à Eternidade escrita por GabrielleBriant


Capítulo 19
Notícias de um Mundo Estranho




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XIX

NOTÍCIAS DE UM MUNDO ESTRANHO

- Você ainda trabalha aqui, ou eu devo te atender como cliente?

Com um sorriso ligeiramente brincalhão no rosto, Alexandra aproximou-se do homem que entrava na Mil Ervas. Severo Snape não tinha para onde ir e, ao ser expulso de casa por Evangeline, apenas conseguiu pensar em uma pessoa no mundo trouxa que poderia lhe ajudar. Era uma pena que Alexandra fosse a pessoa de quem ele menos merecia qualquer tipo de ajuda.

- Eu peço desculpas pela minha ausência nos últimos dias.

Ela deu de ombros, passando por Severo e fechando a pesada porta da loja, numa tentativa de fugir do frio britânico.

- Isso já foi explicado na noite passada, e eu ficaria feliz se não tivéssemos que discutir esse assunto. A propósito, você não deveria estar enfrentando uma ressaca, ao invés de vir aqui se desculpar? E como você sabia que eu estaria aqui?

- Você comentou um dia que gostava de arrumar a sua loja no primeiro dia do ano.

Alexandra sorriu, desviando os olhos azuis dos dele.

- Isso é uma surpresa; eu nunca pensei que você prestasse atenção no que eu falava.

Severo nada disse, talvez pensando em qual seria a melhor forma de pedir qualquer coisa a Alexandra. A mulher, constrangida com o silêncio, abriu um sorriso e encaminhou-se rapidamente para os fundos da loja, onde guardava o seu estoque de ervas e algumas garrafas de bebida para os dias mais frios. Quando voltou, trazia consigo um vinho e dois tubos de ensaio.

- Vinho não combina com copo descartável, então... – ela entregou a Severo um dos tubos. – Foi a coisa mais parecida com taças que encontrei por aqui! – Sorrindo, ela abriu o vinho e serviu as taças improvisadas. – Diga-me, Stephen, o que você está fazendo aqui?

Severo tomou um gole do seu vinho e não olhou Alexandra quando pediu:

- Eu preciso de um lugar para ficar. Provisoriamente. Pode ser aqui na loja, mesmo.

Alexandra suspirou.

- O único lugar onde caberia uma cama seria no estoque, e eu não quero ninguém entrando e saindo de lá, como você bem sabe! Você não pode ficar aqui.

Severo assentiu, não contestando a resposta que já era esperada. Apenas lhe restava, então, voltar para a Rua da Fiação e tentar continuar escondido do mundo bruxo.

- Eu entendo. Nesse caso, eu devo lhe avisar que não mais poderei trabalhar aqui.

Alexandra ergueu uma sobrancelha.

- Você vai deixar a loja só por causa disso?

- Não. – Severo suspirou. – Eu apenas não tenho onde ficar; então voltarei para a minha casa.

- Oh. Não se preocupe, eu não perguntarei nada. Se esse é o caso, eu conheço um albergue aqui perto. É bom e é barato. Você terá apenas que agüentar os jovens estrangeiros que se hospedam lá... às vezes a coisa fica selvagem.

- Me desculpe a sinceridade, Alexandra, mas com o salário que eu ganho, certamente não conseguirei me manter por mais de dez dias em nenhuma espelunca.

A mulher deu um meio-sorriso.

- Muito bem, aumentamos o seu salário então... Mas eu quero você aqui, Severo. Minha loja nunca vendeu tanto.

XxXxXxX

Depois de três anos de relacionamento, Evangeline tinha total liberdade de entrar no prédio onde John morava sem precisar se identificar e sem ser anunciada. O que era uma coisa boa, tendo em vista que, depois da sua infidelidade ter sido revelada, John provavelmente não queria vê-la ou conversar com ela.

Assim, a mulher pegou o elevador temerosa, mas sabendo que o ex-noivo a ouviria... mesmo que fosse apenas para dar um fim civilizado nos três anos de relacionamento. Logo estava de frente ao 12-B, onde John viva.

Bateu três vezes na porta. Não demorou para que ele a abrisse, com cara de poucos amigos.

- O que você está fazendo aqui.

Evangeline suspirou, mordendo levemente o lábio inferior.

- Posso entrar?

John fechou os olhos por um tempo, passando a mão pelos cabelos loiros. Evangeline pôde perceber o início de uma curva sarcástica nos lábios dele.

- Evangeline, você realmen--

- Por favor! – Ela o interrompeu. – Nós precisamos conversar.

- Você não ouviu o suficiente? Ou você acha que, por ter passado dois dias, eu me acalmei e serei gentil? – Ela baixou a cabeça. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, John continuou. – De qualquer forma, eu não quero e nem tenho mais nada a te dizer. Pegue o resto de dignidade que você ainda tem e vá embora, Evangeline.

Os olhos inevitavelmente começaram a marejar. Mas Evangeline não se moveu.

- Mas eu ainda tenho coisas para te falar. Então, pelos anos que passamos juntos, me deixe entrar. Mesmo que seja apenas para te devolver a aliança.

O homem suspirou, considerando o pedido da ex-noiva. Depois de um longo minuto, ele se afastou, deixando Evangeline entrar em sua casa.

Evangeline passeou pela sala nervosamente, tentando colocar os seus pensamentos em ordem; tentando descobrir como deveria se desculpar. Na mesa em que eles costumavam jantar, pilhas de papéis desarrumadas amontoavam-se.

- Você estava trabalho?

John recostou-se à porta e cruzou os braços. Os seus olhos acinzentados obviamente julgando Evangeline.

- Você sabe que eu me concentro mais no trabalho quando estou com problemas – ele deu uma risada amarga. – Acho que agora tenho o caso Chennyway vs. Howke nas mãos. Será que tenho que te agradecer por isso?

- John, por favor...

- Apenas deixe a aliança e vá, Evangeline.

Mas, mais uma vez, ela não foi. Apenas encaminhou-se para o homem, ficando de frente para ele... tão perto quanto aquela situação estranha e constrangedora permitia.

Com uma voz baixa, quase um sussurro, Evangeline revelou:

- Ele foi embora.

John ergueu uma sobrancelha, mas ainda não se moveu.

- O que?

- Eu não sei se isso muda alguma coisa, mas eu o mandei sair da minha casa, logo depois da nossa briga. E ele saiu. – Ela respirou fundo, deixando a primeira lágrima escapar pelos seus olhos. – Eu nunca te contei quem ele realmente era... pois bem: ele foi um grande amigo do meu tio-avô, que me pediu para abrigá-lo, caso fosse necessário. Eu menti, dizendo que Severo era da minha família, porque não queria que você se preocupasse por um homem estranho estar em minha casa.

John desviou os olhos dos de Evangeline pela primeira vez naquela tarde.

- Eu não me preocuparia, porque eu confiava em você. Obviamente, eu estava errado. Mas eu fui ingênuo; a primeira vez que você falou da sua família foi quando me apresentou a ele. Eu acho que estava tão cego, que quis acreditar.

Ela suspirou.

- Sobre isso: eu quero pedir desculpas por nunca ter falado deles. Acontece que... – Ela gemeu baixinho, desviando os olhos; deixando claro o medo e a vergonha de falar sobre aquele assunto até então proibido. – As pessoas da minha família são... diferentes. Eles têm esse culto; uma sociedade alternativa e... eu acho que sempre quis te proteger disso; de uma forma que nenhum deles me protegeu. É outro mundo, do qual eu não pertenço! Eu sou deste mundo. Do seu mundo.

- Um culto? – John revirou os olhos. – É isso que você escondeu?

- A maior parte deles não gosta das pessoas comuns, como nós. A minha avó teve um caso com um deles, que resultou no nascimento de mamãe. Esse homem não quis saber dela, ou de mim, de forma que a minha única ligação com eles era o meu tio-avô, por quem eu tinha um carinho imenso. Mas ele está morto, agora. Se não estivesse, eu o apresentaria a você.

John cerrou seus olhos.

- Por que você está me contando isso agora? É o seu jeito de pedir desculpas?

- Não – Evangeline voltou a olhá-lo, com um sorriso esperançoso. – A minha maneira de me desculpar foi esvaziar o meu armário, de modo de coubesse as suas roupas. Foi começar a reformar o quarto de hóspedes, pois eu sei que vai dar um lindo quarto de bebê. Foi abrir espaço na garagem para que o seu carro coubesse também. E limpar a bagunça do escritório, pois eu sei que você precisa de um lugar sossegado para trabalhar.

Ele suspirou, voltando a cravar os seus olhos acinzentados nos dela. O brilho de desdém que Evangeline desconhecia sumira... revelando para ela o verdadeiro John. O seu coração deu um pulo.

- Você tem idéia do que você fez?

- Tenho. E eu sei que eu não mereço que você me perdoe. Mas eu ainda amo você, e por isso eu estou aqui... pedindo que você não me peça para devolver esse anel.

- Então vamos nos casar. Agora.

Evangeline calou-se e desviou os seus olhos. O seu coração batia tão forte que chegava a doer.

- Você não devia ter hesitado, Evan.

E abriu a porta. Antes que Evangeline pudesse controlar os seus lábios, sussurrou.

- Ok.

- O que?

- Vamos marcar a data.

XxXxXxX

Os dias pareciam passar lentamente... numa morosidade letárgica que fez com que Severo simplesmente perdesse a noção das horas e dos dias. Ele não sabia o que o levava a acordar todas as manhãs, tomar seu desjejum com dezenas de jovens barulhentos nos seus vinte e poucos anos, nem o que lhe levava àquela lojinha, onde passaria o dia inteiro tão-somente procrastinando o momento de voltar ao albergue.

Nada daquilo fazia sentido. E talvez tenha sido por isso que, ao ver a velha bruxa adentrar a Mil Ervas, ele tomou a decisão de voltar ao seu mundo e apagar da sua memória os longos meses que passara rodeado de trouxas.

- Minerva – ele cumprimentou brevemente. Observou a velha lhe sorrir e se aproximar do balcão trazendo consigo um pequeno embrulho.

- Evangeline me disse que eu poderia lhe encontrar aqui. Vejo que o plano de adaptação deu certo; você já não precisa mais morar com ela.

Ele deu um sorriso sarcástico.

- De fato. O que você está fazendo aqui?

Minerva lhe estendeu a caixinha que trazia consigo.

- Feliz aniversário.

Severo abriu a boca por um momento – o tempo ultimamente era um conceito tão relativo, que ele esquecera-se que, naquele dia, completava 39 anos. As mãos longas lentas, quase relutantemente, agarraram o embrulho e guardou-o atrás do balcão.

- Obrigado.

- Eu sinceramente não sabia o que escolher, então... Bem, fui ao seu estoque e roubei um punhado de pelos de unicórnio. Espero que você goste.

- Você está me presenteando com os meus pelos de unicórnio?

- Tecnicamente, como você morreu e não deixou herdeiros, tudo que estava em seus aposentos integrou-se o patrimônio da escola.

O sorriso sarcástico de Severo se abriu.

- Se eu me comportar bem, eu suponho, poderei ganhar no meu próximo aniversário as lágrimas de fênix nas quais eu gastei três meses do salário de professor?

- Eu providenciarei isso. Mas acho que não será fácil roubá-las de Madame Pomfrey.

- Claro. Aquela velha só estava esperando uma oportunidade para colocar as mãos no meu estoque de poções curativas...

Minerva suspirou.

- Então... como você está?

- Aparentemente, tendo o meu pequeno patrimônio roubado. Eu quero voltar, Minerva.

A mulher calou-se por um momento, surpresa com a réplica do homem à sua frente.

- Você tem certeza? As pessoas finalmente pararam de fazer perguntas, Severo... Kingsley não ficará muito feliz com isso.

- Vir para esse lugar foi um erro.

- Tudo bem; mas eu tenho que lhe dizer para onde você vai voltar. Você é um herói. O dia nove de janeiro tornou-se feriado nacional. Você ganhou a sua figurinha nos sapos de chocolate e um espaço nos livros de história. Você foi o homenageado principal do prêmio Morgan Le Fay da paz do ano passado; ocasião na qual você ganhou uma estátua, que se encontra agora no Ministério da Magia. E no dia 20 de fevereiro haverá a entrega da Ordem de Merlin. Caso você ainda queira voltar para o mundo bruxo, com certeza conseguirei preparar todos para o seu ressurgimento antes disso.

Ele ergueu uma sobrancelha.

- Eu ganhei a Ordem de Merlin?

- Sim! – Ela tentou sorrir. – É como eu disse, você é uma figura bem popular no momento. Harry revelou a todos a sua história com a mãe dele, Severo. Você é o herói byroniano que todos veneram. Logo será lançada a sua biografia por Rita Skeeter, mas eu não creio que essa seja uma boa notícia.

- Qual seria o título? – Ele perguntou, cruzando os braços. – Severo Snape: santo ou sacana?

- Na verdade, Severo Snape: herói ou herege. Eu o conheço, Severo. Você não está preparado para enfrentar tudo isso.

Severo suspirou, resignado. Apoiou os braços sobre o balcão e enterrou o seu rosto em suas mãos, cansado.

- Você está certa.

- Fique. Você já se adaptou, já tem os documentos, um emprego e já conhece algumas pessoas aqui.

- Ela não lhe contou o motivo de eu ter saído da casa dela, obviamente.

Minerva ergueu uma sobrancelha, verdadeiramente interessada.

- Ela me disse que você decidiu sair. Tanto pelo casamento dela, quando pela sua própria privacidade.

- Não foi por isso. Ela se apaixonou por mim.

A velha passou um tempo calada, totalmente boquiaberta. Finalmente, depois de um longo minuto, ela disse, descrente:

- De forma alguma. Evangeline está noiva.

- Ainda assim, aconteceu.

- Ela é muito jovem. Não acabe com a vida dela.

- Obviamente, ela não me deu chances para acabar com a vida dela.

- O que você sente por ela?

Severo rolou os olhos.

- Uma pergunta um tanto pessoal, não acha?

- Você a ama? – Minerva insistiu.

Cansado, resignado e sem nenhuma vontade de continuar aquela conversa, ele decidiu simplesmente falar a verdade – que, aliás, era uma surpresa para ele:

- Sim.

Minerva desviou os seus olhos. Seu rosto ficou imediatamente escarlate e a voz dela estava ligeiramente trêmula quando ressoou novamente pela sala.

- Você realmente ama Evangeline, Severo? De verdade?

Ele bufou.

- Se eu desenhar você entende? Estou no meu horário de trabalho caso não tenha notado; compre algo ou saia.

Quando Minerva voltou a olhá-lo, a preocupação era óbvia em seu olhar. Com a voz baixa, ela apenas disse, antes de sair:

- Apresse-se: ela casará em duas semanas.

XxXxXxX


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