Memórias de Narcisa Malfoy escrita por Shanda Cavich


Capítulo 3
Capítulo 2 - Ouro




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Finalmente, meus dias trancafiados dentro de casa chegaram ao fim. Com onze anos, eu estava a caminho da grande estação, de mãos dadas com minhas duas irmãs. Estavam nos acompanhando, os Lestrange e meu querido primo, Evan Rosier. Era um dia chuvoso e cinzento, exatamente como eu gostava. Nem a névoa que flutuava entre as plataformas, e nem o olhar superior e desvairado de Bella poderiam me intimidar durante aquele momento tão feliz. Afinal, eu já tinha uma varinha. Olmo, corda neural de unicórnio, com exatos trinta centímetros espelhados a ouro bruto.

Sonserina foi a minha casa.  Assim como toda a minha família, eu era ambiciosa, como dizia a tradição de Salazar a seus procedentes. Fiz com que todos achassem que eu era importante, apenas pelo simples fato de Bellatrix ser minha irmã. Fato esse que funcionou muito bem, por sinal, já que todos sempre a admiraram. Eu seguia Bella por todos os cantos, e ela me defendia, me encorajava. E em troca eu lhe devia obediência. Foi assim durante muito tempo.

Ao longo de meu primeiro e segundo ano escolar, tentei ser a mais adequada possível. E ainda que eu tirasse notas excelentes, não conseguia entrar para o tão cobiçado Clube do Slugue. O professor Horácio reconhecia minha inteligência e altivez. Contudo, dizia que bastava uma Black para representar o nosso renome. E mais uma vez, Bella me ultrapassara por ser a primogênita. Porém, foi através dela que conheci famílias poderosíssimas, como os Avery, os Rookwood e, inclusive os Malfoy.

Todos em Hogwarts me achavam bela. Muitos rapazes apaixonaram-se por este motivo, ou talvez pelo meu título. Todos os dias mandavam-me rosas. No início eram rosas brancas, que simbolizavam pureza. Com o passar do tempo, começaram a mandar rosas vermelhas, que demonstravam paixão. E por mais que toda aquela adoração me fizesse bem, independentemente, eu me sentia vazia. Afinal, o que eram as rosas para mim? Rosas. Flores excessivamente bonitas, mas ainda assim tão simplórias e até mesmo vulgares. Jamais gostei delas.

No final de meu terceiro ano, um rapaz do quarto me chamara à atenção. Eu já conhecia seu pai, Abraxas, um poderoso senhor de terras, sangue-puro, e muito amigo de minha família. Mas até então, o filho era distante. Aproximou-se de mim de surpresa, num dia chuvoso, estendendo-me um perfeito e detalhado buquê de narcisos. Belíssimos, eles eram! Doze narcisos, amarelos como o ouro, amarrados por um cordão esverdeado.

"Logo você, Lúcio." – falei em tom gentil. – "Jamais recebi flores tão lindas!"

"Apesar do nome, não se igualam a você." – os olhos cinzentos e geralmente cínicos de Lúcio Malfoy tornaram-se leves e apaixonados. Os cabelos igualmente louros aos meus, balançaram com o vento. Naquele dia, pude perceber que eu era a única pessoa viva capaz de ser amada pelo monitor da Sonserina, primeiro aluno de sua classe, e acima de tudo um Malfoy.

No ano seguinte, nós já formávamos um casal definido e adorado pela maioria. "Perfeitos um para o outro", diziam os alunos. E Lúcio, sempre muito cordial, confirmava com orgulho. Era tão educado, tão promissor. "Um verdadeiro príncipe", como dizia minha mãe. Não só era rico, como tinha o respeito de homens mais velhos do que ele. Até mesmo quando ficava irritado, conseguia manter o ar superior, serenamente cruel.

"Ora, ora, ora, Weasleyzinho. – prosseguiu Lúcio, quando se deparou com Arthur Weasley consertando um carro velho sem usar a varinha. – Pensei que já tivesse perdido esse mau hábito de se associar a artifícios trouxas. Sinto em dizer que sua inteligência, que já não é suficiente, só tende a piorar a cada vez que não me dá ouvidos."

"Não preciso de seus conselhos, Malfoy. Deixe-me em paz." – Arthur tentava se mostrar indiferente, embora já soubesse que tipo de insulto estava por vir.

"Ridículo, Arthur! Enquanto age dessa forma, só posso concluir que você é um fruto podre das famílias puro sangue. Um traidor barato. Até já consigo imaginar seu futuro sendo um pobre coitado, cuja vida se baseia na limpeza de estrume dos hipogrifos."

Eu já sabia que Lúcio não tinha um gênio muito bom. Mas de maneira alguma isso influenciou minha opinião sobre ele. Os Malfoys, em geral, sempre foram soberbos e esnobes. Apesar de tudo eu os admirava pela engenhosidade que transpareciam ter, o poder que conquistavam a cada diálogo. Principalmente Lúcio, que era tão argucioso desde jovem. Bella dizia que ele era o único que estava a minha altura, e que devia casar-me com ele o quanto antes. E eu, com toda a minha simplicidade e submissão, não havia encontrado motivos para desapontá-la.

Bellatrix assumiu cedo compromisso com Rodolfo Lestrange. Cedo demais. Talvez quisesse que eu fizesse o mesmo com Lúcio para que ela não fosse a única a sofrer. Para que ao menos ela pudesse ter com quem partilhar as mesmas emoções de um casamento arranjado. Egoísmo da parte dela, devo admitir. Contudo, o meu caso era diferente. Eu amava Lúcio. E Bella, jamais amou seu marido. Embora minha irmã parecesse fria, eu sabia que ela tinha pelo menos uma pessoa a quem dedicar todo o seu amor. Sabia também que a cada vez em que era impedida de demonstrá-lo, algo nela a fazia tornar-se um monstro. É nessas horas que penso no amor como algo arriscado e que deve ser tratado com absoluto cuidado. Às vezes nos faz bem. Mas por natureza, tende ao mal na família Black.

Três dias antes de eu completar meus quinze anos, mamãe faleceu. Ninguém sabia dizer ao certo o motivo de sua morte tão prematura. Fiquei angustiada por ela ter partido justamente nesta fase de minha vida. Afinal, o maior sonho de mamãe era ver-me casada com Lúcio, ajudar-me com a festa, com o vestido, coisas que toda a mãe deseja para uma filha. Durante o velório de Druella Rosier Black, não chorei, embora sentisse vontade. Eu havia aprendido a lição da forma mais severa, de tal modo que as lágrimas passaram a me envergonhar. Além do recato, era necessário manter a honra de se manter indiferente a qualquer situação difícil. Já Andrômeda parecia não esse dom do conformismo. Emotiva como era, chorava por motivos inexplicáveis, ainda que fosse aconselhada do contrário. Na hora do enterro, Andrômeda chorara muito, chamando a atenção dos demais presentes. Bella se aborreceu.

"Cale essa boca agora mesmo, Andie, ou lhe darei um motivo para chorar de verdade." – disse Bellatrix, em seguida olhou para mim, querendo se certificar de que eu concordaria com suas duras palavras. Não demorou até que percebesse a tristeza em meu olhar, por mais que estivesse reprimida. – "Ah, Ciça... Faz muito bem em seguir meus ensinamentos. Não se assuste com as lamúrias dessa perdida a quem chamamos de irmã. Você sabe que tudo o que eu digo é para o bem da nossa família."

Andrômeda enxugou o rosto com as mangas de seu vestido e se recompôs, visivelmente ofendida com a atitude de nossa irmã mais velha em frente ao túmulo de mamãe:

"Não ouse falar uma coisas dessas a ela, Bellatrix! Não vou deixar que você estrague Ciça assim como estragou a si mesma!"

Bella transmitiu um olhar maldoso a Andie. Por um momento, achei que fosse azará-la, mas não o fez. Assim que olhou novamente em minha direção, deu um curto e raro sorriso.

"Imagine que minha mão é o seu refúgio. – Bella estendeu-a, como forma de apoio. – Segure nela o mais forte que puder. Então verá que mesmo depois de soltá-la, você ainda será protegida e amada por mim."

Segurei sua mão, como pediu. Dei-lhe um abraço, como poucas vezes tinha feito. Seu olhar me causava a sensação de conforto, proteção. Depois que mamãe morreu, Bella jurou que cuidaria de mim como filha. E como a mais íntegra e honrada Black que era, jamais deixou de cumprir sua palavra perante a mim. Bellatrix e eu éramos verdadeiras irmãs. Nossas muralhas foram construídas do mesmo lado, defendendo a mesma causa. Causa liderada por Tom Riddle, mais conhecido como Lord Voldemort.

Era incrível a persistência de Andie em tentar me fazer mudar de idéia poucas semanas antes de meu casamento. Naqueles tempos eu já devia ter suspeitado de algo relacionado à sua fuga com o sangue-ruim, a quem prefiro não pronunciar o nome. Ultimamente ela tinha andado muito calada, pensativa, até havia deixado de discutir com Bella. Na verdade, a evitava. Certa noite, foi até meu quarto, certificando-se de que estávamos sozinhas.

"Estás cega, Ciça." – disse ela, sentando-se ao meu lado na cama. – "Estás seguindo o mesmo caminho de Bella! Apaixonaste por um assassino!"

"Oras, poupe-me!" – eu, com dezesseis anos, ainda conseguia me assustar com assuntos de morte. – "Estou certa de que nem sabe o que diz."

"Lúcio." – sussurrou Andie, em meus ouvidos. Quase lhe dei um tapa por sua insolência. Mas resolvi manter a calma, temendo que ela revidasse através de mais alguma afronta relacionada ao meu noivo.

"Tudo bem, Andie. Já entendi a mensagem. Pode sair."

"Não se preocupa com o que eu disse? Não tem medo?" – Andrômeda segurou meus ombros, incrédula. No fundo eu sabia que dizia a verdade, mas não daria esse gosto a ela.

"Porque eu haveria de ter medo? Lúcio me ama. – então olhei para o retrato dele em cima da cômoda, que sorria para mim com os olhos mais cinzas do que a prata. – Se Lúcio já matou, é porque certamente deve ter acreditado que era a coisa certa a se fazer."

"Ciça! Estou querendo te ajudar e você faz pouco caso de minhas palavras?" – Andie encarou a mim como se encarasse a criatura mais horrível que já vira em toda a sua vida. Pude perceber uma crista de lágrima escorrer pelo seu olho.

"Saia, Andie." – naquele momento até tentei sorrir. – "Não ouse espalhar essa mentira sobre meu noivo. Pois se insistir nisso, e se de algum modo esse boato chegar a ouvidos errados, eu mesma farei questão em te matar. Tenha certeza disso."

Andrômeda retirou a varinha do bolso e depois a colocou de volta. Entristecida e contrariada, saiu de meu quarto às pressas, sem olhar para trás. Desde então, nunca mais a vi.

Eu estava começando a me sentir diferente. Notícias ruins já não me afetavam. A morte de alguém próximo já não me causava mais desgosto. Sorrir era coisa rara. Afinal, para que revelar algo tão valioso quanto um sorriso? Eu queria ser. Até mesmo ter. Conseguir ter tudo o que sempre quis. Um casarão cercado de pavões albinos, como o Palácio Malfoy. Um lindo e atencioso marido, como Lúcio. Não mais me importava se ele era ou não era um assassino. Até porque, Bella me ensinou que matar em nome da honra não era um crime hediondo como todos diziam. E Bella não mentiria.

Lembro-me de toda a injúria e infelicidade que minha família já causou, desde o início. Fora Lúcio Malfoy a matar duas autoridades trouxas no dia em que fomos pegos enfeitiçando uma velha senhora, por mera diversão. Sei também que Lúcio matara nosso segundo mordomo, assim que descobriu sua descendência de sangue-sujo. Lúcio também me contou como matou seu irmão mais velho, três anos antes, envenenando-o dia após dia com a poção do morto-vivo até que falecesse de asfixia, fazendo com que toda a herança da família passasse apenas para ele. Apesar de tudo isso, Lúcio permaneceu "impecável" perante a comunidade bruxa, graças a mim. Aqueles foram tempos de juventude, de inocência. Hoje nós dois sabemos nos portar como se deve sem que traiamos a nós mesmos por usar falsas máscaras de tédio.

"Você vale ouro, Narcisa." – disse meu noivo, durante a festa de casamento, presenteando-me com uma insígnia de formato serpentino se enroscando na letra M de Malfoy, delineada em esmeraldas e volumosos cristais de diamantina.

"Nós dois valemos, Lúcio. Se e somente se, estivermos juntos."


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Notas finais do capítulo

Algumas das coisas que coloco em minha fic são inventadas. Porém, tem cara de verdade. huehue...o que acharam?