Janela escrita por o_arquiduque


Capítulo 2
A nova edição




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Faltavam pelo menos duas matérias para fechar a edição. Nenhum jornalista ousava publicar algo que tivesse as palavras: repressão e cultura, ainda mais se elas estivessem associadas. Alfredo andava em círculos dentro da pequena sala com persianas amareladas. Não conseguia tirar os olhos do buraco em branco que deveria comportar pelo menos mais algumas palavras, e se recusava a usar qualquer coisa que tivesse passado pelas mãos de algum militar. Se tivesse passado, palavras como “prisão” teriam magicamente mudado para “liberdade”.

Sentou-se à frente de sua máquina de escrever e tentou datilografar as primeiras linhas do que seria mais um desabafo do que uma matéria, sua revolta pelo que acontecia com o país era muita, mas naqueles tempos, tinha de ser em silêncio ou disfarçada. Assim assinava seus textos, com pseudônimos, dessa forma onde quer que procurassem Cícero Martins, nunca encontrariam.

Depois de finalizar alguns parágrafos, não muito contente pelo resultado, mas decidido à deixar como estava, levantou-se novamente para pensar no que faria com o ultimo buraco em branco de seu jornal. Repassou em mente tudo que poderia usar, até mesmo republicar um texto antigo, mas a edição estava pedindo algo de novo.

- Com licença, Alfredo, mas você tem correspondências. – Uma senhora gordinha abriu gentilmente a porta e avisou-o, olhando por cima de seus óculos redondos.

- Muito obrigado, Matilde. – Ele se adianta para pegar os envelopes.

- Receio que o senhor não vá gostar, mas foi assim que eu as encontrei! – Matilde entrega os papéis violados.

Todas as correspondências tinham sido violadas, abertas, rasgadas. Nenhuma, nem mesmo a conta de luz do velho apartamento em que mantinha seu jornal foi poupada. Qualquer um poderia ver as informações, uma vez que essas estavam á mostra.

Encostou-se à mesa, esfregou o rosto achando tudo aquilo um absurdo muito grande, quase um pesadelo, mas reafirmou os olhos nos papéis. Invadiram parte de sua vida, e nesse ponto agradeceu aos céus por ainda não ter constituído família, ou então mais gente estaria sob vigilância do governo.

Conta de luz, água, aluguel... E uma estranha carta escrita á mão, com letras ágeis que quase escapavam da folha pálida.

“As provas que precisamos para incriminar aquela pessoa está na janela de Luiza. Encontre a carta por entre as folhas dos arbustos verde-bandeira. Délia.”

Estava ai sua matéria.

Pegou o casaco, bateu a camisa e a calça, nem chegou a arrumar uma gravata, apenas saiu rapidamente avisando Matilde que voltaria com a matéria que faltava.


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