Slow Life escrita por thetigas08


Capítulo 3
Capítulo 2 - Pesadelo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/144066/chapter/3

As malas já estavam no carro e os meus pais e o meu irmão também. Faltava eu. Nenhum deles estranhara a minha demora. Já era meu apanágio ser demorado, independentemente das circunstâncias. Se íamos às compras, se íamos viajar ou se íamos para a escola, eu nunca estava no carro aquando dos outros passageiros. Habitualmente, esses atrasos deviam-se à demora com que eu me vestia ou penteava, ou então por culpa do meu estômago que sofria de gula extrema, e eu, cedendo aos seus prazeres, acabava por devorar metade do frigorífico, e o tempo ia passando. Mas desta vez era diferente. Totalmente.

Eu estava na praia. Aquele dia de Verão estava a deixar-me louco. Aliara-se à minha enorme vontade de ficar em Nazaré e nunca de lá sair e estava a tornar ainda mais complicado o que já era difícil. Tinha aproveitado enquanto os meus pais metiam as malas no carro para, sorrateiramente, correr até à praia e meter os meus pés na areia. Eu não podia ir-me embora sem me despedir do mar. Aquele azul profundo inigualável, o cheiro a maresia e o calor abrasador do Sol a bater-me na pele que me faziam amar viver ali, estavam a conseguir hipnotizar-me por mais uma vez. Porém desta vez não me queria deixar levar. Estava tão ciente que nada, mas nada mesmo, podia acabar com aquele pesadelo, que era impossível dar atenção aos meus sentimentos. A minha consciência já tinha aprendido que por vezes era preciso parar de sentir aquilo que nos ocupa o vazio interior e ser supérfluos, apenas para que a mágoa se pudesse manter longe de nós. Era isso que estava a fazer. Tentava ver o mar como uma simples imensidão de água enquanto, inutilmente, procurava desprezá-lo. Algo me estava a forçar fazê-lo só para que pudesse voltar as costas e seguir viagem tranquilo. Mas não estava a conseguir. O coração venceu a minha consciência. Caí de novo em mim. Eu amava aquele lugar e nada iria, podia, ou eventualmente, conseguiria fazer isso mudar!

Por conseguinte, voltei a não controlar os meus actos. Desatei a correr descalço em direcção às pequenas ondas que deixavam na costa viajantes do mundo marinho. Búzios, conchas e outros grãos de areia. Uns chegavam, outros apanhavam boleia do oceano, que logo os engolia naquela viagem, num vaivém constante. E eu, eu só queria que ele me engolisse também. Então, atirei-me e de imediato me embalou. Senti a água a lavar-me a alma e a dor que guardava dissolver-se. Por breves instantes, eu fizera parte daquela combinação de água e cloreto de sódio. Mas não fora mais de um mísero minuto.

Uma onda mais forte atirou-me para o areal e foi deitado nele, que foi possível ver aquele êxtase daquele mergulho deixar-me. Aquela que me devolvera á terra tinha sido uma onda da razão, devolvera aquilo que o mar não quisera. Por uma primeira vez senti-me recusado por alguém que admirava tanto, o mar. Senti-me pior do que o que estava antes. Talvez eu não pertencesse mais àquele lugar. Se nem o mar perdoava o abandono que estava prestes a fazer, não conseguia imaginar o que seria dos meus amigos…

Eu estava encharcado e tinha de ir. Levantei-me e foi de pé, que me virei para o horizonte e pedi desculpas. Estava a pedir desculpas a um lugar inanimado, esperando que ele me desculpasse. A minha partida estava a corroer-me psicologicamente. Estava louco. Antes que piorasse, sacudi a areia que estava colada ao corpo, como que a expulsá-la, e aquilo estava a custar. Tudo naquele dia estava a ser duro. Dei um passo na direcção contrária à do mar e respirei fundo aquele aroma de maresia. Desatei mais uma vez a correr, desta vez ia-me embora. Quanto mais rapidamente o abandonasse, mais depressa ele sairia da minha cabeça.

E foi com grande velocidade que, sem noção daquilo que me rodeava, percorri o areal. Estava tão cego, que acabei por ir contra uma rapariga.

- Desculpa… estás bem? - perguntei-lhe apressadamente, enquanto a ajudava a pôr-se em pé. Estava a correr tão depressa, que quando choquei com ela, acabamos por cair os dois na areia.

- Não… quer dizer, não tem problema… desculpa eu. Não te vi. - dirigiu-se corada, como se tivesse sido ela a culpada. Olhava-me timidamente, como se tivesse medo de me enfrentar.
- Desculpa, eu estava com a cabeça noutro lugar. Magoei-te? - começava a ter o pressentimento de que só fazia perguntas estúpidas.
- Acontece. Não te preocupes, eu estou bem. - disse, reforçando o que dissera antes.
- Bem… vou andando, estou com pressa.
- Tem cuidado. - aconselhou, olhando-me nos olhos.
- Sim, terei. - afirmei, retribuindo-lhe o olhar.

E antes que dessem em malucos por estar à minha espera, comecei a correr até à estrada sem conseguir tirar os olhos dela, assim como ela não tirava os olhos de mim. Aquela queda acidental parecia ter sido algo estranhamente programado.

Alcancei a estrada finalmente e deixei de a ver. Corri mais depressa ainda e rapidamente cheguei ao carro. O meu pai buzinou ao ver-me, e foi possível ver através do vidro que estava irritado. Entrei no carro e ficaram todos a olhar para mim.

- Tu andaste onde?!?  - questionou a minha mãe, vermelha de raiva.
- Este rapaz é tolo! Todo molhado… lembra-se e vai dar um mergulho! Vamos mas é embora - disse o meu pai, confirmando aquilo que eu esperava.
Estava na hora de partir, era o começo do meu futuro. Meti o cinto de segurança e o meu pai carregou a fundo no acelerador. Fechei os olhos.

Agora estava preso àquela viagem. Era tarde para pedir que me soltassem, era a partida. Precisava de alguém que me acordasse e me dissesse que aquilo não era a realidade, que estava a ser um pesadelo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Slow Life" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.