Minha Vida Antes... (annabeth) escrita por Marina Leal


Capítulo 4
Capítulo 4 TOMO UMA DECISÃO ARRISCADA


Notas iniciais do capítulo

desculpem pela demora, espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/153324/chapter/4

Assim que saí do banheiro e troquei de roupa pude ouvir as vozes exaltadas no andar debaixo, deduzi que meus irmãos estivessem dormindo no quarto deles, embora não tivesse certeza se continuariam com aquela gritaria acontecendo embaixo das nossas cabeças. Fui de mansinho até a escada para ouvir melhor o que ela estava dizendo.

“Ela precisa ir embora” Margaret disse sem se importar em manter a voz baixa. “Ela realmente precisa ir embora daqui.”

“Não podemos mandá-la embora querida. A mãe dela não irá permitir” a voz baixa e tensa de meu pai respondeu. Fiquei surpresa ao vê-lo mencionar a minha mãe, ele nunca mais havia falado dela.

“Não me importo com isso, quero ela longe dos meus filhos” respondeu ela não ligando para o tom de voz dele ou pelo motivo de meu pai ter falado da minha mãe “sempre atraindo monstros... e coisas perigosas. Não aguento mais, ela é um perigo para nossa família, para mim, para você e nossos filhos...” ela parou.

Solucei baixinho, ela estava certa mesmo que suas palavras me ferissem como mil facas, todas afiadas e cravadas bem no meu peito.

“Você viu o que aconteceu hoje...” ela começou, mas parou novamente como que para esquecer o incidente que não foi minha culpa, mas isso não importava, não para minha madrasta pelo menos. “Duas cobras enormes no nosso quintal, e foram diretamente para ela, Frederick, para ela.” Uma pausa mais longa desta vez eu quis descer e dizer a ela que as cobras nem eram tão grandes assim, mas algo me deteve, talvez por saber que meu pai não iria me apoiar, talvez porque eu era covarde, não quis pensar muito no assunto voltei a escutar com atenção.

“Eu sei meu amor, mas ela é muito pequena ainda, só tem sete anos. Talvez se esperarmos mais um ou dois anos quem sabe...” a voz de meu pai foi morrendo, concluí que era devido à expressão de minha “mãe”.

“Não, ela irá em breve, o mais rápido possível. Me entendeu? Ela não ficará perto dos meus meninos por mais um ou dois anos.” Ela disse exaltada. “Podemos mandá-la para alguma escola interna aqui mesmo no país, só não a quero mais aqui.”

“Mas querida, como eu disse ela só tem sete anos...” começou meu pai tentando me defender, com uma tentativa nenhum pouco firme.

“Sem, mas. Ela irá em breve e ponto final.” Ela disse num tom decisivo.

Naquele momento eu soube que estava sozinha, quer dizer quase totalmente sozinha, mas eu não sabia o que pedir à minha mãe naquele momento de desespero e não sabia se ela me ouviria.

“Mãe,” sussurrei baixo em forma de prece e desejando que ela não estivesse ocupada demais para me escutar “talvez você não aprove a decisão que tomei, e talvez seja mesmo uma decisão precipitada, mas aqui há sofrimento demais para mim e se você puder entender, peço que me proteja nessa jornada que eu não sei para onde irá me levar ou o que irá me acontecer. Ajude-me, mãe.”

E dizendo isso voltei para o meu quarto e caí na cama, com lágrimas caindo em minhas bochechas. Adormeci rapidamente.

********

O dia seguinte foi muito estranho. Pois foi muito normal, meu pai saiu para trabalhar, minha madrasta ficou boa parte do tempo na cozinha preparando a comida e depois foi para a sala de estar brincar com meus irmãos, e eu, como sempre, fui me esconder no quintal (quando não fazia isso, eu ia para o meu quarto) até o final da tarde que era o horário que meu pai sempre chegava, depois do incidente mais recente Black foi solto novamente, pelo menos eu tinha ele para conversar, eu não conseguia imaginar como seria não ter meu cachorro perto de mim.

“Annabeth?” meu pai me chamou, como sempre fazia quando chegava em casa. Mas havia um novo tom em sua voz naquele dia, um tom meio nervoso e bem contido.

“Estou indo papai.” Respondi, como sempre. Dei um suspiro e afaguei a cabeça do meu cachorro por alguns instantes, ele me olhou e inclinou a cabeça com uma pergunta clara em seus olhos. “Até depois.” Eu falei para ele.

Ao entrar em casa meu pai olhou para mim parecendo desanimado, estranhei logo de cara, ele nunca havia olhado para mim assim, geralmente seus olhares para mim eram de decepção, ou raiva, ou ressentimento. Acho que você entendeu.

“Você está bem?” ele perguntou olhando para mim atentamente.

“Sim.” Respondi um tanto surpresa pela pergunta que ele me fez.

“Vá tomar banho, está quase na hora do jantar.” Ele me disse friamente, reagindo à minha expressão de choque.

“Está bem, volto logo.” Prometi.

Subi as escadas com a cabeça baixa, então isso significava que eu não via nada na minha frente e sem querer acabei trombando com os meus irmãzinhos e eles caíram de volta para o patamar de cima e começaram a chorar de uma forma que me disse que era fingimento.

“O que houve queridos? O que aconteceu?” a voz doce de minha madrasta chegou até mim antes que ela pudesse ver o motivo do choro, e naquele momento eu desejei pode ficar invisível para que ela não pudesse me culpar. Mas por mais que eu soubesse que ela me culparia por aquilo, eu desejava muito que ela não o fizesse.

“Ah, foi você que fez isso. Eu devia saber.” Ela disse num tom de desprezo e me fazendo abaixar ainda mais a cabeça ao ter minhas suspeitas confirmadas.

“Mas...” comecei a protestar levantando a cabeça.

“Vá para seu quarto, não quero ouvir nada.” Ela disse rispidamente.

“Tudo bem.” Eu murmurei indo para meu quarto, meu refúgio.

“Ande logo, não temos tempo para seus resmungos” ela falou quando eu me virei para fechar a porta.

“Isso não é justo.” Murmurei para mim mesma depois de ter trancado a porta. “Eu preciso ir embora daqui, logo, antes que algo realmente ruim aconteça e ela me culpe novamente.” Eu disse, e lágrimas começaram a se formar em meus olhos, enxuguei-as rapidamente prometendo a mim mesma que nunca mais ela iria me fazer chorar ou me acusar de coisas que não eram culpa minha.

Fui para meu banheiro para lavar meu rosto e minhas mãos e vi meu reflexo no espelho. Meus cabelos loiros em cachos estavam uma bagunça total, peguei minha escova para tentar domá-lo, depois o coloquei preso atrás da nuca. Minha pele estava um pouco suja, mas logo a limpei com um pouco de água.

Mas a minha expressão chorosa e meus olhos cinzentos, que agora estavam vermelhos, me disseram que eu não estava fazendo um trabalho muito bom em controlar meu choro.

Enquanto eu olhava meu reflexo uma onda de solidão me tomou e eu lutei para reprimir um soluço, meu pai iria me mandar embora, para alguma escola particular e me esqueceria, talvez isso não importasse realmente se apenas eu soubesse que ele se importava comigo, que ele me amava.

“Annabeth! Venha!” meu pai me chamou me tirando desses pensamentos deprimentes.

Suspirei para me acalmar. Tudo bem, pensei para mim mesma, isso não vai durar por muito tempo. E com esse pensamento abri a porta de meu quarto e desci as escadas.

*****

No jantar minha sorte piorou ainda mais se é que era possível, sentei-me ao lado de meu pai que falava sobre seus alunos e sobre os assuntos de história que mais o interessava. Um assunto totalmente entediante para mim, eu preferia os mitos e histórias sobre minha mãe e meus outros parentes importantes, mas meu pai quase nunca falava deles comigo, e o que eu sabia era tudo baseado nos livros que eu havia lido, mas eu sabia que não era suficiente, não para mim.

“E desse jeito...” e ele continuou falando enquanto eu olhava a cozinha pequena que agora nos acomodava.

Era pequena, mas a decoração dela era bem sutil e o efeito que ficava era bem bonito, flores roxas estavam perto da pia do outro lado da cozinha. Os armários eram de um tom azul bebê e a mesa era um verde claro muito sutil, assim como o piso de cerâmica. Parecia que em vez de estarmos dentro de casa estávamos lá fora no quintal. A geladeira branca, o fogão ao lado do armário que eu e meu pai compramos.

“Annabeth?” meu pai me tirou de meus pensamentos. “Que tal nós dois darmos uma folga para Margaret da louça hoje?”

“Tudo bem” eu disse sorrindo para ele.

Margaret me lançou um olhar que não reconheci o que era, imaginei que ela estava pensando que teria paz quando eu não estivesse mais aqui, me repreendi mentalmente, aquela não era a hora para aquilo.

Assim que terminamos de jantar levantei-me para tirar a louça da mesa, com a ajuda de meu pai. Talvez ele fosse me dizer que não ia me mandar embora, talvez fosse me dizer que eu poderia ficar mais algum tempo, eu devia saber que não devia alimentar esperanças sabendo que elas seriam despedaçadas logo em seguida, mas mesmo assim eu não conseguia evitar. Minha madrasta se levantou levando os gêmeos Bobby e Matthew pela escada.

“Espero por você lá em cima meu amor.” Ela se virou para meu pai e sorriu para ele antes de me lançar um olhar de desprezo que ela reservava especialmente para mim.

“Tudo bem” ele respondeu sorrindo para ela sem parecer ter visto o olhar que ela me lançou.

“Pai?” eu perguntei assim que ela sumiu de vista com meus irmãos no colo.

“Sim querida?” Ele voltou seu olhar para mim.

“Eu vou ter que ir embora?” eu disse olhando para a espuma na louça que estava em minhas mãos para ter uma desculpa para não olhar para ele, eu me senti estranha ao fazer aquela pergunta, mas eu precisava fazê-la.

Ele não respondeu, parecia lutar contra alguma coisa, mas percebi que ele não queria me contar a verdade.

“Acho que eu já sabia.” Eu disse baixinho demonstrando a minha tristeza.

“Me desculpe.” Ele me falou parecendo... eu não sei como descrever, ele parecia realmente triste acho que é assim que ele parecia, mas tinha algo mais e eu não sei muito bem como descrever. “Eu não queria ter que fazer isso, você sabe não sabe?”

“Tudo bem, eu entendo.” Mesmo que me magoe, pensei.

“Deixe que eu lavo a louça, você deve estar cansada. Vá dormir meu bem.” Ele disse virando o rosto.

“Está bem. Boa noite pai.” Eu disse indo para a escada.

“Boa noite minha filha.” Ele disse. “Eu realmente sinto muito” ele disse isso tão baixinho que não sei se imaginei essa parte.

Assim que cheguei ao quarto eu não me joguei na cama, muito menos comecei a chorar, eu tinha algo importante para fazer. Eu precisava começar a me organizar para fugir dali, o mais depressa que pudesse, se fosse possível eu iria embora aquela noite.

“Acho que ele não vai precisar se preocupar por muito mais tempo comigo.” Murmurei indo até o closet para procurar uma mochila para mim. “Não vou precisar levar muitas coisas, eu só preciso...” Eu falava enquanto revirava algumas gavetas e abria as portas dos armários embutidos.

“Eu não acredito.” Murmurei frustrada alguns minutos depois.

Eu havia revirado meu closet todinho, cada metro quadrado, mas não tinha conseguido encontrar uma bolsa que fosse boa o bastante para viajar, que não fosse nem muito grande, nem muito pequena, mas não havia nenhuma desse tipo no meu quarto, talvez minha madrasta tivesse, mas eu não tinha como saber com certeza.

“Parece que eu vou ter que adiar minha fuga por algumas semanas.” Gemi me largando na cama e colocando um travesseiro na cara, eu não havia percebido o quanto estava cansada até meus olhos se fecharem e eu adormecesse rapidamente.

Meu sonho foi uma coisa confusa, eu podia distinguir duas formas correndo na escuridão do que parecia ser um beco estreito e muito sujo.

“Não vamos conseguir aguentar por muito tempo!” Uma voz de garota falou, ela parecia assustada, mas firme.

“Temos que conseguir mais um pouco.” Uma voz de garoto respondeu. “Falta pouco para chegarmos, você sabe.”

Eu não ouvi nenhuma resposta, e percebi que os dois haviam começado a correr para o outro lado do beco até que sumiram de vista.

“Não desista!” Foi a última coisa que eu ouvi antes de acordar com um barulho horrível que acontecia ao quarto ao lado do meu, parecia que meus irmãos tiveram um pesadelo. Grunhi completamente revoltada, será que eles não podiam fazer menos barulho?

Rolei para o lado e tentei voltar a dormir sem ter pesadelos dessa vez.

Não consegui esperar muito tempo para procurar por uma bolsa de tamanho adequado para que eu pudesse ir embora, então no dia seguinte eu esperei meu pai sair e minha madrasta ir para a sala brincar com meus irmãos para entrar no quarto deles dois. Aproveitei-me de que o quarto deles ficava ao lado do meu para conseguir me fingir de desentendida.

“Não pegue o brinquedo do seu irmão, Bobby querido!” Minha madrasta disse alto o bastante para que eu escutasse. “Espere aqui querido, vou buscar outro brinquedo, que está lá no meu quarto da última vez que vocês brincaram lá, para você está bem?”

Mas o que ela tinha que ir fazer no quarto? E naquele momento? Pensei desesperada com uma pequena mochila dela nas mãos e prestes a sair do quarto, pensei em ir para o corredor e se ela perguntasse, eu diria que estava na escada e ia para o meu quarto, só que havia um porém: ela saberia que eu não estava no meu quarto pela prova incontestável que estava na minha mão. Com meu coração se acelerando rapidamente eu fiz a única coisa que me veio à cabeça: me joguei embaixo da cama. Parecia uma cena de filme terror quando eu ouvi os passos de minha madrasta subindo as escadas, pude ver a maçaneta girando e nesse momento me enfiei o mais embaixo da cama que eu pude. Naquele momento eu rezei para todos os deuses (inclusive minha mãe) para que eles impedissem a minha madrasta de descobrir que eu estava ali.

Ao que tudo indicava, eles decidiram me ajudar, porque ela entrou e saiu sem se preocupar se havia algo errado, ou se havia sumido algo das coisas dela, mas eu achei melhor assim, era menos perigoso para mim pelo menos.

Saí bem devagar do meu esconderijo e fui para o meu quarto preparar meu material de fuga. Fiquei pensando o que eu deveria levar, me decidi pelo básico: um pijama, uma calça jeans, algumas blusas, um suéter. Mas mesmo depois de ter conferido tudo pelo menos umas cinco vezes eu ainda tinha a estranha sensação de que estava faltando alguma coisa ali, algo que eu sentiria muita falta se não levasse.

“Pelos deuses,” murmurei verificando novamente o conteúdo da mochila “o que está faltando?”

 “Annabeth!” Meu pai chamou (sua voz parecia abafada, ele devia estar no escritório), eu sabia que ele não viria até o meu quarto, mas por precaução resolvi esconder a mochila embaixo da cama e tirava a poeira das minhas roupas.

Quando olhei o relógio pude ver que tinha alguma coisa errada, meu pai nunca havia chegado cedo antes, a menos que alguma coisa realmente grave tivesse acontecido, o que não parecia ser o caso.

“Sim pai?” Falei tentando soar inocente.

Ele me olhou, parecia procurar alguma coisa em mim e eu tentei de todas as formas não fazer cara de culpada.

“Venha, vamos jantar.” Ele disse fazendo um gesto com a cabeça para que eu o seguisse.

Comi rapidamente, estava com pressa de me refugiar no meu quarto novamente. Meu pai não pareceu se importar muito comigo, mas parecia preocupado com alguma coisa, e como sempre eu me impedi de perguntar o que era, mesmo que ficasse curiosa.

Assim que terminei de jantar ele olhou para mim e acenou levemente com a cabeça, dizendo que eu podia ir para o quarto o mais rápido que eu conseguisse. Subi correndo a escada, sem me importar com o barulho que eu estava fazendo.

Deitei-me na cama e pensei: Será que o que eu iria fazer era o certo?

POV: FREDERICK

Ela ficou em silêncio no quarto depois de todo o barulho que fez ao subir a escada, perguntei-me se ela iria embora esta noite, eu me preocupava com ela, apesar de não parecer ou de demonstrar em cada ato meu. Você deve estar achando que eu, como pai, deveria impedir minha filha de sete anos de fugir de casa, não é?

Eu gostaria que fosse assim tão fácil. Não era, e tudo por causa da mãe dela, Atena havia me proibido de impedi-la de fugir de casa, eu havia perdido a confiança dela.

Ao lembrar esse nome meu sonho mais recente voltou mais uma vez em minha mente, claro como a luz do dia:

Eu estava andando por algum lugar, um bosque talvez, tudo parecia em perfeita paz, então eu comecei a subir, e fui tão alto que pude ver todo o mundo, a terra girando lentamente e sem nenhum esforço, mas mesmo estando distante pude ver cada detalhe, cada pessoa, cada animal, cada coisa que ocupava um espaço no mundo e tudo parecia tão surreal que eu arfei.

“A civilização Ocidental está magnífica, não está?” Uma voz de mulher disse em algum ponto atrás de mim, eu não precisava me virar para saber quem era, eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar. “Oi Frederick.” Ela falou no instante em que me virei para encará-la.

“A – Atena” gaguejei desconfortável. “Mas... mas como...?” Ela olhou para mim com aqueles belos olhos cinzentos que assim que nos conhecemos me chamaram a atenção, seu olhar era uma mistura de vários sentimentos complexos demais para que eu conseguisse compreende-los, mas alguns posso dizer que reconheci, e devo dizer que não eram sentimentos felizes. Não consegui completar a minha pergunta.

“Como eu cheguei a seu sonho?” Ela perguntou, parecia um tanto constrangida, mas ainda assim decidida, eu assenti. “Foi simples.” Ela disse como se não fosse nada demais, mas antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa ela falou. “Mas não vim até aqui para falar sobre você, ou sobre mim. Eu vim para falar de Annabeth.”

Eu desviei o olhar, mas pude sentir que não conseguiria esconder algo de Atena, então olhei novamente para ela, tentando não deixar parecer a culpa que eu sentia.

“Você não a amou, não cuidou dela.” Era impossível deixar de ouvir a crítica contida na voz dela. “Pelo menos não da forma que eu falei para que você cuidasse.”

Atena caminhou calmamente até mim e a cada passo que ela dava parecia que voltávamos lentamente para o chão.

“Você sabia que eu não desejava uma criança.” Respondi antes de perder a coragem completamente. “Você sabia que eu não poderia dar atenção a ela.”

“Você tem razão, eu sabia.” Ela concordou parecendo triste com o que disse. “Mas eu sou a deusa Sabedoria. E sei que um filho, no seu caso uma filha, é o maior presente, a maior benção que uma mulher pode dar a um homem, e eu escolhi você para dar essa benção.”

Não respondi, não havia nada o que dizer sobre as palavras dela, apenas a encarei firmemente. Ela estava certa, eu sabia disso, mas não significava que ela devia ter me dado uma criança. Ela me olhava atentamente, e aquilo estava me deixando completamente tenso, então assentiu para si mesma.

“Mas isso não importa agora.” Ela falou dando um passo à frente. Com um sobressalto percebi que naquele momento estávamos em Atenas, em frente às ruínas do Parthenon, o templo dedicado a ela. “Amo todos os meus filhos, Frederick. Amo de verdade. Mas tenho um carinho especial por Annabeth.” Ela deu mais um passo e tudo a nossa volta tremulou em cores por alguns segundos, de repente a imagem se definiu no edifício Empire State em Nova Iorque.

“Então porque não a levou para morar com você no Olimpo quando teve a chance? Quando pedi que a levasse de volta?” Perguntei calmamente, eu sabia que os deuses eram instáveis e se ofendiam facilmente, eu precisava tomar cuidado.

Mas para minha completa surpresa ela sorriu levemente com o canto da boca, como se guardasse um segredo importante e não tivesse a intenção de dividir comigo. Eu suspirei, sabia que um dia ela viria falar comigo, só não esperava que fosse daquela forma.

“Se isso fosse possível eu me responsabilizaria pela criação de todos os meus filhos” ela disse soando triste. “Mas semideuses não podem morar no Monte Olimpo, eles apenas têm a permissão de nos visitar. Afinal, também somos a família deles.”

Ela deu mais um passo, e eu fechei os olhos para não ficar enjoado, quando os abri estávamos em frente ao portão da minha casa, e eu me sentia tonto com o poder que ela possuía, como sempre me senti quando estava perto dela.

“Annabeth decidiu ir embora da sua casa Frederick.” Atena disse fria e abruptamente se virando de costas para mim, por um momento achei que íamos mudar de lugar novamente, mas ela nos manteve ali. Então o que ela havia me dito fez sentido na minha mente: Annabeth ia embora. Ela me deixaria como eu sempre soube que aconteceria. E também soube que era esse o assunto que a fez entrar em contato comigo depois de todos esses anos.

“Não.” Murmurei mais para mim do que para ela ouvir. “Não vou permitir que isso aconteça.”

“Sim, você vai permitir.” Ela falou se virando para me encarar com firmeza, seus olhos cinzentos pareciam mais turbulentos que as nuvens de uma tempestade e eu instintivamente dei um passo para trás. “Meu erro foi acreditar que você a aceitaria com o passar do tempo, mas agora não há só você.” Ela parou de falar novamente, seu olhar estava cheio de significado. “Não que eu esteja dizendo que você deveria continuar solteiro.”

Eu não tinha, e talvez nunca tivesse, resposta para isso.

“E para onde ela irá? Como chegará onde quer que seja sozinha?” Perguntei soando desesperado e ela sorriu ironicamente para mim como se achasse engraçado o que eu havia acabado de falar. “Ela só tem sete anos Atena, mesmo eu tenho que demonstrar preocupação com a nossa filha, mas você parece tão tranquila!” Acusei tentando me lembrar que aquilo era apenas um sonho.

“Eu sou uma deusa” ela disse dando de ombros, nada abalada com o que eu havia dito. “Não posso interferir diretamente no destino dela, mas posso guiá-la até onde as escolhas dela a levarem.”

“Não posso compactuar com uma coisa dessas!” Falei tentando soar firme. “Você sabe tão bem quanto eu que isso é errado!”

Ela me olhou eu pude sentir toda sua raiva, mesmo que eu não soubesse como isso estava acontecendo.

“Se permitir que ela vá embora atrás de um lugar melhor é errado, me diga Frederick, o que é o certo?” Ela falou, mas não me deu a chance de responder. “É correto permitir que ela sofra por acreditar que o pai não a ama? É correto que você a trate daquela forma e não espere que ela queira ir embora?”

Ela falou tudo isso e pude sentir que ela desejava me falar tudo aquilo a muito tempo, mas eu não consegui ouvir calado as acusações dela, afinal a culpa não era apenas minha.

“É correto que ela cresça sem a mãe?” Perguntei deixando a minha frustração aparecer na minha voz, não sei dizer quem ficou mais surpreso, se foi Atena ou se foi eu com a minha ousadia de falar assim com ela. “É correto que a mãe dela nunca tenha feito um esforço para visitá-la?” Eu não sabia se essa parte era verdadeira, mas eu precisava falar alguma coisa e não apenas agir como se ela soubesse de tudo.

“Você não sabe se eu não fiz nada para vir até aqui!” Ela falou e parecia muito mais perigosa do que antes, me arrependi de ter dito aquilo. “Só interfiro na vida de um de meus filhos quando vejo que não posso mais me manter distante, e Annabeth me fez ver que já havia fingido indiferença demais com relação à vida dela. Você não sabe nem a metade do que pensa saber sobre mim.”

Olhei para o lado e abri o portão branco, olhei para ela tentando achar uma forma de mudar de assunto e me livrar da sensação estranha que ficou em mim depois das últimas palavras dela.

“Você quer ver a nossa filha?” Perguntei um tanto temeroso apontando para dentro do quintal.

Ela assentiu sem sorrir e entrou no quintal antes de mim.

“Espero que você saiba aproveitar os últimos momentos com ela, Frederick.” Atena falou sem nem se dar ao trabalho de olhar para trás. “Essas podem ser suas últimas horas com ela.”

Somente quando ela passou por mim que eu fui notar a roupa que ela estava usando: uma calça jeans, botas de caminhada, uma blusa branca de algodão. Ela pareceria uma mulher comum para quem não soubesse o seu segredo, eu tinha que admitir que ela ainda continuava fascinante. Assenti tristonho, não queria que ela fosse, mas também não podia impedi-la de ir.

Suspirei e Atena me olhou como se entendesse o que eu estava sentindo.

“E eu sei.” Ela disse baixinho. “Não é fácil para mim também, mas sei que é o melhor para ela.”

Balancei a cabeça concordando, não confiava na minha voz. Subimos a escada lentamente, era meio estranho saber que meu corpo estava adormecido a um quarto de distância. Abri a porta do quarto dela, Atena entrou na frente e sentou-se na cama, observou Annabeth atentamente e depois olhou para mim.

“Ela estava chorando. Ela tem chorado muito ultimamente.” Atena não falou isso como uma crítica, foi mais como uma constatação, não tive certeza se ela falou isso para mim ou se foi para ela mesma. Ela se curvou e colocou os lábios no ouvido da nossa filha e murmurou algo, mas não pude entender o que era. “Você continua linda minha menina.”

Ela disse e se levantou tão silenciosamente quanto havia se sentado e olhou para mim.

“Você irá acordar dentro de algumas horas. Espero que pense em tudo o que eu disse esta noite, e principalmente, não tente impedir que ela vá embora. Agora devo ir, meus deveres me chamam. Espero que um dia possamos nos reencontrar Frederick.” Ela falou isso e desapareceu, me deixando no quarto da nossa filha adormecida.

“Frederick! Frederick!” A voz de Margaret parecia distante, balancei a cabeça e me foquei no presente. “Terra para Frederick Chase.”

“Desculpe querida” murmurei ainda balançando a cabeça para tirar as imagens de Atena do pensamento. “Eu estava pensando, acho que me distraí.”

“Tudo bem.” Ela falou sorrindo, ela sabia que às vezes eu ficava aéreo, mas era bom que ela não soubesse em quê eu estava pensando. “Só queria saber se você vai levar os meninos para o quarto.”

Eu assenti.

“Espero por você lá em cima, está bem?” Eu disse com meus pensamentos todos focados em Annabeth.

“Tudo bem.” Ela disse sorrindo para mim.

Peguei Bobby e Matthew no colo e os levei até o quarto deles.

“Mas papai eu não quelo domi!” Disse Matthew.

“Eu também não!” Falou Bobby fazendo beicinho.

“Mas vocês precisam.” Eu falei com firmeza e eles se ajeitaram na cama um tanto relutantes. “Boa noite meninos.”

“Boa noite papai!” Os dois disseram juntos.

Eu saí e fechei a porta do quarto. Respirei fundo uma vez e fui para o meu quarto com um sentimento horrível de perda.

Eu não esperava, mas Margaret já estava lá decidi cuidar rapidamente e desligar as luzes. Pouco depois um pensamento veio até mim e fui até meu armário onde havia colocado o cordão que havia prometido entregar a minha filha, abri a porta do meu quarto e percebi que Margaret não estava entendendo o que eu estava fazendo.

“Aonde você vai meu bem? Está tarde.” Ela comentou erguendo uma sobrancelha.

“Esqueci de fazer uma coisa querida, volto logo.” Respondi o mais sinceramente possível.

Meus passos abafados me fizeram parar na frente do quarto dela, meu coração se apertou e eu não quis permitir, mas a ordem de Atena foi clara, ouvi os barulhos que ela fez quando percebeu que eu estava parado na frente do seu quarto, ela havia se jogado na cama para fingir que dormia. Respirei fundo e entrei, meu coração naquele momento parecia de chumbo, mas eu estava decidido, fui até a mesinha de cabeceira tentando não pensar no que iria acontecer em breve deixei o cordão em cima da mesa e olhei rapidamente para ela, mas não consegui olha-la por muito tempo então desviei o rosto e me virei para a porta, eu sabia que precisava sair dali, sabia que precisava deixar que ela fosse embora, mas eu não conseguia.

“Cuide-se bem Annabeth.” Eu disse com lágrimas nos olhos e fazendo força para não deixar a minha voz sair rouca, então sai. Voltei para o meu quarto e fechei a porta de costas para Margaret. Limpei as lágrimas e me virei para olhar minha esposa.

Boa sorte Annabeth. Pensei antes de dormir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

e aí, o que acharam? No próximo ela já irá embora.
beijos, deixem reviews por favor.