Pokémon: Ano Sombrio escrita por Linkusu


Capítulo 20
Capítulo 19: Memórias de uma noite chuvosa...


Notas iniciais do capítulo

O começo da terceira temporada e um dos capítulos que eu mais planejava escrever desde o começo da fic. Estamos perto de entrar na reta final! Boa leitura.



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Eu estava sozinho em casa, sentado em minha cama, apenas olhando vagantemente pelo meu quarto sem nada específico para fazer. O céu estava negro e o relógio provavelmente já preparava seus ponteiros para marcarem a meia-noite, mas por algum motivo eu me sentia sem sono. Levantei-me da cama e saí da deserta casa, como se aquilo fosse algo natural a se fazer no meio da madrugada.

Lavender permanecia tão deprimente como sempre, suas ruas mal iluminadas e a névoa negra que as cobriam anunciavam um mau presságio. Não havia ninguém fora de suas casas além de mim e, para ser sincero, não parecia haver ninguém nas casas também. Meus pés me levavam a um lugar que nem mesmo eu sabia mesmo qual era, até que algum tempo depois, eu me deparei com uma porta em frente à Torre Pokémon. A famosa torre mal assombrada de Lavender, apenas sua silhueta sinistra no topo dos céus causava arrepios pelo meu corpo inteiro. Uma voz parecia me chamar para dentro da torre... Trêmula, fraca e necessitada de ajuda. Quem será? Eu adentrei a torre para descobrir, guiado apenas pela minha vontade de descobrir a verdade.

Suas paredes estavam rachadas e cheias de musgo e o piso rangia a cada passo que eu dava, como se ele fosse ceder e desabar a qualquer instante. No interior da torre, a névoa negra era ainda mais intensa, e eu não conseguia enxergar nada a um perímetro longe de minha visão. Em um de meus passos, eu acabei acidentalmente chutando alguma coisa caída no chão. Quando eu me ajoelhei para checar o que era, eu vi Catharine caída no chão, imóvel. Tentei checar seu pulso e respiração, mas era em vão. Aquele corpo já estava sem vida. “Não, não, não...!” eu falava para mim mesmo, dando passos para trás, indefeso e sem poder fazer qualquer coisa para salvá-la.

Foi quando eu tropecei em outro corpo. Era Simon dessa vez, seus olhos estavam semiabertos, completamente brancos e sem vida enquanto sangue saía de sua boca. Ao seu lado estava Clara, também com suas pálpebras abertas... Mas no lugar de seus olhos, eu podia ver o sangrento interior de sua cavidade ocular: seus olhos haviam sido arrancados. Eu me levantei gritando desesperadamente enquanto me afastava daqueles corpos. As portas da torre se fecharam repentinamente, e atrás de mim, uma mão fria se pôs sobre o meu ombro direito. Era como se meu corpo tivesse sido completamente congelado pelo toque daquela sinistra mão banhada por sangue e um líquido negro. Uma voz que eu já havia ouvido uma vez em meus sonhos ressoou em meu ouvido.

-Eu avisei para vocês ficarem fora desse caso... Mas vocês não me ouviram.

A cada palavra pronunciada, sua mão segurava meu ombro com mais força. Uma dor indescritível passava pelo meu corpo, uma sensação horrível como eu nunca antes havia sentido na minha vida. Minha visão começou a escurecer e eu comecei a sentir várias outras mãos me sufocando, quebrando meus ossos.

-Não foi nem um pouco divertido, Neil. Como um adversário, você foi uma completa decepção. Agora, junte-se aos seus malditos amigos!

-NÃO!

Eu pulei da cama e bati minha cabeça na janela. Algumas gotas frias de suor desciam de minha testa e eu ainda podia sentir levemente a sensação de todas aquelas mãos dilacerando o meu corpo.

-Um pesadelo?...

Os raios de sol atravessavam a janela e chegavam até meu quarto, mas eu não conseguia sentir o calor vindo deles. Desde que a névoa havia aparecido, independente do tempo lá fora, tudo que os cidadãos de Lavender sentiam era um amedrontador frio constante.

Eu me levantei da cama, me preparei e fui a caminho de Saffron com aquele pesadelo ainda assombrando minhas memórias. Fazia muito tempo desde que eu não havia tido um pesadelo tão realista... Não em seu conteúdo, mas nos sentimentos evocados. Geralmente eu consigo perceber quando as coisas estão indo mal e atravessando a barreira do real e o fantástico, mas aquele caso havia sido diferente. Eu realmente achei que aquele seria o meu fim, que tudo aquilo estava de fato acontecendo, mesmo quando todas aquelas mãos começaram a dilacerar o meu corpo. Foi o sonho mais vívido que eu tive em toda a minha vida... Talvez apenas sendo igualado por “aquele” outro. Teria sido esse um dos efeitos da névoa sobre as pessoas? Ou então... Podia aquele ter sido mais um aviso do assassino de Lavender, como no dia em que eu o encontrei?

Era sábado, dia 8 de maio quando eu tive esse sonho, e foi também nesse dia que eu fui visitar uma certa pessoa na prisão. Simon e Catarine estavam me acompanhando, Angelo e Clara não puderam sair da pousada naquele dia.

-Você é um inseto persistente, não é mesmo? Parece uma mosca incômoda que não para de pousar no mesmo local, não importa o quanto você tente expulsá-la. É uma pena que, diferente da mosca, eu não possa simplesmente matá-lo nessas circunstâncias. – Meu interrogado era ninguém menos que Lancilotto, o rei do ego inflado. Ele era um dos 3 executivos da “equipe rocket” que havia atacado a exposição, uma das pessoas que mais sabia sobre os acontecimentos, e a pessoa mais irritante com quem eu já conversei em toda a minha vida. Se eu não estivesse ocupado tentando arrancar informações, eu provavelmente estaria batendo a cabeça dele numa parede.

-Essa “mosca” irá continuar pousando no mesmo local enquanto ela não conseguir o que quer. – Eu o disse, usando meu braço direito para apoiar minha cabeça. – Posso afirmar que, definitivamente, essa mosca não gosta de estar na sua companhia.

-Pois diga a essa mosca insolente que ela deveria estar honrada por sequer compartilhar o mesmo teto que eu, e que eu não irei falar nada. Eu não tenho nenhuma obrigação ou interesse em fazê-lo, porque essa mosca me entedia até a morte. – Ele disse com seus braços cruzados e com um tom de arrogância que faria um aristocrata parecer humilde.

-Você quer ver algo divertido? Eu entregarei o assassino de Lavender à você caso você coopere. Ele provavelmente será preso nessa mesma prisão caso seja capturado. Não é bom o suficiente para você? Um novo amigo de cela para você importunar, com sorte alguém paciente o suficiente para ouvir suas asneiras.

-Não zombe de mim, moleque. Você é um pirralho imaturo que apenas porque conseguiu derrotar um coelho acha que já está preparado para enfrentar um leão. Sequer vale a pena me incomodar com alguém tão pequeno. A única coisa que me interessa relacionada à você é matar o seu pai e nada mais. Eu não tenho nenhum assunto com pessoas que vivem debaixo da sombra de seus familiares. Pessoas assim me enojam...

-Ah é? Você parece falar por experiência própria. Complexo de inferioridade quanto a alguém próximo de você?

-Seu moleque de merda...! – Ele cerrou seus punhos com força e me olhou com raiva antes de voltar à sua expressão de indiferença. – Vá logo embora, eu já disse que não falarei nada sobre a mestra, e eu não poderia me importar menos com o que o Ultor lhe disse. Esse assassino de Lavender não me interessa, e ele também não deveria interessar a um moleque que não tem nada a ver com isso. A não ser que... – Ele esboçou um sorriso sádico em seu rosto e continuou a falar. – Esse assassino seja alguém próximo e você esteja buscando por confirmação para tirar esse peso de suas costas.


Agora era a minha vez de ficar irritado. Levantei-me da cadeira e me virei imediatamente, eu não aguentaria mais falar com aquela pessoa por muito mais tempo sem perder a paciência, e já estava bem claro que ele não tinha interesse em cooperar.


-Hahahaha, interessante, parece que eu acertei. Então, você acha que o assassino possa ser um familiar? Hum... Até mesmo seu pai, talvez! Ora, será que você está atrás da prisão de seu próprio pai? HAHAHAHA! No final das contas, talvez você realmente acabe conseguindo me entreter, garoto!


Eu me retirei da pequena sala onde nossos encontros eram marcados e fui até o lado de fora da delegacia para esfriar a minha cabeça.


-Não ligue pra isso, ele só estava querendo te provocar. – Simon disse para me acalmar.

-Eu sei... Não se preocupe com isso, eu não estou com raiva por causa disso. Eu apenas sei que o assassino fantasma deve ter alguma ligação com o ataque que ocorreu em Pewter naquele dia, caso contrário, porque um dos executivos saberia sobre ele? Não apenas isso, ele parecia conhecer exatamente a identidade dele...

-Talvez a própria líder seja a assassina fantasma e por causa disso a diva loira na cadeia não queira tocar no assunto? – Catarine disse em seu usual tom de escárnio que me fez soltar um breve riso.

-É uma boa possibilidade. Ela continua foragida, e no período em que o ataque a Pewter estava sendo planejado e um pouco depois dele, os assassinatos haviam cessado. Depois desse período, eles voltaram de repente. O que significa que talvez por estar preparando o furto das 3 orbes, ela tenha parado com os assassinatos por algum tempo, e voltado depois...


Era uma possibilidade, mas muitas perguntas ainda estavam sem resposta. Porque ela queria roubar as orbes? Porque ela cometeu e continua cometendo os assassinatos? No começo, apenas pessoas que pareciam saber alguma coisa do assassinato de Mary estavam sendo assassinadas, mas depois disso, pessoas totalmente sem relação com o primeiro assassinato começaram a aparecer mortas. Por quê? Qual a lógica por trás de suas ações?

A chave disso tudo parecia estar por trás do motivo do primeiro assassinato, o assassinato de Mary. Se eu soubesse por que ela foi a primeira vítima, talvez eu finalmente conseguisse desvendar a verdade por trás de tudo. E não importa o quão conveniente fosse para mim que essa líder da equipe fosse a assassina por trás de tudo, faltavam informações sobre ela. Sem saber nada, não há como eu chegar a quaisquer conclusões, tudo que eu posso fazer é teorizar.

Por outro lado, eu sabia muito sobre outro suspeito... Esse suspeito morava com Mary e poderia ter algum motivo legítimo para querer matá-la. Esse suspeito também não tem nenhum álibi para as noites em que o assassino de Lavender executou suas vítimas. Quando ele retornou ao seu trabalho, os assassinatos pararam por um tempo... E quando ele voltou a chegar tarde em sua casa, repentinamente 4 são achados mortos ao redor de Lavender. E esse suspeito era meu próprio pai.

Será que, como Lancilotto disse, meu grande interesse nesse caso se devesse ao fato de, inconscientemente, eu querer me vingar de meu pai? No fundo, será que eu realmente acredito que é ele quem está por trás de tudo, e todo o esforço que eu ponho tentando desvendar esse caso se deve ao fato de eu querer puní-lo?


-Você parece um pouco abalado. Algo errado? – Catarine me perguntou.

-Eu estou apenas um pouco confuso, só isso. Eu e meu pai estamos tentando fazer as pazes, e logo agora que fizemos tanto progresso...

-Se o que o douradinho te disse o incomodou tanto, então porque você não fala sobre isso com seu pai? É melhor tentar entendê-lo do que deixar as palavras de um estranho te atormentarem. Se apenas isso é capaz de te deixar com dúvidas, então você precisa eliminar elas antes de poder prosseguir com esse caso.

-Você está certa... Obrigado. Sinto muito pessoal, mas podemos encerrar as investigações de hoje por aqui? Amanhã nos encontramos de novo...


Eu estava ficando confuso e atormentado pelas ideias que Lancilotto havia proposto. Catarine estava certa, eu precisava limpar a minha mente de quaisquer dúvidas, então voltei para casa, onde eu poderia refletir melhor...

-Boa tarde, Neil. Você voltou cedo hoje.

-Bem vindo de volta, irmão!


Meu pai e Vivi estavam assistindo TV juntos. Estava passando um espetáculo ao vivo do Circo de Mabela, aparentemente um circo bem famoso de outra região. Eu os observei de longe antes de me aproximar da sala e chamar meu pai para uma conversa em particular.


-O que foi, Neil? Algo de errado? – Meu pai me perguntou. Estávamos sentados na varanda fora de casa, debaixo do céu vermelho iluminado pelo sol poente. Normalmente seria uma vista bonita, mas a névoa negra ofuscava qualquer beleza que estivesse ali.

-Eu apenas quero pôr um ponto final no que aconteceu aquele dia. Quando você abandonou a mim e minha mãe e decidiu se mudar para Kanto... Por que você fez aquilo? – Eu fui direto ao ponto. Estava na hora de exorcizar os fantasmas do meu passado, apenas assim eu poderia olhar para frente sem que nada obstruísse minha visão.

-Ah... Aquilo. – Ele deu um suspiro e se levantou, indo para a cozinha. Eu o acompanhei com meus olhos até ele voltar com uma garrafa de uísque e uma taça. Meu pai havia parado de beber regularmente a alguns anos, mas sempre em ocasiões especiais ele pegava um pouco de uísque para beber. O rótulo na barriga da garrafa soletrava “Whisking”, com um nostálgico logo de um Slowking segurando uma taça do “Magnum opus” dos uísques, ou era o que meu pai costumava me dizer. Eu sempre via ele com uma garrafa dessas quando eu era criança. – Eu prometi a sua mãe que não diria nada enquanto você não estivesse preparado... Mas acho que já está na hora de você saber.


Nós dois permanecemos calados por alguns segundos, deixando apenas o barulho dos ventos dançando entre os troncos das árvores, o canto dos pokémons voadores e o áudio da televisão do lado de dentro tomar conta da varanda por algum tempo.


-Eu acho que eu nunca lhe contei como eu e sua mãe nos encontramos, não é? Foi numa missão no castelo submerso de Unova, na época da crise de 6 anos. Foram tempos difíceis. Unova, Kanto e Johto estavam passando por uma turbulenta relação naquela época. Você já deve ter estudado sobre isso na escola, ou ao menos deveria ter.

-Eu estudei.

-Bom, então irei poupá-lo dos detalhes mais óbvios. O fato é que uma guerra estava prestes a acontecer. Do lado de fora as coisas não pareciam tão ruins, apenas um desentendimento comum entre as 3 regiões, mas... Por debaixo dos panos, os continentes estavam financiando ataques uns aos outros, a determinadas partes menores de cada continente, geralmente locais militares estratégicos. Para se defender desses ataques, Unova havia convocado uma força secreta, da qual eu fazia parte naquela época. Pode-se dizer que éramos uma unidade especial designada para cumprir missões onde os militares não podiam agir para não causar rebuliços públicos e evitar a atenção da mídia. Seus livros provavelmente não dizem nada sobre isso, é claro, agora que a poeira abaixou certos fatos dessa época nunca sairão para a superfície, é assim que as coisas funcionam em nosso mundo.

-Qualquer coisa, é só arrumar um grande evento como um torneio mundial que todos se esquecem de tudo. – Eu comentei jocosamente sobre a, infelizmente, dura realidade.

-Exatamente, as pessoas não ligam muito para o que realmente interessa. Diga a eles apenas o que eles querem ouvir e mostre-os o que eles querem ver e todos ficarão satisfeitos. Por via das dúvidas, distraia-os com grandes eventos. Hahaha. – Ele riu de maneira seca. – Bem... Foram nessas circunstâncias que eu e sua mãe nos encontramos. Veja bem, além da crise internacional nessa época, Unova também estava passando por alguns conflitos internos... Membros reminiscentes da Equipe Plasma que carregavam seus ideais usando maneiras ainda mais extremas que seus sucessores. Ataques terroristas a diversos locais, assassinatos de figuras públicas... Eles nem ao menos tentavam manter uma boa imagem ou fazer discursos pacíficos, seus método eram fazer com que as pessoas liberassem seus pokémons utilizando medo como catalizador. Quando o governo descobriu que eles estavam utilizando o castelo submerso no desert resort como base de operações, eles nos enviaram para exterminar essa nova facção da Team Plasma de uma vez por todas. Foi uma batalha sangrenta, e até hoje eu me arrependo de algumas coisas que aconteceram lá... Coisas que eu prefiro não revelar.


Até hoje essas palavras ainda assombram a minha existência. Mas talvez agora não seja o momento mais apropriado para comentar sobre isso...


-Essa foi a última missão da unidade especial de Unova. 200 soldados entraram naquele castelo, mas apenas 7 saíram dele. A batalha havia sido muito mais brutal do que o antecipado. Debaixo das areias do Resort Desert jazem mais de 1000 corpos mortos de homens, mulheres, crianças e pokémons. O sangue derramado naquela noite foi a primeira e única vez onde um oceano havia tomado conta daquele local. Um oceano de sangue. – Ele deu um longo gole em sua taça de uísque e logo encheu-a novamente. Aquelas eram memórias que ele provavelmente gostaria de esquecer pelo resto de sua vida. – Os reforços chegaram a tempo apenas para render os últimos membros vivos da Equipe Plasma... E um desses membros era a sua mãe.

-O que?! – Eu o parei imediatamente após ouvir aquilo. – Minha mãe é... Um ex-membro da Equipe Plasma?!


Meu pai fechou seus olhos, soltou um suspiro, e tomou mais um gole de sua taça de uísque antes de continuar a falar.


-Sim. E aquele dia sangrento foi o nosso primeiro encontro. Nem um pouco romântico, huh? Com certeza não é o tipo de encontro predestinado que um pai teria orgulho de contar ao seu filho... Mas se algo bom aconteceu aquele dia, sem dúvidas foi isso. O prelúdio do que geraria uma nova vida em meio àquele massacre sem luto. As pessoas que morreram naquele dia foram dadas como desaparecidas, e até hoje seus familiares esperam por notícias. Muitas pessoas ainda choram e rezam pelo bem estar de seus queridos familiares, e muitos continuam a carregar profundas cicatrizes originadas naquele dia... Tanto físicas quanto emocionais. Em comparação, eu conheci aquela que seria a minha futura esposa e teria um filho com ela. Que irônico, não? Eu, que tirei centenas de vidas, fui abençoado com uma felicidade que eu não mereço. Eu tive dias tão felizes ao lado de vocês dois que, no fundo, eu me amaldiçoava por ter construído minha felicidade sobre as milhares de vidas perdidas naquele dia...


Eu apenas permaneci sentado ao seu lado, calado, sem saber o que eu deveria dizer ou como deveria consolá-lo. Foi nesse momento quando eu percebi o quão mesquinho eu estava sendo. Perto do que ele teve de passar, minhas razões pareciam completamente egoístas, apenas problemas corriqueiros de uma criança imatura...


-Eu e sua mãe tivemos um começo turbulento. Eu fui designado a questioná-la e tirar informações sobre possíveis membros restantes da equipe plasma. Nos primeiros dias as nossas conversas eram constantes trocas de insultos... Mas depois de um tempo, ela começou a se abrir comigo, e eu comecei a me abrir com ela. Antes que eu pudesse perceber, aqueles “encontros” numa suja e pequena sala mal iluminada da delegacia de Castelia haviam se tornado o ponto alto de meus dias. Haha, que deprimente, não? Quando eu notei, já estava apaixonado por aquela mulher. Eu a ajudei a conseguir sua liberdade e começar uma nova carreira. Ela se tornou uma coordenadora famosa e eu me tornei um treinador bem sucedido. Os anos se passaram e nós nos casamos e, pouco tempo depois, tivemos você. Eu ainda me lembro o quão eufórico e nervoso eu estava naquele dia. Devo ter tomado, no mínimo, uns 10 copos cheios de café. Quando o trabalho de parto finalmente terminou e eu fui chamado para a sala, eu o segurei nos meus braços pela primeira vez. Foi um dos momentos mais inesquecíveis de minha vida, e eu não me arrependo nem um pouco de ter ficado acordado a madrugada inteira.


Nós demos uma breve risada juntos e observamos o ofuscado pôr do sol passar. Havia tantas coisas que eu gostaria de falar naquele momento, mas nenhuma palavra saía de minha boca. Como uma criança ouvindo cuidadosamente cada detalhe de uma história que seus pais o contam antes de dormir, eu permaneci silencioso e cheio de expectativas.


-Nos primeiros anos, tudo estava indo perfeitamente. Quando você completou 8 anos, eu te dei um Rufflet de presente, lembra? Você ficou eufórico naquele dia, e o apelidou de Ruffly.

-E até hoje, ele ainda é meu Pokémon favorito.

-Haha, e como vai ser caso ele evolua para um Braviary?

-Eu era criança, meus apelidos não eram exatamente os melhores, eu não havia pensado nisso quando os nomeei hehe. O Pup se tornou um Herdier esse ano, mas eu decidi manter o apelido. Já temos muitas memórias com esses nomes, então não importa em que forma eles estejam, eu quero preservar essas memórias.

-Fico contente em ouvir isso... Lembro-me que foi aos seus 9 anos que você capturou o Pup, usando uma das pokébolas vazias que eu deixava em casa. Você fez ele e Ruffly batalharem e, após enfraquece-lo, capturou-o. Seu avô ficou empolgado quando ouviu isso, falou que os genes de um bom treinador estavam no sangue da família, e um dia você se tornaria o campeão da liga, hahaha. Foi também nessa época quando a associação entrou em contato comigo e me perguntou se eu gostaria de virar um líder de ginásio, já que em Kanto, a antiga líder Sabrina pretendia se aposentar e ela ainda não tinha nenhum sucessor. Dentre as pessoas que fizeram o teste, eu fui o que conseguiu as maiores notas na prova escrita e nas batalhas reais. Caso eu conseguisse a vaga, nós todos iríamos nos mudar para Saffron... Mas infelizmente, foi também nessa época que minha relação com sua mãe começou a desmoronar.


“Será que eu estou realmente preparado para ouvir a verdade?”, esse breve pensamento passou em minha cabeça enquanto meu pai enchia mais uma vez a sua taça.


-Não, na verdade, algumas coisas já estavam começando a dar errado em nossa relação mesmo antes disso. Já havíamos discutido intensamente algumas vezes por causa de certos assuntos nos quais nós discordávamos. Em retrospecto, eu acho que nós dois sabíamos que uma hora ou outra essas diferenças começariam a interferir na nossa relação, afinal de contas, havíamos crescido em realidades totalmente diferentes. Eu era um “cão do governo”, ela era uma ex... Você já sabe. Foi nessa época que eu comecei a beber compulsivamente. Em algumas de nossas discussões mais acaloradas, eu ficava tão embriagado que até ameaçava bater nela...


Eu me lembro dessas coisas. Ou melhor, elas foram mostradas a mim novamente, naquele “sonho” que eu tive alguns meses atrás...


-Nessa época, Neil... Sua mãe começou a sair com outros homens. Eu já havia descoberto sobre o primeiro uma vez e tivemos uma discussão intensa por causa disso, mas eu resolvi perdoá-la, e ela se desculpou e prometeu nunca mais repetir isso. Mas lá estava ela, um ano depois, tendo relações extraconjugais com mais um dos colegas de trabalho dela. Dessa vez eu perdi minha paciência e tivemos nossa pior briga desde que havíamos nos casado. Foi nessa noite quando eu decidi acabar com nossa relação e aceitar a oferta de virar um líder de ginásio em Kanto. Eu me mudei ainda aquela noite e nunca olhei para trás... Eu sinto muito. Eu queria ter sido um pai melhor... Eu queria ter mantido contato e explicado tudo a você. Mas eu fui fraco... Eu queria fugir. Eu tinha medo de não ser aceito e ser abandonado mais uma vez. Mas no fim das contas, fui eu quem acabei abandonando você... Me desculpe.


Eram muitas informações para assimilar de uma vez só. Repentinamente, tudo começava a fazer sentido. As brigas entre os dois, a separação... E o porquê de minha mãe ter se sentido tão culpada por tudo aquilo. Por causa das relações dela, ela foi abandonada pelo seu marido, tendo traído sua confiança mais de uma vez. Foi por isso que ela começou a sair de casa para beber a noite. E foi numa noite chuvosa quando ela perdeu o controle do carro na pista derrapante e acabou colidindo com um caminhão.

“Pai! A mamãe está no hospital! Socorro!”, uma criança falava ao telefone debaixo do barulho das sirenes das ambulâncias e as gotas de chuva caindo sobre a rua. Essa criança implorava para que seu pai voltasse, mas do outro lado da linha, seu pai estava sem palavras. Naquela época, essa mesma criança se sentiu traída, abandonada... Ela achava que seu pai não gostava mais dela, pensava que ele odiava sua família quando ele desligou o telefone. Mas na verdade... Aquele homem estava chorando. Ele se culpava e não sabia como encarar seu próprio filho. Por todos aqueles anos eu havia achado que meu pai havia nos traído, quando na verdade, não foi nada disso que aconteceu... Eu fui um completo idiota.


-Eu te perdoo. – Eu finalmente disse as palavras que eu achava que jamais diria para aquele homem no começo daquele ano. Ele virou seu olhar até então preenchido por melancolia em minha direção, e eu pude enxergar traços de alegria em sua feição. – Era eu quem estava errado. Eu te odiava sem ao menos saber o que realmente tinha acontecido, sem sequer tentar ouvir o seu lado da história. Eu te tratei como uma criança mimada quando cheguei aqui e agi como um ignorante. Eu... – Antes que eu pudesse terminar, ele pôs sua mão em meu ombro esquerdo e sorriu.

-Não é culpa de ninguém. Você tem todo o direito de ter ficado irritado comigo por te abandonar num momento tão difícil. Sua mãe cometeu seus erros e eu cometi os meus. Infelizmente, você foi uma vítima de dois pais desleixados, haha...


Estávamos ambos sem jeito e demos algumas risadas embaraçosas antes de voltarmos à sala. Vivi nos acolheu e finalmente eu me senti como se realmente fossemos uma família. Meu pai e minha irmãzinha... Passamos o resto daquele dia como nunca havíamos passado antes. Toda aquela névoa de dúvidas que pesava em meu coração havia desaparecido completamente e minhas energias estavam mais renovadas do que nunca. Eu já não guardava mais nenhum ressentimento contra Mary, pois ela não tinha nenhuma culpa do que havia acontecido comigo.

Não importa o que esteja acontecendo em Lavender, eu farei o que puder para proteger essa cidade... Pois é nela onde minha família reside. Pois são essas as pessoas que eu quero proteger. São essas as pessoas que eu quero manter perto de mim. Para sempre.


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Notas finais do capítulo

É isso aí, capítulo 20 na semana que vem. Obrigado por lerem, e por favor deixem seus comentários.



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