Senhora Sulista escrita por Nynna Days


Capítulo 6
Daniel Gonzales


Notas iniciais do capítulo

Mais Um Capítulo



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Capítulo 6 – Daniel Gonzales

A noite estava fria quando eu saí com Noah em direção a casa de Dinnie Ray. Ela havia me contado da morte de Abigail e Mikael e eu quase não tinha acreditado.

A pequena e quase indefesa Abigail morta. Ela tinha sido tão boa e corajosa quando me salvou de ser morto por Mikael. Até mesmo ele, Mikael, parecia ser uma boa pessoa. Eu só não tive tempo para conhecê-lo melhor. Mas não tinha sido isso que mais tinha me surpreendido essa noite.

Quando tive a ideia de vir até o quartel general dos vampiros, era para confrontar Dinnie Ray e fazê-la dizer tudo o que escondia, mas encontrá-la com marcas de lágrimas pelas bochechas me fez parar na hora. E quando eu fui tocá-la?! O que tinha sido aquilo, pelo amor de Deus?

Eu e Noah andávamos em silêncio pela rua escura. Apenas a iluminação de alguns comércios ajudavam a minha visão ultrapassada. Eu ainda não confiava nesse cara, além dele me assustar bastante. Mas tinha algo nele, que me fazia ficar tranquilo sobre a ideia dele tentar me matar agora, sem intervenção de ninguém.

Agora mais perto eu podia encará-lo e estudá-lo melhor. Ele tinha mais ou menos a minha altura , os cabelos bem mais claros que os meus, os olhos azuis pálidos , contrário dos olhos azuis brilhantes de Luanne. E, também, ao contrário dela, ele não usava nada que me lembrava estrelas de rock, mas sim , um terno que se ajustava ao seu corpo um pouco magro demais. Puder ver também a sua tatuagem de raposa no pescoço.

Ele deveria ter sido transformado aos trinta e cinco anos ou mais, e, se fosse pai, coitado do filho dele. O silêncio estava tão entediante que eu resolvi puxar assunto. Até mesmo arrancar umas histórias de Dinnie Ray com ele.

“Então, a quanto tempo está com Dinnie Ray?”, perguntei. Ele me encarou como se tivesse se esquecido da minha presença e voltou a olhar para frente. Demorou um pouco , mas ele me respondeu. Sua voz era tão baixa e macabra que me arrepiei só de escutá-la.

“Desde que ela se tornou Senhora Sulista, a vinte anos.”, ele respondeu e se calou rápido como se tivesse medo de falar demais, o que era exatamente que eu queria. Essa mulher tinha algum segredo que me fazia ir atrás dela e eu tinha que descobrir qual era. Por isso continuei perguntando.

“ Então, como ela se tornou Senhora Sulista?”, essa era uma das perguntas que mais me atiçava a curiosidade. Geralmente, o título de Senhor e Senhora local era, ou passado de pai para filho ( e antes que me perguntem , vampiros podem ter sim filhos, mas só com os da mesma espécie), ou assumido quando o companheiro morria, ou era conquistado com alguma prova de coragem ou votação.

Tinha certeza que Dinnie Ray não era casada e também que não tinha pais vampiros. Ela parecia ter sido criada e não nascida vampira. Até o seu nome me dizia isso.

Dinnie Ray parecia nome do Texas e não de Seattle. Então ela só poderia ter conquistado o título e eu queria saber como. Era certo que ela tinha um jeito ardo de mandar, parecia ter nascido com ela. Noah hesitou novamente em responder, mas soltou um suspiro e disse:

“A Senhora já sofreu demais , sabe?”, ele me olhou de canto de olho e rolou os olhos como se a minha opinião não importasse mesmo. “Eu não deveria estar te contando isso, mas , a muito tempo atrás, antes dela ser a Senhora Sulista, ela se envolveu com um humano.”

Fiquei surpreso por um momento. Não imaginava Dinnie Ray com ninguém a não ser atrás daqueles inúmeros papeis. Muito menos com um humano.

“Ela o transformou em vampiro?”, perguntei quando percebi que ele havia ficado calado e talvez não terminasse de responder. “Ela é casada com ele?”, não sei porque, mas a mísera ideia de vê-la nos braços de outra pessoa, me deixava louco.

“Oh, não. Ele era um caçador. Eles se conheceram por acaso e quase se mataram, mas ela se apaixonou e eles se envolveram. Isso não era proibido, mas também não era certo.”, ele balançou a cabeça , distante em uma lembrança de seu passado e suspirou. “Tudo estava indo bem nos primeiros meses, eles se encontravam escondidos sem ninguém saber onde e ficavam juntos, até que alguém descobriu e contou ao Senhor local, Félix Tanner.”, Noah, literalmente, cuspiu o nome do antigo senhor Sulista.

“E eles, o que fizeram?”, perguntei cada vez mais interessado. Era estranho que eu nunca tivesse ouvido falar dessa história antes. Na verdade, eu não sabia nada do começo da minha vida. Meu primeiro ano de vida foi totalmente ocultado de mim.

“Ficaram na berlinda. Félix deu a Dinnie duas opções: ou o transformava em vampiro ou ela o matava. E antes que me pergunte, não, ela não o transformou nem o matou. Eles se separaram.”, percebi que a voz de Noah ficou mais distante e ele engoliu a seco para continuar. “Ficaram 3 anos separados sem se ver, até que um dia ela o encontrou em uma caçada. Ele já estava casado e sua mulher estava grávida. Dinnie ficou arrasada , mas se propôs a cuidar da segurança da família contra os vampiros.”

Noah estavam tão entretido em sua história que não se ligou que tinha chamado Dinnie pelo primeiro nome e não de Senhora. Era bom ver que os vampiros se gostavam, pelo menos os daquela parte da cidade.

“Tudo estava indo bem. Dinnie ajudava a mulher do caçador na gravidez e em troca vivia com eles. Era óbvio que a mulher não sabia do envolvimento deles, mas como eu dizia, tudo estava indo bem, até que uma guerra entre os vampiros se estourou.”

“Uma guerra?”, eu disse. Já tinha ouvido falar em guerra entre vampiros e caçadores, mas nunca de vampiros e vampiros.

“Era uma guerra de vampiros rebeldes e vampiros leais ao senhor local.”, ele esclareceu. Nós entramos em uma rua onde se encontrava vários prédios e eu suspeitei que a casa de Dinnie fosse em algum desses prédios.

“Qual é a diferença?”, perguntei idiotamente. Não que eu soubesse, mas deveria saber como um caçador ardo. Noah nos fez parar e me encarou, como se me estudasse, depois inclinou a sua cabeça um pouco para o lado deixando amostra a sua tatuagem de uma raposa negra com a calda vermelha. Então, eu entendi. “A tatuagem.”

“Oh, sim. A tatuagem”, nos voltamos a andar, enquanto Noah continuava sua história, ou melhor, a de Dinnie Ray. “Os vampiros rebeldes tinham uma tatuagem de águia no pescoço.”, ele riu como se o animal fosse o mais estúpido de todos. “Quando a guerra estourou, a primeira reação de Dinnie foi de levar o caçador e sua mulher para longe e protegê-los, mas assim que soube que o senhor da área sul havia sido morto e que estávamos perdendo, ela teve que reagir.”

Entramos em um dos prédios e fomos para o elevador. Mas, no momento, eu não me sentia andando, me sentia preso entre a guerra e o amor. Preso na antiga vida de Dinnie Ray. Sorte que o elevador estava vazio, mas eu sabia que assim que pisássemos na casa de Dinnie, Noah encerraria a sua história.

“Então, ela teve a única atitude que nenhum vampiro sã teria.”, ele fez um segundo de suspense , até que sorriu. “Foi pedir ajuda para os caçadores que ficavam no centro da cidade. Na época, quem comandava era o pai do caçador que ela estava envolvida, então foi bem difícil convencê-lo de nos ajudar. Estava quase tudo perdido quando ela fez o pacto com o caçador local. Se eles nos ajudassem, nos não caçaríamos mais humanos, tanto que esqueceram que nós existíamos na área sul. Sobrevivemos com coletas de sangue, sangue animal , comida humana e coisas do tipo.”

“Demorou um pouco, mas eles nos ajudaram finalmente. E foi aí que a vida de Dinnie mudou completamente. No meio da guerra, quando estávamos vencendo, um caçador foi morto brutalmente pelo vampiro que comandava os rebeldes. E não qualquer caçador, mas o caçador que ela estava envolvida.”, seu sorriso se transformou em uma careta, então ficou triste. “Ela ficou arrasada, mas continuou comandando os inúmeros vampiros. Ela fez questão de torturar o vampiro que matou seu amor, até que cansasse, o que demorou quase duas semanas.”

“Quando a guerra acabou e nós ganhamos, houve uma votação e ela foi escolhida como a nova Senhora Sulista.”, a porta do elevador se abriu e nós saímos. Estávamos no quinto andar e paramos em frente a porta 507, mas eu ainda não estava satisfeito com o final da história, mesmo sabendo que ela tinha terminado aqui. “Chegamos”, ele indicou.

Comecei a abrir a porta quando parei e o encarei. Noah bufou, cansado e rolou os olhos. “O que foi?”, ele disse.

“Você não me contou o que aconteceu com a mulher do caçador e a criança.”, eu disse terminando de abrir a porta. Noah ficou me encarando por vários segundo decidindo se me contava ou não, e me estudava, talvez vendo a minha reação.

“Dinnie estava no parto da criança e ajudou a mulher a cria-la até o primeiro ano de vida, quando a mulher foi assassinada por um vampiro da área Norte.”, Noah suspirou e começou a se virar para ir embora , mas se deteve para acabar com aquilo de vez. “Dinnie levou a criança para ser criada pelo avô e se distanciou de verdade dos humanos. Quando assumiu de verdade a realeza, deixou claro apenas duas regras: Nada de se alimentar de humanos, por causa do pacto e nada de se envolver com humanos, fisicamente ou emocionalmente. Pode achar que ela é fria, mas pelo contrário. Ela apenas queria que ninguém sofresse o que ela sofreu. Quando Abigail matou aquele humano que estava envolvida, quebrando as regras de Dinnie, eu realmente vi o sentindo daquilo tudo e o porque dela não sorrir mais. Então, aproveite. Ela gosta muito de você, porque os últimos humanos que ela deu esse colar de protegido”, ele apontou para o colar, “foi o humano que ela amou e sua mulher”, ele se virou e foi embora, me deixando ali, cada vez mais intrigado.

Quando entrei no apartamento de Dinnie, fiquei surpreso. Era totalmente ao contrário do que eu esperava. Era tão aberto, tinha plantas para todo lado e quando fui a cozinha pude ver a despensa cheia de comida. Não havia nenhum sinal que ali morava uma vampira, muito menos uma vampira tão importante quanto Dinnie Ray.

Seguindo pelo corredor pude ver várias pinturas antigas penduradas, então parei em frente a primeira porta fechada depois do banheiro. Tentei abri-la, mas estava trancada. Deveria ser o quarto de Dinnie. Continuei seguindo até que parei no final do longo corredor e vi outro quarto aberto.

O papel de parede era cor de pele com alguns desenhos de flores, tinha um armário no canto e a cama de casal com uma televisão bem em frente. Meu plano inicial era esperar Dinnie chegar e confrontá-la, mas depois do dia exaustivo que tive e ver aquela cama a minha frente, não consegui conter o sono e me deitei, sentindo a névoa me envolvendo quase que instantaneamente, me levando ao inconsciente.

******

Acordei no dia seguinte com o barulho de um grito feminino e o cheiro de algo queimando. Olhei ao redor enquanto esfregava meus olhos e clareava a minha visão.

Escutei outro grito vindo da cozinha enquanto eu levantava e tentava vestir as minhas calças, mas o cheiro de queimado era tão insuportável que fui ver do que se tratava de samba canção mesmo.

Corri pelo longo corredor preocupado. De onde estava vindo aquele grito e o cheiro de queimado? Será que alguma casa estava pegando fogo? Será que essa casa estava pegando fogo?

“O que diabos -”, comecei a perguntar da porta da cozinha, mas parei quase que na mesma hora. “Wow”, murmurei para mim mesmo e para a visão a minha frente.

Dinnie Ray estava em frente ao fogão fritando ovos e bacon. Daí que estava saindo o cheiro de queimado. E os gritos? Era ela quando os respingos do óleo caiam nela. Mas não foi isso que me fez parar, mas sim, a própria Dinnie Ray.

Ela estava com um vestido preto de corte reto que ia até a metade de sua coxa, com alças finas que cruzavam nas costas. Sapatos de salto para acompanhar e seu cabelo estava em caindo em perfeitos cachos pelas costas, parte preso em um coque frouxo. E quando ela se virou para me encarar, vi que ela tinha posto parte do cabelo como franja, cobrindo parte de sua visão, mas sem esconder os olhos violetas. E é claro que ela estava com a gargantilha e a tatuagem bem amostra também.

“Bom dia”, ela disse e corou olhando para mim. Eu tinha esquecido completamente que estava apenas com samba canção. Escondi parcialmente meu corpo atrás da porta, inclinando minha cabeça para continuar a admirar seu corpo perfeito, enquanto ela apagava o fogo e tirava seu avental.

“Desculpe-me pelo café da manhã”, ela disse colocando tudo em cima da mesa junto com um suco de laranja, pratos e copos, ainda corada. “E me desculpe também por ter que sair tão cedo. Mas você é livre para ir e vir quando quiser, apenas não me veia sozinho tarde da noite. É perigoso.”

Eu iria começar a discutir sobre o porque dela me proteger, então me lembrei das palavras de Noah: Ela gosta muito de você. Os últimos humanos que ela deu o colar da proteção foram o caçador e a sua mulher. Ela estava tentando se ligar novamente aos humanos e saber que eles não tomavam sangue tirado direto da fonte era um tipo de alívio.

Ainda corada, ela começou a lavar a louça de costas para mim. Eu me deixei sentar e (tentar) apreciar o café da manhã. Eu tinha uma forte suspeita que ela não tinha o hábito de comer em casa. E tinha algo no jeito que ela ficava corada, que, não sei, a deixava mais humana? Mais bonita, com certeza, mas humana?

“Onde você vai?”, eu disse comendo um pedaço (queimado) de bacon. A única coisa que tinha sido salva tinha sido a torrada e nem tanto assim. Ela respondeu ainda de costas para mim.

“Reunião dos Senhores de Seattle.”, ela disse e suspirou. Era óbvio que ela não deveria gostar dessas reuniões. “Devo chegar no entardecer, mas se você quiser ir para casa, vá agora e ligue para Jane, uma das minhas guardas para escolta-lo. O número está na geladeira, junto com o do meu celular.” , ela secou as mãos e se virou para mim, me dando mais uns segundos com aquela visão maravilhosa.

Me dando conta do que estava fazendo , desviei o olhar de volta para a comida e assenti. Mesmo com o meu olhar abaixado, pudia ver as suas torneadas e lindas pernas, por isso estranhei quando ela ficou ali, parada, me encarando sem dizer nada, depois saiu da cozinha bufando.

A Reunião dos Senhores de Seattle acontecia geralmente apenas por três motivos: morte de algum dos Senhores, substituição de algum dos Senhores ou crise em alguma das áreas onde afetava todas as áreas. E eu tinha certeza que era o último.

A morte de quinze vampiros de uma vez era raro. Mais raro ainda era a possibilidade de um vampiro ter feito isso. Um da própria raça matando o outro. Era horrível. Mas, o que mais se esperar de um vampiro?

A resposta veio quase que imediatamente: muita coisa. E de Dinnie Ray, eu esperava tanto respostas quanto ... bem... vamos deixar isso para depois. Voltei a comer , ignorando as sensações que Dinnie me fez sentir.

Ela voltou tão do nada que quando ouvi sua voz, me engasguei com o suco de laranja. “Eu realmente que você ligasse para Jane- Oh, desculpe. Te assustei?”

Com o susto, parte do suco que eu já havia tomado, tinha descido pelo meu nariz e eu tentava limpa-lo rápido, me sentindo um idiota, até que algo me parou.

O riso de Dinnie Ray.

Ele ecoou de repente e encheu a sala. Levantei o olhar e pude ver como o seu rosto mudava totalmente quando ela ria. Então, talvez se dando contado que estava fazendo, ela ficou séria. Mas assim que voltou a me olhar com suco no nariz, voltou a rir.

Eu estava tão em choque vendo aquela cena que mal senti o meu sorriso escapando pelos meus lábios. O riso de Dinnie era tão lindo que parecia a música mais perfeita e harmônica que eu já havia ouvido. Notei como seus olhos brilhavam e seu peito descia e subia, enquanto ela tentava recuperar o fôlego.

“Você está parecendo um bebê”, ela disse ainda pegando fôlego.

Então, mais do nada ainda, sua expressão foi de risonha para triste, até mesmo deprimente. Ela fixou os olhos em mim e se sentou na minha frente estendendo suas mãos para poder limpar a sujeira, mas eu virei o rosto, exatamente como ela havia feito comigo ontem. Mas eu pude ver o brilho de tristeza em seus olhos enquanto ela se levantava e murmurava um rápido tchau.

Tudo o que eu ouvi depois foi a porta se abrindo e fechando, e, é claro, minha consciência me dizendo que eu era um idiota.


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