CAPÍTULO CINCO - UM SONHO INTERROMPIDO

"É que o amor é essencialmente perecível e na hora que nasce começa a morrer. Só os começos são bons. Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho do céu. Mas depois!...Seria pois necessário estar sempre a começar, para poder sempre sentir?"

(Eça de Queiroz)

            Eram 6h30, tive que acordar para a aula. Presenciei uma das piores cenas ao abrir a porta, Jared e Raissa estavam se beijando pela manhã. Acordei com o pé esquerdo. Isto é horrível, pois significa que eu vou ter muito azar neste dia.

            Sai da residência rapidamente, após comer o lanche. Olhei para a casa do Matthew ao passar pela ponte, porém algo me parou. Bianca e ele estavam saindo da porta, no mesmo instante o mesmo sorriu ao me ver no meio da estrada. Realmente, hoje o azar me seguia e seria muito difícil para este se afastar de mim.

            Esperei o casal ao ver que eles fizeram um sinal de "espera." Andei um passo na frente deles com a "desculpa" de que os dois ficassem sozinhos, mas a verdade nua e crua era para não vê-los se agarrando. Eu ainda não admitia, mas ia ser difícil esquecê-lo se o visse todo o dia. Teria que me afastar dele e isto era o que mais me afetava.

            _É verdade, Manu? _questionou Bianca em um tom manhoso.

            _O quê?

            _Que um dia você foi levar o lixo de pijama e cabelo desgrenhado? _seu tom de voz era horrorizado e perplexo.

            _Sim, por quê? _perguntei, sem entender o motivo de tanta euforia.

            _Para quem não tem beleza, fica ruim para a imagem andar pela rua deste jeito. Como tu vai conquistar um menino se ele perceber que além de feia, você é desleixada? _demonstrava superioridade.

            Não sei o porquê de ele ter um péssimo gosto para mulheres, exceto a Nathália, mas eu ia descobrir. Queria ser uma delas para o mesmo me notar, porém tinha que mudar toda a minha personalidade. Senti-me tola ao perceber que ela estava falando a verdade, pior ainda por saber que Matthew tinha me visto assim.

            _Eu não acho que isto seja importante, Bianca, pois quem ama não se importa com o jeito da pessoa ou a imagem que ela passa. _respondi rapidamente.

            _Ah é? Então pergunta para o Matthew, para ver se ele acha o mesmo. Você concorda comigo, meu amor? _perguntou, antes de abraçá-lo com doçura.  

            Não precisava ouvir a sua voz para saber a resposta, pois ele ficou em silêncio e quem cala consente. Seus olhos passavam de mim para ela rapidamente, mas seu olhar dizia que ele concordaria com tudo o que a Bianca dissesse. Fiquei feliz ao avistar a escola, aquilo apontava que esse era o encerramento do nosso assunto. Eu não queria acreditar, mas ele se tornou uma marionete nas mãos dela. Justo ele que dizia que nunca ia se apaixonar, mesmo ele não falando isto para mim, eu sabia que ele era orgulhoso em relação a este sentimento.

            _Manu. _chamou Hélio, após me ver no portão.

            _O que houve? _disse ao me aproximar dele.

            _Eu queria que me perdoasse por ontem, pois eu fui um idiota por te beijar. Eu não podia, mas não aguentei ao ver você chorando daquele jeito. _disse, jogando as palavras em meu rosto.

            Pena, este era o único motivo por ele ter me beijado. Eu estava cansada de ser tratada desta maneira, mas sabia que não teria nada além disto. Olhei para ele e notei que estava preocupado, mas este era o seu modo de dizer que queria uma resposta.

            _Não há nada para perdoar, Hélio. Você já havia me explicado naquele dia e no mesmo momento, eu já tinha te perdoado. _respondi, com um falso sorriso.

            _Eu queria poder ver, um dia, o verdadeiro sorriso plantar em seu rosto. Sei que há muita mágoa por trás do qual você mostra agora. _finalizou, antes de sumir em meio a multidão que se formava no pátio.

            Fiquei um tempo no mesmo local, tentando entender o porquê dele saber sobre aquilo. Eu não era íntimo dele e muito menos havia contado sobre o que me atormentava. Passei pelo corredor e tentei não ligar ao ver que o casal estava se beijando, mas percebi que eu não me feria tanto quanto antigamente. As lágrimas não saiam automaticamente e eu já podia controlá-las.

            Eu não me importei quando vi os dois mandando bilhetes e muito menos por estar sozinha no recreio. Claro, eu não ligava, porque eu não vi o que eles fizeram. Ou seja, o que os olhos não veem o coração não sente. Sorri ao ver o Hélio passando pelo pátio, fingindo que era um modelo na passarela e fazendo estrelinhas no local. Ele foi em minha direção e sentou no lugar onde agora eu sentava todos os dias.

            _E ai? O galã resolveu te largar por outra, novamente?

            _Ele nunca foi meu, Hélio. Por mim, pode ficar com quiser, desde que não me incomode. _respondi em um tom considerado frio.

            _Sério? Porque todo mundo achava que vocês formavam um casal, pois o Matthew nunca foi de ficar com uma garota por muito tempo. _confessou.

            _Então trate de dizer a todo mundo, que eu e ele nunca namoramos. _fria, novamente.

            Ficamos em silêncio, algo que para mim se tornou insuportável. Antes eu gostava disto, mas eu havia me acostumado com o barulho. Não entendia o porquê de meu hábitos mudarem tanto em poucos meses, mas sabia que a resposta estava em meu peito.

            _Manu, o que você vai fazer de faculdade depois de se formar? _questionou por estar sem assunto.

            _Eu não sei. O que eu sonhava era ser bailarina, mas percebi que não era boa na dança. _confessei, constrangida.

            _Mas isto não é emprego, e sim hobbie. _confirmou, perplexo.

            _Eu sei, mas eu era muito infantil naquele tempo. E você, o que quer fazer depois de se formar? _perguntei, de modo pensativo.

            _Bem, meu sonho é ser jornalista, mas meu pai quer que eu administre a sua empresa. _respondeu, demonstrando uma tristeza que deu pena.

            _E você não contou a ele sobre o seu sonho?

            _Sim, mas eu não insisto porque sei o quanto meu pai deseja isto. Ele fala de seus planos o dia inteiro, até me inscreveu no vestibular para administração. _confessou, melancólico.

            _Mas para isso, você tem que desistir de seu sonho? Acho que o seu pai que deveria ceder e perceber que tu é diferente dele. _revoltada.

            _E você acha que eu não tentei convencê-lo, mas ele é cabeça dura.

            _Foi você que não convenceu o bastante, pois um dia ele irá ceder. Já que água mole, pedra dura. Tanto bate, até que fura. _aconselhei, tentando apontar que ainda havia esperança.

            _Isto é genial! Mas o que você acha que eu deveria fazer para persuadi-lo? _questionou, alegre.

            Pensei, pensei muito antes de responder a pergunta. Talvez porque, este seja um momento delicado na vida de todo o adolescente. Imaginei o que eu fazia para convencer minha mãe, em um passe de mágicas as ideias vieram em um turbilhão.

            _Por que você não espalha os papéis, para que ele veja, sobre o curso? Ou comenta sobre os benefícios desta profissão e o salário da mesma? Tenta mostrar o quão você é ruim em administração ao errar nas atividades que ele lhe passa. Talvez com esses motivos, ele perceba que o seu futuro é entrar no jornalismo.

            Antes de sair, pois bateu o sinal, ele me deu um beijo na bochecha. Um simples toque, que mesmo eu não gostando, senti algo bom passar pelo meu corpo. Talvez porque eu estava sensibilizada em relação a isto, mas eu sabia que ainda o veria. E muito.

Passei pelo corredor e sorri ao ver Matthew e Bianca, fazendo com que ele me olhasse de um jeito estranho. Eu não sabia, mas será que o meu sentimento pelo mesmo era apenas fogo de palha?