à Eternidade escrita por GabrielleBriant


Capítulo 2
Livre




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II

LIVRE

Foi com um misto de contentamento e apreensão que Shacklebolt e McGonagall receberam a notícia de que Severo passaria a morar com Evangeline.

Sabendo que teria de voltar à festa que ocorria no salão principal da escola antes que sentissem sua falta, Minerva decidiu ir imediatamente verificar se Severo já podia ser removido do local onde estava sem chamar a atenção de pessoas que porventura ainda estivessem nos jardins; assim, ela deixou a Casa do Grito, verificou que não havia mais ninguém nos jardins de Hogwarts e foi avisar ao trio de que já poderiam sair de lá sem ser notado.

O caminho para fora da Casa foi longo e tortuoso. Evangeline, Kingsley e Minerva arrastaram com dificuldade o corpo de Snape pelas galerias sujas e apertadas. Quando finalmente chegaram ao lado de fora, o sol já brilhava forte. Minerva despediu-se de Severo com um tímido abraço e logo se encaminhava para dentro do castelo.

Protegidos pelo feitiço da desilusão, o auror e Evangeline apoiaram o corpo de Snape até cruzarem os portões de Hogwarts, onde eles finalmente poderiam aparatar.

- Eu aparatarei primeiro com você, Snape. A Srta. Redfield ficará mais segura sozinha aqui do que numa praça trouxa.

Evangeline ergueu uma sobrancelha, pensando que o homem fraco e ferido talvez precisasse de mais proteção do que ela; mas, antes que pudesse protestar, Shacklebolt já havia agarrado a mão de Snape e desaparecido com um estalo.

A mulher se abraçou, finalmente prestando atenção em si: estava desalinhada, desembaraçada, suada e tinha manchas de sangue pelo seu corpo inteiro. Mordeu levemente o seu lábio inferior: aquele cenário certamente faria John perguntar algumas coisas...

Seus pensamentos foram interrompidos por mais um estalo; era Kingsley, já de volta. Ele não falou nada antes de segurar a sua mão e desaparatar, fazendo-a sentir mais uma vez aquela incomoda sensação claustrofóbica.

Quando abriu os olhos, estava no beco sujo perto da sua casa. A fina garoa que caía quando ela deixara o local se transformara num verdadeiro temporal, imediatamente fazendo com que o sangue começasse a escorrer pela sua pele. Evangeline apressou-se à pracinha.

Snape a esperava sentado num banco, parecendo não se incomodar com a chuva e com o vento cortante que imediatamente fizeram os lábios de Evangeline começarem a tremer.

- Vamos - Ela disse, tirando do bolso do seu sobretudo, as chaves. Logo o silêncio daquela pracinha ainda deserta era cortado pelo barulho estridente do alarme do carro azul sendo desligado.

Rapidamente, Evangeline encaminhou-se para a porta do passageiro e a abriu. Kingsley apoiou Snape e o levou até o carro, colocando-o sem muito cuidado. Enquanto fechava a porta, ela o escutou:

- Eu já vou. Lembre-se que esse assunto deve ser mantido no mais absoluto sigilo, Srta. Redfield.

- Eu não conheço ninguém do mundo bruxo, Sr. Shacklebolt. Apenas duas pessoas sabiam da minha existência: uma delas está morta e a outra sabe sobre esse... arranjo. Então não creio que o seu segredo esteja em xeque comigo.

- Muito bem, então. Boa sorte.

E, sem mais uma palavra sequer, o auror sumiu.

Evangeline suspirou pesadamente e entrou no carro. Antes de dar a partida, no entanto, recostou a sua cabeça ao banco e, disse, sem olhar para o homem:

- Existem algumas regras.

- Eu imaginei que elas fossem existir.

A voz dele parecia diferente daquela que ela ouvira no castelo. Não era rouca e fraca, como aquela. Mas uma voz forte, aveludada... uma voz que ela jamais ouvira parecida. Continuou sem olhá-lo, mas conseguia sentir aqueles olhos extremamente negros grudados nela, analisando-a.

- Eu moro sozinha, o que provavelmente facilitará essa situação. No entanto, tenho um relacionamento há quase dois anos com um homem. O nome dele é John Anderson. Ele vez por outra passa a noite na minha casa.

- Se você tem um relacionamento longo, imagino que ele saiba tudo sobre a sua família; logo, não será problema.

Ela suspirou, sentindo-se julgada.

- Ele não sabe. A única coisa que John sabe é que eu tenho uma família problemática. Mas jamais soube quem eles eram... ou o que eles eram. Ele nunca conheceu Alvo ou sequer sabe o nome dele. Ele não sabe que o meu avô se chama Albeforth, ele não sabe que a minha mãe foi um aborto, ele não sabe que bruxos existem. E eu quero que continue assim. Logo, o mundo mágico é um assunto proibido enquanto ele estiver lá.

Pelo canto do olho, ela o viu assentir lentamente.

- E eu quero deixar clara que esta é uma situação temporária. Você vai se habituar aos costumes trouxas, conseguir um emprego...

- E ir embora. Eu sei.

Ela mordeu o lábio, sentindo que aquele homem estava tão infeliz com a situação quanto ela. Então sem mais nenhuma regra, ela deu partida no carro.

Logo fez o seu caminho pelas ruas molhadas de Liverpool. Chegou à sua casa, abriu com o controle o seu portão e estacionou o carro na pequena garagem. Apenas então escutou novamente a voz dele:

- Eu não sei se conseguirei descer sozinho.

- Eu sei.

E, dizendo isso, ela desceu do carro, abriu a porta da casa e gritou:

- John!

O homem alto de cabelos claros olhou preocupado para a namorada enquanto descia as escadas.

- O que houve?

- Eu preciso da sua ajuda, aqui.

- Você está ensopada! Vai pegar um resfriado!... E isso é sangue?!

- Depois eu cuido disso, venha aqui.

Ele se apressou. Quando viu que a namorada trazia no carro um homem, ficou apreensivo. Não deixou de notar as marcas horrendas que ele trazia no pescoço.

- Me ajude a tirá-lo do carro.

John rapidamente tirou o paletó que vestia, pendurou-o na maçaneta da porta de entrada e foi ajudar Snape a sair do carro, carregando-o para dentro de casa e deixando no assoalho, antes impecável, marcas de sangue.

- Deite-o no sofá.

Evangeline apertou os olhos quando viu o desconhecido desabar sobre o seu sofá branco. Mas preocupar-se-ia com isso depois. Naquele momento, apenas tinha que inventar uma desculpa para John que, meio preocupado, meio curioso, perguntou:

- O que está acontecendo? Onde você estava? E quem é ele?

Ela suspirou, olhando para o namorado e se amaldiçoando por não ter nenhuma resposta. Mas, felizmente, antes que ela precisasse inventar qualquer coisa certamente não verossímil, a voz aveludada soou na saleta.

- Eu sou Severo Snape. Sou tio de Evangeline.

Ela ergueu uma sobrancelha para Snape, enquanto John encaminhava-se para ele com a mão já estendida.

- Ah, é um prazer. Eu sou John Anderson, o noivo dela.

- Eu ouvi falar de você – ele disse, com um sorriso não muito simpático.

- John – Evangeline disse. – Meu... tio vai ter que passar uns dias aqui. Aconteceu um acidente hoje e ele está machucado, precisa descansar.

- Então vamos arrumar o quarto de hóspedes e--

- O quarto está cheio de tralhas, não dá para limpar agora. Mais tarde eu cuidarei disso. Você precisa trabalhar. Vá trocar a camisa.

- Eu posso faltar um dia! Ele parece fraco, precisará de ajuda para tomar pelo menos um banho e--

- Não é necessário! Ele está bem. – Ela olhou para Snape. – Não está?

Ele assentiu. Resignado, John apenas deu de ombros e subiu as escadas. Logo ele voltava, já trajando uma camisa limpa. Vestiu o paletó que deixara na maçaneta da porta e, com a chave do seu carro em mãos, saiu, deixando Snape e Evangeline a sós.

- Eu posso fazer alguma coisa? Um remédio, talvez?

- Eu já tomei as providências para me curar, obrigado. Apenas preciso descansar. Logo estarei bem.

- Muito bem. Tem um banheiro no fim do corredor, se precisar. À esquerda fica a cozinha. Quando eu voltar do trabalho, mostrarei o seu quarto temporário.

Ela tentou dar um sorriso. Vendo que Snape começara a deitar-se, ela fechou as cortinas, deixando a sala tão escura quanto possível, e começou a se encaminhar para o seu próprio quarto. Quando estava no meio da escada, no entanto, ouviu:

- Redfield.

Virou-se lentamente.

- Sim?

- Não é uma situação boa para mim, também.

- Eu sei.

E sumiu de vista.

Severo Snape suspirou pesadamente, deitando o seu corpo maltratado e dolorido no sofá antes impecavelmente branco. Por um momento, apenas contemplou a paz e perdeu-se em pensamentos.

Ele finalmente estava livre; livre dos seus deveres, livre da necessidade de enfrentar a morte dia após dia... Livre da dor e da culpa. Ele estava livre dela.

Olhou para o teto, deixando a sua mão pousar ligeiramente nos dois profundos furos em seu pescoço.

Certamente era um homem de sorte. O Lorde das Trevas poderia ter usado contra ele a maldição da morte, mas temeu que a varinha não o obedecesse... preferiu, assim, usar a maldita cobra... O que acabaria resultando numa morte bem pior, se você não soubesse fazer bem um feitiço de cura não-verbalmente ou não fosse precavido o suficiente para andar com antídotos.

Graças aos anos e anos como espião, vivendo perto demais da morte, Severo Snape não era assim. Ele já sarara muitas pessoas com os seus feitiços curativos e sempre andava carregando consigo um bezoar. E o fato que Harry Potter pensou tê-lo visto morrer apenas contribuiu para a decisão que ele fizera anos atrás: largar o mundo bruxo após ter cumprido o seu papel... depois que ele finalmente tivesse pago a sua dívida para com ela.

Lentamente, ele fechou os olhos e se permitiu um breve sorriso. Estava livre.

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