E então, pela primeira vez desde que a conheci, fiquei realmente feliz em ver Jessica. Ela entrou na sala, cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, desconfiada.

– Por acaso estou interrompendo alguma coisa? - disse com aquele seu jeito acusador que eu já conhecia bem.

– Não, Sica. Nada – falei despistando.

Levantei-me rapidamente e fui até ela. Agarrei em seu braço e a virei de costas para TaeYeon não escutar. Disse com toda a discrição que me era peculiar que precisávamos conversar sobre aquele “outro assunto” qualquer hora.

– Assim repentinamente? - ela riu baixo – Mas ok. A hora que você quiser. - e traçou uma rota com um dedo da minha nuca até o cóccix, por cima da minha camiseta. Rápida o bastante para que eu não conseguisse impedi-la.

Aquele simples toque foi o suficiente para me deixar com calafrios e receio de olhar pra pelo resto do dia, apesar da terrível sensação de que esteve me observando durante o ensaio inteiro. Que por sinal, foi um desastre.

Sério, não dava pra entender o que JaeKyung estava pedindo. Como coreógrafa ela estava se saindo uma ótima guarda-penitenciária ou o que fosse. E aquela sala um belo de um campo de concentração.

“Ai meu Deus! Não é assim que se faz, Fany!”, “Victoria, você está morrendo, por acaso?!”, “Sunny, mexe essa bunda direito, minha filha!”, “Que saco, SungMin! Você é mais moça que eu!”.

É. Para o nosso primeiro ensaio oficial aquele não tinha sido um bom começo.

Dei graças aos céus quando o sinal tocou e logo me atirei pra fora da sala. Nem fiz questão de dar a passada básica no vestiário e tomar aquela ducha sagrada, só juntei as minhas coisas e desci correndo para o pátio me encontrar com GongChan. Vai que... Sei lá. A Jessica resolvesse tomar banho comigo ou qualquer coisa. Pensei que seria mais seguro ir direto pra casa mesmo.


– Um banho de vez em quando faz bem, sabe? – GongChan apareceu do meu lado.

– Vem cá me dar um abraço, seu lindo!

– Aish, tira a mão de mim!

– Credo, como você é fresco.

Fiz um bico e ele apertou meu nariz brincando.

– Você vai pra casa a pé? - perguntou.

– Vou.

– Então eu vou com você.

GongChan sabia ser legal quando queria. E eu precisava mesmo conversar e desabafar com algum amigo. Ninguém melhor do que ele, o único que sabia do meu segredo. Isso sem contar a Jessica, claro, que descobriu sabe-se Deus como.

Fizemos sem pressa o caminho para a minha casa. Perguntei como tinha sido o seu dia e ele me contou que conseguiu criar coragem para tomar a iniciativa com CNU: o convidou para ser sua dupla na aula de desenho. Um teria que desenhar uma caricatura do outro. Disse que CNU ficou realmente impressionado com a sua arte, e o Channie - modesto que é - fez questão de dizer que era apenas um “rabisco”.

Fiquei feliz com a evolução dele e, de certo modo, senti um pouco de inveja. Ele já tinha até o telefone do garoto e eu não sabia nem quantos anos TaeYeon tinha.

Pensei em contar da minha crise de ciúmes, mas ele estava empolgado demais falando de si mesmo. Além do mais, eu sabia que ele me chamaria de “boba”, “infantil” e etc, o que não era nada bonito de se escutar de um garoto de 15 anos. Mesmo que isso não fosse uma mentira.

**

O dia seguinte não foi lá muito movimentado.

Tivemos um simulado de língua inglesa em dupla na parte da manhã e foi bem tranquilo, uma vez que a minha parceira era Tiffany – uma americana legítima. Para o meu total incômodo, SungMin e TaeYeon mais uma vez sentaram-se juntos.

Mas fiquei um pouco mais tranquila quando o SungMin veio me entregar uma caixa de bombons (os meus favoritos) a tarde e dizer que “era mentira se alguém tinha me falado que ele estava afim de TaeYeon”, o que eu achei bem esquisito. Imaginei que aquilo deveria ser obra de JaeKyung. Essa aí adorava dar uma cupido pra cima de nós dois e provavelmente deve ter enchido a cabeça dele.

Deu uma bela amenizada no meu ataque de ciúmes.

O ensaio não havia sido melhor do que no dia anterior, muito pelo contrário. Nossa ‘coreógrafa’ foi ainda mais exigente e autoritária do que na quinta, e era evidente em nossos rostos que estávamos desmotivados e frustrados. Tudo bem que ela tinha um bom motivo pra agir daquele jeito, mas estava levando aquilo mais a sério do que deveria.

Por um momento me arrependi de ter comprado a sua briga com WooRi, mas passou logo que olhei para o lado e vi TaeYeon. Que outra oportunidade eu teria de estar tão perto assim dela?

Ah, certamente nenhuma. E eu estava amando ouvi-la cantar e vê-la dançar, mesmo que um pouco atrapalhada, a poucos metros de mim.

A notícia boa daquela sexta-feira veio logo no final da tarde quando Jia anunciou que teve uma ideia para a nossa coreografia, o que fez JaeKyung marcar “ensaios de emergência” no final de semana. A maioria de nós pareceu bastante satisfeita com a ideia de nos encontrarmos sábado e domingo, como se cada um tivesse um motivo em especial para isso, já que os ensaios em si não eram nada produtivos.

E de fato alguns tinham mesmo.

Eu queria ver TaeYeon. Jessica e SungMin provavelmente queriam ME ver. Tiffany era tão solitária que qualquer companhia seria bem-vinda. Já JaeKyung e Jia eram do tipo workaholic mesmo.

As únicas que pareceram não gostar muito foram Victoria e TaeYeon. Vic disse que já tinha combinado de ver o Khun (o que a rendeu uns belos xingamentos) e TaeYeon apenas assentiu. Fiquei com a impressão de que parte dela queria dizer alguma coisa, mas não teve coragem. Vai ver não queria passar por preguiçosa ou qualquer outra coisa, ainda que só estivesse naquele grupo porque fora praticamente obrigada por SungMin.

De qualquer forma eu iria vê-la e não tinha como não ficar feliz com isso.

**

Nós não fomos os únicos que tiveram a ideia de ensaiar no final de semana. Nos dois dias tivemos a infelicidade de cruzar pelos corredores de Seongkak com WooRi e seus abutres - digo, suas amigas. Claro que teve uma provocaçãozinha aqui e outra ali, mas ela não era tão folgada quando o SungMin estava por perto. Sabe-se lá o porquê.

Vai ver tinha um amor encubado por ele.

Quem não deu as caras e muito menos sinal de vida foi TaeYeon. Eu bem que tinha percebido que ela se sentiu incomodada com esses ensaios fora de hora, e confesso que a sua ausência mexeu demais com a minha disposição.

Além do mais, a coreografia “polêmica” e constrangedora de Jia e JaeKyung não estava fluindo bem com seis pessoas. Elas tinham pensado em cada passo como se fosse para um grupo de sete integrantes.

E falando sobre essa dança, quando eu digo constrangedora quero dizer exatamente constrangedora mesmo. Pelo menos pra mim e para Tiffany, já que os outros pareciam estar soltinhos e – inclusive – achando graça.

Bom, pra mim não era nada divertido me imaginar levantando a camiseta e mostrando a barriga para o colégio inteiro. Mas confesso que era uma ideia original.

E contra a WooRi – que era mesmo uma adversária difícil de ser batida - tínhamos que pensar em algo que fosse além do convencional. Aquela coreografia com certeza chamaria a atenção dos jurados.

E de todas as garotas da escola também.

Sou obrigada a confessar que o abdômen do SungMin não era de se jogar fora. E ele ainda fazia questão de exibi-lo pra mim durante o ensaio todo.

E Jessica também. Só que ela fazia isso de um jeito um pouco mais... provocativo? Bom, uma coisa era certa: quanto mais eu convivia com ela, mais apavorada ficava. A garota me olhava como se eu fosse um pedaço de carne grande e suculento, e digamos aquilo não era lá muito agradável.



Já passava das 15h do domingo e mais uma vez não estávamos fazendo progresso. Minhas pernas estavam desgastadas, dando sinal de que não aguentariam por muito mais tempo. Eu sempre fui sedentária e aquela mudança repentina na minha rotina não estava sendo muito bem aceita pelo meu corpo. Por sorte, o ensaio foi interrompido.

– Ai, chega! Está difícil sem ela. – falou JaeKyung após desligar o rádio, como se a ausência de TaeYeon justificasse o nosso fracasso.

– Espero que ela não tenha desistido. – disse Jia respirando fundo e se jogando no chão de cansaço.

– Aish! – se irritou Jessica – Se ao menos alguém tivesse o celular dessa garota...

– Ei, espera aí... eu tenho!

Naquele momento cheguei à conclusão de que SungMin só podia ter alguns neurônios a menos mesmo.

Mas... muita calma nessa hora.

Por que diabos ele tinha o telefone dela?! Estavam tão íntimos assim que até já tinham até trocado números de celular? Mais uma vez fui invadida por aquele sentimento de ódio e senti vontade de esmurra-lo bem no meio dos olhos.

– EU VOU TE MATAR, LEE SUNGMIN! – JaeKyung se revoltou, e Jessica fez o facepalm

– Por que você não falou antes, sua mula?!

– Calma aê, meninas. Eu só me esqueci desse detalhe... – ele respondeu sem jeito.

– Gente, não vamos brigar. – interviu Tiffany – Já que temos o número dela então vamos ligar. Quem se habilita?

– Estou sem crédito. – disse SungMin.

– Meu celular descarregou. – disse Jia.

– O meu também. – disse JaeKyung.

– O meu está no concerto. – disse Tiffany.

– Eu não falo coreano. – disse Victoria.

– E eu não estou com vontade. – disse a Ice Princess.

E de repente todos olharam para mim, claro.

– Eeeeeei. – falei em pânico - Eu não... eu não..

– Certo, você liga então. – JaeKyung bateu palmas contente – SungMin, passe o número pra ela. E depois vem comigo aqui fora que eu tive uma ideia, Sunny.

JaeKyung deixou a sala e eu peguei o número com SungMin. Salvei na minha agenda como se fosse um tesouro a ser guardado e fui encontra-la do lado de fora no corredor.

– Toma, Jaekie. – disse entregando o celular pra ela – É só você ligar.

– Nem pensar, Sunny. – ela me empurrou de volta o aparelho – Tem que ser você a fazer isso.

– Eu? Mas por que eu? – perguntei confusa.

– Sei lá, é só um pressentimento. Agora presta atenção no que você vai dizer.

Ela me disse exatamente o que eu tinha que falar: que não queríamos que TaeYeon deixasse o grupo, etc etc, e que ela estava convidada para a Festa do Pijama que JaeKyung daria na casa dela essa noite.

Marcar as coisas em cima da hora definitivamente era uma habilidade dominada por JaeKyung.

A sorte dela era que não tínhamos aula na segunda de manhã, se não ninguém aceitaria.

Quando perguntei que raio de ideia era aquela, ela só disse que eu tinha confiar nela.

Tá, né? Peguei o celular e disquei para o número passado por SungMin. Minhas mãos tremendo enquanto eu o pressionava bem forte contra meu ouvido. O coração prestes a sair voando pela garganta.

Tocou umas cinco vezes até ela atender.

– SungMin-ah!

E ela atendeu feliz. Até demais.

– Errr.. Taeng?

– Ahnnn, sim.

– Ooooooooi! – prolonguei a palavra o máximo que eu podia enquanto tentava pensar, com milésimos de segundos de margem, o que diria a seguir.

Não tinha mesmo me preparado pra isso, mas de uma forma inacreditável consegui terminar a ligação com sucesso, mesmo que tenha sido bastante difícil.

Pra nós duas.

Questinei por que ela não tinha ido aos ensaios e se pretendia deixar o grupo. Para a minha felicidade ela negou, mas disse que teve um compromisso de última hora e por isso havia faltado. Quanto à "Festa do Pijama", ela disse que não sabia como chegar à casa de JaeKyung, mas gostaria de ir sim. Falei que não teria problemas e ofereci para encontrar-me com ela em frente ao portão do colégio, às 20h, que o motorista de JaeKyung nos levaria para lá.

Ela concordou.

E eu vibrei por dentro.