Abri os olhos e senti o brilho do sol sobre meu rosto. Eu tinha dormido no telhado? Nada estranho. Entrei pela janela e senti minhas costas doerem.

A bagunça no meu quarto era visível. Roupas jogadas pelo chão. Os móveis fora do lugar. Ele nunca estivera tão bagunçado desse jeito antes.

Olhei-me no espelho e percebi as marcas rochas em meu rosto e tive vontade de chorar de novo. Tinha me esquecido do quanto aliviava. Tinha me esquecido...

Desci as escadas lentamente enquanto um filme se passava em minha cabeça. Era esse, então, o preço da tal liberdade? Nada mal, acordar sabendo que os seus pesadelos acabaram. Saber que ninguém mais vai poder apontar o dedo e dizer alguma coisa. Eu estava certa. E não há uma sensação melhor do que essa.

Deslizei meus dedos sobre o corrimão. O silêncio na casa era evidente. E essa era a pior parte. Chegar ao fim das escadas e perceber a solidão. Sem meu pai, sem meu irmão... Talvez seja melhor nem pensar nisso.

- Aonde você dormiu? – virei-me e assustei-me com Yara que me olhava presunçosa. Soltei um sorriso de canto e não respondi. Sabia o quanto ela odiava isso. – É sério.

- Olha, Yara... Você não manda em nada aqui, tá? O que eu faço ou deixo de fazer é um problema meu! – respondi esbravejando e continuei a descer as escadas, ouvindo seus passos atrás de mim.

- Podia ter me contado.

- E por que você acreditaria? – perguntei. – Obviamente, eu sou uma assassina! – soltei um sorriso nervoso e voltei a descer as escadas. E como eu esperava, minhas panquecas favoritas não estavam sobre a mesa. E ele não estava sorrindo. Senti as lágrimas no meu rosto.

- Ninguém me disse nada! – ouvi sua voz chorosa e tive vontade de rir. Tonta – Eu nunca soube de nada, Angie.

- Ah, por favor, Yara, você nunca foi com a minha cara. Sempre procurou motivos pra me acusar de alguma coisa. Droga, você chegou aqui em casa sendo a dona da verdade. É a verdade que você quer? A verdade você terá. Eu não matei o seu gato, nem o seu cachorro. O seu gato morreu de alguma doença e o cachorro, seu pai mandou pro canil. Se é por causa disso que você tem raiva de mim, então... Esclareço tudo pra você! – falei já estressada e joguei-me no sofá.

- Eu já... Já sei...

- Então porque continua aqui? – perguntei estressada. – Não era o que você queria? Não queria respostas? O que o seu pai queria? Livrar você de todo o sofrimento que eu causei a sua família?

- Olha, eu sei que estava errada. Por isso, eu peço desculpas. Eu não sabia de nada. Não sabia do seu pai, não sabia do seu irmão, muito menos da sua mãe. Eu estava... Estava cega, preocupada demais com os meus problemas, e... Perdoe-me, é o que eu peço. Meu pai me disse que era pra eu ficar com você. Me disse... Me disse que iria precisar!

- E como se sente? Enganada? – perguntei fria e ela ficou em silêncio.

- Estou atrapalhando alguma coisa? – ouvi a porta sendo aberta. Eu conhecia aquele sotaque.

Desviei meus olhos de Yara e levantei-me do sofá rapidamente. Deu tempo ainda de ver Valéria correndo em minha direção, mas não deu tempo de desviar e ela acabou pulando em cima de mim.

- AAAAIIIII, ANGIE, QUANTO TEMPO, EU TAVA COM TANTA SAUDADE. VOCÊ NÃO SABE O QUANTO EU FIQUEI FELIZ QUANDO A MINHA TIA ME CONTOU QUE... AHHH ISSO É TÃO LEGAL. DEUS DO CÉU, ESTOU TÃO FELIZ, VOCÊ TÁ LIVRE, OLHA SÓ PRA VOCÊ... NOVA DE NOVO, SENTI TANTA SAUDADE! – não consegui entender praticamente nada do que ela disse. Apesar de ter me esforçado o suficiente.

- Valéria, você tá em cima de mim! – reclamei tentando não rir e ela me levantou.

- Ai, desculpa, mas é que eu senti tanto a sua falta.

- Aconteceu alguma coisa?  - perguntei assustada. Normalmente ela não fica quieta tão rápido.

- Sim, eu não cheguei a tempo. Eu queria ter apertado a sua mão. Queria ter estado lá com você, queria... Queria ter chorado com você! – disse segurando a minha mão – Mas o Felipe me jurou que iria fazer isso. – ela disse abrindo um sorriso triste.

- E o que aconteceu? Por que não pode vir?

- Ah, nada de mais, amiga. As coisas da vida. – ela disse sorrindo e voltou a me abraçar – Mas você está bem, agora, é o que importa. Está viva, e muito bem. Só tem que parar de usar essa maquiagem forte, você fica muito mais bonita sem ela. E esses cabelos  vermelhos estão muito... Ah, esquece, o cabelo tá lindo – disse e eu percebi seus olhos marejados.

- Valéria, cala a boca. Fala logo o que foi que aconteceu.

- A Ellie foi presa! – ela disse tão rápido que eu quase não entendi. Ellie era irmã mais velha de Valéria. Ela me falava muito dela. Mas ela nunca tinha saído do Brasil e não tinha vindo com ela da última vez porque tinha ficado grávida do namorado que era traficante. Uma história complicada.

- O que? Por quê? – perguntei assustada enquanto ela caia em meus braços.

- Eu não sei. Alguém contou alguma coisa pra a polícia. Tem alguma coisa a ver com o Saulo. Não sei o que ele fez, mas ela tá presa e... Ah, céus eu nem sei o que dizer, a Ana ficou com meu pai e eu e minha mãe vimos atrasadas. Me desculpa!

- Como assim me desculpa? Valéria, você é louca? Ela é sua irmã!

- Sim, eu sei, mas ela está atrás das grades. O meu tio é advogado e vai fazer o possível pra tirar ela de lá. Eu não posso fazer nada por ela lá. E além do mais, eu estou com a minha outra irmã! – ela disse e me abraçou mais uma vez – Vamos dar força uma pra outra, como as irmãs que nós sempre fomos!