Licantropo - o Livro de évora escrita por Ithuriel


Capítulo 10
A Floresta




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A Floresta

 

               

                Um barquinho de madeira descia lentamente o rio Amazonas. No céu, um grupo de nuvens carregadas indicava que haveria chuva àquela noite. A correnteza estava um pouco forte de mais na opinião de um dos viajantes do barquinho. Seus olhos sempre atentos não desviavam das margens do rio, vigiando por debaixo de seu velho chapéu. Ele tinha nas mãos um remo que usava apenas para controlar o barco, e não para remar, uma vez que, seguindo na direção da correnteza, não era necessário nenhum esforço para se locomoverem.

                Seu nome de batismo era João, mas ele o havia abandonado no momento em que seu mestre Pelásio fez com ele seu ritual de iniciação na feitiçaria. Tornou-se Cronos, conhecido também como Titã em muitos lugares por onde passou. Há uma lenda sobre ele que diz que nenhum plano espiritual posterior à morte poderá segurá-lo por muito tempo.

                Sentado no banquinho logo atrás estava seu irmão, Miguel, ou Mikael, como resolveu ser chamado como feiticeiro. Um pouco menos habilidoso que o irmão, mas reserva um potencial extraordinário, desconhecido por ele próprio. Um poder tão grande, que seu mestre Pelásio um dia disse, tiraria um cometa de órbita.

                Cronos levou o barco até o lado norte do rio. Os dois desceram com suas respectivas mochilas nas costas em um ponto de terra enlameado e amarraram o barco em uma árvore com a corda que sempre carregavam consigo. Depois passaram por entre a mata cerrada e árvores muito juntas e assim andaram por meia hora floresta adentro até encontrarem um caminho aberto. Era uma curta estrada de chão que os levaria rumo ao norte.

                Caminharam por mais meia hora naquela estradinha. O silêncio só era quebrado pelos diferentes tipos de grunhidos, rugidos, pios e os sons que os animais silvestres produziam ao redor deles. Mas o estranho, é que nenhum, por mais selvagem que pudesse ser, fez sequer menção de atacá-los. Ainda assim, os irmãos mantinham os olhos abertos por entre as árvores da floresta ao lado da estradinha, desconfiados.

                - Estamos sendo perseguidos. – confessou Mikael ao irmão.

                - Desde que deixamos a casa de Maldo, eu diria. – completou Cronos.

Isso ocorreu há três dias. Eles haviam deixado suas coisas com o dono do cassino antes de irem a São Cipriano. Após os acontecimentos daquela cidade, ambos voltaram para reaverem seus pertences. Por lá ficaram apenas algumas horas, depois seguiram para o Mercado Bruxo no subterrâneo da cidade de São Paulo para renovaram seus estoques de poções e ingredientes para rituais. Por fim, seguiram rumo ao norte do país, muitas vezes pegando carona com caminhoneiros para acelerarem a viagem, mas sem usar nenhum meio de transporte mágico.

- Acha que são lacaios do Damarco? Ou alguém da Ordem de Ébano? – perguntou Mikael, em voz bem baixa para somente seu irmão ouvir.

- Ambos, talvez.

A estradinha de chão fez uma curva longa para o leste quando o sol estava prestes a se por. Os irmãos decidiram não andar de noite. Seria melhor descansarem e ficarem alertas para qualquer ataque. Caminhando, estariam vulneráveis.

Armaram então uma barraca que sempre carregavam consigo e acenderam uma fogueira do lado de fora, a qual usaram para se aquecer do vento frio da noite e cozinhar salsichas em espetos, comida que eles sempre carregavam dentro da mochila.

- Detesto salsichas! – resmungou Miguel segurando seu espeto no fogo.

- Do que você está falando? – perguntou seu irmão. – Você adora salsichas!

- Eu adorava quando éramos crianças... Mas dez anos na estrada comendo salsichas quase todo dia?! Dizer que detesto esse troço é até eufemismo... Se quer mesmo saber, sinto saudades do feijão da mãe... Ela fazia um tempero diferente dos outros feijões. Nem consigo mais lembrar o gosto daquele tempero...

- Psiu! Silêncio. – disse-lhe o irmão, arregalando os olhos e olhando por entre as árvores ao redor. Estava escuro, mas um outro uso da fogueira era iluminar em volta, assim poderiam ver se alguém se aproximasse. Pelo menos se esta pessoa estivesse no plano visível.

João, ou Cronos, como preferir, pegou de dentro de um dos bolsos internos de seu casaco um óculos com armação preta e lentes azuis. Colocou-os. Miguel fez o mesmo, tirando um par idêntico de dentro da mochila.

Então veio o susto. Os irmãos levantaram de um salto, João puxando sua espada que estava no chão ao seu lado, e Miguel retirando a faca com ornamento de cobra presa a sua cintura, e tirando um rubi de dentro de um bolso lateral de sua calça.

A cena realmente exigia ação rápida, pois estavam cercados. Havia um homem trajando uma longa capa exatamente na frente dele, era louro, alto, com olhos vermelhos e tinha nas mãos um cajado com uma pedra branca brilhante na ponta superior. Seu nome era Viktor, eles sabiam. Era o atual 3º Mestre da Ordem de Ébano. Devia ter assumido o cargo quando Padre Joaquim deixou de ser feiticeiro.

Ao seu lado, encontrava-se uma mulher com pele negra, cabelos castanhos, lábios carnosos e os irmãos não puderam deixar de reparar em seu belo corpo. Usava luvas com garras em ambas as mãos. Por um instante pensaram que fosse Black Cat, mas era apenas uma mulher bem parecida com ela.

Do outro lado do louro, encontrava-se um homem muito baixo, praticamente um anão. Era careca, com uma estranha tatuagem de marreta na testa. Nas mãos, tinha a arma idêntica ao desenho. Esses dois últimos, sabiam os irmãos serem mercenários a serviço da Ordem de Ébano. A mulher na realidade se chamava Violet e o anão, Hector.

- Não viemos brigar. – Disse Hector, um estranho sorriso no rosto, levantando a palma da mão esquerda como um gesto para que os irmãos não atacassem.

- Então o que querem? – perguntou Cronos.

- Barganhar o esconderijo. – respondeu Viktor, o louro. – Qual o seu preço?

- Não temos preço! – respondeu Miguel, bruscamente.

- Todos têm um preço. – Viktor manteve-se firme, lançando um olhar sério aos irmãos. – Se não, aí sim iremos brigar.

- Então espero que estejam prontos para morrer! – respondeu Cronos, decidindo não esperar por um ataque e agir primeiro. Erguendo sua espada, avançou sobre o líder do trio. Viktor bateu com seu cajado no chão fazendo a pedra branca brilhar e dela sair um raio de luz que jogou Cronos contra a própria barraca, desarmando-a.

- Maldito! – exclamou Miguel, atirando o rubi na direção deles. A pedra explodiu com uma força muito impressionante considerando seu tamanho. O impacto foi bem forte e os três adversários foram arremessados para trás. O anão mal caíra e já se levantava. Esfregou a mão esquerda à tatuagem na testa e sua marreta aumentou drasticamente de tamanho. Agora estava maior do que seu próprio usuário, que avançou na direção do irmão mais novo.

Hector, o anão, desferia golpes e mais golpes com sua marreta a uma velocidade impressionante, considerando que a arma devia pesar um absurdo. Miguel desviava desesperadoramente. Deu um salto para trás e arremessou a faca ornamentada que atingira Hector em sua testa tatuada com precisão. O anão caiu no chão, morto.

Violet, a outra mercenária, avançou contra Miguel com suas garras, mas nesse instante, Cronos ergueu-se e desferiu um golpe horizontal com sua espada no ar. Da espada saiu uma lâmina de fogo que atingiu a mercenária no pescoço, decepando-a.

Os irmãos então olharam a volta, a procura de Viktor, mas o feiticeiro havia desaparecido. Mesmo com os óculos mágicos, não era possível vê-lo.

- Acha que fugiu? – perguntou Miguel, desconfiado.

- Talvez. Mas vamos ficar com os óculos o tempo todo agora.

Remontaram a barraca e revezavam turnos para dormir e o outro vigiar, mas na verdade, nenhum dos dois conseguira pregar os olhos aquela noite, mesmo que fosse a sua vez de permanecer sob as cobertas dentro da barraca, tentando não prestar atenção ao zumbido de mosquitos nos ouvidos.


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