Vida de Semideusa escrita por Jkws


Capítulo 24
Um adeus forçado.




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Devo admitir: o dia de compras até que foi divertido.

Nós rodamos o shopping inteiro e compramos várias roupas, sapatos e acessórios. Minha mãe sorria e dizia que me amava o tempo todo, ela andava meio estranha, mas estranha de um jeito bom. Ela chegou até a me pedir desculpas por ser uma mãe ausente.

Nós fomos em lojas de fantasias, eu coloquei uma peruca vermelha por baixo de um chapéu amarelo e óculos minúsculos brancos, minha mãe se pôs ao meu lado com um enorme sorriso, ajeitou sua blusa azul e a moça da loja tirou nossa foto.

Experimentamos inúmeras roupas dos mais variados estilos.

Certa vez minha mãe saiu do provador parecendo uma mulher de férias no Hawaí enquanto eu saí totalmente gótica. Outra vez eu me vesti de patricinha e ela estava toda de branco.

Mas só compramos roupas que faziam o meu estilo, shorts e calças jeans, camisetas, botas, sandálias e tênis.

Sentamos num banco e saboreamos sorvetes, o meu era de baunilha o da minha mãe de morango. Eu nunca pensei que passaria um dia tão legal com Susan Parker.

Senti que tudo ia ficar bem. Senti esperança. Senti que o chão estava se reconstruindo sob meus pés. Comecei a pensar que minha vida podia voltar ao que era antes, quer dizer, nunca seria como antes depois dessa minha aventura, mas talvez...

Eu ia evitar a morte, ia superar a traição (acho que já tinha superado por que agora eu sentia um enorme desejo de fritar Luca com um raio) eu ia morar com a minha mãe, ela era uma mãe incrível, ia estudar e nas férias iria pro acampamento.

Pronto. Felicidade.

Me permiti um sorriso. Ainda por cima me vingaria de Hera. Perfeito.

Ser uma semideusa foi, quer dizer, é complicado mas naquele momento cheguei a pensar que valia a pena o esforço.

Eu estava errada é claro.

Voltamos para casa umas três da tarde, cheias de sacolas de compras, mas estranhamente minha mãe mandou que eu as levasse pro acampamento, pois ia passar o resto das férias lá.

- Eu te amo querida. Nunca se esqueça disso – ela disse e pôs na minha mão um colar com pingente de águia, reconheci a espécie de águia favorita a minha mãe, a águia-de-cabeça-branca entalhada no metal. Era basicamente uma mini Misit. – Seu pai me deu isso a muito tempo, fique com ele.

Senti uma dor estranha. Um certo desconforto.

- Mãe, eu não preciso ir embora agora.

- Jess... – ela olhou para o céu como se esperasse cair uma enorme tempestade – coisas ruins podem acontecer, mas você nunca deve esquecer do que realmente é importante. O que realmente faz a sua vida feliz. O que realmente faz quem você é. Como saber o que é o certo? – minha mãe respirou fundo, - Rachel disse... – ela parou, olhou para o céu de novo, acompanhei seu olhar mas dessa vez o céu estava diferente. Muito diferente.

Em geral estava cinza, com nuvens carregadas de água mal se aguentando, logo começaria a chover e muito. As isso não era o mais esquisito. Tinha um círculo vermelho no céu exatamente acima da nossa casa. Minha mãe engoliu em seco, lágrimas rolaram do seu rosto.

- Jess saia daqui agora mesmo!

- Não! O que está acontecendo e o que é aquilo? Parece... – não terminei a frase, por que eu reconhecia aquele rosto entalhado nas nuvens vermelhas: Hera, meu pior pesadelo.

A rainha dos deuses tinha um sorriso presunçoso seu rosto estranhamente feliz nas nuvens cor de fogo. O que ela queria dessa vez? Lembrei que eu não lhe dera a pele do Leão de Nemeia, nem ao menos cheguei a pega-la. Será que David tinha me feito esse favor? Lembrei que ele estava com raiva de mim. Eu teria que ir ao acampamento resolver isso depois, agora Hera estava fazendo um beicinho com os lábios de nuvens e nos mandando beijinhos com se dissesse: “Adeus! Foi bom ver vocês! Não volte nunca mais!”

- O que você quer? – Berrei para ela.

- Sabe, Jessica... Eu andei pensando - que milagre, senti vontade de dizer, mas fiquei calada - e percebi que só existe uma única pessoa culpada por isso tudo que eu e você passamos esses últimos dias, e esta deve ser punida – Hera disse.

- Zeus? – Gritei. Quem começou aquilo tudo foi meu pai, quando seduziu minha mãe e se tornou meu pai.

- Como você ainda é inocente! – admirou-se Hera – não, não. Acho que meu marido também é uma vítima. Uma vítima de Susan Parker!

- O QUE? – falei surpresa. Minha mãe estava com cara de quem ia vomitar. E vendo o verde do seu rosto eu entendi tudo: A profecia, Rachel, as compras, mas entendi tarde demais.

Hera riu e gritou: “Então vamos acabar logo com isso!” ela começou a cuspir.

Que nojo! Cuspe de deusa-vaca veio caindo do céu e percebi que o cuspe era vermelho. Minha mãe percebeu mais rápido que eu:

- F-Fogo – ela engasgou – Jess, corra! Ela não quer você! Vá para o Acampamento!

- Não vou deixá-la, mãe! – Gritei percebendo que estava chorando. Agora tudo se encaixava. Agora era tarde demais.

Então aconteceu tudo rápido demais: minha mãe foi lançada por um vento estranho pela porta da casa, bateu na parede da sala e caiu quase inconsciente. O fogo atingiu a casa e se espalho mais rápido que qualquer outro visto antes, me impedindo de passar, e começou a chover mas a chuva nem chegava perto da casa.

Lembrei de Melody saindo das chamas na escola quando tudo isso começou. Ela havia comido ambrósia para sobreviver. Procurei loucamente a minha mochila em meio as compras até que achei, peguei uns três enormes pedaços de ambrósia e comi.

Senti minhas entranhas queimarem e mergulhei nas labaredas de fogo que foi a minha casa.

A fumaça não me permitia ver muito, nem respirar muito. Eu meio que sentia o fogo me queimar um pouco, mas eu era curada pela ambrósia antes que viesse a sentir minha carne virar churrasco.

Vi a forma da minha mãe, inconsciente. O fogo a queimava, entrei em desespero e corri em sua direção, a voz do Oráculo sussurrava em minha cabeça: “Sob a ira de Hera, a morte acontecerá.”

Não parei para pensar no quanto Hera gostava de um teatrinho.

Minha mãe estava morrendo.

Levantei-a e fiz com que se apoiasse em mim, ela estava totalmente desmaiada agora. Minha mãe não podia consumir ambrósia ou néctar isso a queimaria mais rápido do que a casa que pegava fogo. Arrastei-a para o vão da porta agora estilhaçada no chão.

Nunca acredite na frase “Pior do que está não fica.” Se você é um meio-sangue, as coisas sempre podem piorar.

De repente a casa começou a tremer e as paredes a rachar. Tinha que agir mais rápido, pois o teto também estava rachando a essa altura.

Minha mãe parecia mais pesada a cada instante que se passava. Faltavam dois metros para aporta quando...

BAM!

O teto cedeu e desmoronou. Fogo, tijolos e madeira, caíram sobre nós. A chuva de fogo já tinha acabado.

“Do céu descerá a perda que sofrerás.”

Tentei sair debaixo dos escombros, mas era muito complicado, aonde eu tocava agora começava a me queimar. O efeito da ambrósia estava passando, então fiquei imóvel no meu lugar onde o fogo estava quase se apagando. Não vi sinal da minha mãe, ao longe pude escutar as sirenes dos bombeiros.

Respirei fundo. “Conte até dez, organize as ideias” minha mãe diria se estivesse acordada, acordada, não morta.

Um.

Minha mãe não estava morta.

Dois.

Não podia estar.

Três.

Hera iria me pagar pelo que fez.

Quatro.

Não foi culpa de Susan Parker.

Cinco.

O fogo cessara. A chuva caia leve agora sobre a “casa”

Seis.

Espere um pouco até se mexer.

Sete.

Isso. Mova essa tábua com calma. Devagar. Ainda está muito quente. Esta esfriando.

Oito.

Os bombeiros chegaram.

Nove.

Parem de se perguntar o que houve e venham nos salvar!

Dez.

Até que enfim...

- Tem uma menina ali! Tirem-na daí! Tirem-na daí, rápido! – Ouvi um dos bombeiros gritar e logo vieram remover os escombros de cima de mim.

- Minha mãe! – Falei-lhes – Achem ela! Ela está aqui!

Eles rapidamente se puseram a tirar os tijolos e madeira queimados e jogar para todos os lados, além de reclamar comigo por eu estar ajudando.

- Você vai se machucar, garota! Deixe isso com os profissionais.

- É a minha mãe, ache-a logo e eu saio! – Falei jogando um pedaço de madeira para o lado.

Em vão. Nada encontramos. O bombeiro disse que eu fosse sentar um pouco na calçada onde jaziam as compras de aniversário. Uma grande tristeza se abateu sobre mim e eu fui.

Não faço ideia de quanto tempo passou, mas parara de chover.

Vi vagamente a roupa vermelha do bombeiro se aproximar com algo nas mãos, um pedaço de blusa azul. Mas não qualquer pedaço de blusa azul. Reconheci o tecido da blusa que minha mãe usara naquele dia.

- Eu sinto muito – disse-me o bombeiro e me entregou o pedaço de blusa com as bordas queimadas, depois saiu cabisbaixo.

"Sob a ira de Hera, a morte acontecerá.

Do céu descerá a perda que sofrerás."

Eu peguei o pano perplexa e... e... e chorei.

Minha mãe morreu.

Susan Parker se fora.

Abracei o paninho azul com força e olhei para o que foi minha casa minutos atrás.

Adeus mamãe.



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Notas finais do capítulo

Desculpem se ficou meio confuso. Tentei fazer uma morte diferente. Então, aí está :)