Slow Life escrita por thetigas08


Capítulo 2
Capítulo 1 - Fotografias




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Estava pensativo, fechado deste mundo. Tinha a cabeça a andar à roda do stress de não me conseguir controlar a mim próprio. Em tempo algum me ocorrera que seria complicado interiorizar-me de que se ia iniciar uma nova etapa na minha vida. Mas a dificuldade apenas partia de um factor, a aceitação. Tinha de aceitar que as coisas iam mudar… Estava tão bem como estava. Para quê uma mudança? Não necessitava, e agora restava-me dizer “Adeus” ao passado. Despedir-me dos tempos que preferia que ainda fossem presente, e que um dia viessem a fazer parte do futuro. Queria naquele momento tirar a minha mente do tempo que já vai e conseguir concentrá-la no que estava a viver, contudo não estava a ser capaz. Mas não era a única coisa que queria mudar e não estava a ser possível. Queria conseguir também desviar os meus olhos daquela gaveta do armário junto á janela.

A visão daquele simples armário cor de cerejeira fez a minha pulsação abrandar por momentos e a respiração seguir também esse ritmo mais lento. Mas nele, só uma coisa me deixava assim. Era a gaveta. A última gaveta, a sexta a contar de cima. A que estava mais perto do chão e me queria puxar para junto dela, para onde eu me pudesse sentir miserável. Eu nunca tivera coragem para a enfrentar, era o momento.

Dirigi-me a ela guiado por uma força poderosa vinda de dentro e, sem qualquer consciência dos meus actos, abri-a. Não acreditava que o tinha feito. Tirei-a do armário e fui lentamente levá-la até à cama onde eu estivera momentos antes de ter cometido tal acto louco. Pousei-a cautelosamente como se de algo muito frágil se tratasse e de olhar fixo nela, sentei-me do seu lado. Agora estávamos eu e ela, acompanhados por um silêncio sombrio que, de pouco em pouco, era trespassado pelo chilrear dos pássaros no jardim. Estava na hora de ver o seu recheio.

Por entre um estranho agradável cheiro a mofo distinguido pelo olfacto, fui desvendando com o tacto aqueles rectângulos de papel que ela guardava. E os meus olhos iam assistindo estupefactos. Eram as minhas memórias. Eram o meu passado e os momentos retratados. Eram fotografias.

 Em cada uma delas, pedaços da minha vida. Partes da infância minha, amostras de viagens com a família, fotos de amigos e um retrato a sépia da coisa mais valiosa da minha vida: uma foto com o meu pessoal. Como era difícil tê-la na minha mão… via os sorrisos, via os abraços e ainda o olhar de todos nós. Olhos que transmitiam felicidade verdadeira. Olhos que não foram previamente encenados para o momento do cheese, não. Eram olhares puros, conseguia ver. Em cada um conseguia ainda encontrar os contornos da inocência daqueles que conhecera à já 9 anos. Anos que só agora, no fim desta etapa, consigo perceber que se foram passando. Nem dera conta. Talvez por não imaginar que esse tempo pudesse ter limites, talvez por não querer acreditar que o tempo nos ia separar. Na verdade, eu ainda não estava ciente disso. Lembro-me tão bem daquele nosso último momento fotográfico. Como seria bom se estivesse ao nosso alcance reviver tudo mais uma vez. Não o momento captado naquela fotografia, mas todos os anos passados com eles. Custava-me tanto quando me aparecia na cabeça a ideia da nova etapa, se é que alguma vez ela tinha desaparecido.

Mas existem dias dos quais não há registos gravados em fotografias, porém cravados perpetuamente em mim. Ficam e não voltam a sair. Agarram e não largam. Desses só consigo encontrar um, o dia em que soube que me ia mudar…

Não bastava saber que não ia estar com eles todos na mesma turma e que talvez não pudesse mais crescer tão perto deles? Eu tinha mesmo de ir para tão longe? Mais duro do que saber que a partir de agora nem sempre que olhasse para o lado os ia ver, é saber que durante muitos meses por mais que olhasse em todas as direcções, só encontraria ilusões. Como eu gostava de puder trazê-los comigo ou de nunca sequer os deixar. Não é compreensível. Eu ia abandonar aqueles que me fizeram ser quem sou. E isto não era só uma despedida, era um abandono. De Nazaré para a Póvoa de Varzim, vão mais do que quilómetros, vai um passado e um futuro.

E perante todas aquelas fotografias que me passavam pelas mãos, sentia o passado fugir-me entre os dedos. E alguns sentimentos, desde a saudade à dor, caiam pelo meu rosto e podia sentir o sabor deles. Um salgado que caminhava sobre a pele e se perdia sobre aquelas fotografias, um sabor que por vezes se debruçava sobre os lábios, caindo no paladar.

Mas agora era nova etapa e ponto final. Estava decidido a torná-la em algo bom embora duvidasse dessa capacidade. Limpei as lágrimas na camisa e pousei junto das outras a fotografia que ainda não conseguira largar. Fui soltando-a e o segundo em que foi caindo foi uma eternidade. A angústia de vê-la tombar sobre o meu passado e aterrar na realidade de que ela só a ele pertencia, magoou-me. Peguei na gaveta e devolvi-a ao modesto armário a que pertencia. Antes de a fechar, olhei mais uma vez para aquela foto. Aquela que apesar de todas as outras e do seu tom sépia, continuava a sobressair-se. Não aguentei, fui fraco. Tirei-a de lá e guardei-a no bolso. Fechei a gaveta com um movimento brusco, e consegui ouvir o som ecoar na casa, como se ela tivesse soltado um último gemido, pois eu a tinha fechado para nunca mais a voltar a abrir.

Debrucei-me sobre o parapeito da janela e consegui ver a praia lá ao fundo por entre o jardim. Devia ser das últimas vezes que o fazia. Enquanto o fazia, tirei a foto do bolso e olhei-a mais uma vez. Ouvi passos e guardei-a rapidamente numa das malas das quais me encarregara nos últimos dias de preparar com a roupa de que precisava. Bateram á porta.

- Entra - disse.

- Diogo, traz as tuas malas. Daqui a pouco saímos.

- Ok mãe… - respondi-lhe desgostoso.

Sentia-me exausto. Peguei nelas com um pouco de esforço, e quando já tinha um pé fora do quarto, olhei para trás e pude ver mais uma vez aquela gaveta. Se recordar é viver, então porquê que aquelas fotos me deixaram morto? Simples fotografias…


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