O Diário de Uma Heroína escrita por Kagome_


Capítulo 3
Capítulo 3




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Sobrou pra Kaede me levar de carro até o ateliê de arte, depois da escola, no dia seguinte. Mas Kaede está acostumada a nos levar de um lado pro outro. Ela trabalha pra minha família desde a viagem do Marrocos. E faz tudo o que meus pais não têm tempo pra fazer: levar a gente aonde quiser, lavar louça, cuidar da casa, esse tipo de coisa.

No caminho para o ateliê da Ayame Boone, ela estava estabelecendo um monte de regras e limites. Ela estava totalmente ligada na minha total intenção de escapulir no minuto que ela se afastasse.

- Se você acha, Dona Kagome, que eu não vou entrar lá com você, pode mudar de pensamento – informou Kaede no caminho.

“Mudar de pensamento” é uma das gírias preferidas dela. Eu que ensinei. Na verdade é mudar de idéia e não de pensamento. Além disso, ela me chama de Dona Kagome quando está brava comigo.

- Eu sei exatamente o que você está pensando Dona Kagome – continuou Kaede – Assim que eu virar as costas, você entra correndo na loja de CDs mais próxima.

Suspirei como se tal idéia nunca tivesse passado pela minha cabeça, apesar de eu ter planejado aquilo mesmo.

- Até parece, Kaede – afirmei apesar de tudo.

- Não me venha com esse, “Até parece Kaede”. Eu conheço você muito bem. Sempre vestida de preto, e com esses seus costumes...

Ela sempre toca nesse assunto quando quer me irritar.

- E às 5 e meia, quando eu buscar você, vou lá dentro, ouviu?

Quando afinal chegamos ao estúdio de arte Ayame Boone, a Kaede lançou um olhar de viés na minha direção, porque o ateliê ficava em cima de uma loja de CDs. Como se fosse minha culpa ela ter escolhido aquele lugar!

Quando subimos as escadas, ao invés das músicas da loja de CDs, ouvimos música erudita, como se fosse algo de fundo. E um cheiro de tinta e terebintina. Mas ainda sim, existia um outro som muito estranho.

Só quando chegamos até a porta do ateliê e eu a empurrei é que eu entendi o outro barulho.

- Oi, Joe. Oi, Joe. Oi, Joe – um enorme corvo preto em uma enorme gaiola grasnava para nós.

Kaede deu um grito.

- Joseph – uma mulher baixinha, ruiva e com os olhos mais verdes que eu já vi disse – Tenha modos!

- Tenha modos! Tenha modos! – repetiu o pássaro

- Desculpem-me por isso – disse a mulher ruiva – por favor, não liguem para ele. Ele demora um pouco pra se acostumar. Você ser a senhorita Higurashi. Eu sou a Ayame.

Estiquei o braço e apertei a mão que ela estendeu. A pele dela era seca e áspera.

- Pode me chamar de Kagome – eu disse.

- Oi Kagome – respondeu Ayame, daí ela largou minha mão, e se voltou pra Kaede. – E você deve ser a sra. Higurashi. Muito prazer.

Kaede balançou a cabeça e disse que não era a sra. Higurashi, e sim a empregada, e que voltaria as 5 e meia para me buscar.

Então Kaede foi embora e a Ayame me dirigiu até um dos banquinhos, em que estava um bloco de desenho.

- Pessoal, está aqui é a Kagome. Kagome esses aqui são Lynn, Gertie, Jonh e Inuyasha – apresentou Ayame os apontando.

Rapidamente pude dar uma olhada neles. Lynn era uma mulher magra de uns 30 anos. Gertie, uma mulher de meia idade. Jonh, tinha uns 25 anos e Inuyasha, que usava uma camisa da Save Ferris.

Como Save Ferris é uma das minhas bandas preferidas, achava que poderia puxar papo com ele, mas depois que reparei nele, achava que essa chance estava em torno de zero. Eu conhecia ele de algum lugar, então só podia ser da escola, e eu sou uma das pessoas mais odiadas da escola por ter dado todo o dinheiro arrecadado para comprar materiais de arte.

O Inuyasha parecia ter a mesma idade da Kikyo. Era alto, longos cabelos pratas iam até o final de suas costas. Seus olhos eram de um dourado profundo. Nunca tinha visto assim. Mas o que mais me chamou a atenção foi as orelhinhas fofas do topo da cabeça. Ele era meio fofo, não tanto quanto o Kouga, o que significava que estudava na escola no grupo dos populares.

Portanto, quando eu sentei e o Inuyasha piscou pra mim, dizendo “que bota legal”, eu fiquei completamente chocada. Pensei que ele estava zoando da minha cara, mas daí olhei pra baixo e percebi que igual a mim, ele também usava um coturno. Só que, diferente de mim, o Inuyasha não fazia de suas botas uma afirmação satírica: um dia na última aula, eu cobri meu coturno com margaridas de corretivo e marca-texto.

Fiquei quietinha e muito feliz por um garoto tão fofo ter falado comigo.

- Hoje nós vamos fazer uma natureza-morta – disse Ayame me dando um lápis – desenhe o que você vê.

Daí saiu fora.

Tudo bem. Até que isso não tão mau assim. Na verdade, até que o ambiente era agradável ali no ateliê da Ayame Boone. Talvez, pensei enquanto desenhava, isso aqui não seja tão ruim assim. Talvez seja até divertido. Tipo, existem maneiras muito  piores para se passar 4 horas, não é mesmo?

Peras. Uvas. Uma maça. Uma romã. Desenhei sem prestar muita atenção. Estava preocupada com o que a Kaede iria fazer para o jantar. Perguntei a mim mesma porque não escolhi espanhol ao invés de inglês. Ai, eu teria a Kaede para me ajudar, já que ela sabe falar espanhol fluentemente.

Eu estava tão preocupada com isso, que nem reparei que o Joe, o corno, tinha descido da gaiola e tinha vindo na minha direção, para verificar o que eu estava fazendo, até que ele arrancou alguns fios do meu cabelo.

Fala sério. Um corvo roubou meu cabelo!

Soltei um grito, o que assustou o Joe, e ele saiu em disparada até sua gaiola.

- Joseph! – Ayame Boone esbravejou – Solta o cabelo da Kagome!

Obediente, o Joe soltou o cabelo, e 3 ou 4 fios de cabelos pretos caíram.

- Corvo lindo – disse Joe.

- Ah, Kagome, desculpe. É que ele fica atraído por coisas brilhantes.

Veio até mim, e me entregou os fios de cabelo, como se eu pudesse colocá-los de volta.

Por volta das cinco e meia, a Ayame Boone encerrou a sessão.

- Pronto. Parapeito da janela.

E todo mundo, menos eu, levantou do banco e colocou o bloco de desenho apoiado na janela. Apressei-me para colocar meu bloco ao lado dos outros e depois todos nós nos afastamos para ver o que desenhamos.

O meu era claramente o melhor. E eu fiquei mal por causa disso. Tipo, era só o meu primeiro dia de aula, e eu desenhava melhor do que todos ali. Tive mais pena do Jonh: o desenho dele era uma enorme bagunça. O da Lynn parecia ter sido feito por uma criança. Só o Inuyasha tinha desenhado algo remotamente bem. Mas ele não tinha conseguido terminar. Eu tinha terminado todas as frutas e tinha até adicionado um abacaxi, tipo, para dar um equilíbrio à figura.

Fiquei torcendo para a Ayame não fazer muito alarde por o meu desenho ser o melhor. Eu não queria que os outros ficassem mal.

- Bom – avaliou Ayame.

Ela foi muito diplomática a respeito de todos. A Ayame ficou falando e falando sobre a emotividade das linhas da Lynn, disse que o Jonh tinha melhorado muito, e todos concordaram, o que me faz pensar o quão ruim o Jonh começou. O Inuyasha recebeu um “excelente justaposição” e Gertie um ótimo uso do espaço.

Quando ela finalmente chegou ao meu desenho, tive vontade de sair de fininho. Tipo, meu desenho era obviamente o melhor...Eu não quero parecer esnobe, mas meus desenhos sempre são os melhores. Desenhar é o que eu faço de melhor.

Mas, no final, vi que não precisava ter me preocupado com os elogios da Ayame. Porque, quando ela chegou ao meu trabalho, não pôde dizer nada de agradável a respeito dele. Em vez disso, deu uma boa olhada, chegou mais perto e examinou.

- Bom, Kagome, estou vendo que você desenhou o que conhece.

Achei que essa observação era bem esquisita.

- Humm – respondi – Acho que sim.

- Mas eu não mandei desenhar o que você conhece, eu mandei você desenhar o que vê.

Olhei para o meu desenho, e depois para a pilha de frutas.

- Mas não foi o que eu fiz?

- É mesmo? E você está vendo algum abacaxi na mesa?

Não precisei olhar de novo. Eu sabia que não tinha nenhum abacaxi.

- Bom. Não vi mas...

- Não. Não tem nenhum abacaxi ali. E essa pêra também não está ali.

- Espera aí – comecei ainda confusa – Tem pêra lá sim. Aliás, tem 4 pêras na mesa.

- Tem – respondeu Ayame – Tem 4 pêras ali, mas nenhuma delas é essa aqui. Esta é uma pêra da sua imaginação. É o que você conhece como pêra, uma pêra perfeita, mas não é nenhuma das pêras que você viu.

Eu não fazia a mínima idéia do que ela está falando. Mas parece que , a Gertie, o Jonh, a Lynn e o Inuyasha sabiam. Todos acendiam com a cabeça.

- Você não está vendo, Kagome? Você desenha uvas lindas, mas não as uvas da mesa. O que você desenhou aqui é a idéia que você tem sobre com as uvas devem ser, e não as uvas que de fato estão na nossa frente.

Pisquei, olhando pra o bloco. Não entendi nada. Nada mesmo. Tipo, eu entendi o que ela estava dizendo, mas não conseguia perceber qual era o problema. A pior parte é que parecia que todo mundo estava olhando pra mim com um ar de solidariedade. Meu rosto começou a ficar quente.

- Desenhe o que você vê, não o que conhece, Kagome.

E foi então que a Kaede, subiu as escadas, entrou na sala, fazendo com que o Joe se espantasse. Era hora de ir embora. Achei que ia desmaiar de tão alívio.

- Vejo você na quinta-feira – exclamou alegremente Ayama, enquanto eu vestia o casaco.

Devolvi o sorriso, mas claro que estava pensando: “Nem morta que você vai me ver na quinta-feira”.

Naquele instante, claro, eu não fazia idéia de como eu tinha razão. Bom...mais ou menos.


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