- Arrrrrrrrrgh! – Travis exclamou surpreso, arregalando os olhos e se levantando meio cambaleante, olhando para as chamas que subiam pela grama alta ao lado da mesa ainda sem poder acreditar.

                Katie olhou do fogo, para ele, de novo, e de novo, procurando a reação certa e ao mesmo tempo ainda meio paralisada. O pedaços de vidro derretido do lampião reluziam na luz amarela, com as chamas cada vez mais altas – muito conveniente o fato de ser um lampião de queratina. Agora ia tudo pegar fogo ainda mais rápido do que o normal.

                - Travis! – Ela ralhou num tom de voz extremamente fino. – Faz alguma coisa!

                O Stoll olhou ao seu redor, procurando alguma coisa para fazer.  Ah, ótimo. Ele jamais poderia se arrepender tanto de ser desastrado. Uma cotovelada inoportuna e ban ele tinha que derrubar o lampião e começar um maldito pequeno incêndio.

                A única coisa que deu tempo de achar foi o vaso de água com as margaridas. Pensando rápido, ele tirou as flores desajeitadamente e jogou a água no fogo.

                Claro. Como se isso fosse realmente fazer alguma diferença.

                - Não está dando certo, idiota. - Katie disse rangendo os dentes, olhando para as labaredas ainda meio surpresa e aterrorizada.

                - O que você quer que eu faça?! – ele devolveu irritado, pisando em um pedaço de grama incandescente pelo calor na esperança que ele não pegasse fogo. – Filho de Hermes, lembra? Senso de direção, viagens, corrida, negociações, roubar coisas. Apagar incêndios fica no departamento filho de Poseidon, ou sei lá.

                - Só... Faz alguma coisa! – Kay exclamou suplicante, quase desesperada. Ela não aguentava olhar para aquele lugar maravilhoso simplesmente pegando fogo quando se não fosse nada. Sem falar de todas aquelas arvores, e plantas... Argh, era desumano demais.

                Travis olhou para as chamas (que a essa altura já estava quase alcançando as árvores com a pequena ajuda de um combustível em forma de queratina) e para ela, sem saber o que fazer. E, depois disso, a primeira ideia que apareceu na sua mente lhe pareceu sem dúvida a melhor delas.

                - Anda! – ele exclamou pegando Katie pela mão e puxando-a bosque a dentro na direção contrária do incêndio. Ela cambaleou, buscando por equilíbrio em cima dos malditos saltos altos (por que Hades ela resolvera usar eles mesmo?).

                - Travis! Não! – ela tento impedi-lo, olhando relutante para trás. – A gente não pode simplesmente sair. Vai tudo pegar fogo!

                - Katie, nós não podemos fazer nada para apagar isso aí. – Travis contrapôs impaciente, puxando-a ainda mais rápido. – Alguém já deve ter ouvido seu grito e resolvido fazer alguma coisa a respeito. O que nós podemos fazer é evitar morrer em um incêndio.

                Ela corou quando ele mencionou o grito (que, aliás, devia ter soado bem histérico), mas resolveu ficar em silêncio. E, como se tivessem ouvido o que ele falou, o soar da concha (um curto, um longo, dois curtos – situação de perigo) ressou por todo o acampamento provando que alguém realmente havia ouvido seu grito.

                Ela bufou, desviando desajeitadamente das raízes e tomando o máximo de cuidado para não tropeçar em nada.

                - Argh, isso está demorando tempo demais. – Travis resmungou, parando de andar de tão de repente que Katie acabou trombando nele. Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas antes que sequer conseguisse pronunciar qualquer som ele passou o braço pela sua cintura, tudo girou, e, quando ela deu por si, estava sendo carregada num estilo bem princesa-em-filme-da-disney.

                - Hey! – reclamou, em quanto ele apenas aumentava ainda mais a velocidade. A verdade, é que Travis era um bom corredor. Certo, ele devia ser o melhor de todo o acampamento, e Katie só estava o atrasando com aqueles malditos salto altos.

                Ela suspirou. Não adiantaria em nada reclamar. Se desligou rapidamente, e quando voltou a prestar atenção de novo eles já haviam saído dos bosques e entrando no ala dos chalés. Ela viu Quiron passar por eles em um galope apressado, seguido de um Percy com cara amassada e uma Annabeth meio descabelada.

                Travis a colocou no chão quando estavam na frente do chalé de Nêmeses. Ela cambaleou, apoiando-se levemente nele. Ele riu baixinho, em quanto ela fazia uma careta estranha. Um trovão muito forte pareceu balançar tudo e um raio tingiu o céu de azul não muito longe dali, em quanto uma chuva forte e bem localizada começava a cair pesada sobre todo o acampamento.

                - Ah, ótimo. Viu? Eu disse que alguém ia fazer alguma coisa. – Travis comentou vitorioso, em quanto os dois começavam a andar em direção ao chalé número quatro. Katie estremeceu levemente com o contato da água fria com a sua pele, desejando não estar usando só aquele vestido branco.  – Toma. – ele disse de prontidão, tirando seu palito preto  e estendendo-o na direção dela.

                Katie sorriu, passando o casaco pelos ombros. Outro trovão, ainda mais forte, e os dois apressaram um pouco mais o passo, rindo.

                Quando chegaram à varanda, ele não conseguiu deixar de pensar em como era ali que tudo havia começado, a exatamente uma semana atrás. Uma semana. É, ainda soava meio irreal. Tanta coisa havia acontecido.

                - Era exatamente sobre isso que eu estava falando. – Kay murmurou, rindo baixinho e ignorando completamente o olhar estranho dele. – As coisas sempre dão errado para nós dois.

                - Hã? – ele resmungou bobamente, fazendo com que ela risse ainda mais.

                - Ah, fala sério. – Katie disse, num tom de voz levemente divertido. – Eu vou fazer a inspeção, você comove o chalé de Hermes inteiro só para deixar tudo bonitinho. Eu atraso um pouco para sair do chalé, e acabo em algum ponto da praia escutando musica e dançando. Eu vou ler nos campos de morango e... Bem, nós já sabemos como isso acaba.  Nós brigamos, e você me sequestra para um shopping. Vamos a uma festa e você se mete numa espécie de briga de bar com um cara bêbado. Saímos para jantar e acabamos praticamente colocandoo fogo em tudo.

                - Mas...? – Travis forçou sorrindo de lado.

                - O quê? – ela perguntou confusa, franzindo o cenho para ele.

                - Eu sinto que você estava quase chegando no ‘mas’. – justificou, puxando-a pela cintura e encurtando mais que perigosamente a distancia entre os dois.

                - É, eu estava quase chegando no ‘mas’. – Kay concordou rindo. – Mas... Se as coisas dessem certo, não seria a nossa história.

                Katie sorriu e, quando eles se beijaram e aquele calor elétrico estranho passou por todo o seu corpo até atingir a ponta de seus dedos e arrepiar sua nuca de uma forma estranhamente familiar e aconchegante, ela sentiu como se não ligasse nem um pouco.

                Para as pessoas que corriam apressadas, ainda lentas pelo sono, tentando descobrir o que estava acontecendo. Para o Senhor D, que muito sonolento e muito furioso, batia os pés na direção dos bosques com uma expressão decidida. Para o brilho incandescente do fogo, tão distante lá nos bosques. Para a chuva fria que estava a encharcando completamente. Para as estrelas brilhando fortemente por entre as nuvens carregadas. Para os círculos de fumaça que subiam em direção ao céu escuro da madrugada. Katie não ligava nem um pouco. Porque, finalmente, ela estava com Travis.

                E, no fim das contas, isso era tudo que importava.