à Eternidade escrita por GabrielleBriant


Capítulo 14
Natal Branco




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XIV

NATAL BRANCO

As comemorações da véspera de Natal eram visíveis por toda Liverpool – fosse nas casas, iluminadas e coloridas com enfeites... nos belos presépios espalhados pelas praças da cidade... nas grandes árvores de Natal, adornadas com neve artificial... ou nas crianças do coral da igreja anglicana que ficava quase em frente à casa de Evangeline, que preparavam-se para entoar cânticos natalinos.

No entanto, ela permanecia alheia a tudo aquilo, limitando-se a ficar esparramada no sofá, com um enorme balde de pipoca, enquanto assistia, pela enésima vez, Esqueceram de Mim. Evangeline tinha convites para festas de Natal, mas, nos últimos anos, ficar sozinha em casa lhe parecia a melhor maneira de comemorar o feriado – infinitamente melhor que ceias, amigos secretos e colegas de trabalho fantasiados de papais-noéis para alegrar os filhos.

Assim, há sete anos, essa era a maneira que ela comemorava o natal: via os especiais da HBO ou da FOX até meia-noite; iria à missa; voltaria à sua varanda e viria, de longe, as crianças cantarem uma ou duas músicas; e então dormiria. E, levando em consideração que Severo passaria a noite na festa de Natal de Alexandra, certamente aquele Natal não seria diferente.

Evangeline suspirou lentamente e riu baixinho vendo a cena em que Kevin descobria-se sozinho em casa. Escutou, atrás de si, os passos de Severo contra o assoalho, aproximando-se dela. Sentiu todo o seu corpo ficar tenso ao sentir os olhos negros dele cravados nela... e, baixinho, rezou para que ele não falasse nada.

Mas as suas preces não foram atendidas.

- O que você está fazendo?

Ela mordeu brevemente o lábio, forçando-se a olhá-lo. Eles ainda não tinham conversado desde a pequena discussão do dia anterior... E ela simplesmente não sabia qual fora o impacto que a declaração dela causara em Severo. E lá estava ele, imponentemente vestido com roupas negras, olhando-a como se nada tivesse sido dito.

Tentando se manter estável, ela respondeu:

- Erm... Esqueceram de Mim. É meio que uma tradição natalina.

Severo ergueu uma sobrancelha e espiou de relance a televisão – que mostrava um garotinho gritar após experimentar pela primeira vez uma loção pós-barba. De relance, ele viu os lábios de Evangeline curvarem-se num sorriso ligeiramente contido.

Sentou-se ao lado dela.

- Sobre o que é?

- Uma família numerosa viaja durante o Natal, e o menininho, o Kevin, acaba sendo esquecido.

Ele calou-se, acomodando-se no sofá e olhando as cenas que se seguiam.

- O que você está fazendo em casa?

Evangeline suspirou.

- Eu costumava passar os Natais com os meus pais. Então, faz sete anos que eu o comemoro em casa, sozinha. Acho que é uma celebração familiar e, como eu não tenho família...

- Você tinha Alvo.

Ela deu de ombros.

- Alvo sempre esteve muito preocupado com os Natais de Hogwarts. E, apesar dele ter toda aquela pose de bom velhinho, nunca me perguntou se eu gostava de ficar só durante os festejos; e, claro, jamais deixaria que uma trouxa passasse o Natal na escola dele. Minerva sempre se preocupou, no entanto.

- E a sua amiga? Eu pensei que você comemoraria com ela.

- Gaby? Deus me livre! Eles são católicos demais, embora não pareçam! Levam o Natal a sério! Passam a noite cantando e rezando e todos ficam quietos para ver a Missa do Galo. – Ela viu pelo canto o olho os lábios de Severo se curvarem brevemente. – E o que você está fazendo aqui, ainda?

Severo não respondeu, olhando novamente para a televisão. Com a voz distante, perguntou:

- Isso são ladrões?

Evangeline olhou-o e, curiosa, perguntou:

- Nós vamos simplesmente ignorar o que foi dito ontem e continuar agindo como se nada tivesse acontecido?

- Sim – ele respondeu rapidamente, sem tirar os olhos da televisão.

- Então a sua resposta é sim: são ladrões. E são eles os responsáveis pelas cenas mais engraçadas do filme. Mas nada acontece com o Kevin! Ele é o mais esperto.

Severo respirou fundo, tirando o seu cachecol e recostando-se ao sofá. Evangeline olhou-o mais uma vez antes de dizer:

- Alexandra sentirá a sua falta.

- Natal é uma festa familiar, como você mesma disse. Eu também não tenho família.

Evangeline deu um meio-sorriso.

- É... acho que não.

Severo suspirou pesadamente. Quase sem-querer, o seu corpo aproximou-se ligeiramente do de Evangeline.

- Eu terminei o seu livro há alguns dias.

- Qual? Orgulho e preconceito? – Ele assentiu brevemente. – E então?

Severo crispou os lábios.

- É um pouco feminino demais. Adocicado. Por certos momentos é maçante. Ainda assim, é um bom retrato do Reino Unido trouxa do final do século XVII. Vale à pena.

Evangeline sorriu.

- Sabe que você é a cópia fiel do Sr. Darcy?

Uma curva sarcástica formou-se nos lábios de Snape.

- Orgulhoso, sarcástico, esnobe e não muito agradável?

- Bem... é.

Evangeline riu-se... Mas logo parou ao ver a expressão séria nos olhos de Severo.

- Mas, ainda assim, Elizabeth Bennet se apaixonou por ele.

- É... ela se apaixonou.

Ela desviou o seu olhar dos olhos negros, se concentrado no filme. Respirou fundo algumas vezes, tentando acalmar o seu coração. Não tardou a ouvir a voz de Severo:

- O que passará depois?

- Esqueceram de Mim 2. E vai ter um especial de Natal na FOX com os episódios natalinos das séries; a começar por Arquivo X.

- Me parece mais tentador que a festa.

E eles não trocaram mais nenhuma palavra. Lado a lado, apenas viram no mais absoluto silêncio os programas da televisão, sem ousar se olhar ou se tocar...

Pouco antes da meia-noite, no entanto, algo aconteceu. Algo que trouxe um enorme sorriso aos lábios de Evangeline e a fez esquecer completamente as brigas, os sentimentos confusos, as palavras inconseqüentemente ditas e as tristezas: estava nevando.

Rapidamente, ela se levantou. Não se preocupou em se aquecer mais antes de apressar-se para fora da sua casa.

- Está nevando!

Severo franziu o cenho e, com passos lentos, seguiu-a, parando recostado à porta de entrada.

- E...?

- Quando foi a última vez que nevou no Natal?

Severo deu de ombros, dando dois passos para fora da casa e imediatamente cruzando os braços para fugir do frio.

- Sempre neva em Hogwarts. A escola localiza-se muito para o norte.

- Em Hogwarts não conta... eu estou dizendo aqui, onde a vida real acontece.

Fazia tantos anos que Severo não tinha alguém com quem passar o Natal, que todos os que ele lembrava haviam sido passados em Hogwarts... Mas, Evangeline, ao fazer aquela pergunta, fez-lo pensar nos Natais vividos antes de ele se tornar um professor amargo e odiado; os Natais que ele participara no auge da sua vida como Comensal da Morte, todos na Mansão Malfoy... os que ele tivera antes, em sua casa, enquanto o seu pai bebia e a sua mãe tentava criar um ambiente familiar agradável...

Mas, pelo que ele se lembrava, em nenhum desses Natais nevara... Apenas num, antes de todos esses.

Ao lembrar-se do seu último Natal branco, Severo sentiu um arrepio cruzar a sua espinha – um arrepio que nada tinha a ver com o frio. Sem querer perder-se em lembranças, ele disse:

- Está muito frio, Evangeline. Vamos entrar.

Mas ela apenas suspirou, abraçando-se. Lentamente, encaminhou-se para a cadeira que ficava na varanda e sentou-se.

- O meu último Natal branco aconteceu sete anos atrás... Mamãe havia morrido há dois meses e eu estava só. Foi o primeiro Natal que eu passei sozinha. Eu me lembro de estar realmente deprimida... acabei dormindo no sofá da sala. Quando eu acordei, no dia seguinte, olhei para a janela e tudo estava branco... tinha uma camada de quase seis centímetros de neve no meu jardim e, nas ruas, as crianças esculpiam bonecos e jogavam punhados de neve uns nos outros... De certa forma, eu deixei de me sentir sozinha naquele momento... o Natal parecia, novamente, ser Natal.

Ele suspirou e sentou-se na cadeira que ficava ao lado dela. Viu Evangeline enxugar uma lágrima – mas ela sorria verdadeiramente.

- O meu foi há mais de vinte anos. – Ela imediatamente o olhou com atenção. – Eu tinha dezesseis anos e estava em minha casa. A minha... vizinha foi até lá e me chamou. Eu passei o Natal com ela, naquele ano.

- Foi especial?

- Sim. Mas não teve nada a ver com a neve, que caía desde o dia anterior. Foi porque... eu pensava que ela me odiava. E a primeira coisa que ela me disse, ao bater em minha porta, foi que tudo tinha perdão. Que todos cometem erros. E esse foi o meu último Natal branco, antes do de hoje.

Evangeline arrastou a cadeira para perto de Severo, de modo que ela ficasse de frente para ele. Inclinou-se um pouco, apoiando os seus cotovelos em suas coxas e segurou as mãos frias dele.

- Essa vizinha era tão especial assim? Ela tem algo a ver com o que tinha em sua lápide?

- O que tinha em minha lápide?

- “Viveu pela guerra, morreu por amor”, ou algo assim.

- Você realmente quer saber? – Ela suspirou e assentiu ligeiramente com a cabeça. – O nome dela era Lílian Evans e eu a amava.

- Ela foi a sua namorada ou esposa?

- Minha? O único dia que Lílian foi minha foi nesse Natal. E foi apenas um beijo. Não... ela se casou e teve um filho com a pessoa que eu mais odiei em minha vida. O melhor amigo de Sirius Black, a propósito. E hoje ela está morta.

- Eu sinto muito.

- De qualquer forma, eu dediquei a minha vida a fazer com que a morte dela não fosse em vão. E, quando finalmente consegui, vim parar aqui.

Evangeline sorriu brevemente.

- Obrigada. Eu sei o quão pessoal esse assunto é... e sei que você não gosta de partilhar esse tipo de lembrança.

Severo deu de ombros.

- A lembrança que você partilhou também foi bastante pessoal.

- É... – Ela respirou fundo. – A propósito, esse Natal está sendo bom, também.

- O meu também... Talvez a sua teoria que a neve traz felicidade esteja certa, afinal.

Ela riu baixinho.

- Não... eu acho que a neve traz o que há de melhor nas pessoas... Especialmente se estiver combinada com o espírito natalino. Se você quer uma prova, basta olhar para nós: conseguimos conversar por mais de cinco minutos sem brigar uma vezinha sequer!

- Eu acho que estou começando acreditar nesse tal de espírito natalino.

Ela riu. Ao longe, viu as crianças começarem a cantar “Noite Feliz” enquanto o sino da igreja badalava doze vezes.

- Severo?

- Hm?

- É meia-noite?

- Obviamente.

Ela levantou-se.

- Espere só um segundo, então.

E entrou em casa. Confuso, Severo esperou que Evangeline voltasse. Não demorou mais que um minuto para a mulher estar de volta, trazendo consigo uma caixinha embrulhada – ele quase riu – em papel vermelho e com um laço dourado; tão... grifinório.

Levantou-se, amaldiçoando-se por não ter comprado nada para ela.

Ela o entregou.

- Espero que você goste!

Severo abriu o presente. Dentro, havia uma caneta-tinteiro prateada com detalhes verdes. Ao segurá-la, viu que era leve como uma pluma.

- Eu pedi que Minerva a deixasse parecida com as penas que vocês usam em seu mundo.

Ele ergueu uma sobrancelha.

- As cores também foram idéia dela, eu suponho?

- Sim! Originalmente, era azul com prata... mas eu gostei quando ela modificou. E, caso isso tenha algum significado, as cores do papel de presente foram idéia dela também... E ela tinha um sorriso bem maléfico no rosto quando as propôs.

Ele deu uma risada rouca e discreta... a típica risada de alguém que não costuma rir muito.

- Eu suponho que você gostou, então?

- Sim... Obrigado. Mas--

- Eu não estou esperando um presente, Severo. Eu...

Ela pareceu relutar um pouco, mas logo dava mais um passo em direção a ele. Severo congelou, sem ação, totalmente surpreso pela iniciativa que Evangeline estava tomando. A delicada mão postou-se sobre o seu rosto e, lentamente, os lábios se aproximaram para depositar no canto dos lábios dele um leve beijo.

- Feliz Natal.

E lá estava ela, afastando-se novamente. No entanto, daquela vez ele não deixaria. Deu um passo rápido e segurou-a pelo braço, trazendo o seu corpo pequeno para junto do dele. A outra mão foi à cintura fina de Evangeline. A mulher partiu os seus lábios em antecipação.

Os lábios de Snape foram à testa dela, dando um respeitoso beijo... arrastaram-se pelo olho, onde ele pôde sentir um breve gosto salgado do que seria uma lágrima... desceu pelas maçãs rosadas daquele rosto perfeito para, por fim, encontrar os lábios entreabertos.

- Feliz Natal – Ele sussurrou, antes de tomar o lábio inferior de Evangeline com os seus, sugando-o gentilmente, finalmente podendo sentir o gosto doce dos lábios dela.

Afastou-se, para olhá-la. Os olhos castanhos brilhavam e a marca de uma lágrima cortava o seu rosto. Ele esperava qualquer coisa, qualquer sinal de que deveria continuar... e o teve, quando Evangeline cerrou os seus olhos e ergueu o rosto, oferecendo para Severo os seus lábios... o seu corpo... a sua vida.

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