Porta 54 escrita por That Crazy Lady


Capítulo 4
Chaves - Parte II




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- É bem parecido com o da história – Catarina comentou depois de algum tempo. Ela e Chess andavam por uma trilha entre as árvores de um bosque, se é que se pode chamar o que Chess fazia de andar. Ele simplesmente flutuava na frente, e, às vezes, desaparecia para reaparecer ali mais adiante; isso fazia com que Catarina tivesse que apertar o passo regularmente e também a irritava um pouco.

- Toda lenda tem um fundo de verdade – Chess lhe disse de volta, dando um de seus sorrisos felinos de orelha a orelha (literalmente). – É a sua primeira lição. Guarde isso, Alice, vai ser importante.

- Catarina. E como assim lição? Você é meu professor agora, por acaso?

- Pensei que não soubesse de nada. Estou apenas tentando ajudar.

Catarina simplesmente não conseguiu segurar a língua.

- Não pode estar falando sério.

- É, não estou. – O gato gargalhou e desapareceu. A garota, enfurecida, apertou o passo para checar se ele estava mais adiante na trilha. Não estava.

- Chess?

Sem resposta. Catarina não podia acreditar que seu azar fosse tão monumentalmente gigantesco assim.

Ela acabou por continuar avançando, na esperança de encontrar alguma coisa, até que saiu na base de uma clareira. Então ouviu um “tsc tsc” de decepção.

- Atrasada de novo, Alice! Por que nunca consegue chegar na hora?

A garota virou-se. Viu-se defronte a uma enorme mesa posta para o chá, onde estavam sentados um homem muito estranho usando uma cartola bem maior do que a cabeça e uma lebre parecendo um tanto quanto... Esquizofrênica.

- Elas nunca chegam na hora – a lebre disse com a voz tremendo e os olhos saltados, logo depois dando uma risada histérica.

- Catarina – ela corrigiu – e não estou atrasada.

- Está sim! – O homem com a cartola, que devia ser o Chapeleiro, ergueu um pesado relógio de bolso. Ou ao menos deveria ser um relógio de bolso, já que era tão grande que simplesmente não cabia em um bolso. Ele marcava cinco horas. – Cinco horas! É a hora do chá, e nós já começamos. E se já começamos, você está atrasada!

- Atrasada! – a lebre reforçou com sua risada histérica.

Catarina mordeu a língua e sentou-se à mesa.

- Isso. Antes tarde do que nunca! Chá, Alice? – o Chapeleiro ofereceu alegremente.

- Não gosto de chá, e meu nome não é Alice.

Não era possível saber qual dos dois comentários causara mais impacto. Os dois pararam por um instante e observaram Catarina com olhos esbugalhados, como se ela tivesse acabado de cometer uma gafe horrenda. Por fim, a lebre sussurrou:

- Não gosta... De chá? – Sua risada histérica veio menos animada dessa vez.

- Mas isso é terrível! – o Chapeleiro concordou.

- Olhe, eu não vim aqui para tomar chá – ela disse rapidamente. – Preciso das chaves da Sala Redonda, Chapeleiro. Chess disse que estavam aqui com você.

- Estão comigo – ele disse ainda olhando Catarina de forma assustada. – Mas não vou lhe entregar.

- Por que não?!

- Porque só posso entregar para a Alice. E você acabou de dizer que não é Alice.

Oh-oh. Isso era um problema.

- Não, não. Eu sou a Alice. Mas não me chamo Alice. Me chamo Catarina.

- Mas se você é Alice, é Alice. E se é Catarina, é Catarina. Não pode ser Alice e Catarina. A não ser que você se chame Alice Catarina, ou Catarina Alice, ou Catalice...

- Eu sou Alice! – ela interrompeu o Chapeleiro com um quê de irritação. Daria muito trabalho explicar direito, e ela não tinha esse tempo. – Foi só um mal entendido. Pode me dar as chaves agora?

O chapeleiro ponderou por um instante.

- Eu poderia – ele começou –, mas você está atrasada. Não posso lhe dar as chaves se está atrasada.

Catarina fechou os olhos bem apertados por um instante. Não exploda, não exploda.

- Eu não acredito que estou atrasada! Posso ver o seu relógio?

O Chapeleiro concordou e puxou com carinho o enorme relógio para cima da mesa. Era tão pesado que algumas xícaras do outro lado se viraram.

- O que acha dele? – perguntou. – Eu mesmo encomendei. Fiz um chapéu para um relojoeiro além da floresta de flores e ele me deu esse relógio de volta. Lindo, não?

Catarina examinou o relógio. Era muito bonito, mas estava obviamente parado. Ela lembrou-se da história: Com o ponteiro marcando sempre cinco horas, o Chapeleiro, a Lebre e o Dormidongo ficavam eternamente tomando chá, mudando de lugar para usar novas xícaras já que não tinham tempo para lavar a louça. Daria muito trabalho explicar que o amado relógio do Chapeleiro estava estragado, então ela teria que ser esperta.

Fez uns ajustes discretos e então mostrou o relógio.

- Chapeleiro? Acho que está mal para ler as horas. Não são cinco horas ainda! São quatro e cinquenta e nove. Não estou atrasada.

O Chapeleiro e a Lebre se inclinaram para olhar mais de perto.

- É mesmo! Puxa vida, minha vista não é mais a mesma. Perdoe-me, Alice. Aqui, pegue. – Ele ofereceu a cartola. Catarina a pegou sem entender. – É uma cartola-bolsa. Era de Alice! Pode guardar o que quiser aí dentro. É onde as chaves estão, também.

- Ah, obrigada! – Eu acho, ela acrescentou mentalmente. Sem saber o que fazer, meteu a cartola na cabeça. Sentiu-se meio ridícula, mas resolveu não comentar nada. – Bom, eu adoraria ficar para o chá, mas tenho um compromisso urgente. Boa tarde, cavalheiros.

Ela levantou-se e voltou para o bosque, mas não antes de voltar o ponteiro para as cinco horas.


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