Porta 54 escrita por That Crazy Lady


Capítulo 5
Primeiras impressões




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Catarina sentiu-se incomodada com a cartola durante todo o percurso de volta à Sala Redonda, até que por fim a tirou da cabeça:

- Essa coisa é horrorosa! Não podia ser ao menos do meu tamanho? – E a cartola obedeceu amigavelmente. Ela arregalou os olhos por um momento, mas parecia tão satisfeita que pelo menos alguma coisa em toda aquela confusão a obedecesse que simplesmente a colocou de volta.

- Então – disse uma voz. Catarina viu com o canto do olho um sorriso ambulante flutuando ao seu lado. – Agora que você tem as chaves, está pronta para a sua primeira função como Alice?

- Não. Mas você se importa? – ela retrucou.

- É claro que não. Só quis ser educado. – A garota segurou um “sério?” dentro da boca. – Se não me engano, os problemas vêm do mundo 54. Eu andei detectando alguma coisa por lá... Eles nunca foram muito amigáveis...

- Como são os moradores?

O sorriso virou-se para ela e aumentou.

- Você verá por si mesma.

Ela não detectou muita confiança nessas palavras, mas resolveu continuar calada.

A primeira palavra que veio na cabeça de Catarina quando destrancou a porta 54 foi: Morto. Uma é pouco? Pois eu te dou outra: Deprimente.

Simplesmente não havia outra forma de descrever o tal mundo. A porta estava suspensa – translúcida, a propósito – literalmente no meio do ar, a uns 6 metros de altura do chão, que era de terra socada e seguia em linha ondulada até o horizonte como se fosse uma estrada. Ou talvez um projeto de estrada. De qualquer forma, em alguns pontos era difícil discernir o que era estrada e o que não era, pois não havia grama ou demarcações, simplesmente mais terra e alguns arbustos frágeis crescendo aqui e ali. Não havia vento, o que dava a impressão de que todo aquele terreno estava prendendo a respiração, como se apenas esperasse para que algo ainda mais terrível acontecesse. Basicamente, era um local morto. E deprimente. Mas acho que já comentei isso.

O primeiro problema era descer. A não ser que uma corda ou um monte de travesseiros surgisse do nada, Catarina não via como entrar de fato no lugar.

- Acho que teremos que voltar, Chess – ela comentou. Olhou em volta, procurando-o, e o encontrou parado já no chão abaixo da porta, observando-a com seus grandes olhos multicolores.

- Não pode. Só vai voltar quando completar o trabalho. Mas talvez você devesse descer – ele sugeriu com seu sorriso debochado.

- Oh, sério que eu tenho que descer? Não tinha pensado nisso! – Catarina disse-lhe de volta, irritada. – Mas como eu faço?

- Não sei.

Ela crispou os lábios, resmungou algo como “tudo eu, tudo eu” e olhou em volta procurando uma ideia. Talvez pudesse usar a força do vento... Não, não tinha vento. Ou amarrasse todos aqueles arbustos para formar uma corda... Espere, eles estão lá embaixo também!

- Isso não está dando certo! – ela gritou para Chess, começando a se irritar seriamente. – E você deveria me ajudar!

Ele (ou uma parte dele) reapareceu ao seu lado.

- Alice tinha razão; você é muito reclamona – disse o gato, girando a cabeça decapitada no ar. – Tem que aprender a se virar. É você a Alice aqui, não eu. – Então desapareceu.

- AH! Espera! – ela chamou. Catarina esperou longos segundos, mas não houve resposta. –... Cansei disso. Sabe por quê? Porque eu não pedi para ser a Alice! – berrou por fim para o vazio.

Ela sabia que estava sozinha, claro. Mas sentia-se tão irritada, confusa, pressionada e nervosa que precisava gritar. Todos esperavam que ela fosse uma boa Alice e resolvesse seus problemas, fazendo coisas com as quais nunca tinha nem mesmo sonhado. Mas e os problemas dela, hein? Ela também tinha uma vida. Uma vida além de toda aquela confusão, que agora parecia mais agradável do que nunca. E mesmo que o lance da Alice fosse até... interessante... em alguns momentos, estar completamente sozinha, suspensa no ar e num mundo como aquele fez com que ela chorasse de raiva.

Mas ela se controlou. Afinal, era Catarina.

Depois de engolir o choro, a garota pôs-se a pensar. Tentou voltar pela porta, mas, como Chess avisara, não funcionou. Então isso significava que ela teria que descer. OK. Próximo passo: Como?

Sem nenhum objeto suspenso no ar junto com ela, Catarina se pôs a examinar os bolsos. Encontrou uma tampinha de caneta mordida, cinquenta centavos, o molho de chaves e farelo de biscoito. Obviamente não sairia uma escada muito produtiva daquilo.

Então ela se lembrou da cartola.

Uma cartola-bolsa, dissera o Chapeleiro. De onde ela magicamente tirara as chaves. Quem sabe o que mais havia lá dentro?

Sentindo-se uma mágica barata, Catarina enfiou a mão e tateou em busca de alguma coisa. Ela, é claro, não sabia bem o que estava procurando e se sentia meio ridícula, mas seguiu apalpando até pegar o cabo de alguma coisa.

Bom, não alguma coisa.

Um guarda-chuva florido.

Ela estava encalhada em um mundo morto e sem vento e tirava um guarda-chuva florido como sua única chance de não ficar flutuando para sempre em frente a uma porta inexistente.

Muito bom, Chapeleiro!

- Bom, vai ter que servir – Catarina murmurou para si mesma. Com um movimento largo, ela abriu o guarda-chuva florido e o mediu acima de si; Tinha o peso normal de um guarda-chuva. (Florido.) A garota meteu a cartola na cabeça, rezou para todos os santos para que desse certo e, sentindo-se a Mary Poppins, pulou.


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