Vida de Semideusa escrita por Jkws


Capítulo 12
O táxi mais estranho no qual já andei




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/152726/chapter/12

David e Luca ainda falavam do chalé de Hefesto, não tinham notado o ciclope atrás deles. Que estava se preparando para atacar.

A única coisa que pensei foi: droga.

Eu tentei me aproximar rápida e sorrateiramente.

Tive que pensar rápido. Tirei o cilindro azul do bolso. E fechei a mão ao redor dele, apertei e ele começou a crescer. Em menos de um segundo já tinha atingido seu tamanho natural. Foi quando eu percebi que não sabia usá-lo.

Nada de desespero. “Conte até dez” dizia minha mãe. Eu não tinha tempo pra contar até três, ainda menos até dez.

Então fiz o que qualquer garota em desespero faria: me lancei contra o ciclope e bati nele com o raio, como se o raio fosse um bastão. Ele ficou com raiva e urrou, me pegou pela cintura e me chacoalhou. Os meninos gritaram “ei!” eu não percebi o que fizeram depois por que o monstro me arremessou de forma que eu bati em um carro e caí no chão em cima do braço esquerdo.

Vi os dois atacando. Luca com a espada e David atirava flechas loucamente.  Tentei me levantar, mas quando usei a mão para me apoiar uma dor subiu pelo meu braço esquerdo. Não acredito que tinha torcido o braço tão fácil.

Usei o outro braço para me levantar e, com dor, peguei o raio com a mão direita. Olhei para ele e depois para o ciclope. O monstro conseguiu acertar Luca com o braço das costas, Luca voou de encontro a David que estava um pouco atrás atirando as flechas. Os dois voaram e bateram num carro á uns dois metros de mim.

O ciclope veio em nossa direção, Misit voou em direção a ele e bicou seu olho. Ele urrou e balançou os braços debilmente, mas suas mãos eram grandes e ele acabou acertando minha águia. Aquilo me enfureceu. David e Luca se atrapalhavam com as armas, deviam estar machucados. Ninguém batia na minha águia.

Mirei no monstro. Zap. Um raio saiu do raio e acertou o monstro. Um urro. Cheiro de fumaça. Fumaça. O monstro tinha virado pó.

Suspirei e me encostei no carro. Não sabia como exatamente tinha invocado o raio, foi no momento de raiva. Mas aquilo esgotara minhas energias, sem falar no braço quebrado.

Os garotos tinham conseguido se levantar e vinham em minha direção. Agora que a adrenalina tinha passado, meu braço doía muito. 

- Aquilo foi... – David começou a falar empolgado, mas parou quando olhou pro meu braço. – O que aconteceu com seu braço?

- Eu caí de mal jeito em cima dele. – respondi num gemido. Isso era besteira, como eu fui quebrar o braço tão inutilmente?

- Deixe-me ver. – ele tentou pegar meu braço, mas eu recuei. – Eu posso te ajudar, mas só se você deixar.

Então e ergueu a mão para pegar meu braço, dessa vez não recuei. Reprimi um gemido quando ele apertou o lugar onde doía. Lembrei das outras vezes que quebrei alguma parte do corpo. Já tinha torcido o pé duas vezes e quebrado uma, o braço, torci três e com essa tinha quebrado duas, sem contar as vezes que quebrei dedos. Minha mãe brincava que eu não devia ter nascido um ser vertebrado. Então eu já estava acostumada.

- Como você fez isso?

- Eu caí de mal jeito em cima dele. – repeti.

- Ãnh, tudo bem. Luca pegue minha mochila, por favor.

Luca correu para pegar.

- Muito bem. Dói? – Ele pressionou um lugar um pouco acima do meu pulso.

- Aham.

- Foi uma pequena torção. Tome. – Ele pôs um pedaço de ambrósia na minha boca. – Vai passar logo é só...

- Aai! – Gritei quando ele apertou e moveu o lugar torcido do meu braço.

- Eu pus no lugar.

- Au. – Resmunguei.

- Vamos – Luca disse pegando a minha mochila junto com a dele. – Vamos pegar o táxi das irmãs cinzentas.

- Me dá minha mochila, por favor. – Pedi.

- Deixa que eu carrego.

- Não precisa.

- Mas eu quero levar.

Não queria que ele carregasse minhas coisas, mas não ia discutir.

Chegamos á entrada. David puxou um dracma de ouro do bolso. Tinha a efídie de Zeus gravada de um lado e o edifício Empire State do outro.

- O que...? – Tentei falar, mas ele me interrompeu.

- Stêthi  - Ele gritou em grego antigo, não sei como sabia disso. – Ô hárma diabolês!

O que pensei ser: Pare, carruagem da danação! Tomara que minha tradução estivesse errada.

E jogou o dracma no chão. Para a minha surpresa ele afundou e desapareceu ao invés de cair ruidosamente no asfalto.

Nada aconteceu. Mas depois de um segundo, o asfalto começou a borbulhar, era uma poça de líquido vermelho do tamanho de uma vaga de estacionamento. E do que antes fora asfalto, surgiu um carro. Um táxi. Sem dúvida o táxi mais estranho do mundo, não era amarelo nem branco, era cinza-escuro como fumaça. Quero dizer fumaça mesmo era como pudesse atravessa-la. Com palavras embaralhadas na lateral, demorei um tempão lutando contra a dislexia para decifrar: Irmãs cinzentas.

A janela do passageiro abaixou e uma velha com cabelos na cara gritou:

- Passagem? Passagem? – Ela parecia ter tomado vários anestésicos.

- Três para... – Ele pensou por meio segundo e completou – O jardim das Hespérides.

- Só rodamos em Nova York. – Respondeu a velha.

- Pagamos á mais. – David disse.

- Quanto?

- Vinte dracmas a mais para lá.

- Certo!

Então David abriu a porta do carro e disse:

- As damas primeiro. – E acenou para que eu entrasse.

- Hã-hã. – Balancei a cabeça negativamente.

- Okay. Vou eu então.

E entrou, depois me puxou para dentro com Misit, que se acomodou perto da cabeça do banco passageiro. Luca veio logo depois. De forma que fiquei no meio dos dois.

Analisei o táxi. Por dentro também era cinza-escuro, mas não era de fumaça. Os bancos eram irregulares. Assim que olhei para frente me assustei. Não tinha só uma velha, eram três, todas com cabelos na cara e vestidos escuros, amontoadas no banho da frente. Tive certeza que a carteira de motorista delas tinha vencido século passado.

- Monte Tamalpais. – Gritou a velha da esquerda, que nos pedira passagem, para a que estava no volante.

 David e Luca se olharam apreensivos. Eu ia perguntar o que os deixara assim, mas a velha do volante pisou no acelerador, o que fez minha cabeça ir para frente, e como eu estava no meio minha cabeça bateu na cabeça da velha do meio, um dente dela voou.

- O dente! – Gritou ela.

- Dê o dente, Ira! Você já tem o olho. – Disse a do volante para a do banco passageiro.

- Eu não peguei o dente da Tempestade! Você pegou!– Gritou Ira para a velha do volante.

- Do que elas estão falando? – Berrei. O carro costurava o trânsito loucamente. Nós éramos jogados de um lado para o outro.

- Eu não peguei nada! Procure o dente! – Gritou a velha do volante.

- Do que elas estão falando? – Berrei de novo.

- Vire á direita, Vespa! Naquela entrada! – Gritou Ira.

- Você fez elas perderem o dente! – Gritou David.

- E daí? – Gritei de volta, elas já deviam ter perdido vários dentes. Deviam estar usando dentadura á essa altura.

- E daí que elas só tem um. – Gritou Luca.

- Se não tenho o dente, quero o olho! – Tempestade, a do meio, gritou e arrancou o olho de Ira, a do passageiro, com um pop, o olho escorregou da mão dela e caiu no colo de Luca.

- Dê o olho! – Ela gritou.

- EEEECA! – Disse Luca, e jogou o olho que passou raspando no meu nariz e caiu em cima de David

- Fiquem quietas! – Gritou Vespa.

- EECA! Pega isso, Para-raios! – Gritou David.

- Para o que? – Perguntei sem entender. Então ele jogou o olho no meu colo. Eca.

- VAMOS BATER, CADE O OLHO? – Gritaram as irmãs cinzentas.

- Ta aqui! – Berrei e peguei o olho, não sentia tanto nojo agora. Era só um olho.

Então percebi que só podia dar o olho á uma delas. Vespa a que estava no volante, claro.

Me debrucei pondo Tempestade para o lado e quase voei para frente quando Vespa virou violentamente para a direita, já estávamos numa estrada, mas consegui enfiar o olho na cara de Vespa. Ela suspirou aliviada, e seu olho arregalado olhava para todos os lados, como se tudo o que visse não fosse o bastante. As outras duas velhas ainda gritavam pelo olho e pelo dente perdidos.

- Estou com o olho! – Berrou Vespa feliz.

- Ele tem que ficar comigo – Gritou Tempestade.

- Não, comigo! – Respondeu Ira, enquanto Luca, David e eu gritávamos, pois Vespa dirigia feito louca em direção as árvores da estrada. Para que servia aquele olho afinal?

Quando pensei que íamos bater ela girou violentamente o volante e voltou para a estrada. Horas terríveis se seguiram, com as irmãs brigando pelo olho e pelo dente. Quase atropelamos um gambá inocente, quase batemos em um motociclista inocente, quase batemos em dois carros inocentes.

Vespa dobrava para  a esquerda e para a direita muito rápido, uma hora Luca me expremia cotra David outra David me expremia contra Luca. Não tinha como por o cinto.

Chegou um certo ponto que eu peguei o dente do chão e dei á Ira o que deixou Tempestade com muita raiva, ela falava muito quando estava com raiva pelo visto. 

Mas chegamos á cidade são e salvos, e com uma tremenda dor de cabeça.

Assim que chegamos reconheci São Francisco, já tinha ido lá com a minha mãe e não foi uma das experiências mais agradáveis da minha vida, foi lá que quebrei um braço e torci uma perna ao mesmo tempo. Minha mãe não disse o que eram o caras enormes que lançavam bolas de fogo com as mãos e diziam que iam me comer. Mas não eram coisa boa.

Balancei a cabeça afastando lembranças ruins. Meu braço estava bem melhor, nada como ambrósia, uns ajustes e um passeio num táxi maluco para curar um braço machucado.

Vespa costurou o trânsito até o Monte Tamalpais. Chegando á base do monte pagamos o prometido ás irmãs cinzentas que partiram, desejando boa sorte e brigando.

Olhamos para cima. Uma neblina cobria o topo do monte e o ar cheirava á eucaliptos. Ao longe era possível ouvir o rugido de várias cabeças de dragão sendo alimentadas. Rezei aos deuses, que Ládon já tivesse jantado quando chegássemos lá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!