''Tenho saudade de coisas que você nem se lembra.''

Tempo.

O dia amanhecia chuvoso, eu ficava deitado à noite toda olhando pela janela os pingos da chuva escorrendo pelo vidro, meus olhos azuis estavam presos ao reflexo dela, dormindo do meu lado, ela sempre fazia isso e eu não entendia por que, mas eu acho que ela no fundo sabia que aquilo me fazia bem, ouvir sua respiração profunda, sentir seu cheiro, seu cabelo macio, e por hora quando fechava os meus olhos podia voltar no tempo, voltar na época em que vivíamos assim, só que agora, quando tentava beijá-la, não sentia mais seu calor.

Eram Nove horas da manha.

__Olá... –Hinata chegava esfregando os olhos, fazendo biquinho, seu cabelo estava caído pelo rosto e seu vestido amarrotado.

__Oi. –Respondia enquanto arrumava a mesa com o café da manha.

__Hoje vamos ter o que? –Ela vinha em minha direção.

__Não sei, talvez...

Quando me virei por momentos não senti meu coração, ela estava me abraçando.

__Ontem eu ouvi você chorando... –Ela encostava o rosto no meu peito. __Não chore mais, se não eu não divido meu lençol com você.

Meu corpo ficou imóvel, ela era sempre tão inocente, tão gentil, fechei os olhos e respirei fundo.

__Tudo bem. –Me afastei levemente seu rosto do meu peito, e olhei fundo nos seus olhos.__Bom dia.

__Bom dia! –Ela sorriu.

Em seguida correu ate a almofada de frente para mesa e se sentou.

__Bolinho? Biscoitos? Pão doce? –Estava eufórica agora.

__Nenhum deles.

__O que então?!

__Bolinho de arroz!

__Ah... –Seu sorriso foi substituído por um biquinho emburrado.

__O que foi? –Eu me sentava colocando dois copos na mesa. __Temos chá também.

__Ta bem. –Ela arrastou as mãos ate o copo e o empurrou ate a jarra. __Hum...

__Mais olha. –Enquanto eu servia para ela comecei a falar.__Hoje eu vou de novo comprar alguma coisa, o que você quer dessa vez?

__Ah! –Ela imediatamente voltou a sorrir.__Sabe, têm aquelas balas, aquela que eu vejo na TV, você sabe que eu vejo muito TV, daí eu sei de tudo, tipo, tem umas que explodem na sua boca, e também...

Por minutos eu fiquei ali a olhando falar, bebendo meu chá, sorrindo de leve, concordando com tudo que saia da sua boca mesmo sendo impossível, era bom tê-la ali comigo, poder ouvir a sua voz, tranqüilizava meu coração, que bom que ela esqueceu o que tinha acontecido na ultima vez, era estranho, ela sempre esquecia, ou preferia não tocar no assunto?

Terminamos.

__Vou sair um pouco, você fica aqui? –Eu perguntava parado na porta, amarrando meu blusão de frio, enquanto ela estava sentada com as pernas encolhidas por baixo do vestido que se espalhava sobre o chão, com os braços em cima do apoio da janela, e o rosto descansando por cima das mãos, e os olhos vidrados lá fora.

__Vai pela sombra. -Ela respondia sem me olhar, com uma risadinha meiga.

__Ta bom. –Sem dizer mais nada, eu sai pensando naquela cena, daria um lindo retrato, seu cabelo preto em contraste com o branco do vestido, e os pingos da chuva fazendo sombra por ela.

Andando de cabeça baixa, protegendo o rosto dos pingos da chuva, as pessoas seguiam seu rumo despreocupadas, nem imaginavam o que eu estava passando, nem se importavam que talvez eu fosse o único a saber coisas que eles nem pensariam em entender. As chuvas de outono não eram fortes, mais eram geladas e de pingos finos que atravessavam sua pele.

__Naruto! –Quando um grito me fez parar no meio da calçada.

Ao me virar minha expressão não foi de alegria, foi de medo.

__Sasuke...

__Quanto tempo! –Ele abriu os braços e veio em minha direção e quando dei por mim estava sendo abraçado.

__Muito mesmo. –Retribui o abraço com um tapinha nas costas.

__Pois é. –Ele estava sorrindo, animado.__Olhe, estamos nos mudando.

Foi quando ele apontou para uma casa nova que estaria para ser alugada a um tempo, e alguns moveis encapados com plástico branco, flores nas janelas, grama bem cortada pelo chão, e uma lareira que eu vi acessa por dentro.

__Que bom. –Eu fiquei me imaginando ali, e depois a imagem da minha velha casa rasgou meus pensamentos.

__Sasuke... –Logo uma voz feminina surgiu no ar.

__Sakura?! –Me assustei, ao vê-la saindo pela porta, arrumando o gorro da cabeça.

__Ola Naruto. –Ela sorriu.

Do nada a vergonha tomou conta do meu rosto.

__Desculpe por...

__Tudo bem. –Ela me interrompia com um abraço bem apertado que de novo me tomou de surpresa.__É um prazer vê-lo aqui.

Eu me mantive calado.

__Pois é Naruto. –Sasuke esfregava as mãos, de frente para boca.__Esta frio não é?Vamos entrando, amor, prepare uma bebida bem quente para nós dois.

__Amor?! –Eu perguntei.

Sasuke passou o braço por cima do meu.

__Sim, ficamos noivos em Nova York, voltamos para nos casarmos aqui. –Sasuke sorria.

Sakura ficava vermelha, méis no fundo dos seus olhos ela estava com medo da minha reação, e eu sentia isso.

__Que bom... –Sussurrei, forçando um sorriso sobre o rosto.

__Vamos! –Sasuke me levou ate a sua casa, entramos e logo eu pude sentir o calor vindo da lareira.

__Podemos tirar as blusas agora, pena que ainda precisa de uns reparos, aqui e ali. –Sasuke tirou o casaco preto e o pendurou no cabide.

__Vou preparar alguma coisa. –Sakura saia da sala para cozinha.

Eu via que ela estava desesperada para sair dali, e eu só fiquei observando tudo em silencio.

__Quanto tempo não é... –Sasuke já estava sentado no sofá, cruzando as pernas.

Como sempre autoritário e metido, não perdia a oportunidade de parecer superior a mim.

__Pois é... –Passei direto para o sofá, não queria tirar minha blusa para não parecer o rasgado da que estava debaixo.

__O que anda fazendo? –Sasuke pegou uma xícara de conhaque. __Aceita?

__Não obrigada.

__Bom... –Ela colocou uma xícara cheia e bebeu dois goles.__Nossa, esquenta tudo por dentro.

__Sasuke, como foi isso? Noivo da Sakura?

__Sim, porque o espanto, afinal, eu sei que foi derrepente mais...

__Você não a ama.

Sasuke mudou completamente sua expressão sorridente para uma séria e fria.

__Não fale alto, idiota.

Em seguida, ele olhou por tudo, e abaixou a cabeça, estava triste agora, pensativo, e o fogo da lareira brilhava o reflexo nos seus olhos pretos.

__Você sabe mais do que ninguém o quanto doeu...

__Não foi minha culpa.

Estávamos nos atacando com palavras, nunca fomos amigos, mais também, como seriamos melhores amigos disputando o amor de uma só mulher?

Eu sabia que Sakura estava escondida em algum lugar ouvindo essa conversa, mesmo que Sasuke não tivesse percebido, pois ela estava, de trás da porta do quarto, lá em cima no segundo piso, provavelmente chorando, tapando o choro com as mãos, mais ela já imaginava, a única coisa que me perturbava era saber o porquê ela noivou com ele sabendo disso.

 __Você não devia ter feito isso, Naruto.

__Ela ainda esta aqui.

__Não me venha com essas mentiras de novo! –Sasuke elevou o tom de voz.

__Desculpe.

__Tudo bem... –Sasuke evitava me olhar nos olhos.

__Eu a amava demais, e quando soube que estava morta decidi sair dessa cidade, como um rato querendo se esconder das lembranças.

__Porque voltou?

__Tenho de provar para mim mesmo que já a esqueci. –Então ele olhou para mim fixamente nos olhos.

Aquilo me paralisou, ele estava me encarando, quando saiu a seguinte pergunta da sua boca.

__E você, já esqueceu?

Eu permanecia em silencio, meu coração palpitava, e todas as lembranças que eu estava vivendo com ela vieram na minha cabeça do nada, afinal estávamos falando de alguém que já havia morrido mais ainda hoje eu iria vê-la, dormir ao lado dela, sentir seu cheiro, isso era irracional, iria contra a lei do coração, porque eu merecia mais do que ele poder vê-la?

__Não sei...

__Eu já imaginava. –Sasuke se levantou, e andou de um lado para o outro, sério. __Vou dar uma festa hoje à noite para comemorar meu noivado. Venha.

Eu me levantei em seguida e o olhei de cima a baixo, nos encarávamos como se fossemos cúmplices de algum crime.

__Tudo bem.

__Ótimo. –Depois ele sorriu de leve.__Desculpe por tudo, você sabe que iria ter ganhado essa briga, não é?

Eu fiquei calado, dei meia volta ate a porta e a abri lentamente.

__Você age como se eu tivesse ganhado.

__E não? Afinal, era com você que ela fugira naquela noite.

O eco da porta batendo afundou pelo silencio da sala, eu sai quase correndo daquela casa, não agüentava mais aquele ambiente cheio de angustia, era ridículo o que ele estava fazendo, só pelo fato dela ter me amado, agora ele tomou todas as chances que eu tinha de seguir em frente.

__Naruto!

Alguém vinha correndo atrás de mim.

__Sakura?

__Desculpa. –Ela parou na minha frente ofegante.

__Tudo bem tenho de ir. –Iria dar meia volta só que ela me segurou nos ombros.

__Venha hoje à noite, e me perdoe por tudo, eu sei que você a amava.

Eu fechei os olhos e permaneci parado de costas ouvindo tudo.

__Afinal o tempo não apagou esse amor.

__Teria apagado se eu tivesse alguém para ocupar o lugar dela.

E me soltei das suas mãos com força e segui em frente, sem olhar para trás, somente ouvindo os gemidos de um choro de lágrimas silenciosas que caiam do rosto dela.

Andava sozinho pela rua, agora a chuva caia de leve, mais todos estavam agasalhados, e o frio permanecia, parecia mais inverno do que outono, ou minha cabeça estava tão bagunçada ao ponto de não diferenciar mais as estações.

__Cheguei. –Tirei o agasalho e o joguei em cima da mesa e me debrucei no sofá.

__Naruto... –Hinata estava parada com as mãos apoiadas na parede, me olhando.__O que foi?

__Nada... –Eu levei as mãos ao rosto para não parecer que havia chorado.

__Cadê as coisas?

__Ah... –Foi quando dei por mim que teria esquecido de comprar tudo. __Desculpa, eu vou voltar...

Eu me levantei cansado, estava pálido, quando Hinata parou na frente, estava séria, me olhando com certa tristeza nos olhos, ela parecia sentir a minha angustia, e saber que era por ela.

__Não se preocupe eu vou trazer as coisas. –Eu a olhava na minha frente, e tentava sorrir para animá-la.

__Feche os olhos Naruto. –Ela levou as mãos ao meu rosto, e eu pude sentir o seu toque, logo o meu corpo todo pareceu flutuar no universo vago sem nada ao meu redor.

__Hinata...

__Preciso saber de uma coisa...

Quando eu fui para abri-los novamente, fui interrompido por um beijo. Ela estava com os pés levantados para alcançar o meu rosto, e me beijar, foi então que eu percebi que estava sentindo seus lábios mais uma vez, seu cabelo enrolado em minhas mãos, seu corpo encostado ao meu, por segundos o tempo parou, foi quando eu dei conta de que eu estava  já morto por dentro há muito anos.

Continua.