- Tem certeza que...? – Ele não chegou a terminar a frase.

- Tenho. Agora fique longe de mim. – Rangi os dentes. Ares tinha me feito passar por tudo aquilo novamente, porque era um idiota que não controlava a raiva e dava cotoveladas em garotas.

- Faça o que quiser, mas se sangrar de novo, nós vamos para o terceiro round. – Disse ele rindo de mim. Ares estava sentado no sofá, enquanto eu estava na atrás do balcão da cozinha.

Peguei um copo de suco para mim, mas não senti vontade de bebê-lo. Olhei novamente para Ares, e ele começou a rir. O sofá ficava de costas para o balcão da cozinha, de modo que ele estava olhando para a TV e não para mim.

Suspirei ao ver que ele estava rindo e se divertindo tranquilamente com as lutas que passavam na tela, mas não estava dando a mínima para o fato do Scott estar em perigo por causa da Éris.

Idiota egoísta...

Ares olhou para trás de repente, como se fosse só conferir se eu estava bem, mas se surpreendeu ao notar que eu o estava encarando. Quando nossos olhares se  chocaram, eu desviei o meu para o copo que eu segurava nas mãos.

- O que? – Perguntou ele sem entender.

- Nada. – Respondi em um tom baixo.

Ele não se convenceu com isso. Ares se pôs de pé e foi até a frente do balcão. Estava do outro lado quando se apoiou com os cotovelos e olhou para mim de perto. Desviei o rosto dessa vez, e isso o incomodou.

- Fala a verdade. O que houve? – Quis saber ele sem paciência. Neguei com a cabeça, mas ele segurou o meu queixo e puxou-o para a sua direção – Estou falando com você, por isso é melhor olhar para mim, Kelly. Perguntei o que houve. Responda!

- O que houve? Uhm... Não sei. Além de você só se importar com você... Acho que nada. – Respondi irritada.

- Ah, você ainda vai me encher a paciência por causa do seu ex namoradinho? – Perguntou ele rindo. Dei um tapa em sua mão, empurrando-a para longe do meu queixo.

- Sinto muito se eu não sou egoísta como você, Ares. – Disse rangendo os dentes – Agora me deixa em paz.

- Agora me deixa em paz. – Imitou ele zombando – Sabe qual é o seu problema? Você põe sempre na sua cabeça que você tem que salvar todo mundo que entra em uma encrenca. Aí é você mesma que acaba ficando encrencada.

 - Pois é! É uma pena eu não ser a Deusa da guerra ou coisa parecida. Pelo menos assim eu teria o poder de ajudar as pessoas sem entrar em uma encrenca! – Exclamei de volta – Se bem que aí eu poderia acabar ficando como você. Um egoísta grosso e idiota que só pensa em si mesmo!

Ares segurou o meu pescoço e puxou para perto de si.

- Fique você sabendo que eu não tenho nada a ver com aquele moleque! Estou pouco me ferrando se Éris vai cortar ele em fatias, e jogar todas elas no Tártaro. Eu tenho os meus interesses, e ele não está na lista. – Respondeu ele em um rosnado. Com força, Ares largou o meu pescoço lançando-me para trás. Minhas costas bateram contra a parede, e eu senti muita dor. Por sorte, o corte não voltou a sangrar.

- Ninguém está na sua lista, esse é o fato! – Exclamei com raiva – Se achar um nome além do seu, é porque você escreveu errado!

- Você estava na minha lista quando Éris apareceu, e sinta-se feliz por isso! – Exclamou ele fazendo-me ficar levemente surpresa, mas ainda morrendo de raiva – Um evento desses não vai acontecer por milhares de anos. Agora cala essa boca e aproveita enquanto eu ainda não estou com vontade de te usar como tiro ao alvo.

- Não quero estar na sua lista nunca. Quero que você me exclua dela e me deixe ir. – Disse rangendo os dentes em um tom controlado – Se você não se importa com o Scott ou com seja lá qual vai ser o plano da Éris, então não se meta no meu caminho.

Ares olhou para mim mais uma vez e riu zombando de mim.

- Olha só para você. Mal se agüenta em pé por causa dessa corte, e ainda acha que vai conseguir salvar alguém? Se toca, Filhinha de Hermes! Se eu te deixar ir, está mais do que na cara o que vai acontecer. Você vai voltar chorando e implorando para eu salvar a sua vidinha de algum monstro. – Debochou ele.

Cerrei os punhos, mas por mais que odiasse admitir... Ele tinha razão. Não pela parte do voltar chorando para ele, e sim pela parte do estar em perigo. O ferimento tinha me deixado vulnerável. Pelo menos para uma luta. Não tinha nada que eu podia fazer, mas pensar no Scott sendo machucado por causa do imbecil do Jake que não tinha nenhuma ligação com ele me fazia sentir mal.

- Então você faz alguma coisa! – Exclamei insegura quando ele virou as costas e foi andando até o sofá. Ares parou e virou-se para me olhar – Você... Você pode fazer alguma coisa. Então faça. Por... Por favor.

Ele ficou sério por alguns minutos, e cruzou os braços de repente. Ares ergueu uma sobrancelha para mim com um ar superior de Deus, e eu senti que estava afundando cada vez mais.

- É, eu posso. Posso mesmo salvar aquele moleque, mas... – Ares se interrompeu e sorriu malicioso – O que eu ganho com isso?

Engoli em seco. Já tinha visto aquela cena antes. Ele tinha dito a mesma coisa quando pedi para ele esquecer o Alabama e vir para Paris, e olha como eu estava. Tinha que fazer tudo o que ele quisesse, e isso era péssimo. Mas por outro lado... Nada disso teria acontecido se eu não ficasse tanto tempo com o Scott.

- Anda, Kelly. – Pressionou ele. Olhei para ele sem saber o que dizer, e Ares riu um pouco. O Deus da guerra veio até mim, e colocou a mão na parede logo ao meu lado. Ele aproximou o rosto do meu, e ainda maldoso sussurrou – Eu perguntei o que eu ganho com isso.

- Impressionante como você só consegue ajudar alguém se ganhar algo em troca. – Comentei no mesmo tom de voz baixo. Ares negou com a cabeça.

- Você não está me convencendo. – Disse ele rindo – Para eu ajudar o seu ex namoradinho, é melhor você fazer uma boa proposta. Senão nada feito.

- Eu... – Parei para pensar, mas não tinha idéia. Olhei para Ares mais uma vez – O que você quer ganhar em troca?

Isso foi a pior pergunta que eu podia ter feito.

- Essa foi a pior pergunta que você podia ter feito, Filhinha de Hermes. – Disse Ares, e eu concordei mentalmente. Ele apertou uma das minhas bochechas ao ver que eu fiquei um pouco tensa em ouvir isso – Ooown, mas não fique assim preocupadinha. Eu prometo que vou tentar não ser tão malvado com você, certo benzinho?

Quando ele finalmente largou minha bochecha, eu passei a mão sobre ela.

- Então... Você vai? – Perguntei curiosa.

- Vou. Eu ajudo. Mas isso vai ter um preço mais tarde. – Respondeu ele maldoso. Provavelmente faria com que eu treinasse um dia inteiro com ele, ou que servisse de alvo para tiros como tinha dito antes. Ou ainda pior. De qualquer modo, eu imaginava que seria algo ou constrangedor, ou doloroso. Ou os dois. Nunca se sabe.

- Para onde vai? – Perguntei indo atrás dele. Ares colocou a jaqueta e foi até a porta. Ele virou-se para falar comigo.

- Vou procurar o moleque, e levar ele de volta para a casa dele. Depois disso, já não é problema meu. – Respondeu sem nenhum pingo de pena.

- Já é o suficiente. – Confirmei aliviada, mas quando fui até a porta, ele segurou a minha cintura e me levantou.

- Opa, você não. – Disse ele me colocando sentada no sofá novamente. Olhei-o incrédula, e Ares explicou – Três curativos em um dia? Trabalho demais para mim. Você vai ficar sentadinha aí como uma boa menina, enquanto eu procuro ele.

- O que?! Mas eu tenho...! – Exclamei.

- Não, não tem. Desculpe, Filhinha de Hermes, mas quando eu disse que iria salvá-lo e tudo mais, não lembro de ter incluído você na equipe de resgate. – Interrompeu ele com um sorriso maldoso. Antes de sair ele se virou uma última vez – Ah! E de acordo com o nosso trato... Você me obedece. E a minha ordem diz claramente que é melhor que esteja aqui quando eu voltar.

Ares bateu a porta com força, e senti muita raiva. Meu único consolo foi saber que ele ajudaria o Scott. Isso era ótimo.

Mas eu simplesmente não conseguia ficar parada lá sem fazer nada. Queria ao menos ver Ares chutando Éris, ou dando um belo soco na cara do Jake (mesmo que eu quisesse fazer essa parte com as minhas próprias mãos), e o mais importante... Ver Scott em segurança.

- Uhm... Ele disse... Esteja aqui quando eu voltar. – Comentei para mim mesma. Bem... Se eu fosse atrás dele, e voltasse antes sentando-me no sofá de novo, não teria problema, não é?

Me senti uma típica filha de Hermes, tentando passar a perna nas pessoas, mas eu não me sentia mal por isso. O que Ares esperava de mim afinal? Ele realmente achava que eu ia ficar parada esperando ele voltar como algum tipo de serva submissa? Ah, tá. Espere ele sentado por isso.

POV Hermes

- Bem... Eu vou procurar a Alice, já que você fez ela ir embora. – Comentou Apolo parando na porta do Hotel.

- Procure. Eu estarei de olho em você se precisar de ajuda. – Respondi lançando uma indireta. Ele fez uma careta e foi para o outro lado da rua. Eu revirei os meus olhos entrando no hotel. Não confiava nem um pouco no Apolo perto dela, mas ao menos eu saberia se ele tentasse alguma coisa.

Em um piscar de olhos eu estava na porta do quarto de Jenny. Sem bater, eu entrei na sala do quarto e sorri para o que vi.

Lá estava a mulher que eu mais amava, vestindo só um roupão de banho. Tinha que admitir que o tempo passava de um modo diferente para ela. Tinha acabado de fazer 43 anos, mas podia mentir 32 facilmente.

Assim que notou a minha presença, ela sorriu com vontade de rir.

- Hermes, o que você está fazendo aqui? – Perguntou cruzando os braços.

- Vim fazer uma visitinha. – Sorri de volta, encolhendo os ombros e indo em direção á ela. Eu a beijei, e logo ela retribuiu o beijo. Passei a mão pelos seus cabelos pretos, e ela passou a mão pelas minhas costas.

- Por onde você andou? – Perguntou em uma curta pausa.

- No cinema, com a família. – Respondi. Ela parou de me beijar e começou a rir.

- Cinema com a família? – Repetiu rindo – Quer dizer... No cinema atrás da Alice e do Apolo, não é?

Foi a minha vez de rir, mas acabei concordando.

- Não posso deixar a minha filha inocente perto daquele galinha. – Comentei, e Jenny negou a cabeça rindo.

- Sabe... Você não é muito diferente dele. – Falou ela ajeitando o meu cabelo – Pelo que eu entendo, a única diferença entre vocês dois nesse ponto, é que ele tem musas e você não.

Era verdade, mas eu não queria admitir isso.

- Não. A única diferença é que eu não estou saindo com a filha dele. – Corrigi, e Jenny revirou os olhos. Segurei sua cintura e a puxei para perto de mim – Mas quanto a essa história de musa... Você pode assumir o cargo, e eu e ele ficamos empatados.

- Engraçado. – Disse ela fazendo uma careta para mim. Ela me empurrou para trás e eu bati de costas contra a parede sutilmente. Jenny estava prestes a me beijar, quando parou no meio do caminho e olhou para a janela com o cenho franzido.

Só por alguns segundos, porque depois revirou os olhos repentinamente cansada, e soltou um suspiro pesado.

- Alice... – Disse ela em um tom nem um pouco feliz. Olhei para a janela também, e a vi descendo pela escada de incêndio. Seus pés tocaram o chão do beco ao lado do hotel, e ela foi em direção á rua com um passo apressado – Tinha que estar aprontando alguma...

- Quem disse que ela está aprontando? Deixa ela... Deve estar só fugindo do Ares. – Comentei tentando fazê-la voltar para mim, mas Jenny negou com a cabeça.

- Hermes, eu conheço ela muito bem. Se meteu em alguma encrenca, e agora está correndo para tentar resolver tudo. Só que isso vai acabar provocando mais problemas, e ela vai precisar de alguém para salvá-la de última hora. Geralmente é o Apolo, mas você disse que ele tinha saído do cinema. Então o Ares... Mas eu duvido que ele se toque tão cedo que ela fugiu. – Falou ela, e levantei minhas duas sobrancelhas, surpreso.

- Nossa... Você sabe de tudo, hein? – Comentei, e ela encolheu os ombros.

- Anos de prática. – Respondeu olhando novamente pela janela – Acho melhor nós dois irmos atrás dessa garota, antes que se meta em um problema maior ainda.

- Jenny... É sério. Ela vai ficar bem... – Ela me interrompeu.

- Iiih... Ela está entrando no carro do Apolo. – Comentou.

- Vamos embora agora! – Exclamei determinado a ir atrás dela. Jenny riu para mim, e foi até o corredor.

- Só vou trocar de roupa. Coisa bem rápida e depois nós vamos atrás dela. – Disse indo para o quarto.

Depois de trocar de roupa, ela correu até a sala. Nós descemos de escada para irmos mais rápido, e entramos no primeiro carro que estava parado na calçada.

- Isso é roubado, não é? – Perguntou ela erguendo uma sobrancelha para mim.

- Ahm... É. Para não perder o hábito, sabe? – Respondi com um sorriso malandro. Ela riu e revirou os olhos.

- Hermes, você não presta. – Comentou rindo – Mas é a única pessoa que faz eu me sentir uma adolescente de novo.

- Não fale assim de mim. – Disse fingindo estar ofendido – Você já andou muito comigo em carros roubados, senhorita Kelly.

- Jennifer Kelly. Nome de solteira. – Disse ela franzindo o cenho para mim.

- Prefiro esse ao seu nome de casada. Hanks. – Fiz uma careta ao lembrar do idiota que se passou por pai da minha filha a vida dela inteira. Jeeny revirou os olhos.

- Segue o carro, e fica quieto. – Falou apontando para o carro do Apolo, que acelerava cada vez mais, praticamente sumindo da nossa vista.

Fiz surgir alguns óculos escuros estilosos, e sorri torto. Uma corridinha rápida? Isso era o que eu realmente gostava.

- Lembre-se... Quando se encontrar com a Alice... Nós estamos zangados com ela. – Lembrou Jenny, mas ela mesma parecia morrendo de vontade de rir.

- Pode deixar. – Assenti – Vou tentar lembrar disso. Agora coloque o sinto de segurança, sim?

- Eu já coloquei. Do jeito que você corre como um louco, acho que a mortal aqui não agüentaria viva. – Comentou rindo.

- Acho que você já tem uns anos da prática. – Passei a mão pela perna dela, sem conseguir resistir, mas Jenny riu e me deu um tapa na nuca.

- Foco, seu tonto! Vai logo atrás da sua filha! – Exclamou ela.

- Tá bom... – Murmurei revirando os olhos e dando partida no carro.

Aquilo provavelmente ia ser divertido.