Entre a Promessa e a Flor escrita por Nymus


Capítulo 6
6 - A Poderosa Vyctory Pendragon




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A lua já seguia alta pelo céu, a noite silenciosa e agradável. Nas sombras da casa de Lier, Vyctory Pendragon deixou uma lamparina sobre a mesa da cozinha e sentou-se numa cadeira, tendo uma xícara de chá fumegante em mãos. Evitara olhar-se na superfície lisa da lamparina, olhando fixamente para a noite que entrava pelas altas janelas. A casa do amigo era espaçosa e bem iluminada. Havia sempre janelas grandes em todos os lugares para a luz do dia e para o perfume do jardim que circundava a casa, o jardim que Florette costumava cuidar trazendo flores de toda a Rune Midgard. Vic limitava-se a olha-la, não querendo ajuda-la porque não achava certo suas mãos tocarem em algo tão bonito.

Desviou o olhar da noite e provou o chá, ficando satisfeita depois pela sensação que ele trouxe. Quando ela não tinha sono, como naquela noite, costumava a beber chá e esperar calmamente pelo cansaço que a faria dormir. Entretanto, ela não estava com sua habitual calma e sentia-se intimamente ansiosa por alguma coisa. Não queria pensar no que seria. Ela era maldita e isso era tudo o que deveria lembrar.

Pensou em Jack Diovanni, um pensamento constante em sua mente, e o que ele diria se soubesse do segredo dela. O que todos os amigos diriam se soubessem. Sentia um medo de ser rejeitada, porque em parte, Vic era filha de uma criatura má e vil, como aquelas que eles combatiam. Ela tinha o poder de sua mãe, e envergonhava-se de sentir-se poderosa com ele. Queria ser poderosa por seus próprios méritos e não por um poder maldito que havia dentro dela.

E mesmo esse poder sendo tão maldito, certa vez salvou Payon de uma invasão de zumbis. Quando todos os guerreiros caíram e todos os magos ficaram fadigados pelo esforço mágico, ela manteve-se em pé, impedindo que eles invadissem a cidade vindo das sombras das cavernas de onde foram condenados a ficar. Eles eram muitos, talvez centenas e caminhavam lentamente para cima dela. Vic os combateu corajosamente, mostrando a todos em Payon sua habilidade única com a espada. Então, ela acabou cercada por todos eles e quando pensara que seu fim estava próximo, o poder despertou e ela comandou aqueles mortos, mandando que se afastasse da vista dos habitantes e seguindo-os até a porta da caverna, ela desfez a maldição que condenava aqueles corpos e libertou as almas atormentadas. Fora seu maior feito em Payon e ela fora condecorada como heroína, embora não se sentisse assim. Forçava-se a sorrir, sentindo-se suja e envaidecida pelo poder que possuía.

Depois de mergulhada naquele poder, Vic afastara-se de todos e caminhara como uma errante por Rune Midgard, indo a lugares onde os mortos jamais descansavam. Utilizou aquilo que agora chamava de maldito e aprendeu a controla-lo. Ela tinha poder de trazer paz aquelas pessoas, e podia erguer aqueles que haviam partido, trazendo-os de volta a vida. Não como os sacerdotes faziam, mas de uma forma que o que voltara ficara sob o seu controle. Ela transformava as pessoas mortas em zumbis.

Envergonhada de ter usado aquele poder, ela refugiara-se em sua casa em Izlude e ficara lá durante semanas, trancada, condenado-se pelo o que acontecera. Seu pai aparecera depois, e tomando-a nos braços, culpou-se por não ter explicado tudo a ela. Angus Pendragon era um homem justo, e nele que Vic inspirava-se para afastar aquela tentação que a seguia para usar aquele poder. Fizera uma promessa de jamais utilizá-lo novamente e seu meio irmão, Anakin Pendragon comentara que ela não devia prometer tal coisa, pois havia um dia a possibilidade de utilizar aquele poder para algo bom.

Ela não acreditava que um dia surgiria uma oportunidade de utilizar aquele poder para algo bom. Até o dia anterior.

Frente a frente com o Druida Vermelho, Vic teve visões de como sua mãe fizera o ritual para invoca-lo. Esse era outro poder que ela possuía, ela podia ver o que sua mãe via, depois que já tivesse sido feito. Sabia do poder daquele Druida e temera pela vida dos amigos e de todos que estavam em Glast Heim. As palavras de Anakin passaram por sua mente, e ela não teve escolha senão queimar o pergaminho mágico que levava e utilizar o poder para segurar o Druida. Eles conseguiram fugir, mas ela sabia que o Druida estava sobre o controle da mãe e que todas aquelas pessoas aprisionadas eram para alimentar o poder dele.

Não conseguia entender as motivações de sua mãe e nem odiá-las por isso. Vic acreditava que o poder cegara Saité e que isso a tornara um monstro. Ela era tão antiga, havia adquirido a capacidade de enganar a morte porque a controlava. Saité era de uma época que Rune Midgard era um lugar onde não havia inimigos espreitando na escuridão e que todo e qualquer poder era utilizado para aqueles que viviam. Ela sabia que sua mãe sentira muito quando sua família começara a definhar por uma doença desconhecida, e que ela fizera todo o possível para salva-los, estudando o corpo dos homens com tanto afinco e fazendo magia para poder reverter os estágios da doença. Perdera a batalha e sua família morrera. Naquela mesma manhã, Saité jurou que acharia a cura para essa doença que era a morte. E de fato achara.

Inebriada pelo poder absoluto da morte, tornara-se perigosa quando utilizara sua magia para trazer os que se foram de volta a vida. Seu toque podia amaldiçoar uma pessoa, que ficava doente, morria e pouco depois se levantava como um zumbi a serviço de Saité. Decidira se vingar dos deuses por terem condenados os humanos a uma vida finita enquanto eles possuíam a chave da imortalidade. Geffenia sucumbira pelo poder dos grandes magos e as forças de Odin. Saité havia se tornado eterna e não havia lugar para aprisionar sua alma maldita, sendo lacrada em Geffenia com uma inscrição mágica que dizia que ali o mal habitava e deveria ser deixado assim, por determinação do próprio Odin.

A vida era de uma volta incrível e mesmo Odin, o Sábio, não pudera evitar quando o amor tocou o coração puro e valente de Angus e o fez libertar Saité. Convencido de que o amor podia faze-la melhor, Odin os observou sem interferir. O amor de Angus era verdadeiro e puro de qualquer maldade. Era tudo o que bastava. Saité esquecera-se de quem era e do que havia jurado quando estava nos braços do homem com quem se casara depois. Juntos viveram, amando-se cada dia mais, até Saité avisar que teria um filho.

O amor...

Vic bebeu mais do chá, e suspirou. O amor podia salva-la?

Como que para responder suas terríveis duvidas e tira-la daquele mundo gelado e desprovido de amor que vivia, viu a silhueta de Jack. Ele parou na porta da cozinha e olhou surpreso para ela, como se não esperasse encontra-la ali. Vestia um longo roupão vermelho e a roupa de baixo estava aparente. Os cabelos azuis que geralmente sempre estavam presos por uma tira de couro, caiam pelos ombros dele, brilhantes a luz da lamparina. Vic sentiu a ar faltar dos pulmões, quando Jack recuperou-se do susto e a presenteou com um maravilhoso sorriso, os olhos brilhantes.

- Sem sono? - perguntou a ela, aproximando-se da jarra onde ela havia deixado o chá e cheirando - Menta e Erva Vermelha, meu favorito - voltou a sorrir com maior intensidade e serviu-se do chá.

Ela ficara silenciosa, aparentemente chocada com a lembrança do olhar que ele lhe dera em Glast Heim. Um olhar tão carregado de amor e ternura que ela desejou que fosse de verdade. Concluíra depois que Jack faria qualquer coisa para salvar os amigos. Ele era assim. Tinha um coração de manteiga, embora fizesse sempre aquela expressão de "mercenário cruel". Sorriu com o pensamento.

- Oh, por um momento eu achei que não fosse capaz disso - disse Jack em tom de deboche, referindo-se ao sorriso dela.
- Eu sou capaz de muitas coisas - murmurou ela, olhando-o e Jack enrubesceu levemente.
- Não duvido, mas uma mulher que saiba fazer um chá tão bom devia sorrir mais - desconversou - o que está fazendo acordada?
- Pensando na minha vida. O que você faz acordado?
- É o Zanzar... nem uma Eggyra faz todo aquele barulho... ele está quase caindo da cama, metade do corpo em suspensão pela vontade de Odin. Eu já mexi nele e o barulho só piorou.
- O Zanzar é assim mesmo. Está acostumado a dormir sozinho e ninguém nunca falou pra ele sobre o barulho.
- Serei o primeiro pela manhã a dizer - a encarou - Você parece triste... há algo errado?
- Nada em especial. Aquele ser me preocupou.
- A mim também. Ainda bem que Florette está bem e que Atrius está cuidando dela.
- Melhor que a deixasse de uma vez - disse Vic sem dar importância, assumindo um ar indiferente. - Ela nunca vai se recuperar se ele ficar fazendo isso.
- Fazendo o quê? Ele gosta dela, tem mais é que ficar com ela.
- É o que você acha Jack? Que as pessoas que se gostam devem ficar juntas?

Jack que levava a xícara de porcelana payonese aos lábios, parou observando Vic com curiosidade. Bebeu depois e calmamente colocou-a sobre a mesa novamente.

- Sim, é o que eu acho. E acho também que aquele Druida tem que provar o corte das minhas adagas por ter feito mal a todas aquelas pessoas, em especial a Flor, que tenho como uma querida amiga minha.

A capacidade de desconversar de Jack Diovanni era lendária. O precedia juntamente com sua inigualável habilidade com adagas. Ou até mesmo com uma katar presa ao pulso.

- Vamos ter que pensar em um plano para aquele Druida - disse Jack e Vic o olhou.
- Sim.
- E um bom plano. Zanzar e Lier comentavam que nunca haviam visto ou ouvido falar daquela criatura. Como ela pode surgir do nada? - ele fez silêncio - Só se... não, isso não é possível.
- O que não é possível?
- Que exista ainda invocadores em Rune Midgard!
- Invocadores? - fez-se de desentendida.
- Sim, bruxos que possuem um completo domínio de suas magias e a utilizam de formas levianas. Foi isso que aconteceu na velha Geffenia, não sabia?

Vic ficou calada. A percepção de Jack sempre apontava em muitas direções e raramente ele seguia pela errada. A intuição dele era consultada em muitos assuntos e nunca falhava. Ela sentiu que deveria tomar cuidado com o que falasse para ele, embora tivesse vontade de dizer de uma vez tudo o que era e tudo o que sabia.

- Conta a lenda que Odin liderou um exercito contra Blood Raven - ao ouvir o nome pelo qual sua mãe se apresentava, Vic apertou a marca em forma de um corvo do braço e continuou olhando para Jack - uma bruxa que havia adquirido habilidades de controlar a vida. Temendo por uma possível ameaça, Odin marchou juntamente com Tyr e Thor até Geffenia. Dizem que foi uma batalha silenciosa. A bruxa de um lado e Odin de outro... ela perdeu e as palavras de Odin fizeram-se lei em Rune Midgard "todo aquele que utilizar magia e Arte Invocadora será aprisionado na pior das masmorras".
- Como sabe disso?
- Ramirez me contou uma vez. Ele é um ótimo contador de histórias. Não acha?

Ela não respondeu, novamente perdida em pensamentos. Voltando a seus sete anos de idade, quando limpava a casa e encontrara aquela espada. Sem que o pai visse, a desembainhara e admirara sua lâmina perfeita, talhada com runas místicas que depois ela aprenderia a ler. A bainha vermelha, feita de Salgueiro Ancião, um corvo como o que ela tinha no braço detalhadamente queimado. Quem havia forjado aquela arma a fizera com perfeição. Jamais virá espada tão linda quanto aquela. O cabo era macio e firme, sendo de tiras de couro entrelaçadas. A empunhadura era um corvo, que abria as asas decoradas com pedras vermelhas e deitava a cabeça na lâmina reluzente. Até mesmo os olhos do corvo eram vermelhos.

Seu pai chegara e a vira com a espada. Ao contrario do que ela esperaria, ele não ficou zangado. Depois soubera que ele ficara triste. Disse-lhe que num momento daqueles, ele gostaria de poder leva-la para longe do destino já traçado. Não entendera na época o que ele queria dizer, mas agora sabia.

No momento que virá a espada e que a tocara, fizera sua ligação com sua mãe. Uma ligação estranha, pois ela dizia que Vic deveria dar o descanso final a Saité. Tornaram-se intimas, como se fossem amigas e tivesse sido criada por ela. O que na verdade não fora.

Angela chegara depois com Anakin e olhou para a espada e para ela sem entender o que uma criança fazia segurando uma arma. A pedido de Angus não fizera perguntas, talvez não naquele momento. Vic tinha Angela como uma segunda mãe, fora muito boa em sua criação e virara uma grande amiga.

Voltou ao presente, quando Jack tocou suavemente em sua mão.

- Está com aquele olhar Vic... - murmurou ele, agora seus olhos azuis refletindo preocupação. - O que há de errado? - perguntou suave.

E ela teve vontade de explicar a ele o que estava acontecendo, mas não podia. Não havia uma maneira de explicar sem que ele não a odiasse por tudo o que acontecera a Rune Midgard nos últimos anos. De fato, Vic tivera a chance de acabar com a mãe, e hesitara com o pensamento que era como ela, por que faria mal a sua mãe? Abaixara a espada e Saité ferida, caiu no chão, erguendo a mão em sua direção. Os olhos vermelhos e cheios de maldade cederam a um olhar de amor intenso que deixara Vic desconcertada. Com aquele olhar, Saité desmaiara e Vic sabia que jamais poderia ferir a mãe. Acreditava dentro de si que havia esperança a Saité, que um dia ela poderia ser feliz e esquecer tudo o que sabia e que ferira os outros.

Devia ter ceifado sua vida. Era o correto a fazer. Era isso que Vic fazia, ceifava vidas quando utilizava a espada forjada por sua mãe. O destino tinha suas voltas, assim como a vida, e a dela, desfizera-se como se nunca houvesse sido traçado. Ela podia escolher e escolhia acreditar que um dia sua mãe veria a luz.

Ela levantou-se como se o carinho que Jack fazia em seu braço a tivesse queimado. Olhou para ele, os olhos grandes e tristes. Ele não se movera e a olhava querendo ler sua alma.

- Vou para a minha casa - declarou ela. - Avise a todos que voltarei em dois dias. Que me esperem que posso ajudar no problema daquele ser.
- Casa?
- Sim... eu tenho que ir - e sem dizer mais nada, ela pegou sua capa que estava pendurada perto da porta e deu um último olhar na direção de Jack. Ele levantou-se e aproximou-se sem fazer barulho, acompanhou Vic até uma pequena casa que havia do lado, onde um Peco Peco estava deitado. Lier o usava quando ia a Payon fazer compras. Vic o selou com rapidez e olhou novamente para Jack, que estava parado na porta do aposento escuro. - Eu volto - disse ela.

Assustou-se depois, quando desviou sua atenção para a sela, quando Jack foi até seu lado e sem dizer nada a tomou nos braços e a beijou. Depois a afastou e Vic que estava com o coração em pulos pode ver o sorriso de Jack mesmo no escuro.

- Agora eu sei que você vai voltar - comentou ele, fingindo certeza, embora não tivesse nenhuma.

Sem esperar mais, Vic montou e disparou em direção a sua casa em Izlude. Agora sabia que não se sentiria cansada tão cedo e só estava terrivelmente ansiosa e apaixonada.


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