You Are My Everything escrita por belacqua


Capítulo 2
E nós somos tão frágeis


Notas iniciais do capítulo

Depois de tantos reviews lindos, eu não tinha como demorar demais, né? Esse capítulo é um pouco mais revelador, e não sei se vai surprir as expectativas de quem leu o primeiro, mas vamos ver... Um diálogo dele foi inspirado em um diálogo do filme Lost and Delirious (Assunto de Meninas), quem viu vai reconhecer. ^^' E, bem, acho que é isso. A fic não é muito longa. Boa leitura!



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KYUHYUN POV

Fiquei longos minutos debaixo do chuveiro, deixando a água cair sobre a minha cabeça sem sequer me mover. O vapor já enchia o banheiro inteiro. Enquanto observava os filetes de água escorrerem do meu cabelo pro chão, pensava no que eu fizera. Não pude evitar de sentir repúdio quando o vi ali, sorrindo, como se nada tivesse acontecido. Mas quando seu sorriso esmoreceu, quando nossos olhos se encontraram, me senti fraquejar. Poderia ter caído ali sem forças. Eu tinha culpa nisso tudo também. Eu sentia tanto quanto ele e não queria admitir. Ao pensar isso, levantei o rosto a fim de receber a ducha na cara. “Quem eu quero enganar?” Desliguei o chuveiro e me enrolei na toalha. Sai do box e parei em frente a pia, me olhando no espelho embaçado. Passei a mão para desembaçar e poder enxergar. Meu rosto estava encovado. O cabelo molhado emoldurando não ajudava na aparência. Me encarei por algum tempo. Será que valia a pena arriscar tanta coisa por algo que poderia nunca dar certo?

         - Você é orgulhoso demais. – disse pro reflexo.

Estávamos ao redor da mesa da cozinha. Haviam pedido comida pelo telefone – a culinária não era o forte da maioria. Além de mim estavam JungSu, Heenim, SiWon e SungMin. HyukJae e DongHae não estavam a vista. RyeoWook e JongWoon haviam ido encontrar ShinDong, que já não morava conosco desde que anunciara o noivado. A atmosfera era tranqüila. Minnie parecia tranqüilo, sorrindo e tudo mais. Eu percebia que ele hesitava em olhar para onde eu estava e que às vezes seu sorriso fraquejava, e isso me deixava angustiado. Havia decidido que iria falar com ele assim que saí do banho, mas resolvi esperar pelo jantar. É, talvez eu seja um covarde.

         - Não é, Kyu? – JungSu me perguntava sorrindo. Eu não prestara atenção na conversa.

         - Perdão?

         - Em que mundo você está, dongsaeng? – todos riram da minha distração, inclusive Minnie. Vê-lo sorrir me arrancou um pouco da culpa que assolava meu peito. Talvez ele tivesse deixado aquela história pra trás.

         - Melhor não comentar – sorri e abaixei os olhos pro meu prato antes de dar um olhar de relance preocupado para Minnie. Ele olhava para o próprio prato.

         - Vocês estão muito esquisitos hoje. Um ta soltando farpas, o outro ta sonhando acordado. O que foi, hein? Também quero participar – HeeChul tinha um sorriso zombeteiro no rosto – Foi só eu passar uma tarde fora que perdi toda a graça, tsc.

         - Falando nisso... Aonde você foi?

         - Comer mais e falar menos, Simba – eles riram e mudaram de assunto em seguida. Por mais que eu tentasse me distrair, tudo o que eu queria era que aquilo acabasse logo para eu poder conversar com Minnie. A raiva que eu sentira mais cedo havia sido substituída pelo medo. Medo de tê-lo magoado, medo do que eu poderia sentir, medo do que aconteceria a seguir. Isso era bom, em partes. Faço coisas no impulso quando estou com raiva e acabo magoando quem não queria magoar.

Após todos terminarem, JungSu responsabilizou-se pela louça e SiWon começou a irritar HeeChul a respeito da sua saída misteriosa – ele fazia isso como ninguém. Esperei um minuto depois que Minnie saiu da cozinha e fui atrás dele. Não queria que percebessem o que estava acontecendo. Encontrei-o no corredor, quase entrando no quarto. Corri a distância entre nós e segurei seu braço. Ele olhou-me com os olhos grandes e brilhantes e eu momentaneamente perdi a linha de raciocínio.

         - Eu... Han... Podemos conversar?

         Percebi como minha voz soou infantil e me condenei por isso. Por que ficar tão nervoso?

         - É, acho que sim. Vamos no meu quarto, Wookie não vai chegar tão cedo.

Segui-o porta adentro. Ele acendeu a luz e caminhou vagarosamente até a janela, virando para mim em seguida. Sua expressão era um misto que não consegui decifrar. Parecia que ele estava ansioso pelo que ouviria e já se preparava para algo ruim...

         - Min, eu... – comecei desconcertado. Não sabia o que dizer – Me desculpa, certo? Eu fui muito grosso com você hoje.

         Ele se resumiu a morder o lábio e olhar para baixo. Senti que corava no esforço de me fazer entender. Merda.

         - Não é culpa sua se... – ele ergueu os olhos de repente – Não dá para controlar essas coisas. Não posso ficar bravo com você por isso.

         - Bravo comigo? Bravo por quê? – me exasperei com essas palavras. “Como assim bravo por quê, caramba?”

         - Por... Por ter me beijado. Por, hm, nutrir sentimentos por mim.

         - Você fala como se eu tivesse feito tudo sozinho.

         Fiquei de boca aberta tentando achar uma resposta para aquilo. Ergui as mãos em defesa.

         - Eu não fiz nada!

         - Você correspondeu ao beijo!

         - Eu? – o rosto de Minnie estava contorcido de tristeza. Senti meu estômago embolar – Lógico que não! Você que me atacou!

         - Ataq... Cala a boca, KyuHyun! Escuta o que você ta falando. Você correspondeu SIM. Você queria tanto quanto eu mas é fraco demais pra assumir. Tem medo de quê? Qual o problema de admitir que sente alguma coisa por mim?

         - O PROBLEMA É QUE EU NÃO SOU BICHA! Eu não sou como você! – àquela altura eu já estava gritando.

         - Bicha? Você acha que eu sou gay? – Minnie soltou uma risada nervosa, como se eu tivesse enlouquecido. Eu estava quase enlouquecendo mesmo. Meus olhos ardiam com lágrimas que eu insistia em não deixar aparecerem – Pelo amor de Deus, KyuHyun, eu não sou gay!

         - Como não? Você me beijou. Você admitiu que gosta de mim.

         - Não! Não, pára, eu sou só o SungMin! O SungMin que gosta do KyuHyun, só isso! Eu não sou gay, ou seja lá o que for. Eu te amo, independente do que você é ou deixa de ser.

As lágrimas rolaram pelo rosto dele e precisei morder o punho para não chorar também. Já não sabia mais para onde correr. Ele estava visivelmente decepcionado e só o que eu conseguia pensar era “como eu pude fazer isso com você?”. Afastei-me quando ele avançou dois passos em minha direção, sem reparar no que estava fazendo. Ele pareceu hesitar diante da minha reação.

         - Eu sei que isso pode parecer difícil, Kyu. Mas você não pode negar que correspondeu ao beijo. Você não pode negar que enquanto esteve abraçado a mim você-gostou-sim! – Minnie parecia uma criança que contestava a ordem do pai, as lágrimas ainda correndo dos olhos brilhantes. Ele fechou os olhos por um momento e levou a mão a boca. Parecia estar tentando se acalmar enquanto eu me sentia despedaçado por dentro – Eu posso ter sido precipitado. Posso ter feito isso e arruinado tudo, inclusive nossa amizade – eu engoli em seco – Mas aconteceu! Foi isso! Eu não queria ter feito aquilo, mas se fiz, dane-se! Não vou mais negar e esconder o que eu sinto. Cansei de usar uma máscara, Kyu. Esse sou eu. Se você me disser que nunca poderá arcar com isso, que não sente absolutamente NADA por mim, eu paro de insistir. Mas eu preciso que você me diga, olhando nos meus olhos, que me quer fora da sua vida.

O tom de voz fora decidido. A boca estava apertada, os punhos cerrados, enquanto as lágrimas corriam devagar e silenciosamente pelo rosto dele. Nunca me senti tão perdido quanto naquele momento. Ao mesmo tempo que queria abraçá-lo e enxugar suas lágrimas, pedir perdão e prometer nunca mais magoá-lo, eu não podia. Eu não podia admitir que queria um homem ao meu lado, por mais que fosse Minnie. Aquilo era surreal demais para mim. Meu orgulho duelava com o meu coração e a única coisa que consegui foi deixar escorrer uma lágrima solitária pela minha bochecha. Cheguei a abrir a boca mas não proferi uma palavra. Ele desviou o olhar do meu e passou a mão no rosto para limpar as lágrimas.

         - Eu sabia – e saiu do quarto, me deixando mais desolado do que nunca.

SUNGMIN POV

A falta de reação dele só me mostrava o quão dependente do magnae eu estava; fiquei esperando mais do que apenas um olhar de pena. Fiquei esperando que ele corresse até mim, de braços abertos e me enlaçasse junto a seu corpo. Como sempre, sonhando com o que não posso ter. Parece minha sina querer que ele goste de mim assim como eu gosto dele. Falei tudo o que queria mas não ouvi o que mais precisava ouvir. Eu só precisava de um “eu também te amo”. Senti uma dor lancinante quando aquela única lágrima caiu. Não havia um jeito de interpretar aquilo – parecia mais que ele estava... com dó. As palavras duras, gritadas, ecoavam na minha cabeça quando saí do quarto e me tranquei no banheiro. Nem reparei o silêncio incomum na casa. Apoiei-me na pia e urrei em silêncio toda a dor que sentia. Não adiantava ser corajoso se ele não quisesse o mesmo que eu. Não adiantaria de nada eu contar tudo o que sentia se ele não fosse capaz de retribuir. O que eu podia fazer? Me desesperar? Jogar tudo pra cima, sair de perto dele e consequentemente dos outros? Levantei os olhos para o espelho. Minha imagem estava horrível, os olhos inchados e vermelhos, as veias saltadas. Abri a torneira e lavei as lágrimas salgadas do rosto. Me recompus como pude e saí dali. Kyu não estava a vista e já havia saído do meu quarto. Precisei rir desgostoso de imaginar como uma conversa que deveria resolver tudo só havia piorado a situação.

Atravessei o corredor e me deparei com JungSu, Simba e Heenim na sala. Me perguntei se haviam escutado tudo e pela expressão que JungSu me lançou, percebi que sim. Seu rosto estava triste, a boca entreaberta como se quisesse falar algo. Eu estava farto de sentirem pena de mim. Passei direto para a cozinha, onde peguei uma maçã e voltei para o corredor, dessa vez sem olhar para os hyungs na sala. Entrei no quarto e fechei a porta, satisfeito de que Wookie ainda não tivesse chegado. Apaguei a luz e me aproximei da janela. A vista dali não era ampla, mas ainda assim era bonita. A rua brilhava com os postes de iluminação, as árvores sombreando o caminho. Reparei que duas silhuetas se moviam trôpegas em direção a entrada do prédio e reconheci a risada alta de DongHae. Ele e HyukJae voltavam para casa abraçados e me peguei imaginando se aquilo era além do que parecia ser. E se os dois estivessem juntos? Poderiam muito bem ser um casal. Viviam juntos, brincavam, riam e se abraçavam o tempo inteiro... Sacudi a cabeça com o pensamento. Isso só me lembrava as palavras de Kyu. “Eu não sou como você!”

Ouvi uma batidinha na porta e a voz de JungSu sussurrou do outro lado:

         - Minnie, ta tudo bem?

Suspirei e mordi a maçã ainda intocada na minha mão.

         - Sim. Só preciso de um tempo.

         - Certo... Qualquer coisa, o hyung está aqui.

Me senti tentado a aceitar a oferta, abrir a porta e desabafar como uma criança desconsolada. Mas então me lembrei que o que eu diria envolvia muito mais do que os meus problemas – era com Kyu também. Ouvi-o se afastar e mordi mais uma vez a maçã. Foi nesse momento que ouvi o zumbido de vozes altas na sala, quando Hae e Hyuk entraram. Por um instante parei, uma idéia tomando conta de mim. Fui até a porta e a segurei entreaberta, de modo a ver o corredor. Mastigava a maçã quase sem reparar, apenas para manter-me com as mãos ocupadas. Então, como eu esperava, ouvi passos próximos e vi DongHae se aproximando. Essa era uma das vantagens de meu quarto ser o primeiro – todo mundo precisava passar por ele para ir pros outros quartos.

         - Ei, DongHae.

         - Minnie! – sobressaltou-se – Por que você ta no escuro?

         - Por nada. Você tem um tempinho? – ele aproximou-se da porta e pude enxergar seu rosto. Agradeci aos céus por ele não estar também com aquela expressão de pena. – Preciso... Conversar.

         Hae pareceu entender e dei passagem para ele entrar no quarto. Acendi a luz e ele se sentou na ponta da cama de Wookie, olhando para mim com o rosto singelo. Se alguém pudesse me entender, seria ele. Sentei-me na minha cama, de frente pra ele.

         - Sabe hoje de manhã, antes de você sair, quando eu estava abraçado ao Kyu?

         Ele assentiu e me senti desconfortável. Não sabia como explicar a situação.

         - Algo aconteceu depois que eu saí, não é? – ele ajudou.

         - Sim.

         - Algo ruim?

         - Eu o beijei – cuspi as palavras antes que me arrependesse – E ele ficou furioso.

         - Furioso? – ele não parecia surpreso com o fato de eu ter tentado beijar o magnae – O que ele disse?

         - Disse... Disse pra eu não fazer mais aquilo. E depois saiu de casa. Só voltou aquela hora – DongHae assentiu, me incentivando a continuar. Sua serenidade ajudou a me acalmar – E então depois do jantar ele veio falar comigo...

         - Veio? – ele abriu um sorriso e logo esmoreceu quando viu que eu não sorria – O que houve?

         - Ah, DongHae... Eu não quero que você me veja como alguém desesperado, anormal ou sei lá o quê. Mas eu precisava desabafar. Ele veio pedir desculpas por ter sido grosso, disse que eu não tinha culpa de amar ele e que ele não ia ficar bravo. Porra! Como se eu quisesse ouvir isso! Ele não quis admitir que gostou do beijo. Ele é tão teimoso...

         - Mas ele gostou? Como você pode dizer isso, Minnie? Ele não saiu gritando? – o tom de DongHae era alarmado.

         - Ele correspondeu, Hae. Não se afastou imediatamente, como faria se realmente não quisesse isso. Algo despertou nele, de repente, e ele me empurrou. Até então, ele estava me beijando de volta. Falando assim soa tão infantil...

         - Não, não soa infantil – os olhos castanhos de Hae me fitavam pensativos – Você não tem como ter se enganado nisso. Se ele correspondeu, ele também queria.   

- Será? – dei uma risada desgostosa – O que você faria no meu lugar, DongHae?

         - É difícil falar assim, não é? Só você sabe o que ta sentindo e só o Kyu sabe o que sente também. Mas a minha teoria é que vale – e muito – a pena lutar por um amor, seja ele difícil ou não.

         - Você, hm – desviei o olhar, encabulado – Já se sentiu assim?

         - Assim como?

         - Balançado por outro homem?

         Ele riu abertamente e apertou meu nariz de brincadeira. Me senti um tolo por perguntar aquilo.

         - Achei que era óbvio.

         - Óbvio? O quê?

         - HyukJae. Você nunca reparou?

         - Desconfiei, mas... É sério? Ele sabe? – outro riso por parte dele.

         - Nós estamos juntos. Há uns quatro meses.

Meu queixo caiu e DongHae me puxou para um abraço apertado. Acabei rindo com ele. Eu realmente estava precisando de um ombro amigo.

         - Você não acha estranho? – eu estava no colo dele como um bebê sendo ninado, olhando para longe com os olhos desfocados, perdido em pensamentos – Digo... É diferente, não é? As pessoas acabam por te olhar torto.

         - Não acho que seja diferente. Eu amo o Hyuk, ele me faz bem. Se querem olhar feio, que olhem. Eu to feliz e é isso que importa, entende? Não me sinto menos homem ou menos digno porque tenho um relacionamento com ele.

         - Quisera eu que o Kyu pensasse assim também. Ele berrou que não era “gay como eu”...

         - Ele ainda precisa amadurecer um pouco a idéia, Minnie. Não adianta forçar. Tem paciência.

         - Obrigado, Hae. Eu tava precisando ouvir algo assim – dei um beijo em sua bochecha e me levantei. Peguei a maçã largada na minha cama e joguei no lixo enquanto ele também se levantava e me dava um beliscão na cintura, antes de sair do quarto. Sorri para as paredes ao pensar que, afinal, eu não estava tão errado. Eles realmente são um casal. Troquei de roupa, sem ânimo para um banho, e tentei dormir. Dessa vez mais tranqüilo que da outra vez, mas tão confuso quanto.

KYUHYUN POV

Há duas semanas eu tentava não pensar no que havia acontecido comigo e Minnie. Na verdade, as agendas de ambos impediam que ficássemos em casa ou juntos por muito tempo. Tive ensaios quase diários com Wookie e JongWoon, para o K.R.Y. E os ensaios do grupo também me esgotavam. Enquanto isso, mantive a mente ocupada. Me sentia bem novamente. A única coisa que me incomodava era que havia me distanciado de Minnie. Nos poucos momentos em que estávamos em casa, evitávamos nos encarar. Quase sem querer, revezávamos nas refeições; ele nunca estava a mesa quando eu estava. Achei que seria melhor assim, que deixando as coisas esfriarem, acabaria por esquecer e voltaria a minha rotina normal. Mas uma dor me atingia sempre que eu lembrava do sorriso amplo do meu hyung, de como sua risada me fazia rir também, por puro prazer. Eu sentia sua falta, mais do que podia admitir, e aquilo me matava aos poucos. Nem mesmo o trabalho podia me fazer esquecer aquilo tão fácil.

Terminei de calçar os tênis e me levantei, pronto. Era quarta-feira e estava anoitecendo. O grupo teria uma participação breve em um talkshow e isso seria dali a menos de duas horas.

         - Então, te vejo lá embaixo em quarenta minutos?

         - Babo. Já tô quase terminando – JungSu ignorou minha risada e voltou a se concentrar nas dobras da calça. Era sempre o último ficar pronto. Vaidoso que só ele.

Saí para o hall do apartamento, onde um dos empresários apressava-nos. Boa parte dos dez já estava transitando por ali, voltando para pegar alguma coisa, gritando para os que ainda estavam no quarto... Passei direto e desci para a entrada do prédio. A van preta, o transporte mais comum do grupo, estava aberta, os motores desligados. O motorista fumava mais adiante. Cumprimentei-o de longe e entrei, sentando num dos primeiros bancos. Logo os outros vieram. DongHae sentou ao meu lado e HeeChul a minha frente. A balbúrdia logo se instaurou quando a van deu partida. JongWoon e Minnie faziam uma espécie de jogo lá atrás. Pus os fones de ouvido para não ouvir. Mas, como é de praxe quando se coloca fone de ouvido perto de alguém, senti que me cutucavam. DongHae sinalizou para eu tirar o fone e quando fiz, ouvi a voz animada de ShinDong atrás de mim.

         - Sua vez, Gyu. Jogo da verdade! – seu tom sugeria que ele estava se divertindo como ninguém.

         - Que idade vocês tem? Quinze?

         - Falou o ancião... – HeeChul arrancou risadas dos outros e eu me vi sorrindo também. Entrei no clima de brincadeira e perguntei:

         - Tá, o que eu tenho que dizer?

         - Tem que responder minha pergunta – Hyuk falou lá de trás, e me virei para poder vê-lo. Ele estava no último banco com Minnie, que olhava pela janela sorridente. Reparei que evitava ter que olhar na minha direção – Hm, eu tenho que pensar.

         - Não enrola! - ShinDong o apressou.

         - Ok, ok. Vejamos algo bem constrangedor para o magnae... – mais risos da van inteira – Qual foi a última vez que você chorou?

DongHae se mexeu desconfortável ao meu lado.

         - Isso é constrangedor, criatura?

         - Psiu, DongHae, deixa ele responder!

Remoí a pergunta, avaliando como responderia. Sem querer, HyukJae havia me posto em uma situação mais do que constrangedora. Passei os olhos pelos outros e vi que metade estava tenso como eu. HeeChul e SiWon trocaram um olhar silencioso, enquanto JungSu abaixara a cabeça, mexendo na franja nervoso. Mas o que mais me pressionou foi Minnie, que me olhava direto, agora sem sorrir. Seus olhos estavam cravados em mim, esperando a resposta, provavelmente tão ansioso quanto eu. A verdade é que a última vez que eu chorara – o que não acontecia com frequência – fora por ele. Mas eu não podia dizer isso assim, na lata. Desviei meu olhar com dificuldade e respondi, no melhor tom despojado que consegui arrumar:

         - Quando eu magoei alguém que significa muito pra mim.   

         - Ah, não vale como resposta, você não disse quando! – Hyuk fez beicinho e DongHae interferiu, virando-se para ele:

         - Claro que foi resposta. Quer mais o quê, a hora e os minutos?

         - Tá, tá, já deu. Esse jogo é muito chato. Que tal...

Com a interferência de HeeChul, senti que estava livre e virei para a frente de novo. Pus os fones e olhei para fora da janela. Meu rosto estava quente, mas passou despercebido pelos outros, o que eu agradeci silenciosamente.

No estúdio, após as devidas apresentações e depois de nos acomodarmos em espécies de camarins improvisados, minha atenção voltou-se completamente para a apresentação. Não fui o único: todos os hyungs estavam se preparando.

Foi tudo nos conformes. Apresentação, conversa, performance, mais conversa e logo estaríamos saindo. O apresentador do talkshow, um gordinho simpático de óculos redondos, falava com cada um de uma vez. Arrancava risadas com comentários aleatórios e fazia a atmosfera do programa bem convidativa. Eu estava rindo do que dissera havia pouco tempo quando ele continuou:

         - Tem uma música de vocês... Espera, preciso checar o nome, eu anotei aqui – a platéia riu e ele se desculpou – Minha memória não é mais a mesma há uns bons anos. As dores da velhice... Ah, aqui, achei. “Sorry Sorry Answer”. É uma letra bem bonita, não é? Muito difícil pegar o embalo pra ela depois de cantar a versão original com toda aquela dança e etc e tal?

         - Na verdade não – JungSu assumiu o microfone ainda com ar de riso – A letra é bem profunda, claro, mas uma vez que se entende o que ela quer expressar, é só entrar no clima.

         - Então tem todo um clima? É como encenar?

         - Quase isso – o líder continuou – Se você não sentir a música, não vai conseguir passar nada além de palavras para quem está ouvindo.

A platéia gritou “wow” e o apresentador fez cara de interessado. Não aguentei e cobri a boca para rir. Alguns dos hyungs me acompanharam.

         - Olha só, o sentimento conta também. Quem disse que artista não tem coração? – ele sorriu cúmplice e virou para mim - Que tal uma palinha, KyuHyun-sshi? Você parece estar bem no espírito da coisa.

         Os risos foram gerais. Eu estava rindo ainda e ele obviamente estava fazendo graça disso. Desconcertado, abaixei a cabeça em sinal de derrota e levei o microfone a boca. Era a segunda vez no dia que sentia meu rosto quente de vergonha.

         - Ok, hãn... Sangsanghal su eobseo neoreul irhneun daneun geot [Eu não posso me imaginar perdendo você] – os gritos e palmas explodiram na platéia conforme eu continuava.

O apresentador gritou algo mas eu não consegui ouvir. Eu escolhera uma parte aleatória, a primeira que me veio a cabeça, para cantar, mas não havia reparado em seu significado até que ouvi minha voz reproduzida no sistema de som. Senti um gelo no estômago. Continuei cantando sem perceber que havia parado de sorrir. A letra era uma coincidência infeliz. Me amaldiçoei por virar para os outros e procurar logo por ele. SungMin olhava para a platéia, um sorriso de plástico no rosto. Desviei o olhar mas perdi o ritmo por um milésimo de segundo; JongWoon me ajudou, erguendo o microfone e cantando também.

Neoman neoreul saranghaeseo

[Eu sinto muito por amar você demais]

Mianhae jeongmal mianhae

[Eu realmente sinto muito]

Forcei um sorriso quando ouvi os aplausos finais. Abaixei o microfone e o apresentador parabenizou a mim e JongWoon, embora fizesse graça do fato de ele ter entrado no meio da música sem razão aparente. Eu estava enraivecido comigo mesmo. “O que foi isso? Desde quando você perde o ritmo assim, Cho KyuHyun? O que há de errado com você?” Não, isso não tinha nada a ver comigo. Eu estava perdendo o controle sobre mim mesmo e era culpa daquela maldita situação que Minnie havia armado. Nunca me sentira assim antes, tão... Amargurado. Sentia como se eu tivesse construído um muro entre nós dois; estava fugindo do que poderia me fazer bem. Poderia. Ouvi uma movimentação e percebi que havia acabado o programa. Saí o mais rápido que pude após cumprimentar o apresentador e entrei no camarim atrás de uma garrafa de água. Peguei uma e bebi a grandes goles, deixando escapar um pouco pelo canto da boca. Aos poucos os outros foram entrando também, animados e satisfeitos com o resultado.

Fiquei de costas o tempo todo, com medo de terem percebido além do meu deslize. Levei um susto ao sentir uma mão tocar meu ombro. Virei-me e dei de cara com Minnie. Ele não parecia bravo; tinha os olhos grandes de nervosismo. É lógico que ele estava reticente comigo. Como poderia esperar outra reação depois das coisas horríveis que eu dissera?

         - Ei, Kyu. Se saiu muito bem lá dentro.

         - Ah – sorri de qualquer jeito – Obrigado.

         - E quanto àquela brincadeira na van... – quase derrubei a garrafa da minha mão quando ele começou a falar – O que você disse, sobre ter magoado alguém que significa muito para você... Foi em relação a mim?

         Ele já sabia a resposta, eu podia ver em seus olhos. Mas concordei:

         - Foi. Eu, hm, tive que ser sincero. Era o jogo.

         “Ah, não me diga, gênio!”

         - Certo – ele pigarreou, inseguro – Fiquei contente de saber que significo algo para você, que o ressentimento não interferiu... nisso.

         - Não. Você é importante pra mim, Min. Sempre foi e isso não mudou.

         Olhando-o nos olhos, vi que ele estava triste. O sorriso que me lançou foi sincero, mas ainda pequeno demais para o que eu lembrava dele. Desejei poder ler seus pensamentos naquele momento.

         - É muito bom ouvir isso, Kyu. Obrigado.

         Minha vontade era gritar “Não agradeça, me xingue! Eu sou um imbecil!”, mas retribui o sorriso. Pus uma mão em sua cintura, desesperado para quebrar aquela barreira invisível entre nós e disse próximo a seu ouvido, a voz ainda mais baixa do que antes, temeroso de que alguém que não fosse ele escutasse:

         - Eu nunca mais quero te magoar, Min. Me desculpa.

         Ele se resumiu a balançar a cabeça com um sorriso, os olhos repentinamente mais brilhantes. Percebi com pesar que eram lágrimas. Então, sem pensar, sem sequer me importar que oito hyungs e mais umas cinco pessoas da equipe técnica estavam ali também, puxei Minnie para mim e o abracei, passando meus braços por sua cintura. Em um movimento hesitante ele enlaçou meu pescoço e apoiou o queixo no meu ombro. Só então percebi o quanto eu sentia sua falta. A frase que me desconcentrou na música que eu cantara se tornou clara. Eu não me imaginava perdendo Minnie. Por mais que aquilo ferisse meu orgulho, eu tinha que admitir que ele estava certo desde o princípio. Eu gostava do seu abraço, do seu calor, do seu perfume. Seria burrice negar por mais tempo. Mas as coisas não eram assim tão fáceis. Me separei do abraço, soltando-o e dei um beijo em sua testa. Ele tinha o rosto calmo e sorria com o mesmo sorriso sincero de antes. Sorri de volta e dei as costas, seguindo para fora do camarim. Eu não aguentaria por muito mais tempo. Seu sorriso de complacência havia me destroçado por dentro. Não queria aceitar que meu desejo era que ele resistisse e pedisse mais. Intimamente eu desejava que ele se aproximasse de novo, tocasse meus lábios e que recomeçássemos do zero. Mas eu não podia querer isso. Era contra tudo que eu acreditava, contra tudo o que haviam me ensinado. Era errado, sujo, feio. Mordi a língua enquanto andava a esmo pelos fundos do estúdio, evitando olhar para quem passava por mim. Eu queria algo que não podia acontecer e isso me destruía.


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Notas finais do capítulo

Se você leu o primeiro capítulo, obrigada. Se você leu até aqui, OBRIGADA de novo! ♥ kkkk O Kyu é meio confuso, né? Ou confuso demais. Uma hora diz uma coisa, outra hora diz outra... Até parece comigo G_G De qualquer forma, eu pensei em usar o nome "Orgulho e Preconceito" pra essa fic, porque, afinal, faz todo o sentido. Mas pensei que seria clichê demais, então coloquei o título da música que eu tava ouvindo na hora (My Everything, solo do DongHae). Só uma curiosidade que eu achei que vocês deviam saber, rs.

Até a próxima! (E, mais uma vez, críticas são bem recebidas!)