à Eternidade escrita por GabrielleBriant


Capítulo 1
O Pedido




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/14146/chapter/1

À ETERNIDADE

Gabrielle Briant

-.-

I

O PEDIDO

O silêncio era cortado apenas pelo raro barulho de carros passando pela rua...

Uma breve garoa respingava na janela de vidro, por onde entrava a fraca luz do sol naquele início de manhã... que iluminava o corpo do homem e da mulher que, enroscados na cama, dormiam profundamente.

A paz era quase palpável... e assim estava boa parte da Grã-Bretanha trouxa naquela manhã fatídica, onde o mal finalmente e definitivamente era derrotado.

Enquanto, longe dali, na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, corajosos bruxos lutavam com os seus sentimentos contraditórios de alivio pelo fim da guerra e dor pela morte dos seus entes queridos, os trouxas apenas dormiam pacificamente, alheios ao caos... exatamente como aquele casal.

Mas aquela doce paz estava preste a acabar – pelo menos naquela casinha no centro de Liverpool. E acabou com o toque estridente do telefone celular que descansava, até o momento silencioso, na mesinha de cabeceira ao lado da mulher.

Com um gemido afetado, ela se ergueu, deixando os seus cabelos cor-de-mel caírem em cascata pelas costas nuas. O homem apenas resmungou e passou o braço pelas pernas dela, e dizendo baixinho.

- Quem é? Que horas são?

Ela, sonolenta, pegou o telefone e examinou-o.

- Não sei... número confidencial.

- Deixe tocar...

- Pode ser importante... – E, dizendo isso, apertou o botão verde e atendeu ao telefone. – Alô?

Do outro lado da linha, veio uma voz que há algum tempo ela não escutava... e o seu tom imediatamente a preocupou: na última vez que ouvira aquela voz, há um ano, recebera a notícia de que o seu tio-avô havia sido brutalmente assassinado por um homem que ele julgava ser um amigo em nome da estúpida guerra que o povo deles travava.

“Evangeline?”

Ela engoliu seco. Levantou-se imediatamente da cama e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

- Minerva?

“Sim. Preciso me encontrar com você.”

- Agora?! As seis da manhã?!

“Eu sei, mas o assunto é urgente. Um auror logo aparatará em sua casa para lhe buscar.”

- Não. John está aqui. Diga para ele me encontrar num beco que fica ao lado daquela pracinha, a dois quarteirões daqui.

“Como quiser. Até logo.”

Ela suspirou, logo se apressando para o quarto. Evangeline Redfield sabia muito bem que ninguém do mundo bruxo gostava o suficiente dos trouxas para querer que um deles se metesse em seus assuntos. E, por essa razão, ela tinha a mais absoluta certeza que apenas um motivo muito forte poderia ter feito com que Minerva McGonagall usasse a telefonia trouxa para lhe contatar.

- Quem era?

- Emergência de família – ela mentiu, ensaiando um sorriso de desculpas. Ela sempre deixou claro a John que a sua família era cheia de segredos. Com o tempo, ele aprendeu que não deveria fazer perguntas quando visse tal sorriso no rosto da namorada. – Tenho um probleminha para resolver.

- Agora?

Ela assentiu, jogando rapidamente sobre o seu corpo um vestido.

- Sim, agora. Eu não sei se voltarei logo, então, por favor, ligue para o escritório e diga que eu estou doente...

- O que houve?

- Não posso contar.

- Então... leve o telefone e me ligue quando souber mais ou menos quando você volta.

Ela suspirou, vestindo um longo sobretudo e pegando a sua bolsa.

- Lá não tem cobertura. Durma, não se preocupe comigo... vou tentar voltar assim que for possível.

E, sem mais uma palavra, ela debruçou-se sobre ele e depositou em seus lábios um suave beijo, enquanto esticava o braço e pegava as chaves do carro na mesinha de cabeceira ao lado dele.

Com passos largos, ela deixou a casa, pegou o carro e dirigiu dois quarteirões até a pracinha.

A chuva matinal havia aumentado quando finalmente estacionou. Lentamente, ela abriu a porta do carro e desceu, sentindo as gotas geladas tocarem o seu corpo, enquanto encaminhava-se até o beco no qual o encontro fora marcado. Lá, um homem negro a esperava em pé – ela abriu a boca, sobressaltando-se.

O homem era alto e imponente. No seu rosto, um profundo corte evidenciava a violência da noite... Mas o que mais assustou Evangeline foram as vestes rasgadas e o sangue que a chuva começava a lavar, formando uma pequena poça de água avermelhada ao redor dele.

- Você é Evangeline Redfield?

Ela assentiu lentamente, assustando-se ainda mais depois de ouvir a voz rouca e profunda dele. Sabia que deveria confiar naquele homem, mas não conseguiu conter o discreto passo que deu para trás quando ele se aproximou mais um pouco.

- Eu sou Kingsley Shacklebolt. McGonagall me mandou.

Evangeline mordeu o lábio lentamente, obrigando-se a encarar a figura masculina.

- Eu sei... O que... o que ela quer que eu faça? O que aconteceu?

- Eu creio que não seja a pessoa certa para lhe explicar isso. – Discretamente ele estendeu-lhe a mão. – Venha.

Ela respirou fundo, tomando coragem para segurar firmemente a mão dele. A última coisa que sentiu antes de ser consumida pela conhecida sensação claustrofóbica daquilo que os bruxos chamavam de aparatar foi a forte mão envolver a sua.

Quando abriu os olhos, estava de frente aos portões da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, o auror empunhou a sua varinha na direção dela e disse algo que ela não pôde compreender. Uma fina luz azulada a atingiu.

- Pus em você um feitiço da desilusão. Ele vai evitar que qualquer pessoa que esteja no nosso caminho perceba a sua presença. É extremamente importante, Srta. Redfield, que apenas McGonagall e eu saibamos que você esteve aqui.

Ela assentiu, enquanto assistia-o abrir com facilidade os grandes portões de ferro que guardavam a escola.

- Siga-me.

Afundando os saltos no chão arenoso, Evangeline seguiu o auror, entrando mais uma vez em Hogwarts... mas a escola não era nada do que ela se lembrava. A construção estava destruída em parte. O caos dominava os jardins, onde uma dúzia de pessoas formava um mutirão concentrado em arrastar cadáveres para dentro do castelo, ao mesmo passo que algumas pessoas que trajavam vestes semelhantes às de Shacklebolt – mais aurores, ela pensou – prendiam bruxos mascarados.

Ela prendeu a respiração, tentando não olhar para os cadáveres. Nervosa, agarrou-se à sua bolsa e deixou-se ser guiada. Quase sem perceber, deixou-se ser levada para um grande salgueiro, e logo por um tipo de passagem secreta dentro dele... até ao que parecia ser as ruínas de uma casa.

Ela caminhou por um corredor escuro, até chegar a uma grande sala. As janelas estavam seladas com madeiras e muito pouco da luz do sol entrava naquela lugar; assim, tudo que ela pôde perceber foi as sombras de duas pessoas sentadas, encostadas numa parede, e o terrível cheiro de sangue que impregnava o local.

Incerta, ela sussurrou:

- Minerva?

A pessoa da direita levantou-se, formando na escuridão a silhueta de Minerva. Evangeline quase suspirou aliviada. A bruxa se aproximou e logo Evangeline pôde ouvir a sua voz nervosa.

- Antes de tudo, quero que você saiba que todos aqui estão bem. Eu vou iluminar o local, Evangeline. Não quero que você se assuste com o que vir.

Evangeline não entendeu exatamente o que a bruxa queria dizer, até que ela meneou a sua varinha e fez com que o lugar se iluminasse. A mulher teve que conter um grito: o chão do local formava uma enorme poça de sangue e, no centro dela, a segunda sombra humana que ela vira finalmente se revelava. Era um homem que respirava pesadamente. Em suas mãos um frasco que continha algum tipo de líquido espesso amarelado descansava. Ele estava extremamente pálido e em seu pescoço ficava a ferida mais feia que ela já vira em toda a sua vida. Ela não precisava ser médica para saber que aquele tipo de ferida deveria ser mortal.

Em choque, ela abriu e fechou a boca, olhando do homem moribundo para Minerva.

- Minerva... o que... quem?

Minerva deu um passo em sua direção. Os seus olhos, Evangeline finalmente prestou atenção, estavam cansados e o seu rosto marcado por algumas lágrimas. Os cabelos, geralmente impecáveis, estavam desgrenhados e as roupas sujas e rasgadas.

- Não se assuste. Ele vai ficar bem. – A velha voltou-se para o homem e disse. – Ela está aqui.

- Eu... – O homem tossiu. A sua voz saíra com dificuldade e extremamente rouca. – Eu quero falar com ela a sós.

Minerva ainda olhou mais uma vez para Evangeline antes de sair, acompanhada de Shacklebolt. Incerta de como proceder ao ficar sozinha com aquele homem totalmente desconhecido, Evangeline se aproximou. Lentamente, ajoelhou-se de frente a ele, não se importando que a barra do seu vestido e as suas pernas absorvessem o sangue vermelho que se apoderava do chão.

A luz voltou a ser precária. Evangeline podia ver pouco além do tom pálido da pele dele e do brilho estranhamente magnético que vinha dos seus olhos negros. Mordeu ligeiramente os lábios.

- Você é Evangeline Redfield? Sobrinha-neta de Alvo?

Ela assentiu lentamente.

- Antes de morrer, Alvo disse que eu poderia procurar por você se precisasse.

Ela balbuciou um pouco antes de perguntar, já com medo da resposta.

- E o que eu posso fazer por você?

O homem desviou os seus olhos incrivelmente negros dos dela.

- Você sabe o que houve aqui?

- Não. Mas acho que tem algo a ver com a guerra.

- A guerra acabou esta madrugada. Eu fui dado como morto. E pretendo continuar assim.

Evangeline ergueu uma sobrancelha.

- Você... não quer voltar para o seu povo?

- Eu nunca pertenci a esse povo. – Ele fez uma longa pausa, como se procurasse as palavras certas para fazer um pedido difícil. – Srta. Redfied, eu passei a minha infância entre os trouxas, mas acredito que muita coisa tenha mudado. Se eu tivesse a chance de passar algum tempo com um trouxa que ajudasse na minha adaptação...

Ela imediatamente se levantou ao perceber o rumo que aquela conversa tomava.

- Espere um pouco! Você está querendo ficar na minha casa? Você quer que eu seja essa trouxa?!

Ele apenas suspirou, como quem tentasse reunir paciência.

- Por mim eu iria sozinho. Mas isso seria extremamente imprudente desde que não convivo com trouxas há quase trinta anos. Infelizmente não conheço nenhum trouxa.

- E você nãome conhece! Como pode esperar que eu aceite--?

- Alvo disse que eu poderia procurar você. Ele me pediu para procurar você.

- Ele pediu--? Como? – Ela bufou, irritada. Era bem a cara de Alvo colocar os problemas dos outros em suas costas... Lembrava bem da experiência que tivera quando teve de abrigar Sirius Black em sua casa, há alguns anos. Não fora nada agradável. – Olhe, eu adoraria ajudar, mas, feliz ou infelizmente, eu tenho uma vida, uma carreira e uma privacidade a zelar. Eu tenho certeza que você saberá se cuidar e se esconder muito bem sozinho! Quanto a mim, estou cansada de colocar em minha casa fugitivos e afins! Então, me desculpe, senhor...?

O homem piscou duas vezes antes de responder.

- Snape.

E ela parou. Snape. Aquele era o nome.

Um mês antes de morrer, Alvo fizera uma visita a Evangeline... e nela, a fez prometer que, caso algum dia Severo Snape precisasse ela, ela sequer hesitaria em ajudar. E aquele fora o último pedido do seu tio-avô... Como poderia recusar?

Ainda ligeiramente trêmula com a idéia de ter alguém se metendo em sua casa, em sua vida e em sua liberdade, ela suspirou:

- Snape, huh?

O homem rolou os olhos e assentiu.

- Tudo bem. Vamos.

- Como?

- Vamos! Você pode ficar comigo.

XxXxXxX


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!