Para entender porque eu me tornei vampiro, é preciso saber como eu era quando era apenas um jovem bruxo. Durante meus anos em Hogwarts eu era um ótimo aluno... e um perfeito ingênuo. Não tenho vergonha de dizer que eu era puro, na mais simples acepção deste termo. Em sete anos minha única preocupação foi me tornar o melhor bruxo que eu pudesse ser. Eu me lembro bem da minha primeira infância, antes do nascimento de Sirius, eu era uma espécie de príncipe herdeiro. Meu pai dizia que eu tinha o melhor de duas famílias de bruxos... e os olhos azuis de minha mãe, Lady Lorenna Black. Isso me enchia de orgulho infantil. Eu tinha seis anos quando as coisas começaram a se complicar. Meu pai não era o portador do anel. Seu irmão mais velho, que também se chamava Thelonius, vivia em Nova Iorque e além de ajudar os Van Helsing, cuidava dos negócios comerciais da família Black. Ele usava o anel, era o primogênito. Eu tinha cinco anos quando ele morreu depois de uma grande luta com os Black vampirizados...até então, o anel sempre fora garantia de vida... mas aqueles vampiros não se conformaram porque o o jovem Thelonius não se entregou, não retirou o anel, morreu com ele nos dedos... no mesmo dia que ele caiu, caiu também um Van Helsing. Meu avô foi a Nova Iorque resgatar o corpo... e ao retornar deu o anel para o filho caçula, meu pai, pouco antes de morrer. Aquilo gerou ciúmes nos meus tios, que a despeito das súplicas de meu pai, foram para Nova Iorque, não queriam ficar perto do irmão.

Essa mágoa meu pai nunca superou, ser odiado por ter sido preferido. Até então, eu era o último dos Black... meus tios eram solteiros e sem filhos. Aquilo amedrontou minha mãe, que tinha medo de que acontecesse algo comigo. Ela convenceu meu pai a ter um outro filho, ela tinha esperança de nascer uma menina... mas quem veio foi Sirius, assim batizado porque meu pai já o havia escolhido para ser o vampiro da família, porque mais ele lhe daria o nome do vampiro que havia matado seu irmão? Profundamente injusto, mas de acordo com as concepções dele, ninguém iria me superar. Sirius e eu percebemos isso... eu sabia que era mais bem tratado... eu me lembro quando voltava de Hogwarts, sempre encontrava meu pequeno irmão emburrado, porque meu pai passava dias e dias falando de mim... Sirius odiava particularmente as atitudes de meu pai nos natais, quando ele falava sem parar no irmão que morrera. Quando eu estava no sexto ano e o inevitável aconteceu com meus tios restantes, meu pai começou a olhar para Sirius como se esse já fosse um pequeno vampiro.

Quando eu estava por perto, eu o protegia, mas isso não acontecia o tempo todo. Quando eu me formei, comecei a ajudar meu pai nos negócios... foi quando ele me passou o anel. Eu tinha dezoito anos e nunca na minha vida havia namorado ou mesmo gostado de uma mulher. Não, eu não era assexuado, mas nunca encontrara nenhuma garota que me despertasse algo, porque era isso que eu almejava: uma grande paixão. Eu encontrei essa grande paixão em Nova Iorque. Eu me lembro da primeira vez que a vi... estava recém chegado e John Van Helsing tentava me ambientar. Ao contrário de mim, ele era um incorrigível mulherengo, e dava em cima de toda e qualquer mulher que aparecesse, era o início dos anos setenta e tínhamos dezoito anos... foi impressionante a velocidade com que eu perdi a inocência influenciado por ele.

Era uma festa das muitas em que fui com John nos meus primeiros dois anos de Nova Iorque... geralmente saíamos destas festas com mulheres a tiracolo, muitas vezes, mais de uma... enfim, como eu disse, eram os anos setenta. Era a quarta ou sexta festa que eu ia, quando a conheci. Lubna era... diferente. Filha de chineses, alta, magra, um rosto que me lembrava uma pantera ou qualquer outro felino, com seus olhos negros puxados... mas ao contrário de todas as outras mulheres que havia conhecido, ela não tomou conhecimento da minha pessoa. - Ela estava conversando com um jovem recém formado em Havard e eu ao vê-lo de longe pensei: "aquela mulher maravilhosa não vai sair desta festa com aquele banana, mas não vai mesmo... ela vai sair daqui comigo." Eu me aproximei e fiquei prestando atenção na conversa... e eles estavam falando de ciência... Eu comecei a achar graça na conversa quando o rapaz disse, com total concordância de Lubna, que a fantasia atrapalhava a evolução da humanidade.

– Mas é lógico que você está errado - eu intervi. Não podia ficar calado diante daquele babaca.

– Perdão? - ele me olhou como se eu fosse uma lacraia inoportuna... eu dei um meio sorriso e disse:

– A fantasia faz a existência mais interessante... olhando para você eu posso dizer que não entende nem um pouco de fantasia.

– Pois se não fosse a fantasia o homem se voltaria mais para razão e a ciência e evoluiria consideravelmente mais rápido.

– Quem precisa de ciência e razão? Aonde a ciência levou o homem... à dependência de máquinas.

– Me diga que você não precisa de máquinas?

– Claro que não - você sabe, não Harry? Nada ofende mais um bruxo que depender de máquinas, concorda?

– Eu vivo muito bem sem máquinas.

– Obviamente você não sabe o que diz... toda civilização ocidental depende de máquinas

– Nem toda, meu caro... você não sabe os segredos que a civilização esconde de trouxas como você - Harry, neste momento eu cometi meu grande erro. Não devia ter usado a palavra, entende? Para nós é natural os trouxas serem trouxas.... Mas para eles não era bem assim.... Lubna se sentiu ofendida com o sujeito que se meteu na conversa entre ela e seu, humpf, noivo. E sumiu, arrastando o tal cara. Eu não acreditei que ela preferiu a companhia do banana louro de óculos à minha.

Afinal eu não sabia que nem todas as mulheres estavam interessadas no meu papo convencional para fasciná-las: dizer que era um bruxo, que elas eram lindas, arrastá-las para a cama e desaparatar para longe no dia seguinte. Achei que Lubna fosse me dar mais trabalho que uma conquista como as de todas as noites.... mas não desisti. Eu descobri algumas coisas sobre ela, inclusive que ela tinha sido colega de faculdade do tal sujeito: ela era uma pesquisadora na área de física, a própria expressão da razão. O que ela pensaria de um bruxo? Eu não sabia mas estava cada vez mais disposto a descobrir, e ela continuou fugindo das minhas investidas, não adiantaram flores, nem doces... então eu disse a John que usaria o último dos truques sujos: eu a impressionaria com magia.

– Não faça isso, Caius... você quer se meter em encrencas? - John estava revoltado comigo... ele cansara de me tirar de enrascadas por ter usado magia exageradamente contra alguns trouxas, inclusive seu irmão Steve, de quem nunca fui muito fã.

– O que tem demais? Aparatar de surpresa diante dela... conjurar flores... não é como fazer brotar chifres na testa como fiz com Steve.

– Você está ficando obcecado por essa garota, Caius... você vai se dar mal.

– John... eu esperei muito tempo para conhecer as mulheres. Agora estou viciado demais nelas para querer me prender a uma só. E foi assim que eu armei um plano para encontrá-la a sós e fazer uma conjuração irresistível de flores a toda a volta.... feitiço flora, fazer cair uma chuva de pétalas de rosa sobre ela. Impressioná-la a ponto dela ficar de queixo caído... eu a segui depois do trabalho, numa grande indústria farmacêutica, usando inclusive o insuportável metrô e quando ela entrava no prédio onde morava, eu, do início da pequena escadaria de acesso conjurei uma chuva de rosas vermelhas achando que a surpreenderia. Sabe o que ela disse?

– Belo truque, senhor Caius.... mas eu já lhe disse que não quero o senhor andando atrás de mim.

– Captou o que aconteceu? Além de não acreditar que fora uma mágica, ela ainda me esnobou mais uma vez... estava se tornando uma questão de honra conhecer Lubna melhor. Resolvi mudar de tática, e nisso fui me afastando dos meus objetivos iniciais aqui. As empresas de meu pai começaram a ter uma queda de rendimentos, pequena mas expressiva... e eu fui chamado por ele para prestar contas. O que eu não imaginava, é que durante o curto período em que estive em Londres levando broncas do meu pai, devidamente avisado por amigos que o filho cercava uma trouxa como se fosse um idiota, Lubna fosse sentir falta das minhas investidas inoportunas.

Quando retornei a Nova Iorque, decidido a esquecer as bobagens que acreditara ter feito, descobri que ela perguntara por mim. Você sabe que o progresso estimula o avanço. Mas faltava um elo na corrente que me prendeu a Lubna Lee: faltava eu saber e admitir que estava apaixonado por ela... Isso não demorou a acontecer. Quando ela soube que eu tinha voltado tornou a fugir de mim... e marcou o casamento com o brilhante trouxa de Havard. Sim, se tornara sério. Eu soube que não a queria para uma aventura de apenas uma noite... eu queria Lubna ao meu lado, eu a queria para mim.... a simples idéia de vê-la casada com outro me massacrava. Sim, porque quase um ano havia se passado desde que a conhecera numa festa de sociedade. Eu conseguira através de vias tortas, estabelecer conversas com Lubna que me fizeram conhecer o lado inteligente e belo daquela mulher. E eu não pensava mais em nenhuma outra, apenas nela. Eu precisava vê-la por um instante para perguntar e descobrir o que ela realmente queria. Novamente eu a esperei sair do trabalho e a cerquei na porta de seu prédio.

Era tudo ou nada. Eu disse, olhando nos olhos dela:

– Me diga... basta apenas uma palavra para fazer com que eu suma da sua vida e nunca mais te persiga. Diga que não quer mais me ver. Lubna engoliu em seco e eu soube. Ela sentia o mesmo que eu. Eu queria abraçá-la, beijá-la... mas ela me afastou delicadamente dizendo que não ficaria comigo estando comprometida com outro. Eu me senti tão enfurecido que desaparatei para longe, deixando-a mais intrigada. Agora eu pensava nela dia e noite e queria uma resposta imediata. Embora eu soubesse tudo sobre ela, ela não sabia nada sobre mim. Apenas que eu era amigo do jovem quase médico John Van Helsing. Foi através dele que ela chegou até a loja subterrânea que pertencia a meu pai e que eu administrava, a Witchcraft Master.

Consegue imaginar o impacto para ela de descobrir que os bruxos existiam? Eu era parte de um mundo desconhecido para ela.. ela atravessou a loja fascinada até um vendedor, que estranhou também o fato de uma trouxa estar ali. Ele a levou até meu escritório e ela ficou alguns minutos ali, parada , me olhando, até que disse:

– Você me desconcerta. Eu podia imaginar mil coisas a seu respeito, menos isso. Eu levantei de minha mesa e a beijei como nunca tinha beijado mulher nenhuma... eu soube naquele momento que pertencíamos um ao outro e acreditei que nunca nada iria nos separar. Ela já havia dispensado o tal noivo e no mesmo dia tornou-se minha namorada. Se em algum tempo em minha vida eu soube o que era felicidade, foi com Lubna.

Me fascinava mostrar a ela o que era ser um bruxo, o que eu podia fazer... para ela todo dia era dia de aprender coisas novas, todo dia era dia de descobrir algo que não sabia a meu respeito. Eu virei seu mundo frio e racional pelo avesso injetando nele cada partícula de magia que havia no meu ser... ela era tudo para mim, era uma paixão forte e irracional, irrrestrita para ambos, a quebra de todos os nossos limites. Por isso meu pai se culpou tanto posteriormente quando eu me tornei um vampiro... ele soube de Lubna por terceiros, muito tempo depois que eu e ela estávamos juntos. Eu sabia que estava encrencado, dois anos em nova Iorque e eu me afastara decididamente do ideal de bruxo perfeito que meu pai desenhara para mim. Novamente ele me chamou a Londres e eu fui, não imaginando o que me aguardava na volta.

Enquanto eu estava em Londres, tendo o primeiro conflito sério com meu pai em vinte anos, meu ancestral, Morpheus, preparou a teia para me pegar através do coração. É muito fácil atrair uma jovem trouxa para a armadilha de um vampiro... Eu havia tido uma grande briga com meu pai e comecei a pensar em Sirius... eu achava que ele seria muito maior que eu, eu sabia que ele era talentoso, eu via o que meu pai não via... e ao contrário de mim, nunca haviam dito a Sirius que havia uma maldição, embora ele soubesse. Então, eu achei, ou melhor julguei, que o fato de ser maior e mais forte me fazia menos sujeito a maldição... e Sirius sendo mais jovem e inocente seria mais vulnerável. Antes de voltar a Nova Iorque, dei a ele o anel. Eu não sabia que estava fazendo exatamente o caminho dos outros antes de mim... ir a Nova Iorque arrogante e desprotegido para entrar no caminho de Morpheus Black. Quando voltei, a primeira pessoa que procurei foi Lubna... e através de John soube que ela havia deixado a cidade dias antes... ela havia dito a ele que iria à casa de parentes no sul... o que nem eu nem ele sabíamos era que ela jamais havia chegado ao destino. Morpheus a pegara antes.

Havia um vampiro naquela época, um dos chefes menores na aliança que era a armadilha perfeita... anos depois eu providenciei para que ele caísse nas mãos da irmandade. Seu nome era Teddy, chamavam-no Teddy Bear, uma grande ironia... o fato é que ele tinha sido vampirizado na época da Segunda Guerra, em meio ao campo de batalha, à beira da morte por um perdido... um tipo de vampiro bem comum no norte da Europa, um louco que mata qualquer coisa à sua frente... ele havia sido vampirizado estando à beira da morte, com as entranhas perfuradas por balas de fuzis alemães... como um vampiro leva sua aparência do momento da morte para sempre, você pode imaginar que figura agradável de se ver era o nosso Teddy ... Lubna sempre foi uma mulher solidária... dessas que não podem ver alguém sofrendo. Morpheus mandou Teddy estirar-se na frente da casa de Lubna simulando estar ferido, acidentado... e quando ela o viu e veio socorrer... imagine o susto, um homem ferido levanta e ataca...

Lubna não teve reação possível. Dois dias depois ela, que já não era a mesma, era uma vampira, escrava de Morpheus Black, que se apaixonou por ela. Ela era linda, mesmo sendo vampira... ele a tratou como rainha, caiu na armadilha do coração, ele queria apenas usá-la como isca para continuar no rumo de cumprir a maldição, unir todos os Black sob seu jugo... mas não resistiu, e coroou-a a rainha dos vampiros de Nova Iorque... ela não queria isso, ela ainda me amava, mas não tinha escolha. Quando um vampiro transforma outro num escravo, este se vincula ao superior, cada vítima, cada emoção que ele rouba, vai em parte para o que o vampirizou, vampiros muito antigos, com muitos escravos precisam se alimentar muito menos. A vontade também fica em parte vinculada ao mestre vampíro, o líder. Só este pode permitir que os escravos tenham vontade própria, se assim desejar. Lubna adquiriu em pouco tempo direito a dominar parte da sua vontade, mas não toda ela, Morpheus pediu que ela "cuidasse de mim", junto com meu tio Theodore.

Ela dispensou ajuda dele, e sem que John ou qualquer amigo meu soubesse, ela marcou um encontro comigo, ela queria me seduzir, me vampirizar e tornar-me escravo dela e de Morpheus. Imagine você que armadilha perfeita: eu, sem contar com a ajuda da irmandade, sozinho com ela num hotel em Nova Jérsey... mas algo atrapalhou os planos de Morpheus: o nosso amor. Eu não sabia que ela era uma vampira, mas vi que havia algo errado, em tudo, desde o momento que a vi, e quando fazíamos amor, o momento em que eu estava mais vulnerável e que seria perfeito para ela me tornar uma vítima, ela não aguentou... ela não podia chorar, vampiros não choram, porque estão mortos... mas quando eu percebi finalmente que ela não respirava, ela me confessou o que era... e disse que eu podia fazer o que quisesse... ela segurou sua fome, não queria me transformar num escravo de Morpheus... Eu fiquei chocado... eu a amava, e não queria deixá-la, mas sabia que era agora impossível ficar com ela sendo sangue quente e ela não. Então, ela me ofereceu o presente, e eu aceitei. O sangue amargo dela matou meu corpo em questão de segundos, eu dormi e acordei sozinho, numa hora qualquer da madrugada... A vida do bruxo Caius Black acabara. Começava a existência de Caius Black, o vampiro.