à Eternidade escrita por GabrielleBriant


Capítulo 12
A Brisa e o Vendaval




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XII

A BRISA E O VENDAVAL

Foi rápido, foi displicente e foi quase inocente... Foi apenas um toque leve. Os lábios doces, sedosos e macios roçando levemente nos lábios finos e que há tanto tempo não sentiam o ardor de um beijo realmente desejado...

E foi inesperado. Severo apenas a viu se aproximar e, sem muitas explicações, queimar os seus lábios com um beijo casto. Por um breve momento, ele ficou sem ação... e talvez por isso perdeu a oportunidade de aprofundar aquele beijo tão maravilhosamente sonhado.

Lentamente, Evangeline se afastou. Os olhos desfocados denunciavam que talvez ela tivesse exagerado um pouco no vinho... e o sorriso ligeiramente abobalhado em seu rosto deixava claro que ela quisera aquele beijo tanto quanto ele.

O coração de Severo disparou quando viu as bochechas pálidas de Evangeline enrubescerem-se. Ela deu um passo para trás.

- Então... boa noite.

E ele nada disse ou fez. O seu corpo parecia não responder aos seus comandos, o seu próprio cérebro não funcionava direito... então lá ele ficou, totalmente estupefato, enquanto Evangeline se afastava. Quando ele finalmente pareceu recobrar os sentidos, a mulher já estava na metade da escadaria.

Os lábios finos curvaram-se num pequeno sorriso, enquanto ele via a morena desaparecer de vista. Quase num sussurro, disse:

- Boa noite.

XxXxXxX

Não importava se era uma segunda, um domingo ou a sexta-feira seguinte à festa de Dia de Ação de Graças onde ela bebera muito mais do que o normal, o despertador que ficava na mesinha de cabeceira do lado esquerdo da cama de Evangeline sempre tocava às sete e meia da manhã... e foi com o seu barulho martelando em seu cérebro afetado pela ressaca que ela acordou.

Evangeline mexeu-se lentamente na cama e enterrou a sua cabeça no travesseiro, gemendo de dor, antes de desligar o despertador e sentar-se. As suas mãos foram à cabeça, massageando levemente a têmpora. Suspirou.

Ela se lembrava de boa parte da festa. E, definitivamente, lembrava-se de Gabrielle enchendo as suas taças de vinho enquanto falava mal das amigas em comum... Mas, por mais que Evangeline forçasse a sua memória, não conseguia lembrar nem do jantar, e muito menos de como voltara para casa.

Espero não ter vindo dirigindo...’

Fazendo um pouco de esforço, ela se levantou e encaminhou-se para o banheiro. Evangeline rapidamente tirou o vestido da noite anterior, que ela ainda trajava, e evitou olhar-se no espelho – sabia bem que os seus cabelos ondulados estavam desgrenhados e o rímel negro provavelmente escorrera por todo o seu rosto, formando uma imagem não muito bonita.

Não demorou muito para ela estar limpa, penteada, bem-vestida e maquiada – a única coisa que a fazia lembrar da festa da noite anterior era a terrível dor-de-cabeça latejante.

Lentamente ela desceu as escadas. Logo avistou Severo sentado no sofá, lendo um livro.

- Bom dia – ele disse, não tão seco como de costume.

Evangeline sorriu brevemente, encaminhando-se para a cozinha.

- Bom dia, Severo. Eu pensei que você estaria trabalhando.

Ele suspirou, levantando-se. A seguiu, ficando encostado à porta da cozinha, de braços cruzados, olhando-a.

- Eu deveria estar. Mas preferi te esperar.

Evangeline tomou rapidamente duas aspirinas e virou-se para ele. O seu coração acelerou-se ao perceber a expressão no rosto de Severo: ele estava sério. Não era aquela expressão de seriedade que ele sempre tinha consigo – como se a vida o entediasse. Era diferente. Os olhos dele brilhavam de uma maneira diferente...

Era como se ele pudesse ler a sua alma.

Ela suspirou, sentindo o seu corpo se arrepiar. Estática e sem muita certeza de que queria ouvir uma resposta, perguntou:

- Por quê?

Ele desviou o seu olhar, parecendo procurar a melhor maneira de dizer algo importante, o que deixou Evangeline mais apreensiva.

- Eu queria conversar com você.

- Sobre...?

Lentamente, os olhos negros voltaram a cravarem-se nos dela – Evangeline engoliu seco. Ele parecia tão... frágil.

- O que aconteceu ontem à noite.

Ela respirou fundo e deu um sorriso sem-graça, tratando de olhar para qualquer lugar, menos aqueles olhos negros. Nervosa, ela ocupou-se com a louça que desde a noite anterior estava na pia.

- Algo aconteceu? Eu não lembro muita coisa da noite passada.

Severo nada disse de imediato, embora Evangeline conseguisse ver, pelo canto do seu olho, que ele reunia coragem para falar algo. Ela mordeu o lábio, esfregando a louça com um pouco mais de força; algo obviamente acontecera na noite anterior... e ela não tinha certeza se queria saber o que era.

Depois de um constrangedor minuto, ele disse:

- Aconteceu. Voc--

Ele ainda sentiu os olhos castanhos de Evangeline cravarem-se nele, nervosos, antes de ter a sua fala cortada pelo barulho estridente do telefone. Evangeline desviou os seus olhos dos dele e, rapidamente, começou a andar.

- Um minuto.

Evangeline passou como um raio por Severo, tentando não ter de encostar-se nele ao passar pela porta da cozinha. O seu coração palpitava quando chegou ao telefone. Um misto de curiosidade e medo tomava conta dela, fazendo uma angústia arrasar o seu peito. Atendeu, sentindo os olhos de Severo, ainda na porta da cozinha, fixos nela.

- Alô?

E a voz que ouviu do outro lado da linha fez mais um sentimento juntar-se a todos os outros: uma inexplicável culpa. Era a voz de John.

“Amor? Como você está?”

A sua voz saiu relutante e fraca.

- Estou bem.

“Ótimo! Estou ligando apenas para saber a hora que o seu vôo chega.”

- Eu... – ela olhou de relance para o lado. Esquecera completamente que viajava naquele dia. – Erm... A chegada está prevista para sete e meia da noite. Mas eu te falo com certeza quando chegar à San Diego, onde farei uma conexão.

“Então, te vejo mais tarde. Eu te amo.”

- Eu também.

E desligou o telefone. O coração parecia querer pular pelo peito... ela não sabia o que ocorrera com Severo na noite anterior, mas algo lhe dizia que, pelo seu bem e pelo bem da sua relação com John, melhor seria se ela não soubesse.

- Eu... – Ela começou, gaguejando um pouco. – Era o John.

Severo crispou os lábios.

- Eu percebi.

Evangeline mordeu levemente o seu lábio e deu dois passos em direção a Severo.

- Ele queria saber de que horas eu chegarei à Vermont. Você se lembra, que eu disse que viajaria hoje?

- Eu imaginei que você não seria hipócrita o suficiente para viajar.

Ela respirou fundo, desviando os seus olhos.

- De novo, Severo, eu não sei do que você está falando.

- Talvez seja melhor não saber.

- Talvez – Ela deu um meio-sorriso. – Eu suponho que você não queira mais conversar.

Ele finalmente saiu da porta da cozinha, caminhando com passos firmes pela sala... cada vez mais longe de Evangeline.

- Tanto faz. Mas tenho que ir trabalhar.

- Então... Eu te vejo no natal.

Severo apenas deu de ombros e saiu de casa.

XxXxXxX

Evangeline não sabia o que pensar quando o seu avião pousou no Aeroporto Internacional de Burlington, onde seu namorado a esperava junto com uma parte da sua família... Há alguns meses, ela se sentiria feliz; mas, nas atuais circunstâncias...

Durante todo o percurso em que descia do avião, pegava a sua mala e encaminhava-se para o encontro daqueles que um dia, talvez, seriam os seus familiares, ela tentou se convencer que não deveria se preocupar com aquele aperto no peito...

E, quando olhou para John a esperando, sorrindo, o seu coração se acalmou um pouco – apesar do sentimento de culpa ter crescido exponencialmente. Quando o beijou, no entanto, ela finalmente começou a acreditar que não tinha com o que se preocupar: aquele era John, o homem da sua vida. Ele era o homem que ela amava, apesar da atração que talvez estivesse sentindo por outro.

O mês que ela passou junto ao namorado foi bom. Apenas bom. Ela não experimentou a paixão que costumava sentir... Nem a felicidade quase lúdica que ela, há algum tempo, sentia quando estava ao lado dele... Mas foi uma felicidade leve, despreocupada. Como uma brisa...

No entanto, sempre que ela colocava a sua cabeça no travesseiro, não era no corpo de John ou nas palavras de amor que ele dizia que ela pensava... Mas na voz aveludada de Severo. Nos braços fortes dele. Nos olhos incrivelmente negros, incrivelmente penetrantes. Na aura de mistério, tão perversamente atraente...

...E, já em meados de dezembro, mais uma lembrança foi adicionada a todas essas: um beijo. Um beijo leve, inocente e deliciosamente abrasador... A culpa a consumia todas as vezes que, ao pensar nisso, sentia as famigeradas borboletas em seu estômago.

A felicidade que sentia com John era como uma brisa. Mas, ao mesmo passo, a mera lembrança dos lábios frios de Severo era como um vendaval.

Foi nesse momento, quando Evangeline chegou àquela conclusão, que ela teve de admitir: ela estava apaixonada. Ela estava apaixonada como jamais estivera em sua vida.

Ela amava John, sim. Mas sabia que não mais poderia continuar ao lado dele, quando se sentia daquela forma. Não era justo para nenhum dos dois.

Foi com esse pensamento que Evangeline pegou o avião de volta à Inglaterra. Finalmente lúcida, pensou a viagem inteira no que diria, no que faria... Encheu-se de esperanças e planos, fantasiando, como se fosse uma adolescente que experimentava o primeiro amor, como falaria a Severo dos seus recém-descobertos sentimentos... Imaginando se ele demonstraria alguma felicidade ou se continuaria com aquela expressão séria quando ela dissesse que terminaria tudo com John para ficar com ele... Pensando em como seriam os adorados olhos negros crepitando fogo quando ela o beijasse...

Com o coração palpitando de ansiedade, ela pegou o táxi e felicitou-se quando, depois de eternos vinte e três minutos ela chegou à sua casa. Sem conseguir tirar o sorriso do rosto, ela apressou-se em achar na sua bolsa as chaves da sua casa e, o mais rápido que ela conseguiu, abriu a porta.

A mulher que buscava o vendaval, no entanto, encontrou uma tempestade: No sofá, bem de frente a porta de entrada, Alexandra dormia coberta por uma manta... envolta pelos braços de Severo.

XxXxXxX


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