A Brave New World escrita por Maria Salles


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

"Sem pensar, lancei-me contra ele, o golpeando para longe do corpo da mulher. Mas que droga, aquilo estava se tornando mais difícil do que eu esperava."



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O hotel até podia ser menor e menos luxuoso comparado ao outro que fiquei, mas, nossa, o quarto era incrível. Espaçoso e confortável, e tinha até uma antessala com sofá e televisão.

Dimitri e eu ficamos no mesmo quarto. Ele tinha um amigo guardião que fez esse favor pra gente. Sua desculpa a ele, era que eu era aprendiz dele e que havia recebido ordens restritas em cuidar de mim. Um pouco exagerado, talvez, mas funcionou. O quarto reservado para a gente era daqueles compartilhados. Tinha o apartamento normal, com a antessala e o quarto, e uma porta de correr dava para outro quarto separado.

- Um desperdício de espaço e dinheiro, em minha opinião. – eu disse me jogando na cama de casal do quarto principal – Pra quê dois quartos? Não vamos usar. Vamos dormir na mesma cama e mal ficaremos no quarto por causa da reunião.

- O que você esperava? Que pedisse um quarto pra casal – ele ergueu uma sobrancelha e veio se deitar ao meu lado, com as pernas pra fora do colchão – Rose, aqui somos mentor e aprendiz, e não um casal.

Eu bufei e Dimitri riu baixinho se ajeitando na cama e me puxando para seu colo em um abraço.

- É sério quando digo que odeio essa situação. Não gosto de mentir, Rose, ainda mais sendo com relação a você. – ele começou a acariciar meu braço com as pontas dos dedos – eu queria, e muito, andar de mãos dadas com você, te beijar na frente de qualquer um e dizer que é a minha namorada com o maior orgulho. Mas, por enquanto, não dá, Rose.

Era obvio o sofrimento em sua voz. Todos os beijos roubados, os encontros escondidos. Era horrível pra mim, imagine então pra ele!

Suspirei e ajeitei a cabeça, apoiada em seu ombro, tocando a testa em seu pescoço.

- Eu me pergunto como será quando acabar. – Não precisava ser mais especifica que isso. Dimitri sabia do que eu falava – Eu não quero que acabe, Dimitri. Não quero que sejam apenas... lembranças.

- Rose... – ele se moveu em baixo de mim, me fazendo deitar em seu travesseiro alto e apoiando o braço no colchão, ficando, assim, sobre mim. – Eu vou dar um jeito nisso, okay? Não vou deixar que você simplesmente se vá. Eu vou dar um jeito.

A promessa era forte e pesada, fazendo peso em meu coração. Eu queria que ele estivesse correto. Queria que, seja lá o que ele estivesse pensando, funcionasse. Não saberia mais como iria fazer sem ele em minha vida. Não via meu futuro sem Dimitri.

- Eu confio em você. Se der certo, Abe estará aqui essa semana. Eu posso pedir pra ele... sei lá, pedir sua transferência para a Corte ou algo assim. Não sei. Ele tem influencia, deve servir para alguma coisa.

Ele sorriu e tocou nossas testas.

- Não se preocupe com isso agora, Roza. Aproveite o presente.

Eu sorri de volta e abracei seu pescoço, puxando-o para mim.

- Pode deixar que sei como fazer isso muito bem.

 - Se você não tivesse dormido demais, não teria perdido o sol.

Após uma ‘sessão de amasso’, eu deitei nos travesseiros pedindo por meia horinha de sono tranquilo, para me recuperar da viagem e Dimitri ficou comigo, me abraçando pelas costas. Só que eu acabei dormindo demais, e perdi a chance de ir a piscina tomar um solzinho.

- Você bem que podia ter me acordado, não é? – cobrei dele enquanto me avaliava no espelho do elevador – Mas, não. Você ficou me olhando dormir. Não pode nem usar a desculpa que também dormiu demais, camarada.

Dimitri riu baixinho e me puxou pela cintura para perto dele.

- Rose, vamos ficar quatro dias aqui, vai ter tempo o suficiente para ir à piscina.

- E você tem ainda mais tempo para me ver dormindo, Dimitri.

- Eu sei, mas eu me agarro a toda oportunidade que aparece para poder ficar abraçado a você. – ele me beijou e eu passei os braços em seu pescoço – ainda mais com você inconsciente, que fica igualzinha a um anjo.

- Nossa, estou morrendo de rir, camarada – retruquei sarcástica dando um tapa em seu braço. – Quanto tempo precisou pra pensar nisso?

Ele não respondeu e apenas desceu o rosto, afundando-o em meu pescoço e respirando ali, fazendo-me arrepiar. Dimitri beijou meu pescoço e voltou a erguer o rosto para o meu.

- Rose, pode parar de reclamar só um pouquinho?

Eu encarei seus olhos escuros. Eram tão profundos e pareciam ver meu coração e alma. Estavam tão felizes como nunca vi antes. E eu estava reclamando como uma chata.

- Desculpa. Tá, desculpa! – eu sorri e o abracei forte. Faltavam três andares para chegarmos ao térreo - Novamente, estou agindo como uma chata.

- Está agindo como Rose. Já estou acostumado. Você queria ter ido à piscina como toda jovem normal, eu entendo.

- Só que eu não sou como toda jovem normal. – complementei, afastando-me dele rapidamente quando a porta do elevador se abriu – Eu sei disso. Você gosta de me lembrar.

- Não me faça sentir culpado por isso – Dimitri saiu do elevador e eu o segui.

- Eu não quero que te sinta mal. É sério. Eu meio que entendo isso. Só que...

- Às vezes gostaria de ser mais... ‘normal’.

 - Só às vezes. – disse dando-lhe um sorriso enquanto virávamos à esquerda. Já podia ouvir burburinhos vindos da sala à frente – Eu gosto do que faço, mas seria bom ter minha vida, sabe?

- Só às vezes.

Ele repetiu e não consegui identificar o que havia de errado em sua voz. Iria perguntar o que estava errado, mas a porta da sala se abriu e um damphir baixo – devia ser da minha altura – de cabelos loiros e arrepiados sorriu ao nos ver.

- Belikov! Ouvi rumores de que havia chegado, mas não tinha te visto ainda.

- Chegamos há umas duas horas mais ou menos. Rose estava meio cansada da viagem, ai ficamos no quarto.

O cara, que não parecia muito mais velho que Dimitri, se virou para mim e seu sorriso se alargou.

- Ah, então você é Rosemarie Hathaway. – ele estendendo a mão para mim – Sou Alexander Ristow. Ouvi falar bastante de você, estava curioso para saber como era a famosa Hathaway que Belikov tinha que por na linha.

Ergui uma sobrancelha, ou pelo menos tentei erguer uma, desconfortável. Abri a boca mas Dimitri foi mais rápido e interveio.

- Eu sou o mentor dela, Ristow. Ela veio para a Rússia a pedido dos pais para aperfeiçoar seu treinamento. Não é como se ela fosse uma delinquente.

A voz de Dimitri estava controlada, mas eu o conhecia o suficiente para ouvir lá no fundo uma irritação pelo comentário ordinário. Ristow encolheu os ombros sem graça.

- Okay, peço desculpas, Hathaway. – não respondi e ele deu um passo para o lado – Bem, se me dão licença, preciso procurar Steban. A reunião começa em quinze, Dimitri. Podem ir tomando seus lugares.

Sem mais, ele saiu corredor a fora.

- Ele ouviu bastante ao meu respeito? – indaguei imediatamente, impedindo Dimitri de entrar na sala e não me responder – O que ele quis dizer com isso?

 - As noticias correm entre os guardiões, Rose. Ainda mais você sendo filha de quem é.

Bufei. Janine Hathaway. A famosa guardiã. Perto dela eu era apenas a filha problemática que a Academia tinha que lidar. Aquela que desobedecia as regras e, segundo as fofocas maldosas, saia com todo par de calças que aparecia na sua frente. Uma mentira deslavada, não era uma vadia. E nos últimos meses havia me comportado relativamente bem.

Engraçado como seus malfeitos sobressaem os bons. Ninguém, por exemplo, vem dizer que me conhece por ter matado dois strigois sozinha. Com uma espada enferrujada. Que lutei no ataque da Academia ao lado de Christian e acabamos com boa parte dos strigois. Não. Eu sou aquela que fugiu para enfrentar strigois por que era uma idiota. E que pôs a vida de um moroi em risco em uma ação que não tínhamos que nos envolver. As pessoas só veem o que querem ver. Incrivelmente irritante isso.

- Que seja – murmurei recomeçando a andar e indo para a sala de convenções que nos fora reservada – vamos, camarada. Vamos ver se poderemos cravar umas estacas por ai.

Ele me seguiu silencioso.

A sala de convenções era grande e estava cheia. Havia muitos guardiões ali. Um mais diferente que o outro, mas sempre com a combinação preta e branca. Havia uma única mesa, lá na frente. E muitas cadeiras organizadas em dois blocos, cada um de um lado. Atrás da mesa, havia uma tela branca de retroprojetor.

- Por que estamos aqui hoje? – perguntei enquanto nos sentávamos mais ou menos no meio do bloco da direta – A reunião não é só amanhã?

- É. Mas houve a necessidade de adiantarmos. Quem não conseguiu chegar a tempo estará presente por vídeo conferencia.

- O que aconteceu?

Ele não me olhou, mas seu olhar se fixou a frente, duro.

- Houve um ataque, Rose. – ele pausou, procurando as palavras. E então se virou para mim cauteloso – Um ataque à Corte.

O meu coração parou. Senti como se todo meu sangue evaporasse e um arrepiou havia subido pela minha nuca. Um ataque à Corte. Onde Lissa estava. E eu não.

- A princesa está bem. – me garantiu Dimitri com a voz baixa e confortadora – Não tem haver com o ataque de strigois.

Havia mais. Algo estava acontecendo e Dimitri não queria me contar.

- Dimitri. O que está acontecendo? – exigi saber – pensei que essa reunião fosse por conta dos ataques dos strigois. Mas ai você me diz que houve um ataque na Corte. Quando você ficou sabendo disso?

- Inicialmente, ela é. Mas algo mais importante aconteceu. Quando você dormiu recebi uma ligação. Por isso tanta pressa e agitação.

- Dimitri quer parar de fazer suspense?!

Meu coração estava acelerado. Eu sentia que Lissa estava bem, embora ela ainda teimasse em me bloquear- e ela estava ficando boa nisso – mas pelo menos ela estava viva. Isso eu tinha certeza.

- Houve um atentado contra a Rainha.

- O que?  Tentaram matar Tatiana? E conseguiram?

Poderíamos ter tido sérios problemas, ainda mais quando eu andava saindo com Adrian, mas mesmo assim, não desejava a morte dela. Ela, apesar de tudo, era uma boa governanta.

- Por sorte, não. Mas chegaram perto. Bem perto. E não, a princesa não estava ou está em perigo imediato.

Ele respondeu a pergunta que martelava minha cabeça, sem eu precisar verbaliza-la. Era um alivio saber que Lissa estava fora de perigo, além dela mesmo. Mas confiava em Adrian e em... bem, Christian para que ela não fizesse nenhuma idiotice.

Mas isso não me deixava menos preocupada. Só aumentava minha preocupação. Eu andava relapsa e distante. Uma distância que ia além dos países e continentes diferentes.  Odiava ficar brigada com Liss, ainda mais estando longe e não podendo discutir diretamente com ela. Tornava tudo muito pior. Era mil vezes pior que na época que discutimos e ficamos separadas quando voltamos à Academia.  E eu não queria que isso se repetisse e acabasse por estragar nossa amizade.

- Dimitri. – Eu chamei sem olha-lo imediatamente – Eu preciso consertar uma burrada que fiz. Tem problema se não assistir a esta reunião?

Ele me analisou por um momento. Seus olhos escuros como breu enxergando minha alma e me decifrando como um grande quebra-cabeças complicado, que ele tinha prazer em montar até chegar ao final. Por fim, ele suspirou e afagou minha mão rapidamente. Uma sombra de um sorriso passou por seus lábios.

- Não, não tem problema. Oficialmente, você não está exercendo o ofício de Guardiã. Aqui seria um treinamento. Que podemos repetir amanhã e nos próximos dias.

- Obrigada.

Eu gostaria de tê-lo beijado, mas não era o momento. Podia ver em seus olhos sua vontade de se aproximar, mas ali, na frente de todos, éramos mentor e aprendiza.  O casal era apenas entre as quatro paredes do quarto.

Lançando lhe apenas um olhar significativo, que me foi retribuído, me levantei da cadeira e me dirigi para fora do local.

- Olá, pequena damphir. - A voz sedosa de Adrian me cumprimentou do outro lado da linha. – Sabia que cedo ou tarde ligaria. Quando ficou sabendo?

Direto e reto.

- Dimitri acabou de me contar. Como ela está?

- Um pouco abalada, mas vai sobreviver. – uma pausa desconfortável se seguiu do lado dele, antes de continuar – ela ainda está te bloqueando, não é?

- Yeah. – respondi com um suspiro triste – Eu devia ter feito o que você disse, Adrian. Devia ter ligado. Merda, eu sinto a falta dela! De verdade! Não gosto de quando ela fica brava comigo, mas ela também tem que entender que eu também tenho minha vida.

- Ela vai entender, Rose.

- Jura? Me pergunto quando.

Não pude evitar, mas minha voz saiu um tanto sarcástica e desgostosa.

- Logo. Ela só está com medo. Medo de perder a melhor amiga e irmã.

- Me perder? Eu nunca deixaria, Adrian. Ela sabe disso.

- Sabe mesmo? Pense bem, Rose. Você descobriu que seu pai é um Moroi rico e influente, e que visivelmente sente algo por você, e que esta disposto a fazer coisas por você que estejam de acordo com ele. Então, você viaja para uma país exótico, logo você que male má viajava pelo próprio país. É hospedada na casa de uma família que te trata como uma filha e logo desenvolve um caso com um damphir local e que te entende mais que tudo. Realmente acha que ela não tem motivos para ela ficar com medo? Você está mais feliz que nunca, Rose.

- Mas minha vida não é completa sem Liss. Eu preciso dela, Adrian. E ela precisa de mim.

Mais uma vez, um silêncio se seguiu. Só então eu parei para pensar nas palavras de Adrian e corei, franzindo a testa.

- Woha, pera lá, Adrian. Primeiro de tudo, não me envolvi com ninguém okay?

Era mentira, mas ele não precisava saber disso. Não queria uma terceira pessoa sofrendo nesta equação toda.

Para minha surpresa, ele riu.

- Não é? Desculpe-me, usei palavras erradas. Deixe-me retificar: Rose Hathaway se apaixonou. Caiu de amores. O nome do príncipe que veio salva-la dela mesma? Dimitri Belikov. Pronto, está melhor assim?

Senti meu pescoço esquentar e sabia que havia corado violentamente. Sorte estar muito bem escondida no quarto do hotel.

- Não precisa responder. – ele continuou – As áureas podem falar muito, mas eu consigo entender muito melhor você. Pensei que tivesse entendi isso no ultimo sonho.

- Bem... eu pensei que você se referia mais ao fato de eu ficar na Russia, não exatamente Dimitri. Quero dizer... Ah, Adrian. Eu sinto tanto!

- Não sinta, pequena damphir. Não sinta. Não tem motivos para sentir pena de mim. Sério. Vai me deixar pior se sentir.

- Seria tão mais fácil se eu pudesse retribuir o que você sente.

- Seria, não é? Mas, hey, a vida não é fácil.

- É... – resolvi mudar de assunto. Estava ficando sentimental de mais, cruzes! – Adrian, a Lissa tá ai?

- Ela não pode atender agora. Está dormindo.

- Dormindo? Mas são... – só então me dei conta do fuso horário – Ah! Adrian, me desculpe! Esqueci completamente!

- Eu estava acordado, pequena damphir. Não se preocupe. Você não me acordou.

Havia diversão em sua voz, e estranhei. Tive a impressão que ele me escondia algo, mas não perguntei.

- Bem, vou esperar então. Quando ela acordar, diga que liguei e que quero falar com ela.

- Pode deixar, Rose. Você duas vão adorar se falar.

Sorri para o nada.

- E Abe? Conseguiu falar com ele?

- O cara é difícil, Rose. Você é bem filha de quem é. Mas sim, consegui. Ele disse que encontra com você assim que possível.

Menos mal. Abe iria vir e Lissa falaria comigo. Esperava conseguir resolver todos os meus problemas nesta viagem.

- Obrigada, Adrian. Mais uma vez.

- Irei botar na conta, Rose.

Eu sorri confortável e me despedi dele.

Senti mais leve ao por o telefone na base. As coisas iriam funcionar. Eu faria funcionar. Iria me desgastar e argumentar bastante, mas no final teria minhas duas metades. Se não, não conseguia nem imaginar o que faria.

Olhei em volta do quarto. Ainda era cedo e Dimitri deveria estar na reunião ainda. Ficar parada não era bem meu estilo, ainda mais estando em uma cidade como Omsk. Resolvi dar uma volta pelo quarteirão, aproveitar o inicio da noite para ver um pouco da Russia ‘moderna’ que Dimitri vivia tentando me convencer existir.

Vesti o casaco quente que Abe havia me dado e escrevi um bilhete para Dimitri avisando onde eu iria e que voltava logo, deixando sobre seu travesseiro. Peguei o cartão do quarto e o guardei no bolso do casaco e sai.

Antes de ir para a rua, me informei no balcão da recepção o que havia ali por perto. A moça, com o inglês carregado de sotaque, me indicou uma espécie de bar que ficava há dois quarteirões dali. Me soou como aquele que Abe me levara e havia conhecido Dimitri. Com essa lembrança boa, resolvi seguir seu conselho.

Infelizmente não cheguei até o bar.

 A sensação tão conhecido de enjoo começou no fim do primeiro quarteirão, quando me aproximava de um beco. Esta altura, a rua estava com muita pouca gente.  Os carros passavam rápidos e havia poucos pedestres. Era um local perfeito para um crime. Um cardápio cheio de opções para Strigois.

O contado frio da estaca na minha pele, debaixo da blusa que usava e dentro da calça, era um conforto para mim. Mas não pude deixar de me sentir inquieta. Ele poderia estar em qualquer lugar e com uma vitima. Ou com algum parceiro. E eu era apenas uma.

Meus passos ecoavam enquanto o enjoo aprofundava. Não era necessário ser uma gênia para saber que o beco era onde ele, ou eles, estava. E juntando toda a coragem que tinha, me dirigi até lá.

Estava tudo muito escuro. Havia apenas uma luz amarelada e fraca sobre uma porta, saída de algum estabelecimento. Uma caçamba preta estava cheia de lixo e era de trás dela que ouvi gemido. Pé ante pé, segui atenta até ela, o enjoo pior a cada momento. Mas já estava acostumada a ignora-lo e fazer o que devia fazer. Devia matar. Matar quem estava estragando minha noite.

Minha mão subiu a blusa e eu peguei a estaca, preparada para qualquer ataca. Mas quando cheguei até a caçamba, havia apenas uma moça encostada na parede, meio sentada meio deitada. Era a vítima, percebi, pelo sangue que ela tentava estancar com a mão no pescoço. Isso era um problema. Deveria ter atrapalhado o lanchinho dele, e algo que deixa qualquer um irritado e ser interrompido enquanto come. Some-se isso ao fato de ser um strigoi e suas chances de sobrevivência são poucas.

Ela se assustou ao perceber minha presença, mas eu ergui a mão para o alto, tentando mostrar a ela que nada tinha a temer. Eu estava ali para ajuda-la.

- Shh. – pedi me agachando a frente dela – Eu sou Rose. Vim te ajudar.

Agachada, fui me aproximando dela e percebi que seu olhar parecia menos desconfiado, embora ainda muito amedrontado.

- Roza. – disse da mesma forma que Dimitri me chamava, apontando para meu peito. -  Ajuda.

Ela suspirou e eu passei os braços em baixo de seus braços tentando ajuda-la a se levantar. Não ofereceu resistência e não fomos atacadas. O enjoo havia diminuído um pouco, mas ainda sim havia aquele incomodo na boca do estomago que me alertava que isso ainda não havia acabado.

Suportando seu peso, comecei a andar. A moça havia perdido muito sangue e a ferida estava aberta. Ela precisava de ajuda e precisava de ajuda vampira. Não tinha condições leva-la para um hospital. O que ela responderia quando lhe perguntasse o que houve? “Foi um monstro. Tinha olhos vermelhos, presas e pele branca que dava medo. E tinha sede do meu sangue.”

Precisava ligar para Dimitri, mas não tinha como carrega-la e pegar o celular ao mesmo tempo. Uma coisa ou outra, e o importante agora era sair dali, da zona de perigo. Mas, mais uma vez, fui interrompida em meu caminho.

- Nunca te ensinaram que é feio fugir com a comida dos outros?

Eu parei.

Há muito tempo havia aprendido que congelar na presença de um vampiro era algo extremamente errado a se fazer, a não ser que você queira ser morta. Não era o nosso caso. Mas se eu desse mais algum passo, ele poderia atacar e eu não teria chances de defesa.

Girando nos calcanhares, me virei devagar e me deparei com a personificação da morte.

O strigoi era alto, bem mais alto que eu. E era lindo. Tinha cabelos compridos, passando dos ombros, e eram bem loiros. Esguio, tinha quase um ar aristocrático na forma de se mover, muito leve e suave. Ele deveria ser velho. Por alguma razão, relacionei-o ao vampiro Armand de um livro que li de Anne Rice.

Ele sorriu de lado, um sorriso que me fez arrepiar de tão demoníaco. Suas presas estavam expostas sem pudor algum, e apenas um filete de sangue escorria do canto de sua boca. De resto, estava impecável.

A moça que eu carregava gemeu.

- Ah, sabe como é, sou conhecida por não seguir regras. – retruquei tentando parecer arrogante – Tenho que fazer jus a minha fama.

Seus olhos cintilaram. Eu tremi.

- Ora, ora. Temos uma damphir engraçadinha aqui. – Ele deu um passo pra frente, eu dei um passo para trás. – Gostei disso. Gosto de garotas... ousadas.

O que aconteceu a seguir foi muito rápido. Uma hora ele estava há uns 5 metros de mim. De repente eu estava presa em seus braços, a pobre moça jogada ao chão. Sua respiração gélida tocou minha pele enquanto falava.

- Seja uma boa menina e fique quietinha enquanto acabou com sua amiguinha, okay? – o tom quase paternal era frio e cheio de veneno. – Depois tenho muitas ideias para você, gracinha.

Ele me jogou com força na parede, que teria nocauteado uma pessoa normal, mas apenas me deixou um pouco zonza. Mas não o suficiente para me impedir de ir pra cima do cara quando ele avançou para o corpo inerte no chão. Por sorte, eu o peguei de surpresa. Provavelmente ele deve ter achado que me deixou inconsciente ou algo assim.

Eu o chutei no meio das costas, afastando-o da mulher, e puxei a estaca, ficando entre a mulher e o vampiro. Ele se recuperou com facilidade e chiou.

- Sua vadia. – rosnou enquanto ajeitava as roupas – Alguém precisa te impor limites, mocinha.

Ele veio pra cima de mim, e consegui desviar de seu abraço. Dobrei o joelho e desferi um golpe em seu estomago. O strigoi recuou, mas ele rapidamente se recuperou e devolveu o golpe 10 vezes mais forte, extraindo meu fôlego. Enquanto eu tossia tratando de trazer de volta ar em meus pulmões, ele me atirou um murro na mandíbula, e logo se voltou para a mulher com suas presas estendidas.

- Vamos terminar logo com isso, bela adormecida.

- Sem chances! – eu gritei.

Sem pensar, lancei-me contra ele, o golpeando para longe do corpo da mulher. Mas que droga, aquilo estava se tornando mais difícil do que eu esperava.

Eu estava bastante irritada por estar levando uma surra daquele strigoi. Seria o cúmulo se eu o deixasse matar aquela mulher, ainda mais por que eu tinha a consciência de que assim que ele acabasse com ela, eu seria a próxima.

O Strigoi golpeou ruidosamente no chão, e eu aterrissei sobre suas mãos e seus pés, ofegando enquanto a satisfação se precipitava através do meu corpo. Segurei a estaca com habilidade, mas ele soltou uma das mãos e segurou meu pulso com força me fazendo gritar.

- Nem pense nisso, seu filho da mãe!

Não hesitei ao segurar firme a estaca e tão rápido como eu pude a cravei em seu coração. Ele deu um gritou e então depois de alguns momentos, parou de se mexer.

Sua mão me soltou e ela caiu inerte no asfalto. Minha respiração estava arfante e difícil. Meu pulso ardia e vi que estava com as marcas de seus dedos em um vergão vermelho. Retirei minha estaca e me levantei de cima dele, sentindo uma leve tontura. Devo ter batido a cabeça e não percebi, provavelmente quando ele me jogou no chão.

Ainda me sentia extasiada, com a adrenalina correndo meu corpo, era como se minha mente vagasse por todo o canto e mais um pouco. O gemido da mulher me voltou a atenção para o mundo real. Voltei-me para ela, deitada no chão em posição fetal, com um ar muito vulnerável.

Foi quando me dei conta que algo estava errado.

Virei para encarar o Strigoi. Estava imóvel, perfeitamente empalado. Mas a sensação de enjoo no estomago, aquela particular de quando um vampiro estava por perto, ainda permanecia.

Tomei conta disso tarde demais.

Alguém me puxou pelo cabelo e fui jogada contra a parede, batendo a cabeça com força me fazendo ver estrelas. Uma mão gélida segurou meu pescoço, quase me enforcando. Abri os olhos e tudo que consegui distinguir foram olhos tremendamente vermelhos e um sorriso de dentes brancos e pontiagudos.

Arfei. Meus olhos se encheram de água.

Já estive em situações ruins que quase me mataram. Mas nunca estive tão próxima assim. Nunca encarei a morte de frente, com sua respiração tocando minha pele como agulhas. Por isso acho que delirei. Senti o perfume de Dimitri momentos ante de sentir o suave e leve toque das presas em meu pescoço.

Então tudo ficou escuro.


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Notas finais do capítulo

Desculpem-me a demora. Mas agora as coisas começam a ficar realmente boas...rsrs

Então? O que houve com Rose? Será que ta viva? Morta? Transformada? Entre a vida e a morte?

"Me senti agoniada. O que estava acontecendo? De quem eram essas vozes que invadiam minha paz e tranquilidade?"