jack?

Jack o olhou e deu um sorriso vago.

- Atrius! Como está? Não achei que viesse...
- Estou bem... não perderia o festival por nada. Todos já chegaram?
- Vi Lier, Paganini, Lolly, Sancho, Serena, Mu e Ramirez. Mas é provável que todos venham.
- Por que está aqui sozinho?

Jack o olhou, os olhos azuis tristes.

- Estou esperando por Vic. Tenho esperanças que ela apareça.

Atrius nada disse, apenas tocou no ombro do amigo e sacudiu a cabeça em negativa.

- Não se preocupe comigo – disse Jack depois – Vic é mais forte do que nós imaginamos. Ela vai resistir a tudo e logo estará de volta.
- Espero que sim meu amigo, espero que sim...

Por amizade, Atrius ficou ali com Jack durante mais um tempo, ainda buscando Florette com os olhos. Até sentir um toque de Jack e ele apontou para uma direção. E nela ele encontrou Florette, acompanhada de Zanzar Ten. Seu coração parecia querer sair pela boca e seus olhos fixaram-se no corpo dela, mal coberto pelo vestido.

Ficou irritado quando outras pessoas olharam para ela e apertou o punho bravo.

- Você vai jogar flor em alguém? – perguntou Jack, a voz saindo animada.

Atrius o olhou e acabou rindo.

- Não, não vou!
- Que pena... veja... é Wild Bill.



Florette era conduzida por Zanzar Ten e quando encontraram o jovem arqueiro, ela assustou-se quando Zanzar a empurrou para cima dele e riu depois. Foi aparada pelos braços de Wild e ele sorriu animado.

- Flor... que bom vê-la aqui!
- Wild... como está? – ela ajeitou-se e ficou de pé, lançando um olhar de irritação a Zanzar Ten, que a ignorava olhando para os bardos que tocavam.
- Agora muito melhor... disseram que estava doente e eu não pude vê-la.
- Oh sim, ela estava muito mal – disse Zanzar de repente.
- O que houve com você?
- Nada de grave... – ela foi evasiva, odiando a situação. Ela gostava de Wild Bill quando ele não estava paquerando-a e agora estava achando que ele ficaria atrás dela durante toda a noite. Então se lembrou da fita de Zanzar e fingiu arrumar o cabelo para que ele visse.
- Ah... uma fita azul! – disse Wild Bill desapontado. Tirou a fita do bolso e mostrou a ela – ia colocar em você.
- Alguém chegou antes – Zanzar estava com aquele olhar irônico.

Florette sorriu sem graça e olhou para a mesa de bebidas, querendo fugir dali.

- Se me derem licença, vou beber algo – e sem esperar alguma gentileza, passou por eles e seguiu sozinha até a mesa. Chegou próxima a ela, fechou os olhos e respirou fundo. Zanzar Ten era louco e sua mudança de humor estava fazendo com que ela também ficasse.


- Tome isso, se sentira melhor.

Ao ouvir aquela voz, Florette mal acreditou quando viu Atrius parado a seu lado estendendo um copo de suco de maçã. Ele viera fantasiado de Bongun e ela demorou-se o olhando, como se quisesse acreditar que ele realmente estava ali.

- É seu favorito.

Ela pegou o copo e provou o suco, sem ao menos sentir o gosto. Ele tomou o braço dela onde estava a fita azul e com cuidado ele desfez o nó e tirou a fita. Leu o nome de Zanzar na fita e controlou seu ciúme, mantendo no rosto uma expressão rígida.

- Por que fez isso?

Ele a olhou e sorriu, tirando uma faixa do pulso e mostrando a ela.

- Posso? – após receber um aceno positivo, ele passou a fita pelo braço dela e puxou uma fita vermelha dela, passando no próprio punho depois. Sorriu quando ela ficou corada e se aproximou para beija-la. Florette ficou ansiosa e enquanto fechava os olhos devagar, sabia que aquela risada insana de Zanzar Ten não era só sua imaginação.

Era como um sonho. Um sonho que já tinha acontecido. Florette ainda não acreditava que Atrius estava ali, tão magnificamente vestido e tão irresistível. Todas as coisas que havia pensado sobre os dois sumiram assim que sentiu os lábios dele sobre os seus, assim que o abraçou pelo pescoço e correspondeu ao beijo com paixão. Era um dos raros momentos que Florette sentia-se realmente bem, era quando estava com ele. Como se naquela terra ele fosse a única coisa pela qual valeria a pena ficar.

Esquecia-se de tudo, da sua terra distante, o clérigo de Nerull e dos Portais do Amanhã. Nada disso mais fazia diferença e nem mesmo a quantidade de anos que Florette e seus irmãos estavam nas terras de Odin. Aquela sensação de deslocamento sumia quando estava nos braços de Atrius e nada naquele momento mais importava do que poder demonstrar a ele que o amava.

Assim que Atrius soltou seus lábios, ele abriu lentamente os olhos e sorriu. A abraçou com força querendo tê-la somente para si, e nem mais ouvia o som da multidão, a música ou os pedidos para que saíssem da frente da mesa de bebidas.

Aquele ciúme queimava-lhe o peito e tinha vontade de esmurrar Zanzar Ten, até ver o Bruxo cair no chão. Ninguém colocava uma faixa em sua Florette. Ninguém. Já bastava o infeliz arqueiro que estava com ela a pouco, e agora o Bruxo querendo algo também. Ele não podia suportar uma situação assim. Será que não percebiam que a mulher lhe pertencia? Que ela havia sido sua? E que agora ele... ele o quê?

Os sentimentos que incomodavam Atrius perderam intensidade, ele acariciou as costas dela, fechando os olhos por alguns segundos, querendo poder desfrutar ao máximo a sensação de tê-la em seus braços. O gosto do suco de maçã estava em seus lábios e ele deu um pequeno sorriso. Assim que se aproximara dela, mal conseguia se conter com vontade de beijá-la.

E era estranho aos dois, pois sabiam que tinham que oferecer resistência, mas não existiu nenhuma.

- Estou feliz de vê-la recuperada – ele murmurou no ouvido dela.
- Atrius... o que você...?
- Não pergunte nada querida. Eu preciso ficar com você, então permita que essa noite seja apenas nossa, por favor...

Florette olhou nos olhos verdes e assentiu com a cabeça, beijando-o com carinho. Era bom ouvir aquelas doces palavras e saber que ele sentia-se da mesma forma que ela. Seu coração palpitou com a ansiedade de se entregar novamente a ele.

Eles se esconderam sob a sombra de uma árvore e ficaram ali até que a paixão que sentiam culminasse num ponto que nada mais daquilo parecia suficiente. A cada beijo, a cada toque a sensação crescia chegando a um ponto incomodo. Então Florette segurou-o pela mão e o levou para sua casa. Embora ele tivesse corado pela intenção clara, um convite velado que ele aceitou de pronto, dirigido-se a casa dela com todo o gosto. Passaram pelos aposentos escuros e terminaram no quarto dela. Ele observou enquanto Florette trancava a porta e dava uma risadinha como se fosse fazer algo que não devia. Então o olhou e um sorriso ficou nos lábios dela.

Atrius só pensava em como a amava e como a cada minuto ela parecia mais bonita. Ele também sorriu e do bolso tirou um anel de flores. Foi até ela e colocou no dedo dela.

- Para que nunca se esqueça de mim – disse ele, a voz saindo um pouco sombria e embargada.
- Que lindo Atrius! – ela ficou admirada e o olhou não captando as emoções dele tão a flor da pele – Não é possível eu me esquecer de você... eu o amo tanto, como tanto amor poderia sumir?

Ele não disse nada, e tocou o rosto dela com cuidado, dando um sorriso triste. A escuridão do quarto era quebrada pelo luar e o perfume das flores noturnas preenchia o ar. Era mais do que perfeito, ele pensou, quando sentiu as mãos dela em seu peito, desabotoando a camisa azul que usava. Sua tristeza sumiu, dando lugar a uma emoção única de estar com ela. Ao menos ele tinha que aproveitar aquele momento. Tinha que se dar a o que tanto implorava e nem suas intenções que lhe pareciam tão cruéis eram suficientes para que ele mantivesse os pensamentos numa linha segura de raciocínio.

O som da camisa caindo no chão fez Florette rir, de tão boba que estava por ainda não acreditar que ele estava ali. Deitou a cabeça quando ele beijou seus ombros nus, livrando-se lentamente das inúmeras fitas que ela havia passado pelo vestido. Uma a uma foram sendo tiradas e logo o vestido branco juntou-se as peças no chão.

Um suspiro foi ouvido, enquanto ele olhava o corpo dela coberto por uma fina peça intima. Ele não teve nenhuma reação, quando ela aproximou-se e colou seu corpo ao dele, beijando-lhe com paixão. Após despertar daquela visão, ele a abraçou com força, sentindo as costas nuas, as mãos dela o acariciando, o corpo dela moldando-se ao seu. Era tudo o que ele podia suportar antes que suas pernas fraquejassem, e assim a conduziu até a cama.

Embora sentisse certa urgência, ele ainda beijou cada centímetro da pele acetinada, deixando um rastro que se assemelhava a uma chama em cada pedaço tocado por seus lábios. Queria sentir o gosto dela só mais uma vez. Livrara-se das roupas e das últimas fitas que ela tinha pelo corpo e depois a olhou a luz da lua, ficando ainda mais apaixonado.

Depois, tentou se controlar, enquanto Florette beijava-o da mesma forma que ele fizera a ela. Mas ela parecia provoca-lo e aquela urgência tornou-se necessária. De alguma forma que ele não lembrava ao certo como fora, a puxara para si e a tornara sua novamente. Juntos, eles desfrutaram aquelas emoções somente conferidas aos amantes apaixonados.

A noite arrastava-se.

Atrius ajeitou Florette em seus braços e esperou até que seu corpo se acalmar novamente. Ela parecia serena, e beijara seus dedos a pouco, parecendo concentrada agora em dormir um pouco. Ele estava com sono também e não achara que seria possível ficar acordado para amá-la novamente. Mas agora seus olhos pesavam.

Enquanto, vagarosamente, era puxado ao reino dos sonos, ele pensava como era bom ficar om ela. Como seria se pudesse casar com ela e torna-la sua esposa. Como aquela situação era engraçada e outra mulher jamais admitira deitar-se com alguém sem falar que aquilo poderia ofender sua honra. Florette não era como as outras mulheres, e era justamente por isso que ele a amava tanto.



 Talvez o dia estivesse amanhecendo preguiçoso em outras regiões de Rune Midgard, mas na gelada Lutie, a noite ainda predominava e a perseverança sobre-humana de uma cavaleira também. Enrolada em uma capa que antes fora gloriosa, Vyctory Pendragon avançava pela camada macia de neve que cobria o solo desértico de Lutie, sentindo o vento gelado cortando-lhe o rosto e a neve, que voltara a cair, grudando no capuz.

Corvo Reluzente estava em frangalhos e o que ainda se mantinha fixo ao corpo de Vic, agora parecia pesar muito e o metal vermelho estava gelado, machucando-a ainda mais. Seus pés afundavam na neve, seu corpo estava tomado por uma dormência e o sono ameaçava derrubá-la de vez. O poder de sua mãe consumira suas forças e ela passara dois dias na forma de corvo até entender como se modificar para sua forma original. Não estava habituada a utilizar magia e ficava muito cansada quando tentava. Além do mais, não queria utilizar. Ela não era maga, era guerreira.

Queria que aquela neve limpasse seu corpo, limpasse sua mente. Queria que seu objetivo não fosse somente um sonho e sim que estivesse ali. Queria poder descansar e comer. Queria, acima de tudo, esquecer que um dia voltara-se contra seus amigos... contra Jack.

A lembrança do que havia feito, fez com que ela tropeçasse e desabasse na neve. Ficou ali, mergulhada na neve, sem conseguir se mover. Estava cansada, podia ficar ali e morrer que ninguém certamente iria se preocupar.

Fechou os olhos lentamente e deu um curto sorriso quando sentiu que estava fazendo o que era certo. O que precisava. Não conseguia nem ao menos se sentir mal por desistir tão facilmente. Estava tão cansada, queria apenas dormir um pouco.

- Vyctory? Vyctory?

Uma voz feminina de timbre suave a chamava. Com enorme esforço, ela conseguiu abrir os olhos e erguer a cabeça, em direção ao som da voz. O elmo de asas protegia uma longa cabeleira dourada e dois olhos cinzentos estavam fixos nela sem nenhuma emoção. A mulher vestia uma delicada armadura, carregava uma lança em uma mão e uma imensa espada afivelada a cintura. Os trajes finos por debaixo da armadura oscilavam com o vento, fazendo com que os fios dourados sacudissem-se no ar com força. Duas imensas asas, com penas de aspecto macio, de um branco puro estavam presas as costas dela e se inclinavam sutilmente na direção do vento.

Vyctory demorou algum tempo para assimilar a imagem que tinha a sua frente, e enquanto isso sentia a mulher a pegando pelo braço e a erguendo com força. Sabia que a mulher a estava carregando, passando seu braço pelo pescoço dela e a fazendo caminhar pela neve fofa, que enquanto ela afundava, a mulher andava sobre ela como se não pesasse nada. Vic concentrou-se nos pés descalços da mulher e na proteção que ela tinha até o meio da perna. Não parecia incomodada com o frio ou por colocar os pés sob a neve. Os braços dela estavam nus, somente enfeitados com uma faixa dourada e uma manopla cobria o dorso das mãos, com desenhos de runas.

- Você precisa acordar Vyctory – dizia a mulher.
- Quem é você? – perguntou Vic, fechando os olhos e querendo dormir.

Não ouviu respostas.

- Deixe-me aqui... quero dormir – murmurou a cavaleira.
- É ainda dizem que é uma Seguidora de Odin – a mulher agora parecia aborrecida – Mestre Odin trabalha por caminhos sábios e por confiar nele que vim aqui.

Nenhuma outra palavra foi trocada entre elas. A misteriosa mulher a levou até uma casa, o objetivo inicial de Vic e a deitou numa cama, após ter tirado toda roupa e a mergulhado em água quente. Cobriu Vic com peles e a observou dormir em total silêncio, próxima a janela, como se montasse guarda para alguma coisa que poderia vir e perturbar o sono da cavaleira.
Por fim, a Valkiria sorriu.



Jack Diovanni ficou sentado em uma pedra até que todas as pessoas que passaram a noite ali fossem para casar dormir e que uma nova turma substituísse a que havia passado a noite em claro. O Festival de Payon era uma festa contínua, e nunca as pessoas paravam de chegar, mantendo um fluxo constante e agradável. Ele gostava do Festival. Tinha um significado bom para ele.

Fora em um, que há alguns anos atrás, ele vira Vyctory. Embora ela não passasse de uma jovem taciturna, sua beleza misteriosa chamara sua atenção. Jack estava acostumado a uma vida de aventuras e nunca se prendia a alguém ou a algum lugar. Devia ser o olhar sombreado pelos cílios longos ou a postura militar que ela possuía. Estava acompanhada de um rapaz igualmente loiro, que ao contrário dela, parecia estar se divertindo muito.
Era num lugar assim que as pessoas perdiam as noções das coisas? Largavam tudo o que era seguro para tentarem algum tipo de relacionamento?

Ele sempre se perguntava, mas aquelas coisas que tanto o incomodavam não aconteceriam com ele. Não, porque ele tinha total controle de sua vida! E quando foi exatamente que uma jovem começou a surgir em sua mente com mais freqüência do que gostaria? Por que então ele a seguira até Morroc? Ele não sabia porque fazia aquelas coisas, ou melhor, sabia, mas não queria saber. Fingir era mais fácil do que reconhecer, e estar apaixonado por uma mulher bem mais nova que ele não era algo fácil.

Havia perdido sua liberdade e alimentara seu lado cínico e sarcástico. Assim, quem sabe ela poderia sumir? Mas nada disso aconteceu e seus amigos a tomaram por uma amiga e Zanzar Ten disse que já era hora dela aparecer. Loucos! Todos eles.

Começara a sentir ciúmes do cuidado exagerado que Lier tinha. Ele dizia que o cabelo dela poderia ser mais brilhante e macio, quando Jack os achava perfeitos e fechava os olhos todas as vezes que conseguia sentir o doce perfume de aloés que emanava deles. Lier sempre fora narcisista e às vezes, ele espalhava isso entre seus amigos. Todos gostaram dela, e ele sentia uma grande felicidade por isso, pela aceitação deles. Mas aceitação do quê? Vic não era nada para ele, ou pelo menos, ele se esforçava para isso.

Houve uma época que ele sempre estava irritado. Fora na época de Leon, o noivo de Vic, surgira. Como alguém como ela poderia ser noiva de um homem como aquele? Ele, obviamente, tinha créditos, afinal é Mestre da Academia de Espadachins de Izlude, mas ele era suficiente para Vic? Ficara decepcionado quando descobrira e sentira-se um bobo por toda aquela situação estranha. Não entedia porque estava tão zangado e quando admitira, ele partira para Morroc. Queria ficar longe dessas coisas que faziam mal a ele.
Mas a fuga não fora suficiente, pois depois de um tempo, Vic surgira a porta de sua casa dizendo que não estava mais noiva e que estava com saudades dele. Aquela nova notícia o havia deixado muito animado. E silencioso ele contemplou aquele sentimento florescer cada vez mais dentro de si, ficando ora feliz e ora irritado por aquilo. Conhecera Angus Pendragon, o pai de Vic. Um homem que por si só tinha uma aparência respeitável e todas as suas palavras eram agradáveis, mesmo que a voz fosse potente e intimidadora.

Fora no terceiro encontro com Angus que Jack tivera aquela certeza que não era adequado a Vic. Claro, ele achava isso tudo bobagem. Achava-se mais do que apropriado para ela. Do que uma mulher mais precisaria do que de amor e respeito? Ele tinha um grande respeito por ela, pois Vic era corajosa e nenhuma mulher manipulava uma espada como ela o fazia. Embora falasse pouco, nas reuniões dos Seguidores, suas idéias eram todas acatadas e ela fora nomeada líder-guerreira do grupo atual. Além do mais, ela tinha aquela áurea de mistério, algo que sempre fascinou, era o que ele mais gostava. Podia ficar horas escondido, observando Vic solitária, pois nunca se cansaria dela. Mas nem mesmo todas essas coisas o deixaram com coragem de tomar alguma iniciativa. Era um tolo, claro, mas morria de medo que Vic nunca mais falasse com ele. Como poderia viver sem ouvir o som de sua voz? Não, aquilo era torturante demais.

Assim, Jack Diovanni sufocou seu amor e deixou as coisas como elas se encontram hoje. Quando enfrentaram o Druida Vermelho, ele tivera certeza do amor dela. Agora era tarde. Podia ter sido feliz com ela a mais tempo, agora Vic sumira, consumida por um poder que não era dela.

Ele levantou-se e olhou para o horizonte. Não havia mais nada a esperar e agora ele sentia que tinha que fugir para se fortalecer. Tirou a corrente com o pingente que carregava o símbolo dos Seguidores de Odin e apreciou o pequeno entalhe por alguns minutos, vendo o pequeno fragmento da Emperium rodeado de prata. Sorriu. Ele era um Seguidor de Odin e isso implicava em responsabilidades. Mas sabia que precisava ficar sozinho por um tempo, por isso, colocou o pingente no bolso e saiu de Payon sem nenhum destino em mente.


Atrius sempre despertava no mesmo horário.

Acordou e não reconheceu o lugar onde estava. Sua mente foi invadida por lembranças da noite anterior e ainda sentia preso a si o corpo quente de Florette. Ela dormia, depois de tê-lo despertado durante a noite. Ele a tirou de seu abraço e levantou.

O Sol já começava a aparecer com mais força no horizonte e invadira o quarto sem pressa. Ele bebeu água que estava num jarro e depois se sentou na beirada da cama, procurando em suas roupas o frasco. Olhou para ele com tristeza e depois olhou para Florette.

Era correto o que iria fazer?

Todas aquelas dúvidas o invadiram novamente, quando ele achara que as tinha resolvido. Mas depois de tudo o que vivera na noite anterior e da fita amarrada em seu braço, elas voltaram como se ele nunca as tivesse tido.

Mandara fazer uma poção de esquecimento. Claro, a alquimista que fez a poção, Serena Mayfair, cobrara uma pequena fortuna e ainda quando a entregara a ele, perguntara “Tem certeza disso?”. Ele afirmara positivamente com a cabeça. Mas agora, essa posição havia sumido. Por que não podia ficar com ela e ser o Portador da Cota de Odin? Por que tinha que escolher?

Mesmo não estando ali, ele sentira o poder da Cota, porque estava se lamentando por seu destino. A Cota respondia ao seu amor, tanto quando Florette respondia a seu toque. Por que seu Mestre havia dito que ele deveria escolher? Por que não poderia haver uma outra escolha? Uma que ele pudesse ter as duas coisas.

Era mais fácil ele esquecer tudo. O frasco pesava em sua mão, como uma grande responsabilidade. Mas não era correto ele tomar decisões por Florette. Como iria induzi-la ao esquecimento? Só por que ele achava que assim era melhor? E quanto ao que ela achava melhor?

Por Odin!

Ele não podia fazer isso.

Lançou o frasco em suas roupas e subiu pela cama desesperado, indo acordar Florette com beijos, mostrando uma urgência de amá-la, para que todos aqueles medos passassem. Fora muito bem recebido, e os beijos dela e o movimento do seu corpo acompanhando o dele, foram espantando todo o horror que sentia. Ele murmurava que a amava, que a amava muito.

Depois, ele ficara com a cabeça sobre a barriga dela. Esperava poder saber o que faria, mas não tinha idéia.

- O que houve Atrius?

A voz suave dela o despertou de seus temores, e as mãos dela acariciaram seus cabelos verdes. Ele fechou os olhos e beijou a barriga dela depois. Ela esperou. Sabia que ele vivia num conflito. Ela era maravilhosa. Outra mulher já teria ficado furiosa, mas ela não. Ficava ali, acariciando os cabelos dele, mostrando como o amava e como se preocupava com ele. Ela esperaria ele falar, e ele falaria.

- Flor...

Ergueu a cabeça e encontrou o olhar dela.

- O que houve Atrius? O que está acontecendo?
    - È que... eu... eu não...
    - Calma meu amor – Florette sorriu e sentou-se na cama – o que quer falar?
    - Tenho que ir embora – ele disse por fim vendo o rosto delicado de Florette ficar pálido – mas não quero!
    - Então não vai! Fique aqui comigo.
    - Você sabe que isso não é possível e que... esqueça.

    Eles ficaram em silêncio. Florette cobriu sua nudez com o lençol e evitou olhar para Atrius. Logo depois ele partiu novamente.


    Havia passado uma semana. Atrius sentia-se um monstro por usar Florette e não saber como decidir a situação. Andando pelo templo de Odin, ele perdia-se em pensamentos sombrios e mantinha seus olhos fixos na Cota de Odin. Desistira da idéia de esquecer tudo. Certamente não daria certo, mas ainda assim, deixara o frasco no quarto de Florette. Ela não merecia tanto sofrimento.

    - Não merece mesmo!

    Uma voz fria e cortante chamou a atenção de Atrius. Ele ergueu os olhos e encarou Zanzar Ten, ao lado de uma estátua de Tyr. Foi até ele, querendo saber o que o Bruxo fazia ali e o olhar insano de Zanzar denunciava tudo.

    - É você, não é? O líder dos Seguidores de Odin.
    - Ele me disse que eu encontraria o Portador da Cota.

    Atrius olhou para ele e manteve-se alerta, ainda mais quando a Cota adquiriu uma tonalidade dourada. A cor que o alertava para ser cauteloso.

    - Mas não nunca imaginaria que seria você! O tempo que passou longe de nós trouxe a você conhecimento e a Cota. Agora, é hora de voltar.
    - Voltar?

    Zanzar Ten estendeu a mão a ele e abriu, revelando a antiga corrente com o pingente dos Seguidores de Odin que usara. Encarou Zanzar com firmeza.

    - Aceite isso como minha mais sincera amizade e como desejo meu de poder lutar novamente a seu lado. Aceitei isso como a única forma que terá para solucionar seu problema com Florette.
    - Como sabe de tantas coisas?
    - Eu apenas sei. Aceite Atrius!

    O sacerdote pegou a corrente e a colocou. Uma energia dourada emanou do pingente e cobriu Atrius, brilhante e forte, depois foi apagando lentamente, sendo sugada pela Emperium.
    A Cota ficou brilhante e depois ficou dourada, mantendo-se nessa cor.

    - O que você fez? – Atrius sabia que Zanzar Ten possuía conhecimentos que não eram conhecidos e que, de alguma forma, sendo líder dos Seguidores de Odin, ele era mais especial e poderoso do que o sacerdote podia julgar. Tão poderoso que tinha poder para modificar sua Cota.
    - Nada que não fosse a vontade de Odin.
    - Como sabe que era a vontade de Odin? Como pode fazer essas coisas?
    - Apenas acredite em mim, Atrius – a voz soou cansada.
    - Quem é você? – por fim, teve coragem de perguntar.
    - Sou um Einheriar. E te escolho agora para seguir a minha causa, que é a Vontade Odin. Essa Cota é útil para o que Odin mandou-me vir fazer.
   
Atrius ficou sem palavras. Um Einheriar!!! Isso explicaria tudo. Todos os Seguidores, explicaria o poder emanado por Zanzar Ten, seus conhecimentos, explicaria tudo! Ele nem sabia o que fazer. Ninguém afirmaria isso se não fosse! Ninguém mentiria ser um guerreiro sagrado de Valhalla, pois sabiam que tudo Odin escutara e que não ficaria satisfeito por isso. Ele afirmara com segurança e isso explicaria o tempo que ele ficara sumido, anos atrás. Na verdade ele estava morto! Voltara depois a mando de Odin.

    - É mais ou menos isso -  falou Zanzar – Sou filho de Shing Tai, senhor do Vento Leste, morto e renascido, Imortal. Caminho por Rune Midgard há mais tempo que a formação dessa terra, cumpro a Vontade de Odin e guio seus escolhidos. Aqueles que possuem as habilidades suficientes para cumprirem suas determinações. Poucos podem permanecer nesse conceito, nas graças de Odin.
    - Como?

    Zanzar Ten  deu um sorriso de quem sabia de todas as coisas.

    - Não se preocupe com isso Atrius. Não precisarei demonstrar isso a você. Apenas seja um Seguidor que todas as coisas se resolveram. Quem eu fui ou sou, não faz a menor diferença agora. Serei agora seu líder e a você o Mestre da Cota, não apenas o Portador. Entenda isso. O poder que a move é um poder puro, o exato sentimento que tem por Florette. É bobagem não ficar com quem se ama por restrições de outros mestres.
    - Mas... Por que está falando isso? Como sabe de tudo isso?
    - Estou lhe dando novas instruções. Não está claro a você, Mestre da Cota? – a expressão de Zanzar Ten voltou a ficar sombria – agora eu tenho que ir. Vou me encontrar com Sancho e com Raposa.

    Passou por Atrius e saiu do templo, deixando Atrius sozinho com todas as suas duvidas. E o mais importante, com uma nova esperança. Se ele estiver certo, Atrius poderia ter os dois.



 Duas semanas haviam se passado desde que Jack Diovanni havia sumido. Embora não tivesse se desligado totalmente dos Seguidores de Odin, ninguém conseguia ao certo saber onde ele estava. Zanzar Ten havia pedido para darem um tempo a ele, afim que Jack voltasse por sua livre vontade, todos sabiam que ele e Vyctory tinham uma história, e embora ela não fosse vistas a todos os olhos, todos sabiam como ambos se sentiam. E Vic também não dera notícias, nenhum sinal.

Em uma reunião do Conselho, tanto a questão de Jack como a de Vic foram debatidas. Raposa Noturna ficará encostada a parede, olhando pela janela, entretida com algo e não falará nada. Mas todos também sabiam o posição dela: Raposa pouco ligava para o que havia acontecido aos dois. Sancho e Florette eram a favor de iniciar buscas, Zanzar Ten mantinha sua posição neutra e Lier era contra, querendo que os dois tivessem um tempo sozinho.

- Tempo? – Florette cruzou os braços – Vyctory foi possuída por um espírito! Não existe tempo!
- Claro que existe – Lier rebateu, calmo.
- Por que está falando isso? Por que não quer ajudá-la?
- Não é essa a questão Flor – Lier sorriu – eu tive um sonho com ela e com aquela Valkiria... aquela que nos recebeu.

Raposa Noturna, por fim, pareceu prestar atenção na reunião e olhou para o irmão. Zanzar Ten concentrara seus olhos nela por segundos e então olhou para Lier. Ninguém disse nada quando ele começou a relatar o sonho e como essa Valkiria cuidava de Vyctory com um zelo antes nunca visto. Aquele sonho pareceu relaxar a todos e dando de ombros, Sancho disse que então ficaria com a espera. Mais alguns dias e nada mais. Resignada, Florette teve que acatar a decisão.

Era estranho a raiva que ela sentia por tudo aquilo. Era como se tudo estivesse sendo tirado dela, uma a uma as coisas sumiam. Não tinha mais Atrius, novamente ele havia se enchido de culpa e fora embora Não havia mais Jack. Não tinha mais Vyctory. Em pouco tempo não teria mais sua irmã e seu irmão.

Após a reunião, Florette sentara-se debaixo de uma frondosa árvore na floresta de Payon e ficou triste. Não que antes não estivesse, mas agora ela aparentava mesmo tristeza. Seu coração partido, suas esperanças rompidas. Quem poderia viver com tanta angustia e... seus olhos marejados pousaram na figura de Raposa, que a estava observando de um galho, sentada com um flauta em mãos. Florette sorriu e Raposa a continuava encarando com um olhar indecifrável.

- Eu me lembro – Raposa disse em élfico e sua voz flutuou serena até Florette – me lembro da saudade – a ladina olhou para a flauta que tinha em mãos, como se fosse uma relíquia embora sua expressão estivesse um pouco confusa, depois a encarou novamente – você não pode amar aquele homem! Ele vai nos manter aqui! Vai nos manter aqui – repetiu, como se não acreditasse no que estava dizendo. – Eu quero ir embora Flor... mas se você amar alguém, como poderemos?
- Padma...
- Mas por que amar alguém que sempre te deixa? Como pode suportar a dor de ser rejeitada depois de... – ela teve dificuldades em continuar e novamente olhou para a flauta.

Florette não entendeu o tipo de conversa que estavam tendo. O que tinha demais ela amar Atrius? Aliás, como poderia não amá-lo? Como Raposa ousava supor que era por culpa dela que estavam ali, sendo que fora ela que abrira o Portal do Amanhã, Raposa os trouxera pra Rune-Midgard. E o único momento que se arrependera de verdade não foi ter trazido a Espada Sentimmentus consigo.

Pensou certo, ele havia partido seu coração, mas o que ela poderia fazer se quando pensava nele se enchia de lembranças e elas eram boas? Atrius tinha tantas coisas, tantos compromissos. Deveria ter ficado longe dele como haviam combinado... mas como evitar seus passos na direção dele, quando tudo o que mais queria era que ele a olhasse com paixão somente mais uma vez? Era uma tola romântica, fadada a sofrer por amar um homem que nunca poderia corresponder aquele amor. Talvez fosse isso que Raposa estivesse tentando lhe dizer.

Esperou que ela falasse mais alguma coisa, mas tudo o que Raposa fez foi colocar a flauta que havia ganhado de presente de casamento do marido nos lábios e soprar uma melodia triste. E naquelas notas, Florette entendeu o que ela queria dizer e sentiu a tristeza cobri-la como um manto. Raposa tinha razão, e aquela razão estranha lhe causava dor no peito. Uma dor surda e agoniante.



Atrius deu uma última olhada no quarto que utilizara durante tantos anos, e seguiu junto com Aoshi, seu sobrinho, para a entrada dos aposentos. Lá, o Sumo Sacerdote da Ordem de Odin o esperava.

- Senhor Atrius.
- Senhor... – Atrius o saudou educadamente.

O homem olhou para a pequena mala que Atrius havia colocado no chão e depois olhou para ele. A descrença havia se tornado evidente.

- Deixe-nos a sós, Aoshi.

E o monge fez o que foi pedido e saiu silencioso.

- Vai mesmo Atrius? – perguntou o Sumo Sacerdote depois.
- Sim senhor. Devo agora me juntar a Ordem de Odin.
- Ah seus amigos visionários? Deve tomar cuidados com esses visionários, senhor Atrius. Tanto quanto eles, todos nós somos todos Seguidores de Odin e suas ordens se fazem em nossas vidas. Por isso seguimos pelo caminho da fé, porque por ele Odin nos inspira a praticar o bem.

Atrius sorriu serenamente, entendendo a posição do Sumo Sacerdote.

- Está correto em suas afirmações, meu senhor. Mas não ouso dizer que são visionários, pois graças a eles eu enxerguei o caminho que tenho que trilhar. O destino do qual eu não posso fugir. Com a ajuda deles, que são meus amigos, livramos Glast Heim daquele terrível inimigo. Embora Bloody Raven não tenha dado mais sinais, iremos persegui-la e prendê-la novamente. Espero que o senhor entenda que tudo o que a Ordem de Odin pode me oferecer é tudo o que mais desejo, e se ainda for de seu agrado, continuarei a dar aulas para os noviços.
- Ora que assim seja então, jovem Atrius. Não vou persuadi-lo a ficar, embora eu estivesse com essa idéia pela manhã. Agora eu vejo que está resoluto em sua ida e tudo o que posso fazer é abençoa-lo para que siga pela luz de Odin. Nele confiamos e espero que as Fiandeiras tenham fiado um bom caminho para você.
- Assim também espero senhor. Mostrarei-me bravo para que Odin me reconheça durante minha nova jornada.
- Não será preciso. Acredito que ele já olha por você.




Na noite sem lua, Florette estava sentada na janela do seu quarto olhando o frasco que Atrius havia deixado da última vez que estivera nele. Com um suspiro pesado, ela abriu o frasco e cheirou novamente a poção, irritada por sua ignorância por não saber o que era aquilo. Era um líquido viscoso e de cheiro forte. Colocou o frasco em cima da mesa  de canto, próxima a janela, e o observou de longe, sem entender porque ele estava carregando aquilo ou porque deixara ali.

Atrius estava tão misterioso naquela noite, e aquela áurea de mistério a atraia intensamente. Se havia algo que não podia estar certo era esse amor. Mas pensara em tantas formas de se acabar com esse sentimento e não conseguira. E em Rune Midgard eles acreditavam que as Fiandeiras teciam o destino de todos, inclusive dos deuses, mas como poderiam tecer o destino dela? Florette era uma anomalia naquele mundo, as Nornas não podiam ter controle sobre seu destino. Mas sentia que uma linha fora traçada quando conhecera Atrius, uma tênue ligação fora feita. Essa delicada linha a impedia de se afastar daquele sentimento.

Era verdade que Florette fora amada por muitos homens e a paixão deles nunca fora nada do que ela sentia por Atrius. Eram sentimentos tão pequenos e frágeis, se comparado ao que sentia naquele momento. Mas isso tudo era bobagem. Atrius a havia deixado e duas vezes. Pensava nele porque era tola. Somente isso.

Tanto que quando o viu parado olhando para a sua janela, achou que era uma ilusão. Ele olhava sério e ficaram se olhando por algum tempo. Colocou as mãos para trás e olhou para baixo, como se pensasse em alguma coisa e depois voltou a olhá-la. Ela não conseguia parar de olhá-lo, e quando notou que ele estava ali de verdade, saltou da janela e caiu na frente dele. Atrius assustou-se com a agilidade dela, mas depois sorriu.

- Achei que tivesse ido embora e que nunca mais voltaria – Florette disse, ajeitando nervosa a barra curta do seu vestido.
- Flor... eu te amo!
- Estamos começando errado, Atrius. Sempre começamos assim e nunca dá certo.
- Estou falando sério.
- Sim... sério até você ir embora novamente – ela suspirou – eu... eu... bem, você sabe o que eu sinto por você, eu nunca escondi isso. Eu sei de suas responsabilidades e de sua escolha, mas você me faz sentir-se mal falando que gosta de mim. Você fica comigo e depois vai embora. Como posso acreditar que me ama mesmo? Além do mais, nós dois sabemos que isso não pode dar certo.
- Eu... – Atrius segurou as mãos dela e as acariciou – eu nunca consegui afastar você da minha vida, como seria o correto a fazer, e agora entendo que não quero e nem posso fazer isso. Parte de mim ficou com você. Nunca desejei ir embora, mas tinha que ir. Eu tinha um treinamento a ser feito e uma experiência a ser adquirida. Eu sei o que tenho que fazer e o que quero fazer. Vim porque... porque eu te amo e não quero mais que nada nos atrapalhe.

Florette ficou confusa quanto ao que ele estava dizendo, mas nem soube explicar como estava nos braços dele no instante seguinte, escondendo seu rosto no pescoço dele. Ouvia a batida do coração, o calor convidativo de seu corpo, sabia que ali era seu lugar. E era uma certeza tão estranha, porque aquele mundo não era seu mundo, mas como alguém daquele lugar podia passar aquela sensação de estar em casa? Como podia amá-lo sendo que o tempo o levaria e ela permaneceria? Por que estava se preocupando com isso? Deveria viver aquele momento agradável nos braços dele, e novamente lutar contra a vontade que tinha em acreditar no que ele falava.

- Você não pode imaginar o tormento que tem sido. Sinto-me responsável por tantas coisas. Causei tanto sofrimento a você... justo você que tanto amo. Não há palavras pra dizer o quanto lamento por tudo o que eu causei.
- Atrius... – ela afastou-se e o olhou nos olhos, ficando perdidamente apaixonada por ele – por que está aqui?

Ele sorriu e olhou para os lábios dela. A beijou, como se isso explicasse o que ele fazia ali. De qualquer forma, Florette correspondeu o beijo e colou-se a ele, envolvendo-o com seus braços, o calor do seu corpo insinuando-se no dele. Atrius parou o beijo e ficou sem ar, corado.

- Por Odin... assim eu não consigo falar com você.

Florette afastou-se um pouco, e ficou corada também. Na verdade estava sentindo-se como uma idiota. Por que estava fazendo aquilo? Por que não podia esperar que ele falasse tudo o que tinha pra falar? Apertou as mãos em frente do corpo e olhou para baixo, saboreando o beijo nos lábios. O que ele fazia ali? Estava confusa novamente, quando o olhou e Atrius respirou fundo.

- Você é a mulher mais incrível que já conheci e somente os Deuses sabem o que você faz comigo... mas eu... eu queria poder falar o que estou sentindo e saber se você pode me perdoar por tudo o que eu te fiz passar.
- Eu sei de suas obrigações e sei que tudo isso é errado. Mas eu simplesmente não consigo evitar isso. Eu... eu esqueço tudo o que você faz quando você me olha, e pareço uma tola falando essas coisas. Outra pessoa nunca mais falaria com você depois de tudo, mas eu...
- Você...?
- Eu queria que você ficasse comigo.
- É isso que eu vim fazer – disse ele depois e Florette ergueu as finas sobrancelhas, ainda mais confusa – eu já não preciso mais escolher. Não há nada de errado em amá-la. – pausa – Fui escolhido para carregar uma arma mágica – tirou do braço a Cota e mostrou a ela – é uma arma criada para deter Bloody Raven, aquela feiticeira que encantou Vyctory. Eu fui escolhido para manipulá-la, porque eu tenho força suficiente dentro de mim pra isso. Ela funciona pelo amor, e tudo o que eu sinto é amor – ele sorriu e a enrolou no braço novamente – antes eu deveria escolher portar a Cota ou ficar com você, mas acredito que tenha sido um teste. Eu jamais poderia torná-la uma escolha. Você é única e não existe nada nesse mundo que me faria optar por algo que não fosse você.
- Então... – Florette calou-se, pensando no que ele estava falando e então voltou a olha-lo nos olhos, vendo o brilho de certeza em cada palavra dita.
- Sim, eu voltei pra ficar com você. Porque entre a minha promessa de manter a Cota e você, eu fico com a minha Flor.

Ela atirou-se nos braços dele e selaram o recomeço com um beijo apaixonado.



Vyctory despertou e sentiu-se acomodada entre mantos e peles. Ouvia os estalos da lenha sendo consumida no fogo e abriu os olhos lentamente para ver a Valkiria sentada ao lado da cama. Seus olhos demoram-se nela, como se a conhecesse. A Valkiria trocou a lança de mãos e sorriu.

- Por fim, acordou!
- Quem...? – ela não tinha forças para nada e sentia seus pés e mãos doloridas, devido as queimaduras pelas baixas temperaturas de Lutie.
- Descanse mais, minha irmã. Logo tudo estará bem.
- Hàmá? – a voz de Vyctory era um murmúrio que se perdia no som do vento.
- Está tudo bem – a Valkiria ainda sorria – eu estou aqui.

O cansaço a fez dormir novamente e Hàmá segurou as mãos feridas dela. Fazia tanto tempo que não se viam e agora que sabia do destino de Vyctory, a irmã viera. Eram ordens de Odin e ela o obedecia sem questionar. Que dias terríveis viriam. Estaria com Vyctory sempre, essa era sua missão. Saité não voltaria a perturbá-la enquanto estivesse por perto. Sorriu novamente e levantou-se, indo montar guarda na janela.

Nos sonhos confusos de Vyctory, um menino em seus braços. Era estranho pensar que poderia ser seu filho e ela o renegava tanto. Quando acordou, Hàmá ainda estava lá e não respondeu a nenhum pergunta dela. Não soube dizer se era porque Hàmá não sabia ou porque não queria dizer. Viu a Corvo Reluzente no canto da sala e estremeceu. Sabia que seu destino seria carregá-la para sempre, e aquilo era algo triste demais.



Em Morroc, Jack Diovanni estava sentado numa cadeira ao contrário, olhando para a sua bebida numa mesa. Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse Vyctory. Onde ela poderia estar? Como poderia estar? Estaria ferida? Droga! Tinha que procurá-la. Não deveria estar ali, bebendo e somente pensando nela.

Levantou-se furioso consigo mesmo e na porta, esbarrou em um homem baixo que tinha olhos vermelhos. Sua curiosidade o fez ficar na porta até ver o homem sentar-se no balcão e escrever um papel. Depois, um caçador entrou, nem o olhou e sentou-se ao lado do homem. Eles olharam em volta e Jack fingiu que arrumava a adaga na bota.

- É somente isso velho? – o caçador perguntou, olhando pro papel.
- Já é o bastante, Thel.
- Está certo – o caçador deu de ombros e levantou-se – parte agora, parte quando eu estiver com isso. Sem trapaças, velhaco. A Feiticeira está atrás disso também?

O nome Feiticeira deixou Jack ainda mais atento a conversa.

- Está. Você tem que chegar antes dela, entendeu?
- Claro que entendi, acha que falaria comigo se eu fosse algum tipo de retardado?
- Não... te chamei porque é o melhor no que faz.

O caçador não sorriu e olhou novamente por papel.

- Amanhã pela manhã então.... ah sim... aqueles “caras” estão atrás também?
- Se eles souberem, estarão.
- Ótimo... – ele exibiu um sorriso cruel. O caçador passou por Jack novamente e o homem que ficou no balcão exibiu um sorriso maldoso. Não sabia porque estava prestando atenção nisso, mas sua experiência como Seguidor o deixava atento. Saiu depois do bar e viu o caçador seguindo rua acima e entrando na estalagem de Morroc.

Thel? Mas... esse era o nome do famoso caçador de recompensas!  Mas não era isso que o impressionava e sim o nome “Feiticeira”. Achou melhor seguir Thel para se certificar que não era de Saité que ele falava. Tanto porque se fosse dela, melhor seria, ele poderia achar Vyctory com mais facilidade.



E aquela noite fora de Florette e Atrius. Não sabiam como o destino agia e no momento estavam apenas preocupados em amarem um ao outro. Muitas coisas pareciam resolvidas naquele momento e outras tantas viriam a surgir novamente. Era somente o começo de tudo o que estava pra acontecer.


...FIM...


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