Vida de Semideusa escrita por Jkws


Capítulo 25
E agora?




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Os bombeiros logo começariam a me fazer perguntas. E quando isso acontecesse eu iria soltar uns bons palavrões pra eles.

Minha mãe...

De repente eu lembrei do dia que passamos juntas: as risadas, as roupas, os sorvetes...

Minha mente foi um pouco mais longe, quando ainda morávamos no Texas, ela chegando em casa e dizendo que nos mudaríamos para Nova York, e lembrei da negação dela quando eu supus que era por que nenhuma escola de lá queria me aceitar mais.

Voltei um pouco mais: Susan Parker e sua pequena filha de quatro anos correndo de monstros em São Francisco, eu já tinha ido lá antes.

 Lembrei das fotos no quarto dela: eu, um bebezinho gordinho com olhos azul-elétrico fitando a câmera como se quisesse explodi-la, minha mãe disse que eu realmente explodi, e que ela só conseguira salvar o filme para revelar a foto. Depois outra foto eu e ela, eu ainda com um aninho, meus olhos estavam num tom de azul quase preto e eu fazia um beicinho de protesto com os braços cruzados. Minha mãe dissera que foi por que ela não me deixou matar um sapo com uma pedra-de-fogo.

Minha mente voltou a alguns dias atrás, minha mãe me acordando para um café da manhã e me perguntando qual fora o meu pesadelo “o mesmo de sempre” eu respondi. Aquele dia mudou nossas vidas, e tirou a da minha mãe.

Hera mandara o dragão estúpido me atacar. Zeus mandou Peleu me salvar. Fui para o Acampamento. Hera me deu uma missão suicida. Os deuses me ajudaram a realizá-la. Hera matou minha mãe. Gaia me daria a vingança. Maldita Hera.

O conselho sobre respirar fundo e contar até dez não servia agora. Nunca um meio-sangue quis tanto que os deuses pudessem morrer como eu desejei naquele instante.

A profecia se cumprira.

Um bombeiro se aproximou.

- Você sabe onde está seu pai?  - Perguntou num murmúrio – temos que avisá-lo. Sua mãe tinha parentes em algum lugar?

Soltei uns palavrões pra ele aprender a respeitar a dor dos outros.

- Precisamos saber, ãh, Jessica.

- Não sei onde está meu pai, e minha mãe era filha única de um casal já falecido.

Nesse instante, um executivo se aproximou, usava um terno azul-marinho e tinha cabelos e barba grisalhos.

- Jessie, eu já soube. Eu sinto muito – disse-me Zeus.

- Quem é você? –Perguntou o bombeiro.

Zeus e eu olhamos para o mortal como se estivéssemos prestes a explodi-lo, ele deve ter visto alguma semelhança em nós pois disse um “Ah” pediu licença e saiu.

- Eu tentei impedir Hera – ele disse quando o bombeiro estava longe – tentei fazer cair uma tempestade mas esta não apagou o fogo nem o ódio de Hera, quando consegui já era tarde.

Eu fiquei calada.

- Agora que sua mãe se foi – ele disse com cuidado – você tem três opções: ir para o Acampamento e ser uma campista de ano inteiro. Ou eu posso arranjar um tutor para você e você pode continuar frequentando a escola e indo ao Acampamento só no verão. Ou ainda pode vir morar comigo.

Eu tive que responder a esse absurdo:

- Com você e Hera, acho que quis dizer. Claro, por que eu não ia querer morar com a assassina da minha mãe? Por falar nisso, adorável sua esposa – não podia haver mais sarcasmo e ódio na minha voz.

Zeus se encolheu. Eu fiz o rei dos deuses se encolher.

- Vá para o Acampamento. Você não m mais nada a fazer nesse mundo mortal.

Eu não sabia o que fazer, mas não tinha lugar melhor para ir mesmo. Peguei as compras e o pedaço queimado da minha mãe. Que eram as únicas lembranças que eu possuía dela, e procurei um táxi, mas Zeus acenou com a mão e eu vi um Pégaso surgir no céu, era PorkiePie. Ele pousou e se preparou para que eu o montasse eu subi e consegui me equilibrar com as compras. Olhando para trás vi a cena mais triste da minha vida e que eu jamais esqueceria.

O céu estava meio amarelado em cima da minha casa, quer dizer da minha ex casa, que agora eram um monte de cinzas. Os bombeiros se retirando e Zeus olhando para os restos da casa com as mãos nos bolsos, o olhar perdido na paisagem. Ele parecia triste.

E PorkiePie levantou voo. Eu não queria ir pro Acampamento, não queria ir para lugar nenhum. Queria me enterrar e morrer. Descobri naquele instante que sentimentos não machucam, o problema é que quando você sente, você sente por alguém, e pessoas são instáveis, o que faz os sentimentos instáveis.

Senti algo por Luca. Ele me traiu e magoou.

Eu amo a minha mãe. E ela se foi. Contra a vontade mas foi.

A partir do momento que você sente, você está exposto a uma grande decepção.

Vislumbrei o Acampamento, que provavelmente seria meu novo lar a partir de agora.

Não queria encontrar ninguém. Então fiz PorkiePie pousar bem em frente ao chalé 1, onde desci e pedi que ele fosse para os estábulos, e ele se foi voando. Entrei no meu chalé. Pelo teto de vidro pude ver o céu triste e cinzento.

Isso não me consola, não é nenhuma homenagem ao nome dela. Pensei comigo mesma. Será que Zeus realmente achava que deixar o céu “triste” servia para alguma coisa?

Misit estava no guarda-roupas me olhando intrigada. Pelo visto ela tinha dado privacidade aos meus pensamentos e agora precisava que eu a explicasse o que aconteceu.

Minha mãe se foi. Pensei para ela.

Senti a verdade se abater sobre mim. Misit me olhava com pena e compreensão, ela não precisava dizer eu já sabia que ela também sentia muito.

Coloquei as compras na cama e agarrei o colar e o pano que foram da minha mãe. Me encostei na parede mais distante do chalé, e coloquei a cabeça entre as mãos. Misit saiu voando pela janela aberta, acho que para me dar um tempo.

Meu mundo desmoronara.

Um mês atrás mais ou menos, eu tinha uma vida chata, uma casa, uma escola, o Matt e uma mãe. Agora eu tinha um Acampamento, uma águia, uma vida triste e dolorosa, uma madrasta que queria me matar, Matt, os colegas de acampamento e David (que acabei de lembrar, estava com raiva de mim).

Acho que tinham bem menos pontos ruins na minha antiga vida.

A frase, “minha mãe morreu” estava ecoando em minha cabeça, e incrivelmente eu não sentia dificuldade em acreditar nela, sentia dor, dificuldade não.

Foi quando vi Misit voltando pela janela, e ouvi alguém gritando “NÃO! NÃO!” Atrás dela. Logo ela apareceu e se enfiou no chalé pela janela, mas eu só vi seu rabo. Pelo bico ela estava puxando alguém que relutava. Ela estava vencendo a briga e logo a metade da frente de David caiu janela a dentro.

- Mande a sua águia me largar! – Ele vociferou.

- Misit, o que você está fazendo? Pare com isso! – Disse-lhe enxugando uma lágrima do rosto.

Ela guinchou, nenhum pensamento em sua cabeça para me esclarecer.

Enfim David caiu no chão perto da janela, eu não estava em condições de ir ajuda-lo.

Ele se levantou e olhou para mim: uma garota derrotada no canto do chalé, provavelmente com os olhos vermelhos.

Ele esqueceu que estava com raiva de mim e veio até onde eu estava.

- O que aconteceu?

Falar era mais difícil que pensar.

- M-m-minha, e-e-ela ... – não precisei terminar, ele entendeu.

David se sentou ao meu lado, notavelmente sem saber o que fazer, mas me deu um abraço, esperei que ele dissesse “sinto muito” como todo mundo tinha dito e diria agora. Mas ele disse: “vai ficar tudo bem, você ainda tem o Acampamento. Sabe, Quiron, Mel, Matt, Misit e eu” e passou a mão em meus cabelos.

- Obrigada, Dave – murmurei – desculpe se ás vezes eu sou um pouco mandora  e arrogante, eu só não queria que você fosse por que...

- Tá tudo bem – ele sorriu um pouco – o melhor agora é você esfriar a cabeça, depois sair um pouco para se distrair.

- Eu não quero esfriar a cabeça. Quero vingança.

- Entendo. Jess, eu sei como se sente, eu também já perdi uma pessoa querida – ele disse, lembrei que ele não sabia que eu já sabia da história da tal Cecília Gomez – mas vingança não a trará de volta.

- Você se vingou – falei sem pensar. Ele me encarou.

- Você já sabia?

- Luca me contou.

- Ah, claro. Jessie essa conversa sobre Luca fica para depois – ele disse – o importante é que Sínis era um monstro e ia matar várias pessoas se não fizéssemos nada. E Hera, bem, Hera é uma deusa, o que você pode fazer contra ela?

Fiquei calada. Eu? Eu nada é claro. Hera é imortal, como eu iria mata-la? Além de eu sozinha não poder cortá-la e manda-la pro tártaro. O máximo que eu podia fazer era não contar para ninguém que ela seria sequestrada, assim nenhum outro deus poderia protege-la, e por mim Gaia a torturaria o máximo possível.

- Se acalma agora, depois agente conversa, okay?

Assenti. Ele se levantou e saiu.

Eu era sortuda em ter amigos como David. Em pensar que eu o odiei tanto quanto o conheci!

Pensei em como seria minha vida agora.

Eu não queria voltar pro mundo dos mortais sem minha mãe lá. E sinceramente pra que eu precisava de escola, se a maioria dos meio-sangues morria antes de termina-la? E se eu conseguisse chegar a idade adulta a última coisa que eu queria era passar o resto da vida atrás varrendo ruas, eu duvidava que com minhas notas eu conseguisse um emprego melhor que esse.

Então eu iria ficar no Acampamento pro resto da vida, ou até morrer. Treinando, jogando capture a bandeira e aturando o Sr.D. Além de ficar com os meus amigos daqui.

Eu não queria que minha mãe tivesse “partido dessa pra uma melhor” eu já sentia falta dela. Mais falta do que senti quando estava fora de casa realizando a missão. Por que agora eu sabia que não a veria novamente.

Não sei exatamente quando dormi. Mas tive pesadelos, que envolviam fogo, fumaça, minha casa em chamas e minha mãe morrendo. Fiquei feliz em acordar, e fiquei triste em constatar que o pesadelo fora só uma reprise do meu dia maluco.

Não aguentando mais ficar no quarto (odeio ficar muito tempo no mesmo lugar, principalmente se for um lugar fechado) tomei um banho e saí pra respirar um pouco de ar puro.


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