Fahrenheit e Absinto escrita por Aleksa


Capítulo 16
Capítulo 16




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Lambendo lentamente as duas feridas paralelas no pescoço da garota que de maneira letárgica tinha as pupilas dilatadas em dois negros pontos circundados pela fina linha verde escura de sua íris, ele se afastou de uma única vez, se hesitasse saberia que se arrependeria de tê-la deixado viver.

O apoio que a mantinha em pé se separou dela, deixando um enorme vácuo de calor e proximidade, não conseguia manter seu próprio peso erguido sobre os joelhos moles, e assim foi caindo, escorregando pela superfície da parede, lisa e fria, até acabar sentada no chão, sentindo o mundo rodando em milhares de espirais de luzes e arabescos.

Um gemido sôfrego e fosco deixou seus lábios, de repente sentia frio, sentia-se novamente só, e seus olhos borravam os contornos, tentando lentamente se ajustar a luz, mas parecendo não captar nenhuma.

Ele a observou, sentada no chão, sendo corroída pelo sentimento de abandono gélido e miserável que agora restava. Por segurança, afastou-se mais dois passos para trás, a ventania fazia as janelas estremecerem surdas, assim como o corpo da garota que depositava seu peso nas paredes, perdendo lentamente a sensação das extremidades.

Suas mãos esfriavam e começavam a tremer conforme o veneno era lentamente absorvido por suas veias, e lentamente espalhavam o frio toda a extensão de sua pele, suas veias, seus nervos. Perguntava-se se não era melhor esquecer desse sentimento, se não se satisfaria com a confortável lacuna branca e impassível que eram suas lembranças de momentos como esse... Mas não, não estaria satisfeita, tinha certeza que iria pedir por explicações, pedir por lembranças, pedir por sentimentos, por mais que soubesse que aquelas explicações a torturavam de forma completa e gélida...

E foi nesse momento, no momento em que pensou que fosse possível que aquele frio fosse devorá-la viva, que o veneno se apoderou de seu cérebro, e um inebriante choque térmico acabou com todas as suas resistências até então, fazendo-a puxar o máximo de ar que podia em busca de oxigenação... Inutilmente.

Estoico e indiferente, Alexis a observava da parede oposta a qual ela se debruçava agora, com as mãos nas costas, sabendo do estrago que havia causado, observando em deleite perverso a antiga presa agora contorcia-se em prazeres misturados e tempestuosas.

E um sorriso sádico se formou no canto de seus lábios, discreto o bastante pra soar como um escarnio. Um aviso que dizia que não faria nada mesmo que ela implorasse.

E com isso não digo que ele não tivesse vontade.

Entenda, ele não precisava simpatizar com sua caça para que sentisse vontade de caçá-la.

Ou em outras palavras, não era por que ele a desprezasse enquanto pessoa, que não pudesse desejá-la enquanto mulher.

E, isso só era devido ao fato de ele tê-la perdido, não importava se por descuido, se por negligência, algo em desafios perdidos o mantinham muito mais entretido que simples jogos. Ele sabia que ela o temia mais do que era compreensível para ela, e era exatamente por essa razão que sentia que era preciso que algo fosse feito.

Ela havia ofendido seu inatingível orgulho, enquanto caçador, enquanto homem, enquanto assassino... E pagaria por isso... Pagaria com a própria loucura. Pagaria com cada nível de resistência que tivesse, iria chorar por ele, se consumir por ele, se consumir por um prazer que nunca provaria por completo...

Seria prazer, lágrimas e veneno na vida daquela mulher...

Até que ela clamasse por mais.

Com os braços cruzados sobre o peito, a ideia nova para um jogo muito mais delicioso o fez reclinar levemente a cabeça para o lado, fendendo suas pupilas em talhos negros entre as íris prateadas.

 Ela se esforçou sobre os joelhos pra se manter em pé, sabia que odiava o homem que mantinha seu olhar fixo nela naquele momento, apreciando silenciosamente sua tormenta.

- Não há mais necessidade de rodeios, humana. Já sabe da verdade, e sabe quem na verdade sou eu, minha família, e os meus inimigos. – ele se desencosta da parede. – Agora resta saber o seu papel nisso tudo.

- Meu... Papel...? – sua cabeça rodava, e seus joelhos tremiam, recusando-se a se firmar.

Ela morde o lábio, refreando um gemido abafado que se formava no fundo de sua garganta, e lutava com sua força de vontade para ser externado em altos brados.

- Isso. Vincent acredita que usando você, ele irá mostrar sua superioridade em relação a mim. Isso simplesmente por que não tem coragem de me encarar, sabe que eu o mataria como deveria ter feito muito tempo atrás.

Tudo roda por alguns segundos, até parar de novo e se focar novamente diante de seus olhos, o ambiente estava escuro e abafado, as velas lançavam uma luz alaranjada e tremula pelo aposento, preenchido pelo cheiro de cera derretida e óleos de calêndula e acácia.

- Por que... Você se importa? – ela se apoia em uma das cadeiras, fincando as unhas no encosto pois sabia que seus joelhos ainda podiam traí-la.

- Essa é a questão principal. Uma excelente pergunta a sua. Como caçador, eu não admito que mexam no que me pertence.

- Eu não pertenço a você!

- Não se iluda, isso não significa que eu me importe particularmente com a sua vida. Somente não gosto que mexam nas minhas coisas. Se você morresse, eu teria perdido terminantemente o jogo que temos, e não quero isso, você é uma presa muito interessante. – ele para e senta na mesa, olhando-a com os olhos prateados que externavam toda a malícia do mundo.

- Não tenho nenhum jogo com você! E também não sou sua presa!

Ele ri.

- Você é sim. E desempenhando essa função, eu me sinto menos reclinado a arrancar-lhe o coração... – um sorrisinho sarcástico se forma no canto de seus lábios. – Mesmo que ele já me pertença.

- Você não presta! Eu desprezo você! Se não fosse você eu não teria perdido tudo o que perdi!

- Eu? – seu sorriso esmorece suavemente. – Eu nunca a forcei a nada, pode me odiar, diga isso pra si mesma até que acredite. Repita que eu sou o mais inferior dos seres que já andou sobre a terra, me despreze, queira minha morte, deseje que eu sofra, que eu pague pelos meus pecados, pela dor que infligi a você... Mas eu sou sua tentação, e sempre serei, não importa o que eu faça.

Ela o encara com dor, revolta, rancor.

- E serei sempre eu... – ele atravessa a sala como um borrão, apagando a trilha de velas com uma lufada de ar. – Que terá a chave para o seu corpo, para a sua alma... E para os desejos que eu sei que você tem, não importa o quanto me olhe com esses olhos de ira...

Ela se assusta com a proximidade repentina, num momento ele estava na mesa do outro lado da sala, no outro estava parado atrás dela, fazendo os cabelos de sua nuca arrepiarem enquanto ele lhe sussurrava os ouvidos.

- Minta pra todos, até pra você mesma... Mas nunca vai conseguir mentir pra mim, eu vejo através de você... E enquanto eu souber ler as entrelinhas, você está na minha mão... Absinthe Cardelian.

Ela engole seco, a proximidade repentina a deixou tonta novamente, o sangue voltou a correr rápido e fazer o veneno nublar sua visão novamente, e agora, com o calor do corpo perfumado dele em suas costas, seria difícil contra argumentar.

- Diga que me despreza agora. – seu sorriso sarcástico voltou a mostrar seus caninos salientes. – Consegue fazer isso?

- Você é uma criatura odiosa Alexis Nightingale Devareux.

- Nunca disse o contrário. – ele coloca as mãos sobre as delas no encosto da cadeira onde ela estava apoiada. – Não tenho uma boa impressão de você Absinthe, só espero que me prove que estou errado durante o tempo em que morarmos juntos...

Ele se afasta tão de repente quanto se aproximou, deixando-a com um frio repentino, o frio que só podia ser aquecido com contato... Mas preferia congelar a morder a língua e dar o braço a torcer.

Os olhos dele eram dois pontos luminosos na sala escura, com sua íris fina, como se tivessem cortado seus olhos daquela forma, e como se nunca tivesse estado lá, saiu pela porta e sumiu escada abaixo.

Finalmente só, ela pode deixar que seus joelhos ingratos a puxassem para o chão, largando a cadeira, deixando as marcas de suas unhas fincadas no tecido.

Lá, sozinha na escuridão da sala, pode fechar os olhos por alguns segundos e se conformar no que era sua vida daqui para frente, se convencer que desprezava da forma como acreditava, e voltar e se por em pé, ser forte, e encarar de frente o abismo que ela mesma havia cavado.

Alexis tinha razão, a culpa não era dele, ele não tirou dela sua vida, ele nunca fez isso, foi ela, ela que se interessou por ele, ela que se aproximou, ela que ligou, ela que o quis... Ela, e mais ninguém...


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Notas finais do capítulo

Olá leitores o/
Sorry ficar sem falar com vcs todo esse tempo, mas geralmente eu to sem tempo.... na vida.... pra td....
Bom, e ai? Gostaram?
Vou tentar postar mais, ok? :3