Slow Life escrita por thetigas08


Capítulo 6
Capítulo 5 - De Laços a Nós




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Sentei-me à mesa. Para além da casa nova, também um jantar em família parecia ser novidade. Há meses que não jantávamos juntos.

Até àquele dia, na outra casa, na outra mesa da outra sala de jantar, dos quatro lugares que deviam ser ocupados por nós, havia sempre um que estava vazio, o lugar de Carlos Santos, o pai. Eram viagens de negócios e contratempos e imprevistos que impossibilitavam a sua presença. Era a empresa. Desde que o pai veio trabalhar para a sede aqui na Póvoa, que praticamente não morava connosco em Nazaré. Comprara esta casa para não ter de se deslocar diariamente para a nossa antiga morada, mas sobretudo a pensar na nossa mudança para cá. Se havia culpado de toda a transformação a que ele nos dispôs, tanto a mim, como ao meu irmão e à minha mãe, era o seu emprego. Um homem trabalhador faria qualquer coisa por ele, até isto. E essa era a principal razão de cá estarmos.  Mas a desconfiança da minha mãe perante a ausência do chefe de família, as saudades, que ela mesma tinha, de cá morar, e a necessidade de sermos (novamente) uma família unida, também influenciaram esta deslocação.

E neste último aspecto, eu estava interessado em cooperar. A família sempre fora um dos elementos da base que me suportava, logo, se não fossem reforçados os laços, perderia parte da sua estrutura. E mais fraco acabaria por tombar na primeira barreira que a vida me pusesse. E eu precisava de apoio. Sempre precisei.

- Finalmente juntos. – comentei.

- Parece que sim. E ainda bem, não é? – concordou o Nuno, levando uma garfada de arroz á boca.

- A partir de agora será sempre assim. – anunciou a mulher da casa, esboçando um pequeno sorriso.

E o pai reforçou:

- Pois, de novo a família Santos.

E numa troca de olhares entre todos, foi possível verificar que estávamos contentes por isso. A nossa união não trazia apenas reforço para mim, mas para todos os membros da família. A longo prazo estarmos juntos seria notório na nossa forma de viver, mais do que naquele momento. Mas era bom poder sentir, talvez prematuramente, que os Santos eram um só. Desejava, tal como eu sentia, que aquele jantar não viesse a ser uma excepção, nem nada a recordar pelo facto de ser algo único. A importância desta refeição, não estava no prato servido ou noutra qualquer coisa se não a simples acção de enrijecer os nossos laços, os laços afectivos, aquilo que nos ajuntava.

Com conversas paralelas, pequenos risos e alguns desabafos, vi isso acontecer naquele jantar que prosseguia.

- Hum, este lombo assado está uma delícia!

- Foi o Nuno que me ajudou a cozinhar hoje, Carlos. Ele está a ficar um verdadeiro chefe de cozinha. – disse a mãe, com certo tom de ironia.

- Mãe, eu só fiz o molho da salada... – confessou.

- Eu vi logo, a salada parece uma salina! – menti, soltando uma gargalhada.

Riram-se todos.
- Daquela vez que fizeste arroz com açúcar, estava tudo bem pior! – recordou-me.

- Foi um acidente... – ri-me.

- És um desastre, puto.

E por uma primeira vez senti que aquela confiança que ele depositava ao chamar-me aquilo era realmente importante. Só o meu irmão, o Nuno, me chamava isso. Eu detestava.

Ele explicou-me uma vez que pelo facto de eu ser o mais novo dos filhos, só essa alcunha me assentava que nem uma luva, porque a outra que me ficaria bem, bebésegundo ele, já não se enquadrava com o meu metro e setenta e cinco. Mas dessa vez, ele ajuntou ainda que eu o deveria tratar de senhor só pelo facto dele ser maior de idade. Algo que eu nunca fizera, obviamente. Se os dezoito anos lhe tinham chegado á sua forma carnal, psicologicamente, o tempo tinha-lhe parado pelos seus dez anos, o que fazia dele alguém bastante jovem.

Mas eu gostava dele assim. Eu gostava do meu irmão chato e não o trocaria por ninguém. Conhecia-o desde sempre e era sem dúvida a pessoa mais próxima de mim. O meu melhor amigo. Porque a loucura que nos corria nas veias proveniente dos genes sempre nos uniu, e sempre nos manterá lado a lado, eu me dava tão bem com ele.

E com ele não havia muito para melhorar, mas com os pais sim. Tanto da minha parte como da do Nuno. Por isso, estávamos empenhados em unificar aquilo que se havia desaproximado. Era essa a razão de não termos oferecido qualquer defesa para ficarmos em Nazaré. Podíamos ter ficado a morar com os avós paternos e continuar com a nossa vida por lá. Era uma escolha, que embora não nos tenha sido posta, sabíamos que a tínhamos. Mas aceitámos logo. Apesar de todas as consequências...

E agora era apenas isso. Voltarmos a ser uma família feliz de outros tempos, em que os nossos laços se tornassem «nós cegos». Nós que ninguém pudesse desatar. 



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