Marin observava o santuário, das partes altas em ruínas, completamente sozinha. Ir para aquele lugar passara a ser rotina. Todos os dias, na mesma hora de final de dia, Marin aparecia lá para ver o santuário cada vez mais completo. Não. Ela não se podia enganar a si mesma. Ela ia para ali para fugir. Para fugir das estúpidas regras daquela prisão.

O santuário estava errado. Tudo o que lá acontecia era errado. Os aprendizes de cavaleiros estavam lá por pura obrigação, sem puderem sair. E caso tentem, têm a morte como destino. Como alguém vai servir fielmente Athena assim? As amazonas ainda eram obrigadas a usar máscara para esconderem a sua feminilidade. Será que só ela via o absurdo daquela regra? Ela não ficaria mais fraca por admitir que tem orgulho em ser mulher.

“Os Cavaleiro de Athena só podem sentir amor pela sua Deusa.” Quem criou essa regra afinal? Athena? O Grande Mestre? Marin suspirou. E admitiu que quebrava continuamente essa regra. Ela não sentia amor pela Deusa. Lutava do lado dela, porque era o correcto a fazer. E vamos admitir, ela não gostava de ver o mundo nas mãos dos outros Deuses.

Porém, independentemente do que ela pensasse sobre a Deusa, ela achou que todas aquelas regras iriam acabar quando Athena, Saori Kido, retornasse ao santuário. Mas a própria Deusa abandonou o lugar.

Revolta… era o que preenchia o coração de Marin. Pura e desesperante revolta. Ela estava farta de se acostumar com a realidade. E por momentos desejava ser uma simples menina das flores que entrava e saía livremente. Sem ter as regras de cavaleiro sobre si.

Ela sentia-se rebaixada naquele lugar. “Esconde-te.” “Ama apenas a Deusa.” “Vive apenas para proteger a Deusa.” A Deusa, a Deusa, a Deusa… demasiadas regras, demasiadas limitações, demasiados erros para a personalidade que teve de crescer escondida que era a de Marin.

Ela precisava de uma vida.

Olhou para a casa de Leão do cimo das ruínas. Ele era o único e errado motivo pelo qual ela ainda não tinha abandonado o sagrado santuário de Athena. Mas o próprio motivo de ela permanecer ali era contra as regras.

Levantou-se ao reparar que o sol já se escondia no horizonte. Se fosse embora, talvez o pôr-do-sol fosse a única coisa que ela tivesse saudades. Voltou a olhar para a casa de Leão. Não, de certeza não seria a única…

Shina caminhava à berma dos campos de treinamento dos cavaleiros. Emanava uma aura decidida, perigosa e ameaçadora. Emanar força e causar medo eram a única maneira de sobreviver na sua condição. Poucos se atreviam a desviar o olhar sobre presença tão sublime. Ela não se importava que eles tivessem medo dela. Era a forma de não comentarem a humilhação que sofreu quando a máscara caiu, revelando a sua feminilidade. Ainda amaldiçoava o Seiya sobre esse dia.

Uma amazona não pode entrar na zona de treinamentos dos cavaleiros. Um cavaleiro não pode entrar na zona de treinamento das amazonas. Regra é regra. Então ela respeitaria a regra e a pessoa que a criara, e daria toda a volta àquele campo para entregar o recado dos poucos cavaleiros de prata que existiam ao Grande Mestre, em vez de atravessar pelo meio como todos os cavaleiros faziam.

Ela virou a face para um dos pequenos campos de batalha, e observou Milo a treinar os seus discípulos.

Milo, o cavaleiro de ouro de Escorpião. Ele fora o único que vira muito mais do que a máscara escondia. Ela quebrara regras em segredo por causa dele. Ela também o amaldiçoava. Assim como amaldiçoaria todos os que vissem a mulher que existia por detrás da máscara e da barreira de espinhos que ela criara para se proteger.

Shina cerrou os punhos. Ter que dar a volta colocava-a mesmo de mau humor.

Milo viu a amazona passar, e por momentos, deixou de dar atenção aos seus discípulos, para acompanhá-la com os olhos. Ela andava confiante. Ela emanava força, poder, determinação. Qualquer um que se metesse com ela teria que ser muito corajoso. Ele sorriu de canto. Ele sabia que tudo o que ela emanava era apenas uma barreira que ela criara para se proteger. Mas ele era o único que sabia disso. E ela odiava-o por isso.