I Hate You Then I Love You (mcfly) escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 22
Capítulo 21




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Deixei-me arrastar pela rua, até o hospital. A minha reação, entregar o telefone a uma desconhecida, não poderia surpreender ninguém. Brenda sempre agia assim. Brenda escolhia pessoas e delegava funções. Brenda comandava. Eu nunca tive problemas em escolher as pessoas erradas. Eu fazia escolhas erradas. Mas as pessoas eram sempre certas. O médico estava mesmo em uma conferência com todos. A mãe de Harry chorava muito. Eu estava completamente seca. A catatonia de Júlia transferiu-se para mim. Todos prestavam muita atenção no que era falado. Claro, a notícia era boa. Razoável.

— Eles conseguiram os órgãos. – Dougie trouxe as boas novas. – Acharam um doador para Harry. Dois, na verdade, um para os rins e outro para o fígado. Os órgãos já chegaram; eles começam a cirurgia em instantes.

— Graças. – Danny abraçou o amigo. Eu continuava parada, ao lado dele, sem muita reação. – Bem, agora só precisamos esperar.

O dia foi longo. A noite foi longa. Uma das maiores que nós já tínhamos passado. Eu sempre tinha insônia, mas nunca por um motivo daqueles. Tudo aconteceu. Nada aconteceu. Harry foi operado, mas nada mudou. Ele continuava em coma. Tom continuava em coma. As horas passaram muito devagar. As horas duraram semanas. Contei a Jane sobre o transplante, mas eu já não estava me incomodando em manter segredo. Todo mundo já devia saber, mesmo. A imprensa era implacável. Minhas mãos exibiam feridas de tanto que eu me flagelava. Júlia estava bastante frágil, nós não podíamos nos consolar. Era cedo, mas eu sabia que ela estava se apaixonando por Tom. Que ela se apaixonou por Tom desde a primeira vez que o viu. Em verdade ninguém podia consolar ninguém por ali. O Mcfly passou a segunda noite nos corredores do hospital central de Londres, enquanto a imprensa começava a se aglomerar do lado de fora. Jane me contou. Danny, o mais forte, foi até eles dar algumas declarações, e deixou que os médicos se encarregassem de boletins. Ele não entendia nada daquele negócio de edemas e lesões. Nenhum de nós entendia.

Era o dia seguinte. Fui despertada por uma mulher de branco. Eu não estava dormindo, mas quase desmaiada. De cansaço, de sono, de fome, de agonia. Júlia estava comigo, mas ela realmente dormia. Acabamos as duas acordadas.

— Você é Brenda?

— Sim, sou eu. Aconteceu alguma coisa? – Eu só esperava coisas horríveis. Não era da teoria do caos que estávamos falando?

— O doutor pediu que chamasse.

Júlia me olhou. Decidimos seguir a enfermeira, mesmo sem saber do que se tratava. Os rapazes todos cochilavam. Era muito cedo ainda. Encontramo-nos com o médico no sétimo andar. Depois de seguir a enfermeira por diversos lugares.

— Ele acordou. – O médico estava parado no corredor. Ele disse aquilo e abriu uma porta. Júlia pode ver a cama de hospital, aparelhos por todos os lados. Eu estava com a expressão incrédula. Quem? No centro da parafernália que superlotava o quarto, estava Tom com a cabeça praticamente toda enfaixada, olhos fechados. Ele parecia pálido. Senti meu estômago revirar. Era aquilo, Tom tinha acordado. E estava vivo. E aparentemente bem o suficiente para receber visitas. – E ele chamou por você, Brenda.

Só uma de nós podia entrar. Por mais que eu adorasse Júlia e compreendesse genuinamente a sua preocupação, eu não podia evitar atirar-me dentro daquele quarto. Era de Tom que estávamos falando. Caminhei lentamente e sentei-me ao lado da cama. Observei-o por alguns instantes. Com cuidado, segurei sua mão, que estava já inchada por causa do soro. Ele abriu os olhos lentamente e olhou para mim.

— Bom... – Ele tentou falar. Meus olhos estavam vidrados. Coloquei os dedos na frente de seus lábios.

— Shhh... não fale. Não faça esforço algum.

Ele sorriu, um sorriso dolorido.

— Harry. – Tom queria saber do amigo.

— Harry está bem. – Eu menti. – E se você quiser ficar bem também, precisa descansar. – Eu queria chorar, mas resisti. Porque não faria isso na frente dele. Se eu chorasse, ele poderia se estressar com a situação. E saberia que eu estava mentindo.

No corredor, Júlia estava em parafusos. Ficou feliz com a notícia de que Tom tinha acordado. Mas queria vê-lo também. Queria tocá-lo, também. Mas, naquele momento, ele era apenas meu. Era aquela coisa estranha, que havia entre nós. Quase ninguém entendia. E eu nem mesmo ligava.

— O que houve com suas mãos? – Tom disse, bem devagar. Sua aparência era horrível.

— Nada demais. – Menti novamente.

— Você está se ferindo. Você esteve chorando. – Ele engoliu saliva. Os tubos em seu nariz deveriam causar um desconforto terrível. – Harry não está bem.

— Isso não é algo que deva preocupar você, agora. Que tal concentrar-se em ficar vivo?

— Ha ha. – Ele tentou sorrir, mas seus músculos estavam doloridos. – Brenda. Eu sinto muito.

— Cale-se. – Beijei a sua testa. A parte de sua testa que não estava enfaixada. Não tive medo de quebrá-lo; depois daquele acidente, eu duvidava que ele fosse frágil. – Eu vou ver como estão as coisas. Descanse.

Saí do quarto para poder chorar. Eu ainda não tinha conseguido parar, exatamente. O dia acabou passando no mesmo marasmo, sem que Harry acordasse. O efeito da anestesia já tinha passado, e ele deveria ter acordado. Mas continuava em coma não induzido. Precisei que um médico visse minhas mãos, porque elas estavam muito feridas. Dougie insistiu para que me dessem um sedativo. Eu recusei todas as vezes. Coloquei-me na porta do quarto, olhando por uma fresta de cinco em cinco minutos. Ele estava ali, e eu nem podia vê-lo direito.

Na manhã seguinte, eu era um zumbi. Cochilava – ou tentava, sentada em uma cadeira, quando notei uma movimentação estranha. Abri os olhos quase morrendo de dor de cabeça. Havia uma uma bagunça no quarto de Harry. Eu duvidava que fosse alguma festa.

— O que está acontecendo? – Entrei quarto adentro. Não pensei que não podia, afinal estava cheio de gente ali dentro.

— A senhorita não pode ficar. – Uma enfermeira me empurrou para fora.

— O que está acontecendo? – Insisti, nervosa, falando alto.

— Ele teve uma parada cardíaca. – A enfermeira informou. – Por favor, espere lá fora.

Fui literalmente colocada para fora do quarto, e a porta se fechou. Desabei no chão, sem rumo. Passei as mãos pela cabeça, olhando para cima. Meus sentidos estavam falhando. Eu tremia, não conseguia controlar meus músculos. Danny correu em minha direção quando me viu caída. Ele me resgatava do esgoto novamente. Tinham ido tomar um café, e estavam retornando. Ninguém da família de Harry parecia por perto.

— Ele... – Olhei para Danny, atordoada. – Daniel, eles... ele vai...

— Ele vai ficar bem. – Danny abraçou-se comigo e me pegou no colo, tirando-me dali. Júlia vinha do quarto, acabara de ver Tom, finalmente. Ele estava sonolento. Mas se recuperando muito bem. Os médicos explicaram que era efeito dos medicamentos que ele tomava. Ela mal conseguira estabelecer uma conversa razoável com ele. Ao me ver naquele estado, ela foi atrás de Danny para tentar descobrir o que houve.

Harry foi levado novamente para a terapia intensiva. Daquela vez, eu fui forçada a tomar o sedativo. Não tinha jeito de suportar mais aquilo sem ajuda. O clima estava tenso, e até o médico voltar com mais notícias, ninguém sabia como estava Harry. Tudo que se podia imaginar era algo muito ruim. E ele tinha acabado de receber os órgãos. Ele deveria estar fora de perigo.

Lose it all.

As notícias do médico não foram nada boas. Ele não estava reagindo bem ao transplante. O fígado parecia bem. Mas ele estava com falência renal total, e os médicos determinaram que ele estava rejeitando os rins doados. E que ele não sobreviveria com a diálise, por muito tempo. Ele estava muito fraco. A conversa do médico não parecia fazer sentido algum. Não me fazia sentido algum.

— Ele não vai sobreviver à diálise, nem a um novo transplante. Não há tempo para buscar novos órgãos, se vocês me entendem. – Ele falava com a família, com os amigos. E comigo. – As chances são muito pequenas de conseguirmos outro doador compatível na lista, e até isso acontecer, o organismo dele não resistirá à diálise. Ele está muito debilitado. Eu sinto muito, mas acho que vocês deveriam despedir-se dele.

Não. Aquilo não faria sentido. Porque eu não me despediria de Harry. Eu não faria aquilo. Eu não me despedi dele antes. Porque eu não poderia, nunca, dizer-lhe adeus. Meu corpo recusava-se a cumprir aquele comando. Meu cérebro recusava-se a admitir aquela hipótese. Depois que a família o viu, Dougie convenceu os médicos a me deixarem entrar. Eu não sabia se queria entrar, mas eu precisava me convencer também. Convencer-me de que aquela vez poderia ser a última que eu falaria com ele. Mesmo estando na UTI, Harry poderia receber visitas. Era uma pessoa de cada vez. Eu tive que me esterilizar, para evitar transferência de bactérias. Vestindo avental, com touca esterilizada e luvas, fui conduzida pela terapia intensiva até o leito de Harry. Ele tinha tubos por todos os poros, estava pálido. Senti um mal estar repentino. Ele nem parecia vivo. Minha boca estava seca. Meu coração batia bem devagar. As pernas fraquejavam. De meus olhos vertiam lágrimas que eu fazia retornarem. Segurou a mão dele, temendo quebrá-lo.

— Harry... – Ela disse. Precisava falar, mesmo se ele não fosse escutar. – Agora que eu digo o seu nome, você não quer me ouvir? Eles disseram que você não vai sobreviver. Que você não vai resistir à diálise, que precisa de um rim novo. Como se fosse fácil ir ao mercado e comprar um. – Eu acabei rindo das minhas piadas infames. – Pois é... Harry, você não pode me ouvir e eu estou aqui feito uma besta falando. Eu demorei tanto tempo para aceitar que você não era aquela pessoa monstruosa... que não foi você quem me feriu. Você era o musgo, sempre foi. Eu te amei tanto, e neguei por tanto tempo. Agora eles querem te tirar de mim. Você não pode ser tão irritante a ponto de me fazer isso! Eu não posso aceitar que você seja tão desprezível a ponto de me deixar agora. Você me fez confessar que te amo. Você me fez retornar ao passado sem ter medo de que ele fosse me engolir. Você é o ar que eu respiro, sempre foi, e eu passei todo esse tempo sem respirar. O que eu vou fazer? Você não se atreva a não sair dessa cama.

E eu não consegui mais resistir às lágrimas. Soltei as mãos de Harry e corri para fora da UTI. Arranquei o avental, corri pelos corredores até encontrar uma lixeira. Vomitei, coloquei para fora tudo que estava guardado naqueles dias. Júlia foi atrás de mim, acompanhada de Dougie. Ele era o membro mais novo; e no final acabou tendo que assumir tantas responsabilidades.

— Vai ficar tudo bem. – Ele me ajudou a levantar. – Ele é forte, ele vai...

— Não vai ficar tudo bem! – As lágrimas faziam com que eu engasgasse com as palavras. – Não vai ficar nada bem! Você o viu? Ele está sem cor! Ele está sem cor! Ninguém me diga que vai ficar bem, porque não vai! – Eu então tinha um surto no meio do corredor. – Dougie, ele vai morrer! Eu estou aqui, vendo o homem que eu amo morrer! O que eu vou fazer, me explica? O que eu vou fazer?

Fui amparada pelo baixista, que me abraçou. Ele não conseguia, mas queria me consolar. Ele também soluçava, em prantos, enquanto os médicos vinham com mais uma dose de calmante para mim. Eu estava destruída por dentro. Aquele remédio não faria o menor efeito em mim. Ele me sedaria, mas meu coração já estava sedado. Eu já estava completamente sedada.


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