Era quase 20h quando eu finalmente consegui acordar naquele sábado. Uma dor de cabeça fortíssima me incomodava, meus olhos ardiam e meu nariz coçava. Indícios de que uma gripe daquelas bem chatas estava por vir.

Peguei meu travesseiro, o ajeitei na cabeceira da cama e fiquei ali por mais alguns minutos, meio sentada e meio deitada com a coberta até o pescoço. As palavras ditas por Jia quando nos encontramos na saída do club ainda me perturbavam. ”Jessica estragou tudo com a Tiffany! Antes mesmo de começar.”, foi o que ela contou.

A coisa foi mesmo grave. Segundo Jia - a única que ainda estava na pista quando TaeYeon e eu descemos para ir embora - Jessica foi chamada até o palco pela vocalista da banda e as duas se agarraram ali mesmo. Na frente de todos... e de Tiffany. Como se não bastasse, logo depois ela sumiu pelos bastidores com a tal cantora.

Pobre, Fany. Foi embora chorando e sozinha.

Mas, né? Tanta gente nesse mundo e ela tinha que se apaixonar logo pela Sica? E a Sica, se tivesse um pouquinho de noção, poderia ter evitado aquela situação, mas ela perde tanto tempo se metendo na vida alheia que é incapaz de processar o que acontece em frente ao seu próprio nariz. Porque, apesar de ser tão egoísta, tenho certeza de que ela não magoaria uma garota como a Fany assim, quase que gratuitamente, se soubesse dos sentimentos dela.

É, tinha mesmo que ter algo para impedir aquela noite de ser perfeita. Sorte que, pelo menos para mim, no final o saldo ainda ficou positivo: WooRi tombada, muita diversão e um novo avanço com o amor da minha vida.

Tudo o que eu queria naquele momento era poder compartilhar o que estava sentindo com o meu melhor amigo, mas GongChan não atendeu ao celular em nenhuma das minhas 20 tentativas.

Ele estava isolado do mundo e eu me sentia culpada por isso. Não tinha levado seu sumiço a sério, mas agora já era tarde. Talvez ele estivesse mal, precisando de mim, e eu nada poderia fazer para ajuda-lo. Como pude ser tão desleixada? Disse a mim mesma que, se ele não aparecesse na escola segunda-feira, eu iria até sua casa procura-lo ou então ligaria para seus pais atrás de notícias.

E por falar em pais, os meus haviam chegado há algumas horas.

– Sunny, filha! O jantar já está na mesa!

Escutei a voz doce de minha mãe me chamar perto da escada e me apressei em me arrumar para o jantar. Quando desci até a sala de jantar, vi que meus pais ainda estavam vestidos socialmente.

– Omma, appa! - os cumprimentei com um abraço em cada um - Fizeram uma boa viagem?

– Sim, filha! - respondeu meu pai após nos sentarmos à mesa - Foi rápida, mas fechamos bons negócios. O Sr. e a Sra. Jung são empresários magníficos!

– Legal, appa. - respondi sem dar muita atenção. O trabalho dos meus pais não era muito interessante pra mim. Eles basicamente compravam e revendiam grandes terrenos, nada que me atraísse.

– Verdade! - minha mãe concordou - E o filho deles é uma graça! Estuda no colégio do seu tio também. Uma pena ser mais novo! Se não, seria um ótimo partido para você, meu amor!

– É? Que filho? - perguntei apenas para não deixar morrer o assunto. Meus pais eram cheios de querer me empurrar para algum garoto de boa família. Mal sabiam eles...

– Jung JinYoung! - arranhei minha faca no prato ao ouvir aquele nome e paralisei - Um principezinho, você precisava ver!

– Muito! – disse meu pai – Ele é o filho coreano do casal Jung! A menina é americana, assim como os pais. Queria tê-la conhecido. Aposto que foi tão bem educada pela família quanto o irmão!

– Menina?! Americana?! Jung?! – larguei de uma vez os talheres no prato e quase engasguei com o pedaço de frango que tentava mastigar.

– Sim, você a conhece? - ele me olhou em dúvida - Ah, é mesmo! Ela estuda em Seongkak também! Acho que o nome é Jennifer, Jessica, algo assim.

Putz.

**

Aquela segunda estava sendo atípica. Do grupo todo, apenas JaeKyung, Jia e eu fomos para o colégio. GongChan e WooRi também não deram as caras em Seongkak.

As três primeiras aulas se arrastaram. Era tão chato estudar sem ter TaeYeon na mesa de trás cutucando minha nuca com a ponta do lápis...

Quando o intervalo enfim chegou, fiquei até desanimada em descer.

– Ok. O que vocês andaram aprontando? – perguntou JaeKyung quando chegamos na fila da lanchonete. Ela agora já caminhava sem as muletas, mas ainda mancando com o peso do gesso.

– Nada. – respondeu Jia – E com você? Voltou mesmo com o LeeTeuk oppa?

– Hm, \\\'nada\\\'... Sei! – ela nos olhou desconfiada – Sim, nós voltamos. Ele me procurou ontem e nós reatamos.

– Assim sem mais nem menos?! – perguntei um pouco aborrecida.

– Não foi “sem mais nem menos”, Sunny. – ela me olhou com a expressão fechada – E eu sei que vocês tem alguma coisa a ver com isso.

– Ah-h, é? – fiz bico e fingi não saber de nada – Eu não tenho nada a ver não! Nem vem!

– Sei bem que não! - ironizou - Bom, o oppa disse que a WooRi fez a minha caveira depois do lance do jornal, e que sábado a noite ela ligou desmentindo tudo.

– Nossa! Que coisa, né? – Jia riu. – Masss, você está feliz?

– Sim, muito! E agora podem começar a abrir a boca vocês duas!

– Claro, mas antes... Um suco de laranja, por favor! Preciso de Vitamina C pra essa minha gripe! – entreguei depressa as fichas para o balconista e, assim que recebi meu pedido, fui direto para a nossa mesa, a fim de evitar responder JaeKyung. Não sabia se tinha ‘autorização’ de Jessica para divulgar os acontecimentos do club.

– Certo. – disse JaeKyung sentando ao meu lado quando retornou. Jia sentou no banco da frente. – Já percebi que vocês não vão falar nada. Então beleza! Amanhã colocarei a dona Jessica contra a parede.

– Melhor mesmo.

– Mas ainda quero saber o que aconteceu pra todo mundo ter faltado hoje. Principalmente a Tiffany! Ela nem apareceu lá em casa ontem. Tive que terminar a letra de ‘A’ sozinha!

– Bem, quanto à Fany eu não saberia dizer. – mentiu Jia – Mas acho que sei porque a Victoria não veio...

– Sério? – perguntei curiosa – E por quê ela não veio?

– Hum. Lembra que você pediu para eu conversar com ela, Sunny?

– Lembro! – respondi imediatamente – E você conversou?

– Sim, nós nos encontramos em um restaurante chinês ontem.

– E...?

– Errr... ai, deixa pra lá!

– Começou agora termina! – JaeKyung esbravejou e Jia se encolheu um pouco assustada.

– É que o assunto é um pouco delicado...

– Desembucha!

– Ela está... ela está com sérios problemas! Pronto, falei! – Jia corou.

– Sérios problemas QUAIS?! Se é sobre a minha melhor amiga eu tenho todo o direito de saber. Pode continuar!

– Então, gente... Não sei se devo falar. - ela desviou o olhar para o chão por baixo da mesa e o encarou com uma expressão um tanto apreensiva - Não sei mesmo. Talvez seja melhor vocês ouvirem da própria boca dela.

– Olha, Jia. Não faço ideia do quão grave é o que você tem pra dizer, mas eu conheço a Victoria melhor do que qualquer um aqui. - argumentou JaeKyung - Ela não gosta de se sentir um peso na vida das pessoas. Jamais falaria se estivesse passando por dificuldades. Nem mesmo pra mim.

– JaeKyung tem razão, Jia. Você precisa nos contar. Só assim conseguiremos ajuda-la.

Ela deu um longo e profundo suspiro. Parecia estar brigando com sua consciência para não revelar o conteúdo daquela conversa, mas, ainda assim preocupada o bastante para considerar nos contar. E nós estávamos mais tensas do que nunca. As mãos de JaeKyung até tremiam um pouco em torno do copo.

– Certo. - ela disse tristemente - Vocês venceram. Eu vou dizer.

– Hmmm. - aflita, apertei os lábios e me preparei para ouvir a confirmação do que já suspeitava há muito tempo.

– Bem.. é que... ela está... Victoria está... grávida.

**

– Cadê esse maldito infeliz?!

JaeKyung estava furiosa. Corria o mais rápido que conseguia mesmo carregando aquele treco na perna. Já tínhamos circulado os dois pátios, o complexo esportivo, o jardim, os corredores das salas de aula e nenhum sinal do namorado de Victoria.

– Calma, Jaekie! Desse jeito você vai quebrar a outra perna também! – alertou Jia enquanto vasculhávamos o corredor dos estúdios.

– É, Jaekie. Ele não deve ter vindo! Amanhã o procuramos...

– Amanhã o cacete! Eu vou encontrar esse moleque é agora! Vocês viram o oppa dizer que ele passou na cantina!

– Calma, ele deve ter se enganado! – tentei convencê-la, mas ela não me deu ouvidos.

– Tailandês desgraçado filho de uma vagabunda! Como ele pôde! ME DIZ COMO ELE PÔDE!

– Ei, Jaekie! Pode parar! – a segurei pelo braço e a impedi de continuar correndo e acabar quebrando a cara no chão. – Olha pra mim! Você sabe que ela tem tanta culpa quanto ele!

– Mas ele é o homem dessa relação! Pra ele vai ser fácil! Quem vai carregar a criança e sofrer as consequências será a Vic!

– Sem ‘mas’, Kim JaeKyung! – falei um pouco mais firme – Nós a alertamos mil vezes pra parar de se agarrar com esse tal Nichkhun!

– Bem que a minha mãe tinha razão... como não acreditei nela? Como?!

JaeKyung estava desolada. Respirava pesadamente e parecia estar prestes a chorar. Imaginei se fosse ela a grávida ao invés da Vic... certamente teria um treco.

– Já passou, amiga. – falou Jia – Agora temos que ajudar a Vic. Ela vai precisar do nosso apoio. Ainda mais se o Khun não for assumir.

– Ah, mas ele vai assumir sim! – falei em alto e bom som – E se você quer mesmo falar com ele, Jaekie, eu acho que sei onde encontra-lo.

**

O intervalo já tinha acabado, mas por alguma razão eu suspeitava que encontraria Nichkhun no abandonado mini-auditório. Afinal, lá era o lugar favorito dele e de Victoria.

Cuidadosamente, Jia e eu abrimos a porta de correr do auditório e entramos com JaeKyung. A única luz que iluminava o lugar vinha de um spot no teto. Ela era fraca e piscava como se estivesse quebrada.

Sentado no centro palco com os olhos fechados e as pernas cruzadas estava Nichkhun, conforme eu havia previsto. Ele parecia estar concentrado e não percebeu quando entramos. Sentava em uma pose estranha e vestia um moletom cinza e uma camiseta regata branca e suada. Talvez estivesse meditando, ou algo do tipo.

– EI, VOCÊ! – gritou JaeKyung quando chegamos até a primeira fileira de poltronas e ficamos de frente para o garoto. – QUERO CONVERSAR COM VOCÊ! A-GO-RA!

Nichkhun deu um pulo de medo ao ouvir a voz de JaeKyung, nitidamente intimidado.

– E-e-eu? – ele gaguejou.

– Sim, é agora! E não vai ser aqui dentro! Está escuro e não quero um tarado como você perto de mim!

– T-ta-ta-tá bom!


O garoto era bem maior que nós três, mas andou o trajeto inteiro até o jardim encolhido e assustado como uma criança que aprontou e estava prestes a apanhar dos pais. Chegamos até a estátua do busto de meu tio e sentamos no banquinho que tinha ali. Nichkhun ficou de pé, chacoalhando os joelhos de ansiedade enquanto JaeKyung se preparava para falar.

– O que eu faço com você, hein moleque?! – ela disse balançando a cabeça em um sinal negativo.

– Como... assim? – ele perguntou assustado.

– Como assim ‘como assim’?! Você engravidou a minha amiga, seu irresponsável!

– Mais baixo, Jaekie! – sussurrei – Alguém pode escutar!

– Está bem! Eu só quero saber mesmo é se esse infeliz vai assumir a criança que fez!

– Criança?! Gravidez?!

Putz! Ele não sabia.

Que ótima forma de anunciar uma paternidade essa nossa.

– Ah, então quer dizer que você não estava sabendo, Khun?! – zombou Jia.

– E-eu não..

– Pois agora está! Sua namorada me contou ontem. Ela fez o teste e deu positivo para gravidez!

– Ela já está com quatro meses, se você quer saber. – falei já sentindo um pouco de pena do rapaz – O primeiro ultrassom será esse final de semana...

Os olhos de Nichkhun estavam arregalados e piscavam descontroladamente, fitando o nada acima de nós. Sua boca estava aberta e a feição era de completo estado de choque.

– Eu.. vou.. ser... pai!

E do nada ele surtou.

Pulou, gritou, riu como um maluco.

Abraçou Jia e JaeKyung e me levantou uns dois metros quando foi a minha vez.

Acho que nunca tinha visto alguém ter um ataque de felicidade como o que Nichkhun estava tendo.

– PAI! PAI! PAI! – ele levou às mãos à boca e admirou o céu – Não acredito!

– Errr.. é... PODE ACREDITAR! – gritou JaeKyung tentando parecer séria, mas ela estava tão impressionada com a reação do rapaz quanto Jia e eu estávamos. – E como é que você consegue estar feliz com isso?! - esbravejou, mas ele não se importou - Victoria tem dezessete anos e, não sei se você se lembra, mas ela não tem dinheiro nem pra se manter! O que dirá manter um filho!

– Dinheiro?! Haha! Dinheiro não é nunca será problema! – respondeu deslumbrado – Eu sou um herdeiro!

– C-como é? – foi a minha vez de gaguejar e ficar boquiaberta.

– Herdeiro! Do trono!

– Herdeiro?! Trono?!

– Sim! Meu nome é Nichkhun Horvejkul e eu sou neto do rei da Tailândia!

É.

Quando eu achava que nada mais poderia me surpreender...