Memórias de Narcisa Malfoy escrita por Shanda Cavich


Capítulo 4
Capítulo 3 - Marca Negra




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Era como entrar num túnel. A cada cômodo, a sensação de assombro. A cada corredor, um novo tesouro em forma de lustre medievo. Havia rostos, muitos rostos espalhados pelo grande palácio como forma de vigília. Entre eles o retrato do poderoso Bruto Malfoy acima da imensa lareira, ou então o belo quadro com a imagem de sua esposa, Aleska Lestrange Malfoy, na sala de jantar. Havia também o retrato de Leôncio Malfoy Neto, finado irmão de Lúcio, a quem tão pouco aproveitou a vida por ter sido um incômodo desnecessário. Ainda assim eram todos Malfoys. Todos nobres e ardilosos, como eram reconhecidos. Agora eu seria como eles, unificando e fortalecendo o sangue dos Black a uma nova família puro-sangue.

O palácio sombrio em Whiltshire se transformou num casarão harmonioso com a minha presença, segundo os empregados. "Tão bonita", diziam eles. Na Mansão Malfoy havia os mais diversos artefatos musicais, incluindo o piano, que eu tanto adorava. Lúcio o tocava com excelência, o que tornava as noites menos frias com o som de sua música, de sua voz declarando o quanto era feliz por me ter como esposa. Já no porão, o cenário era outro. Nele constavam objetos criminosos, adquiridos na Borgin & Burkes, comumente utilizados em ritos contra não-mágicos.

Uma semana depois do casamento, meu marido surpreendeu-me com dois elfos domésticos para que assumissem os deveres da casa no lugar dos antigos serventes. Naquela época de guerra, não era bom que houvesse tanta gente dentro de casa. Um deles era chamado de Dobby. Um elfo simples, que parecia estar sempre triste e perturbado. Odiava meu marido por ser muito severo com os castigos, e também odiava a mim, por ser exigente e perfeccionista. A outra era uma elfa. Se chamava Kyria, e veio a se tornar quase uma amiga ao longo do tempo.

Abraxas Malfoy, em seu último dia de vida, presenteou-me com um espelho de mão. Disse que pertenceu a sua adorada esposa, Lucíola, que já havia partido deste mundo antes mesmo que eu pudesse conhecê-la. Não era um espelho comum, como eu já devia esperar. Além de ser constituído com pedraria rara, talhada por gnomos, o objeto transmitia uma magia muito poderosa, capaz de conservar a beleza e conter qualquer emoção que não devesse ser emitida. Realmente, era de se admirar. Lucíola faleceu aos setenta e três anos, com aparência de quarenta. Morreu pelos mesmos motivos de meu sogro, Varíola de Dragão. Se não fosse a doença, poderia ter vivido muitos anos de plena juventude.

Certa noite, acordei com um estrondo vindo dos andares de baixo. Como Lúcio não estava em casa, senti medo. Só não conseguia imaginar quem teria a ousadia e capacidade de invadir a minha casa, sendo tão protegida não só por feitiços, mas também por uma questão social a qual meu marido fazia questão em preservar perante o Ministério.

Empunhando minha varinha com sensato receio, desci a escadaria que dava ao salão principal. Deparei-me com a cena mais estranha de toda a minha vida: Lord Voldemort duelando com Bella, ao mesmo tempo em que riam e conversavam como bons conhecidos. Enquanto não notavam minha presença, fiquei tão abismada que mal pude me mover. E eles continuavam lançando seus feitiços, um desviando do outro, de modo que meu salão se tornasse um campo de guerra. Voldemort parecia estar ensinando minha irmã algumas de suas maldições mais hostis. Coisa que eu já imaginava que acontecesse às escondidas, já que Bella cada vez se tornava mais poderosa.

"Amaldiçoe-me, Bella!" – Voldemort abaixou a varinha esperando que Bella o atacasse. Por um momento achei que ela o atacaria, mas então guardou a varinha dentro das vestes. – "Ah Bella, se você soubesse o quanto..."

Minha irmã sorriu de forma rara quando Tom Riddle aproximou-se dela, apalpando seu rosto com certa leveza. Naquele momento reparei a curiosa expressão de afeto nos olhos vermelhos daquele bruxo tão conhecido por sua aspereza. Embora a cena me soasse um tanto quanto 'inesperada', até consegui sentir pena. Afinal, se realmente havia um amor entre os dois, jamais poderiam ter sido felizes. Os sorrisos em seus rostos se desfizeram quando notaram que alguém os observava. Antes que eu pudesse me justificar, Nagini já estava diante de mim, prestes a me atacar.

"Milorde, é a minha irmã que está ali!" – berrou Bellatrix, percebendo que a serpente fora atiçada propriamente por seu mestre. Tom Riddle era tão ligeiro quanto era atroz. Logo que notava a presença de um terceiro em uma conversa restrita apenas a ele e sua serva mais fiel, tomava providências extremas, induzido pelo medo de que alguém chegasse a ouvi-lo falar sobre algum assunto que não fosse a morte ou a guerra.

Palavras sibilantes e indecifráveis, proferidas pelo Lord, fizeram Nagini recuar e então rastejar até ele. Apenas pude ouvi-lo pronunciar um sussurro indignado, como o de quem se enraivece por uma má surpresa.

"Você disse que não haveria ninguém nesta casa hoje, Bella!" – disse o verdadeiro Tom Riddle, que naquele momento mais parecia um garoto, emburrado pela falta de sorte. Um gesto de sua varinha fez o grande lustre se ascender, e as coisas quebradas voltarem aos seus devidos lugares.

"Milorde," – fiz uma reverência, aproveitando para dar um último riso enquanto minha cabeça estava baixa. – "Lúcio foi até o Ministro, fazer uma doação em ouro ao Hospital St. Mungus. Era para eu tê-lo acompanhado. Contudo, mudei de idéia e resolvi ficar para garantir que nem um auror tentasse vistoriar nossa casa. Como o senhor sabe, agora as suspeitas sobre meu marido são quase fatos."

Bellatrix estava séria, assim como seu mestre. Pareciam ter as mesmas emoções a quase todo instante. Lord Voldemort fez sinal para que eu me aproximasse.

"Narcisa... – prosseguiu ele, enquanto Bella acariciava o pescoço de Nagini como dificilmente faria em uma criança. – "Tenho grande apreço por toda a sua família. Mas algo em você me faz sentir incomodado..."

"O que seria, Milorde?" – perguntei tão rapidamente que até mesmo minha irmã percebeu o nervosismo em minha voz.

"A Marca. Você não possui a marca."

"O senhor não precisa se preocupar com este tipo de coisa." – eu disse calma e equilibradamente, sabendo que qualquer passo em falso poderia gerar motivos para desconfianças. – "Meu marido e eu agimos a seu favor, sem questioná-lo. O senhor já tem Lúcio e Bella como Comensais, e posso lhe garantir com toda a certeza de que são os melhores. Além do mais, o senhor deve crer que sou tão leal quanto eles, ainda que não tenha a marca."

Lord Voldemort ergueu sua varinha, e nela ascendeu-se uma chama esverdeada. Seus olhos me observaram avaliadores, através da Legilimência. Logo viu que o que eu disse era tudo verdade. Afinal, quem mais nesta Terra era digno de meu apoio no quis diz respeito à questão de maior poder? Ainda que eu o conhecesse há anos, jamais consegui decifrar com precisão suas emoções, já que raramente as demonstrava.

"Erga sua manga esquerda, Narcisa." – ele disse sóbrio, com palavras frias. – "Embora eu dificilmente consiga ter confiança em alguém, estarei mais convencido de sua lealdade se tiver a Marca Negra em seu braço."

"Milorde, por favor... Não quero..."

"Está hesitando?" – o olhar de Tom Riddle variou de um tom sombrio ao raivoso. Não estava acostumado a negações. Bellatrix se pôs ao meu lado, abraçando-me nos ombros com um aspecto protetor.

"Não a entenda mal, Milorde. Isso foi um pedido meu." – a voz de Bella saiu tão leve que mal pude reconhecer. – "Ciça estará melhor deste jeito, acredite. Se um dia ocorrer a desgraça de Lúcio ser condenado a prisão, ela estará a salvo. Pois não haverá provas."

"Não se atreva a falar assim comigo quando não estamos sozinhos, Bella! Quantas vezes vou ter que repetir?" – Lord Voldemort pareceu irritar-se profundamente com a situação em que foi colocado. Até posso entendê-lo neste ponto. Quando Bellatrix o contrariava daquele jeito, de algum modo, sua autoridade decaía. Para homens como ele, se sujeitar a uma serva era motivo para embaraços, portanto não poderia admitir. Logo, num movimento extremamente ágil, arrancou a varinha de Bella, com receio do que poderia acontecer, caso ela cismasse em defender-me. Bellatrix soltou um ruído de raiva. – "É exatamente por este tipo de ocasião que a Marca existe. Pois quem a tem já deve estar ciente de que estará agindo contra todas as leis mágicas. E quem é leal a mim, não deve temer a prisão. Digo que a Marca é essencial, simplesmente.

"Mas ela não quer!" – disse Bella, com os olhos vidrados a Tom.

"Narcisa terá esta marca, quer queira quer não! E não ouse questionar-me, Bella."

Enquanto fui jovem e ingênua, provavelmente teria adorado a idéia de possuir a Marca Negra pelo fato de Bella a ter e se orgulhar disso. Hoje tenho consciência de que a tão honrosa marca viria a se tornar uma pedra no meu caminho mais tarde. Afinal, por que me agradaria tatuar uma prova contra mim mesma caso eu fosse levada a julgamento? É claro que eu não diria isto a Milorde, pois seria capaz que me julgasse uma traiçoeira. Entretanto, ao contrário de minha irmã, antes de pensar em servir ao Lord das Trevas, eu pensava em mim. Por enquanto, apenas em mim.

Tom Riddle estava decidido, furioso por nossa ousadia. Sem mais delongas, posicionou sua varinha e segurou meu pulso esquerdo sem um mínimo de pudor. Ergueu a manga esquerda de meu vestido e iniciou o encantamento. Então, pela primeira vez, vi Bellatrix olhar nosso mestre com ódio. Esse ódio não se devia apenas ao fato de ele querer me forçar a ter a marca, mas principalmente por não cumprir uma vontade sua. Se aquele olhar matasse, Bella seria a assassina de Andrômeda desde os oito anos de idade. Bellatrix agia assim com nossos pais, com nossos tios, professores e alunos de Hogwarts. Inclusive Rodolfo que, por exemplo, era quem mais sofria com esse seu gênio soberano. Com o Lord das Trevas não seria diferente, ainda que existisse um sentimento de adoração envolvido.

"Estou me sentindo mal." – sussurrei, e então caí no chão, interrompendo e anulando o encantamento de Tom. Lembro-me de ter sentido um enjôo insuportável, quase doloroso. Bella abaixou-se diante de mim, preocupada.

"Tom, leve-a até a poltrona!" – disse ela em tom severo, sem mais se importar com as condições do Lord em manter a aparência de um mestre.

"Oras, ela está fingindo!" – Tom cruzou os braços, feito uma criança. – "Está fazendo isso para ganhar tempo e descobrir uma maneira de convencer-me a desistir de marcá-la."

"Milorde, ajude-me!" – implorou Bella, já indignada por estar sem sua varinha, levantando-me do chão com dificuldade. Eu estava sonolenta, mal abria os olhos. Sentia tonturas ao olhar para o lustre tão reluzente. Pressentia que a qualquer momento algo súbito poderia acontecer. – "Tom, ela é tudo o que eu tenho! Se ela morrer por que o senhor negou ajuda, eu juro que me mato! Eu me mato ainda hoje!"

Lord Voldemort ergueu as pálpebras, surpreendido pelas palavras de minha irmã, que jamais demonstrara compaixão por alguém, assim como ele. Apesar de Bella ser irrevogavelmente má, eu sempre soube que me amava. Mesmo quando éramos crianças e ela me batia sempre que eu fazia algo errado, ou então quando contou a nosso pai que eu fui vencida durante um duelo contra um mestiço nojento na escola, fato que me ocasionou um mês de castigo.

"Accio poltrona." – disse Tom extremamente entediado, e o objeto arrastou-se até nós, causando um terrível ruído de madeira raspando no mármore. Em seguida ergueu-me com os próprios braços até o assento, fazendo com que Bella desse um pequeno e discreto sorriso, surpreendida pela atitude do Lord. Ele notou.

"Que aconteceu, Ciça? Diga o que você tem, pela graça de Merlin!" – perguntou Bella, colocando a palma de sua mão em meu rosto.

"Eu posso estar errada, mas..." – novamente senti o enjôo que já vinha sentindo há algumas semanas.

"Mas o que?" – persistiu Bella, já impaciente. Tom Riddle também se abaixou ao meu lado, ainda desconfiado. É claro que só fazia aquilo por Bella e não por sentir pena de mim. Entretanto tentou ser gentil em fingir preocupação dizendo "Ora, acalme-se... Você ficará bem. Deixe de frescuras, garota." Coloquei propositalmente a mão esquerda, ainda com a manga erguida e com mesclas da queimadura, sobre minha barriga. A sensação de dor e mal-estar passou assim que me dei conta do que estava ocorrendo. Um sorriso real ponderou os meus lábios antes que eu pudesse dizer qualquer coisa aos dois bruxos em minha frente quase feitos de pedra.

"Acho que estou grávida, Bella."


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