I Hate You Then I Love You (mcfly) escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 21
Capítulo 20




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O caos estava instaurado, então. Um dos produtores apareceu com alguma coisa muito forte para que eu cheirasse. Ele precisava me acordar, porque ninguém sabia muito bem o que fazer naquele momento. Só eu tinha ouvido a conversa. Só eu sabia dos fatos completos. Quando o telefone caiu de minhas mãos, Danny pegou o aparelho e conversou com o policial. Que limitou-se a dizer em que hospital eles estavam. Não deu detalhes. Talvez os detalhes fossem terríveis demais. Pelo telefone, não.

— Brenda, você está bem? – Danny estava assustado. E bêbado. Sentei-me. As pessoas me olhavam. Eu não deveria estar sóbria, mas estava. E eu tinha ouvido tudo aquilo. Meu cérebro parou. Fechei os olhos, e quando abri novamente, havia um mundo novo à minha frente.

— Precisamos ir até o hospital. – Eu disse. Júlia estava atordoada. Talvez em choque. Todos pareciam em choque. – Eu e Júlia vamos até lá. David, certo? – Encarei o produtor. Ele assentiu. – Você leva Danny e Dougie para o hotel. Eles precisam tomar banho e melhorar essa bebedeira.

— Vamos para o hospital também! – Dougie protestou.

— Claro que vão, logo. Agora, quem vai sou eu, Júlia e quem mais estiver sóbrio nessa festa. – Olhei em volta. Ninguém se qualificou. Interessante, bêbados com consciência. – Pelo visto, ninguém mais. Vamos, Júlia, temos um conflito para resolver.

Arrastei Júlia comigo para o carro. Tentaram me impedir de dirigir, eu notei. Tentaram falar comigo, eu devo ter ouvido. Tentaram qualquer coisa, mas eu simplesmente entrei no carro e fui. Meu organismo operava em modo automático. Não era a primeira vez que ele fazia isso. Mas talvez fosse a mais assustadora das vezes.

No hospital, não foi uma fácil missão identificar-me na recepção. O nome Tom Fletcher era conhecido demais. Eu era qualquer pessoa. Júlia desistiu de esperar-me e sentou-se. Eu não podia desesperar-me. Meus olhos me guiaram até a imagem de um homem fardado. Havia sangue em suas mãos. Eu poderia jurar, de onde estava, que ele segurava o telefone de Tom.

— Senhor. – Aproximei-me. Havia uma identificação em seu bolso. – Meu nome é Brenda, eu liguei para esse telefone mais cedo. Foi você que me avisou do acidente?

O policial olhou para o aparelho que identifiquei. Ele parecia nervoso.

— Sim, fui eu. Você é irmã dele, do rapaz?

— Não, eu sou sua melhor amiga. Nós fomos noivos. Eu preciso saber como ele está; como os dois estão. Mas na recepção não me dão informações porque não sabem quem eu sou.

— Claro, o rapaz é famoso, não é? – O policial deu um riso de canto de boca. – Mas, bem, foi você que ligou para ele, você tem que conhecê-lo, ao menos. A família já foi contatada? Você sabe?

Eu não sabia, claro. Mas parecia óbvio que sim. Se o contato de Tom, no seguro saúde, não fosse eu. Aquela brincadeira, que fizemos há tanto tempo. E que nunca pensamos em consertar. Claro que eu não estava mais na Inglaterra, e eu jamais poderia ser seu contato. Mas, por que Tom mudaria seu contato no seguro saúde? Ele nunca precisaria usar aquilo. Certo? Totalmente errado.

— Não ligaram. – Arrisquei. – Eu vou providenciar isso. Mas como eu consigo notícias?

— A situação é grave. – O policial disse, e ele parecia chocado. – Eu nem sei como eles estavam vivos, o carro foi totalmente destruído. Eu também não sei como o acidente aconteceu, mas eles devem ter perdido o controle do carro. Bem, eu preciso fazer um boletim de ocorrência. – O policial me entregou o iPhone de Tom. – Fique com o celular dele, você deve precisar mais do que eu.

Julia estava em choque. Ela tinha os olhos arregalados e não parecia responder aos estímulos externos. Peguei o celular de Tom nas mãos trêmulas. Havia sangue nele. Sangue no iPhone que eu conhecia – e adorava. Meu coração pulou uma batida. Caminhei até a sala de espera, sentei-me e comecei a fazer as ligações que eu precisava fazer. As pessoas tinham que ser avisadas. E eu era, geralmente, quem distribuía as más notícias. A primeira pessoa para quem liguei foi mama Fletcher. Eu não sabia como falar com ela. Que o filho dela estava quase morto em um hospital? Que eu nem sabia o estado dele? Foi melhor contar que ele tinha sofrido um acidente. Sem exageros, sem drama.

Os arranjos iniciais foram muitos. Preencher fichas, organizar papeis. Enquanto Júlia perambulava atrás de mim como um zumbi, eu trabalhava. Só sabia que tinha passado muito tempo quando Danny e Dougie chegaram. Eles pareciam melhores, não bêbados. Dougie tinha os olhos vermelhos e inchados. Danny parecia tão em choque quanto Júlia.

— Como eles estão? – David, o que parecia menos atordoado, me interpelou.

— Eu não sei. – Era a verdade. – Ninguém veio falar comigo ainda, e não tive tempo de perguntar.

Ele passou por mim e debruçou-se por sobre o balcão da recepção. Os braços de Dougie me envolveram. Senti seu corpo quente e trêmulo próximo ao meu. Mas eu estava anestesiada. Depois de alguns instantes, enquanto Danny ainda estava no telefone com alguém, um homem vestindo avental azul apareceu. Ele usava também uma touca. Eu estava dentro de um episódio de “Plantão Médico”.

— Sr. Spearing? – O médico queria falar com David. Livrei-me de Dougie e aproximei-me. Todos estavam atentos. – Sou o Dr. Grieg. Acabo de sair do centro cirúrgico, mas não sei se as notícias são muito esclarecedoras. A família dos senhores Fletcher e Judd estão aqui?

— Eles ainda não chegaram. – Dougie disse. Eu estava muda. – Mas estão a caminho, você pode nos contar as notícias.

— Você é...

— Brenda. – Danny aproximou-se. – Ela é a namorada do Harry.

— Ah, claro. Bem, o Sr. Fletcher já está na UTI há uma meia hora. Ele sofreu sérios danos na cabeça; teve um afundamento na caixa craniana e uma pequena perda de massa encefálica. Mas ele reagiu bem à cirurgia, está em coma induzido até que o edema cerebral regrida. – As palavras do médico me atingiam como bofetadas. Crânio, massa, edema – nada disso fazia sentido algum. Ele não podia falar de Tom daquela forma. Não podia. Senti meu corpo sacudir, mas mantive-me em pé.

— E Harry? – Foi Dougie que perguntou.

— Bem. – Boas notícias não começavam daquela forma. Meu sangue gelou e meu coração parou. – Ele está muito mal. A cirurgia acabou agora mesmo, mas o prognóstico é ruim. Ele teve o completo esmagamento da região abdominal, nós acreditamos que pelo volante do carro. Tivemos que reconstruir o estômago e o intestino, retiramos o baço e reparamos alguns músculos, mas não temos como salvar o fígado. E os rins estão arruinados. Ele precisa de um transplante, agora. Colocamos seu nome na lista de urgências, mas só podemos esperar por um milagre.

O mundo deu uma volta em seu eixo, e parou. Tudo girou na minha frente. A luz ficou escura. Pendi para frente e para trás, mas continuei de pé. Ouvi o zumbido das vozes; Danny chorando, Dougie desesperado. Senti a mão de Júlia em minhas costas. Mas meu cérebro não processava nada. Flashes e vultos passavam na minha frente; toda a minha história com aqueles dois. A minha história com Harry. O quanto eu o odiei, e o quanto eu o amava. Tudo aquilo não parecia fazer nenhum sentido, mais. Eu o estava perdendo. E eu não sabia suportar perdê-lo outra vez.

O que eu sabia fazer, eu fiz. Voltei ao telefone, liguei para todo mundo que precisava saber aquelas informações. Cancelei todos os compromissos. Enquanto Júlia continuava em estado catatônico, Dougie e Danny tinham uma síncope, e os familiares começavam a chegar, eu me afundei na única coisa que poderia me trazer alguma paz: o trabalho. Foram horas, exaustivas horas, gastas com telefonemas. Até que um novo dia iniciou-se do lado de fora do hospital. Levantei-me e olhei ao meu redor, analisando as perdas. Os rapazes do Mcfly estavam sumidos. Júlia dormia, encolhida, sobre um sofá. A família de Harry estava ali, alguns dormindo, outros em choque. A mãe de Tom segurava um objeto e falava sozinha. Eu pensei que estivesse rezando. E estaria.

Cambaleei para fora da recepção. Tinha um zumbido no meu ouvido, algo incômodo. Eu precisava de café. Eu precisava de comida. Eu tinha que sair dali, daquele cheiro de formol e morte. Respirando aceleradamente, forcei-me pela porta de vidro. O sopro de ar frio da manhã londrina me atingiu, em cheio. Minhas mãos trêmulas seguravam o meu celular e o de Tom. Meus pés me guiaram pela calçada; havia um coffee shop do lado de fora. Atravessei a rua, zonza, sem olhar para os lados, e arremessei-me de encontro à porta que me separava do aroma acanelado de café.

— Bom dia. – Uma voz feminina me chamou a atenção. Virei-me bruscamente para o lado, enquanto caminhava para o balcão. – Você é a Brenda, certo?

— Sim, eu sou. – Encarei a garota ruiva que me interpelava. Cabelos longos e sardas, ela tinha enormes olheiras.

— Eu disse que era ela. – A garota falou com outra, que se aproximava por trás dela. – Desculpe incomodar, sou Jane e ela é a Wendy. Nós...

— Ela reconheceu você. – A que devia chamar-se Wendy entrou na conversa.

— Reconheceu-me? – Nada fazia muito sentido para mim. Falar em código não ajudaria.

— Somos fãs do Mcfly. – Ah. Fãs, claro. – E ficamos sabendo do acidente; viemos para cá saber notícias, mas eles não estão falando nada.

— Eu proibi os médicos de falarem com a imprensa. – Confessei. Olhei para as duas garotas. Elas pareciam tão horríveis quanto eu. – Vocês passaram a noite aqui?

— Dormimos na calçada. – Jane confessou. – Precisávamos saber o que estava acontecendo; disseram que foi um acidente muito grave.

Respirei fundo, e fui até o balcão. Pedi café e brownies e sentei em uma mesa. As garotas me encaravam. Com um movimento de cabeça, convidei-as para sentar comigo.

— O acidente foi muito grave. – Confirmei.

— Quem estava no carro? Algumas pessoas dizem que era o Tom, outras que eram Tom e Danny, outras...

— Tom e Harry. – Minha voz estava tão trêmula quanto meu corpo inteiro. Apoiei o iPhone ensanguentado de Tom na mesa. A atendente chegou com três cafés. As garotas se entreolharam, mas entenderam que era para elas, também. – Tem outras fãs, com vocês?

— Não. Ficamos sabendo do acidente porque o pai da Jane é policial, e ele atendeu o caso. Não contamos a ninguém, mas logo isso estará cheio de garotas. A imprensa é impiedosa, eles já estão anunciando o acidente.

— Tudo bem. – Respirei. – O que eu contar a vocês, só vocês sabem. Eles estão muito mal, a situação é crítica. – Bebi um gole do café. Despejei a história em cima das duas coitadas. Os brownies chegaram, mas não toquei neles. Jane começou a chorar. Wendy tentou consolá-la, mas ela também estava chorando. Eu não sabia consolar. Eu não tinha condição física ou psicológica de lidar com aquilo. – Agora preciso voltar lá para dentro.

— Você é... quero dizer, você é namorada do Tom?

— Claro que não. – Jane respondeu à amiga, antes que eu pudesse processar a pergunta. – Você estava no show, Wendy, você viu o mesmo que eu. Ela é a namorada do Harry.

Ela estava ridiculamente certa. E eu não sabia que pessoas tinham percebido algo.

— Tom é meu melhor amigo. – Confessei novamente. – E sim, eu sou namorada do Harry. Nós estamos apaixonados, juntos desde algum tempo.

Falar aquilo em voz alta teve um efeito interessante. O telefone de Tom começou a vibrar no mesmo instante em que eu pensei em levantar. O nome de Danny piscou no visor. As garotas olharam, mas nada falaram. Eu já sabia que amava Harry. Já tinha dito a ele. Todos do Mcfly sabiam. Mas era aquela a primeira vez que eu admitia em público. Mesmo que só para duas pessoas. Os olhos molhados e vermelhos nos meus. Aquelas meninas eram fãs. Elas amavam o Mcfly. E estavam ali, sinceramente comovidas.

Enquanto eu tentava chegar até a porta, para sair daquele momento no qual estava presa, o telefone ainda vibrava. Parei, estagnada, no meio do coffee shop. Não havia ninguém ali. Senti o peso da noite sem dormir sobre meus ombros. Senti o peso das palavras do médico, em minhas costas. Senti o fantasma da perda permanente do amor da minha vida me rondando. O caos nunca tinha se parecido com o fim do mundo, até então. Meu corpo entrou em colapso. Não percebi quando minhas pernas perderam a força e eu caí no chão.

As duas fãs se aproximaram quando eu desabei. Fui acometida de um choro compulsivo, irresistível. O iPhone caiu da minha mão. Jane segurou-o, sem saber o que fazer. Danny insistia em me chamar, mas eu estava inapta a responder. Meus olhos miraram Jane. Eu quis dizer para ela atendê-lo. Por sorte, ela entendeu. Confusa, a fã passou o dedo na tela e levou o iPhone ao ouvido.

— Brenda, onde você se meteu? – A voz de Danny pode ser ouvida até por quem estava perto.

— Meu nome é Jane. A Brenda está no Starbucks em frente ao hospital.

— Ah... Jane? – Ele deveria estar confuso. Claro.

— Sim, ela pediu para eu atender. Ela... ela não está muito bem.

— O que ela tem? Posso falar com ela?

— Ela não está em condições. – Jane respondeu, depois da minha negativa com a cabeça. Era incrível que ele não ouvisse meus soluços.

— Estou indo aí. Fique com ela, por favor.

Jane desligou o telefone. Sua expressão era de susto. Eu continuava chorando tanto que parecia ter finalmente me dado conta do que estava acontecendo. Não demorou muito para que Danny Jones, de boné e óculos escuros, entrasse no Starbucks. As garotas já tinham me feito levantar e sentar de volta à mesa que estávamos, antes. Meu amigo olhou para mim com preocupação. Sentou-se ao meu lado e eu imediatamente desabei em seus braços. Recostei a cabeça em seu peito. Sua camiseta estava gelada. Ele estava gelado. Todos nós estávamos muito instáveis.

— Ficamos preocupados com você. – Ele disse, em meus ouvidos. – Você fez amizades?

— São Jane e Wendy. – Respondi, tentando controlar meu choro. Eu não era daquele jeito. – Elas também passaram a noite em claro esperando notícias.

— Obrigado. – Danny marcou as palavras com os lábios. – Obrigado por terem cuidado um pouco dela.

— Imagine. – Wendy torceu os lábios. – Ela foi gentil conosco.

— Vamos voltar. O médico quer falar conosco.

Danny me ergueu consigo, colocando-me de pé. Meus músculos estavam moles. As duas garotas nos encararam com olhos angustiados. Olhei para Danny e depois para elas. Segurei meu Blackberry e entreguei a Jane.

— Você fica com ele. Se tocar, atenda, explique que estou incomunicável. – Limpei uma lágrima que ainda escorria de meus olhos. – Quando quiser falar comigo, use a discagem rápida. Tom é o primeiro número; eu estou com o telefone dele. Você entendeu?

— Sim. – Jane balançou a cabeça e disse, querendo afirmar o máximo que podia.


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