Fahrenheit e Absinto escrita por Aleksa


Capítulo 15
Capítulo 15




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Querendo ou não, agora estava atada a essas criaturas que mal compreendia, temia e sabia que deveria temer.

- É  a minha família que está em jogo aqui Absinthe, eu não vou nem por um momento hesitar em fazer o que for preciso, para defender a minha raça. – Luka reclina seu corpo para frente. – O que for preciso.

Um arrepio gelado corre a espinha de Absinthe, foi claramente uma ameaça, uma ameaça que significada “vou te matar se você não cooperar”.

- Minha família... Eles estarão a salvo?

- Estarão mais seguros sem você lá, acredite.

O olhar de Absinthe se volta ao chão, a frívola sensação de inexistência, de vazio, a falta ácida de chão, do chão que antes era como aço sob os pés...

Só na cova dos leões... Mas... O egoísmo a impelia a dizer que não lhe importava... Porem importava, não suportaria a sensação de culpa que iria mata-la de forma muito pior e mais lenta se voltasse, olharia o sorriso de plena confiança de sua mãe, amigos, e saberia que estava colocando suas vidas em risco...

Amaldiçoou o dia que conheceu Alexis, ele era o culpado por arruinar sua vida toda.

Por hora, lutaria uma luta de cada vez, e mesmo que não tivesse certeza do que Luka dizia, não arriscaria as vidas daqueles que realmente lhe importavam... Seria o sacrifício, e torcia para que tudo terminasse o mais rápido possível.

- Muito bem... Que assim seja...

Jogou o rosto nas mãos e deixou-se soluçar, sentindo sua vida ruindo, os alicerces de toda a sua existência, se despedaçando lentamente e escorrendo por seus dedos como areia, cortando e riscando sua alma como cacos de vidro... Não tinha mais nada, e o futuro era nublado e escuro.

Os soluços se sobrepunham, e ela chorava, chorava por sua própria vida. Assistia seu próprio enterro, e acompanhava seu caixão a caminho da cova.

Luka observava-a, não gostava de ter de destruir sua vida desse modo, mas sua família, não poderia nunca negligencia-los, não gostava de ter de agir como um insensível frio e calculista... Porem em tempos de guerra, as lágrimas manchavam suas roupas, o sangue nublava sua visão, e o desespero ensurdecia seus ouvidos.

Tinha de ser feito, pelo bem da família.

Atirou os cabelos loiros para trás e tomou ar, a garota, ainda sentada, encolhia-se sobre os joelhos, as lágrimas escorrendo por seus braços, pingando por suas mãos.

Não havia nada que pudesse dizer, fazer, para consolá-la. Por isso, levantou-se e migrou para a porta, sabia que era um intruso naquele enorme precipício de tristeza, e a deixaria ali, até amanhã, quando suas angustias estariam menos abertas e expostas, e ela pelo menos conseguiria interromper aquele chorar copioso.

***

Alexis adentrou o interior escuro e soturno da casa, seus olhos frios e indiferentes esquadrinharam a pequena sala até localizarem Luka descendo a escada, com as mãos nos bolsos, claramente incomodado por ter de fazer o trabalho de carrasco da menina cujos soluços podiam ser ouvidos do corredor.

- Detesto ser o carrasco Alexis. Principalmente por que ela não tem nada a ver com isso.

Luka não nutria nenhum tipo de simpatia particular pelos humanos que devesse ser ressaltada, mas também não significava que os visse apenas como objeto. No caso de Absinthe, havia se habituado a sua existência pela proximidade que tinha com seu irmão como se habituaria a um cachorro, e lhe era desconcertante precisar manter tal “cachorro” preso numa corrente quando este claramente se angustiava tanto nisso.

- Infelizmente, Luka, para nós não existe alternativa melhor. Detesto precisar me envolver nos jogos de Vincent, mas definitivamente me incomoda a ideia de ele usurpar um dos meus brinquedos. – Alexis soava particularmente indiferente esta noite, o que significava que tinha dormido pouco e sua cabeça doía com uma insistência desesperadora.

Luka não se manifestou, apenas puxou Lud de lado  enquanto Alexis sentava em sua poltrona na sala, massageando as têmporas, cansado e cheio de coisas para pensar.

Ele também se repreendia por ter se envolvido num jogo com a humana, não lhe agradava a possibilidade de perder, e lhe agradava menos ainda o fato de agora estar atado a ela para manter sua espécie em sigilo.

Toda essa maldita situação estava dando-lhe nos nervos, e pior, estava ficando com fome.

Sabia que tinha de falar com ela, mas estava tão irritado que tinha certeza de que explodiria se fosse naquele momento, por isso decidiu que esperaria até o dia seguinte, onde eles possivelmente iriam se encarar com menos desprezo.

Luka voltou com Lud e sua expressão corriqueiramente vaga, Alexis tinha o rosto apoiado nas mãos e os cotovelos nos joelhos, reclinado e pensativo.

- Luka. – ele chamou, sem se mover da posição que estava. – Onde estão Evan, Giovanni, Dylan e Ivan?

- Saíram hoje assim que escureceu, foram atrás de mestiços. – ele respondeu, amarrando o cabelo numa longa trança feita rápido.

- Hum...

- Tudo bem Alexis?

- Dor de cabeça. – disse simplesmente.

- Hm.

- Giovanni me ligou algum tempo atrás, dizendo que ele e os outros iam demorar, voltam somente amanhã à noite.

- Aham. – Luka consentiu.

Quando a lua morreu e a noite deu lugar ao dia, e seus raios de luz ofuscantes, as janelas da casa já jaziam fechadas e cobertas pelo espesso cortinado fosco e pesado de tecido escuro e macio.

Os soluços desesperados da garota ainda no quarto haviam parado há pouco tempo e o quarto agora se encerrava no mais profundo silêncio.

Alexis caminhou pelo corredor na direção da porta daquele quarto silencioso, sabedor de que a garota que encontraria ali nutria por ele o mais refinado desprezo, ou pelo menos assim esperava.

Abriu a porta e fechou atrás de si.

Ela estava largada sobre o sofá, possivelmente nem chegou a se mover dali, e seus cabelos cor de cobre estavam espalhados pelo sofá, revoltos e indisciplinados.

- Absinthe. – ele disse.

Ela voltou se olhar a figura na porta, trajado de preto, com o cabelo castanho espalhado perfeitamente pelo rosto de olhos prateados e íris fina e vertical.

Atravessando o quarto, ele se sentou e pôs-se em frente a ela, observando seus olhos ainda vermelhos e inchados.

- Preciso contar-lhe algumas coisas. – disse relutantemente, não queria ter de falar com ela, por infinitos motivos, um deles era o seu orgulho impiedosamente ferido.

Ela continuou a observá-lo.

- Eu já mordi você.

Os olhos dela se arregalaram e ela se sentou subitamente.

- O que?

Tinha prometido a si mesma que não falaria mais com ele, mas não podia evitar, era literalmente de seu pescoço que estavam falando.

- Já mordi você. Três vezes se bem me lembro.

Ela engoliu seco.

- Mas eu... Não tenho cicatrizes... Nem marcas... Nem... Me lembro de nada.

- Meus caninos não são armas, num lhe feri com eles, e minha saliva cicatrizou as marcas, tanto do seu corpo, quanto da sua memória.

Mas como era possível? Ela se lembrava nitidamente do garoto agonizando enquanto os caninos de Alexis perfuravam sua pele e drenavam seu sangue.

- Mas...

- Aquilo, era um mestiço, os três eram. Vieram me matar, uma tentativa vazia, mas foi isso.

Ele não explicava a ela por que queria se justificar, apenas narrava fatos, e seria melhor que ela cooperasse com ele quando preciso.

- Mestiço... Mas ele se parecia tanto com uma pessoa normal... E era tão jovem...

- Mestiço são iguais a humanos, porém suas pupilas são vermelhas. Aquele foi mordido por outro mestiço, possivelmente um bem distante daqueles que era meus filhos, por que seus caninos não eram tão afiados, eles geralmente precisam fazem muito estrago pra chegar as jugulares com aquilo.

Um momento vago de silêncio.

- Imagino que esperava algo mais... Monstruoso?

Era quase insuportável, seria mais vantajoso se ela cooperasse com suas ações quando fosse preciso, mas sua dor de cabeça estava prestes a levá-lo a loucura, despendia quantidades enormes de energia simplesmente para não ficar tão profundamente irritado a ponto de quebrar-lhe o pescoço e seguir com sua própria vida... E isso nem era a pior parte.

Sentia a vida que pulsava por debaixo daquela fina camada de pele macia, e odiando-a ou não, querendo mata-la ou não, ele ainda adora seu sangue de forma bastante particular... Artistas, sempre causavam nele esse tipo de reação.

Ela ainda era incerta do que na verdade ele era, se era perigoso, ou se estava dizendo a verdade, mas naquele momento, por apenas alguns breves segundos, pode contemplar o brilho de tortura e sofrimento que ele carregava nos olhos marejados de prata penetrante.

- Você está... bem?

- Tenho fome... – um suspiro sôfrego. – E começo a cogitar a possibilidade de usá-la para sanar esse problema.

Ela sentiu-se subitamente invadida pelo medo, não gostaria de ser aquele garoto que teve a jugular destroçada impiedosamente, mas também não gostava de vê-lo sentir tanta dor, mesmo que não tivesse certeza se era mentira, era verdade, era uma alucinação.

- Se... Eu lhe der meu pescoço... Você irá me matar? – esse fim de frase saiu quase como um sussurro, mas para os ouvidos treinados de Alexis, foi tão claro quanto se ela gritasse.

Seus olhos prateados se voltam a ela, sem tentar esconder a surpresa que deles transbordava.

- Está fazendo isso ou por medo ou por culpa.

- Nenhum dos dois... faço isso por pena...

Era demais! Nunca foi tão ofendido em sua vida toda! PENA?! De uma humana?! NÃO! Nunca! Preferia estar morto a ser digno de pena! Preferia vê-la morta a ser digno de pena!

Levantou e colocou-a contra a parede, trancando-a com o peso de seu corpo, sem nenhum cuidado, indignado em como ela pode ofendê-lo de forma tão descarada.

- A-Alexis... – por mais que desprezasse esse sentimento, a proximidade cálida do corpo de Alexis acordava alguns de seus sentidos que deveriam permanecer dormindo quando sua vida estava claramente em perigo.

- Nunca... Se você ama a sua vida... Nunca... Tenha pena de mim... Me entendeu?... Se insinuar isso novamente... Eu ficarei profundamente chateado com você... 

Absinthe engoliu seco, a ameaça tinha sido completamente entendida, e ela ainda se esforçava pra tirar as outras sensações que cruzavam esporadicamente sua pele.

Não seja louca... Pare de pensar besteira!”

Os olhos de Alexis se estreitaram no mais claro ceticismo.

- Eu não acredito...

- O-O que?...

- Você me quer... Eu ameaço a sua vida, e você me quer...

- N-Não é nada disso!

- Céus... Você está gaguejando...

- É sério! E-Eu não quero... M-Mas a minha mente não me escuta...

- Impensável... – ele parece genuinamente surpreso.

- Você não entendeu! – e o sangue dela migra para o rosto, acelerando sua pulsação.

O cheiro quente e adocicado de sangue se espalha pelo ar, inundando os pulmões de Alexis com o perfume suave e convidativo.

Ele aspira o ar com cuidado, apreciando silenciosamente o aroma delicado de sangue quente. Reclinando suavemente a cabeça, o peso e a tensão e a agressividade de seus músculos se relaxa suavemente, cedendo ao lado mais primitivo que naquele momento sofria com a necessidade por sangue.

Uma necessidade que era muito maior que ele, uma necessidade que mesmo que ele desprezasse, não podia controlar.

Seus lábios instintivamente buscam o calor pulsante das veias da mortal que jazia imóvel, não ousando nem ao menos respirar.

Estremecendo ao toque perigoso do filho da noite que a pressionava contra a parede, ela tinha certeza que seria mordida, e temia por sua vida, mas em contra ponto, ela também não teria nada a perder, e a cada momento que se passava ela se perguntava mais e mais o que deveria fazer... Gritar não adiantaria...

Lentamente seus lábios se abriram e os caninos brilhantes e afilados se salientaram por a respiração quente, roçando suavemente sua pele, mandando ou convite e um aviso para coisas que ela de certo não saberia interpretar.

E foi quando o par de agulhas brancas como mármore se fincaram em seu pescoço, atingindo milimetricamente a veia vital pulsante que dormia logo abaixo da superfície pálida e sensível que era sua pele.

Refreou a garganta para não dizer nada que incentivasse ou atrapalhasse, pois havia uma certa curiosidade em entender o que estava acontecendo, o que a levava a se sentir tão calma tão absolutamente anestesiada diante daquele momento perigosamente inebriante.

O veneno se alastrou lentamente pelo sangue quente e doce, dessa vez, sem a tentativa de limpar a memória que ia se concretizando em fogo e prazer, arrepiando sua pele arrastada e dolorosamente, numa velocidade fixa.

Ela amoleceu e seus joelhos não mais eram capazes de sustentar seu próprio peso, cedendo. Amparando sem nenhuma dificuldade, ele a abraçou, mantendo-a numa distância onde não precisasse libertar seus dentes da carne tenra e frágil da qual ele, agora, tirava a vitalidade.

O termômetro dele eram as mãos dela, quando elas ficassem geladas, ele precisava parar, e elas estão geladas, geladas de verdade.

Com uma reclamação interior, ele preguiçosamente largou-lhe o pescoço. Ela sentiu as presas finas e afiadas saindo de sua pele numa lentidão torturante.

E pela primeira vez ela se lembrava de tudo.

E agora, parecia que não era mais o suficiente... Por um momento vago e efêmero, ela pode esquecer da vida que lhe esvaiu pelos dedos pra pensar somente no que queria agora...


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