I Hate You Then I Love You (mcfly) escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 2
Capítulo 1




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O avião era silencioso, demais para o meu gosto. Senti frio a viagem toda, não consegui dormir, e detestei todas as escalas. Minha vida foi ao paraíso e ao inferno em poucos instantes. Meu projeto, aquele pelo qual tanto trabalhei, deu em nada. Nada do que eu queria fazer eu faria, pois Gregory entendeu errado as minhas expectativas. Eu nunca quis ir até a Europa para realizar meus projetos. Eu queria ter ficado no Brasil, onde estava segura e feliz. Ao menos eu me considerava... feliz.

E pior, eu estava retornando à Europa. E pior ainda, se fosse possível, para Londres. Era um pesadelo do qual eu precisava acordar urgentemente. Nada parecia fazer menos sentido do que Brenda retornando a Londres depois de tanto tempo. Aquilo não daria certo, eu tinha pressentimentos horríveis. Do meu lado, Júlia dormia, com o fone do iPod meio caído para fora da orelha. Deveria estar sonhando com as maravilhas do mundo europeu, inocente. Se ela conhecesse o lado sombrio, acabaria como eu. Totalmente cética.

— Já chegamos? – Olhei para uma comissária e disse, em voz bem baixa. Estava escuro e eu nem tinha me dado ao trabalho de checar o percurso.

— Estamos sobrevoando o oceano, ainda. – A moça foi simpática. Respirei fundo e puxei um dos fones de ouvido de Júlia. Ela não se importaria. Tentei relaxar, afinal não havia muito o que fazer. Se eu tivesse sorte, eu não o veria. Se eu tivesse sorte, eu chegaria a Londres tão incógnita que ninguém me notaria. Apesar de saber que isso seria impossível, eu ao menos tentaria. Tentaria me enganar.

— Onde estamos mesmo? – Júlia olhava em volta, curiosa. Éramos duas recém-chegadas e já havíamos desembarcado há vários minutos; estávamos em um táxi a caminho do hotel. Tudo que eu conseguia fazer era olhar pela janela. – Brenda... você está no planeta?

— Ah... o que foi? – Prestei atenção nela pela primeira vez. Eu ainda não tinha me conformado... já conhecia aquela paisagem; era como se nada tivesse mudado.

— Onde estamos? – Júlia insistiu.

— Londres. – Novamente, perdi-me na paisagem cinza da cidade. Sim, nada tinha mudado.

— Ok, aconteceu alguma coisa? Você ficou completamente fora de si desde que ficou sabendo que viríamos para Londres! Pensei que você quisesse conhecer o lugar tanto quanto eu... pensei que curtisse as coisas aqui tanto quanto eu. O que houve?

— Eu curto... não houve nada. – Menti, descaradamente. – Mas... bem, tem coisas que você não sabe ainda, é isso.

— E você não vai me contar, pelo visto. – Júlia emburrou. Claro, ela nunca tinha me visto tão misteriosa.

— Vou. Mas a tempo.

O táxi nos deixou no hotel que foi reservado pela companhia para as duas primeiras semanas em Londres. Se tudo desse certo, nós ficaríamos em um apartamento alugado. Júlia estava bastante fascinada, tudo era muito novo. Ela nunca tinha saído do Brasil, seu país natal. E pouco tinha saído da sua cidade. Viajava pouco, trabalhava o tempo todo. Ela gostava do trabalho, mas estar em outro continente era fascinante.

— Agora vamos ter que arrumar um tradutor... – Júlia desarrumava as malas e já pensava nas dificuldades em não falar inglês muito bem.

— Eles falam inglês, não é alienígena.

— Mas eu não falo inglês muito bem, esqueceu?

— Não seja boba, eu falo. – Eu ri. – Lembre-se, sou nerd.

— Ah, isso eu sei. E você sabe se nosso contato fala alguma coisa de Português?

— Certamente.

— Ok de novo! Você vai ou não me contar o que houve? Além de estar estranha, você está sabendo coisas demais. Não está?

Júlia colocou uma pilha de roupas no armário e sentou-se em uma cadeira,  me encarando, enquanto eu tentavam me esquivar da conversa. Mas Júlia não aceitava não. Ela sabia que eu escondia algo, e que começava a se tornar difícil de manter oculto. Confessei para Júlia que não sabia de tudo, e mesmo tendo dito que falaria as coisas no tempo certo, ela não tinha muita paciência.

— Eu sei coisas demais porque morei aqui por sete anos. – Despejei, sem encará-la. Aquela revelação certamente seria um choque. E foi. Júlia levou alguns segundos boquiaberta, me encarando, até conseguir falar alguma coisa.

— O QUE? – Ela arregalou os olhos. – E você ia me contar isso quando fôssemos embora? Como assim você morou aqui por sete anos?

— Não. Eu ia contar. Mas é que...

— É que?

— Não tenho tantas boas memórias daqui. Foi uma época complicada... eu era muito jovem, morei aqui na minha adolescência.

— Então é por isso que você fala inglês tão bem, sem nunca ter estudado?

— Basicamente.

— Mais algo que eu deva saber?

— Falo francês e italiano também. Bem, mais ou menos... eu sou bem ruim em francês. Mas eu bem que tentei aprender.

— Ah claro! E você tem um marido europeu, por acaso? – Júlia estava indignada. Bem, eu tinha escondido que morei quase uma vida no velho continente... e justo quando  estávamos nos preparando para ir até lá.

— Marido não. Mas um ex noivo. – Pensei então que deveria mencionar Tom.

— EX NOIVO???? – Júlia se levantou, indignada. Começou a rodar de um lado para o outro, gesticulando apressadamente. – EX NOIVO! VOCÊ QUASE SE CASOU AQUI!! E nunca me contou nada!! E fizemos um projeto... então o projeto não era arriscado! Você já sabia de tudo! Você conhece o mercado aqui, você estudou aqui!

Júlia me deixou no quarto e saiu, da mesma forma atabalhoada que entrou. Ela não sabia para onde ir, nem entendia direito o que era falado naquele lugar, mas não ficaria no mesmo lugar que eu, claro. Ela estava me achando uma traidora. Deixei de lhe contar fatos que, se um dia foram irrelevantes, desde que se envolveram no projeto Europa, passaram a ser fundamentais. Eu sei que tinha que ter confiado em Júlia o suficiente para me abrir sobre tudo aquilo... afinal, nós estávamos arriscando muito ao mudar para Londres, mas a verdade era que eu, aparentemente, já tinha tudo sob meu controle.

Enquanto eu decidia se ia atrás de Júlia ou deixava que ela espairecesse, o celular tocou. Eu nem me lembrava onde tinha deixado o celular, mas reconheci o toque estridente do meu Motorola. Respirei fundo quando vi que se tratava de um número local. Números locais... eu sabia que não era noss contato ligando. “E eu só acabei de chegar...” pensei, enquanto atendia.

— Hello.

— E se não é minha garota preferida. – A voz suave que me deixava sempre enlouquecida ecoou.

— Bom dia, Thomas. Como me achou?

— Você me disse que vinha.

— Disse? Não me lembro.

— Você anda muito esquecida... precisamos nos ver. – Tom, sempre direto.

— Thomas, eu só acabei de chegar! – Coloquei o telefone no viva voz e continuei minha arrumação. – Estou no hotel guardando minhas coisas, e vim a trabalho, não a passeio. Estou sob efeito do fuso horário ainda... completamente tonta.

— Eu sei, mas você sabe que estou à sua disposição.

— Eu vou ver você um dia, se isso for suficiente. - Provoquei.

— Assim não dá, você continua se fazendo de difícil...

— Vamos, ligou para me importunar?

— Vamos sair. Te pego às sete.

— Nem sabe onde estou!

— Sempre sei onde está, Brenda. Vamos... não seja chata. Pego você às sete.

— Estou com uma amiga... não vou deixá-la no hotel, apesar de não saber se ela está interessada em sair comigo, depois de tudo.

— Eu levo um amigo, então.

Senti o ar me faltar pela segunda vez em menos de um mês.

— Não, obrigada. Seus amigos me dão arrepios.

— O que é isso... está sendo cruel. Estou falando de um amigo que você ainda não conhece... se chama David.

— Tá bom. Agora me deixe terminar, ou desisto de passeios. Leve quem quiser, você sabe quem é proibido e quem não é.


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