I Hate You Then I Love You (mcfly) escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 10
Capítulo 9




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Como já tinha sido previsto, Tom havia pedido porco e outras frituras para o jantar. A comida chegou e o nariz de Dougie perseguiu as embalagens até a mesa, que Danny preparara impecável, para tentar nos agradar. Tom lhe deu um tapa na mão quando ele tentou roubar um salgadinho. A comida era para os saudáveis, somente.

— Brenda vai comer seu fígado. Ou o que sobrou dele. – Tom protestou. – Será que vocês não cansam de tirá-la do sério? Nem cinco anos depois?

— Não vamos estressá-la ainda mais. – Danny concordou.

— Ela é estressadinha demais. – Harry pegou uma das embalagens individuais do porco. – Nem vai saber que comemos.

— Eu conto a ela. – Júlia simplificou. – Vocês não vão colocar a boca nessa comida, ou eu conto. – Ela fez uma cara bastante marota.

— Não teria coragem.

— Quem não teria coragem de que? – Eu cheguei no exato instante em que Harry desafiava Júlia. Abri a porta do quarto, carregando um carrinho do serviço de quarto.

— Nada. – Tom tentou tomar a embalagem da mão de Harry. – Estávamos brincando, apenas. Mas onde conseguiu isso? – Ele se referia à panela que eu trazia.

— Jantar. – Sorri, orgulhosa. – Sopa de legumes.

— Feita por você! – Danny fez uma careta.

— Está cheirosa. – Tom levantou a tampa. – Talvez mais que o porco.

— Para quem está com o estômago em dia, comida chinesa. Para quem não está, sopa de legumes e suco de frutas. Decidido.

Os rapazes não puderam protestar. Ninguém protestava comigo, aquilo era um fato. E, como ninguém queria ficar doente de novo, acabaram obrigados a tomar uma sopinha quentinha, feita pela produção – ou euzinha, como quisessem chamar. Mesmo achando deliciosa, nenhum dos dois daria o braço a torcer. Reclamariam até o fim, alegando que a comida não estava apetitosa.

Mas o porco também estava delicioso. Eu, que era, vegetariana, avancei no yakissoba de vegetais que meu ex pediu. Ele lembrava das minhas preferências não carnívoras. E, como dois deles estavam em uma dieta mais rigorosa, o whisky sobrou todo para os que gostavam da bebida. Ou seja, Danny, Tom e eu. Júlia bebia um pouco, mas não estava acostumada a bebidas fortes. Na terceira dose, já via pássaros voando nas luzes.

— Vou levar vocês de volta. – Tom disse, olhos pequenos. Ele estava menos bêbado, mas igualmente zonzo.

— Claro... de volta. – Júlia concordou, um tanto quanto tonta. Eu olhava para o copo vazio de whisky como se tentasse extrair mais alguma coisa dele.

— Você não se aguenta. – Dougie observou. – Arght, é triste ser o único sóbrio da festa. – E reclamou.

— Como se fosse só você. – Harry jogava uma bolinha de um lado para o outro.

— Harry, me ajude a descê-las.

— Eu? Por que eu?

— Porque estou te chamando, oras! – Dougie puxou o amigo pela mão. – Vamos, deixe de ser preguiçoso!

— Chame o Danny!

— Ele está mais bêbado do que o Tom. Agora, Harry! – Dougie falou sério. Harry acabou cedendo.

— Eu não deveria ter bebido, temos compromissos amanhã. – Protestei, me segurando no ombro de Dougie.

— Eu sei, mas até lá você já estará melhor. Vamos, cuidado com os vasos de flores.

— Por que você está me levando? – Eu vi Harry ajudando Júlia a desviar dos obstáculos. – Isso está meio invertido, não acha?

— Mesmo ébria você entende das coisas. – Dougie deu uma risada, mas eu estava completamente desinibida. – Mas a vida é injusta, não acha? Queria que eu te deixar descer com Harry, mas ficaria reclamando o tempo todo.

— Sim, bastante...

Dougie pegou a chave do nosso quarto e abriu a porta. Empurrou nós duas para dentro, já imaginando o caos.

— Acho que vocês não vão ficar bem sozinhas. – Ele considerou.

— Tom cuida da gente. – Júlia sorria como boba.

— Ele não toma conta nem dele. Está mais bêbado do que vocês. – Dougie sorriu e olhou para Harry. – Avise Danny que vou ficar.

— Por que você? – Harry questionou.

— Ah bom! Primeiro não quer descer, agora não quer subir?

— Não... eu só perguntei por que você... afinal...

— Afinal só temos duas pessoas sóbrias. Eu e você. Ou eu fico, ou você fica. Não tem muita escolha, se você pensar bem.

— Eu posso ficar.

— E eu desisto. – Dougie entregou a chave nas mãos de Harry. – Você tem duas garotas nada sóbrias para cuidar. São responsabilidade sua. Veja bem como vai agir, eu cansei desses jogos entre vocês.

Harry sorriu de canto de boca, e fechou a porta. Júlia já havia ido ao banheiro, lavado o rosto e parecia melhor. Eu estava de olhos abertos, mas parecia em outro planeta. A ressaca no dia seguinte não seria nada boa, e eu nem sabia no que estava pensando.

— O que faz aqui? – Júlia quis saber.

— Vou ficar com vocês, já que Dougie achou melhor não ficarem sozinhas.

— Ah, ele é um amor. Mas você...

— Se quiser, posso voltar...

— Não, fique. Acho que estou ouvindo um zumbido. Vamos dormir, Brenda. Temos trabalho. E Harry, pode ficar na... no... ah, escolha onde dormir.

Eu me levantei e segui Júlia. Meu olhar distante se fixou no semblante de Harry por alguns instantes, e ele sorria enquanto nós nos arrastávamos para o quarto.

— Ele me tira do sério. – Joguei-me na cama. – Preciso de um café.

— Preciso de um antiácido. – Júlia resmungou. – Mas eu sei que ele te tira do sério... só não sei por que você o rejeita tanto e ao mesmo tempo...

— Ao mesmo tempo o que?

— Nada, esquece. Vamos dormir. – Júlia decidiu não tocar no assunto do hospital.

— Eu não o rejeito. – Insisti – Eu apenas não o suporto.

— Sei que não. – Júlia riu.

— Isso é engraçado?

— Ele está do outro lado da porta. Vai dizer que não quer ir lá falar com ele?

— Claro que não! Ele vai subir logo.

— Não vai. Vai passar a noite do lado... imagine, você aqui dormindo, ele ali.

— Pare com isso, Júlia! – Fechei os ouvidos com as duas mãos. – Ficou doida? Ele dormindo do outro lado da porta só me faz desejar dormir mais cedo.

— Você deveria me contar por que o odeia. Aí eu entenderia.

— Eu o odeio porque ele me deixou.

— Ele te deixou? – Júlia estava confusa e bêbada. Péssima combinação para entender a minha conversa em código, sendo que eu não fazia questão nenhuma de ser clara. – Como assim ele te deixou? Não foi você quem voltou para o Brasil?

— Ele me deixou sozinha... ele não foi me buscar... ele me deixou lá, para ser molestada daquela forma.

Júlia sentou-se na cama. Eu tinha a cabeça enfiada no travesseiro, quando ela me puxou pelos ombros e fez-me sentar também. Por que eu tinha que reviver aquela história? Ah, porque eu estava em Londres! E o caos estava instaurado, o fim do mundo próximo. Eu quis acreditar que as coisas ficariam bem, que nada daquilo aconteceria de novo. Mas como, se eu sabia que Tom me encontraria e tudo voltaria à tona? Lágrimas escorriam pelos meus olhos avermelhados.

— Como é que é?

— Ele me ignorou. Eu estava aprendendo a não odiá-lo; estava sim, eu juro. Mas ele me deixou ali, sozinha. Eu fui embora para casa, estava escuro... Júlia, ele me fez isso! – Impulsivamente, eu levantei a blusa, abri um botão do jeans e mostrei as cicatrizes arredondadas na região dos quadris.

— Harry te fez essas marcas?

— Não! Ele não, o estuprador... ele fez isso. Mas Harry é culpado porque, se ele estivesse comigo, isso não teria acontecido. Ele me estuprou tantas vezes que eu perdi os sentidos. Ele me bateu, eu fui achada no dia seguinte. Ele tinha que estar comigo, Júlia! Ele não podia ter deixado isso acontecer.

Eu já soluçava, em prantos. Confundia os sujeitos da frase; nem eu mesmo estava entendendo quem deveria ter feito o que. Júlia estava muito assustada, então. A minha vida era uma caixa de surpresas. Um passado um tanto sombrio me fazia companhia; um passado que eu tentava esconder e que estava vindo à tona com sua volta à Europa. Era melhor deixar aquele assunto adormecer novamente. Que elas conversassem sobre aquilo depois que acordassem, sóbrias.

Mas eu estava chorando muito. O whisky só serviu para destruir mais ainda meu humor, e meus nervos estavam em frangalhos. Escondi a face nos travesseiros, mas não consegui parar de chorar. Meus soluços incomodaram Harry, porque eu o ouvi abrir a porta e falar alguma coisa com Júlia.

— O que ela tem? - Ele perguntou, mas eu o ignorava ainda.

— Eu não sei direito. Você quer trocar de lugar comigo; eu posso dormir na sala.

— Não, está tudo bem.

Algo na voz dele me fez entender que ele pretendia algo. Mas eu estava atordoada e bêbada demais para fazer alguma coisa. Desprotegida, era a palavra. Sem meu escudo natural, sem as defesas que me faziam forte. Eu sentia as lágrimas correrem por minha face quando senti algo quente ao meu lado. Nem forças para mover-me eu tinha. Harry estava na cama comigo, e seus braços me ajeitaram no colchão, arrumando espaço para si. Os mesmos braços que me envolveram e me fizeram virar para ele. Aconcheguei-me com a face enterrada em seu peito, o pranto diminuindo lentamente. Senti seus lábios nos meus cabelos; o calor inebriante de seus lábios me tocando a testa.

— Eu estou aqui, Brenda. - Ele sussurrou em meus ouvidos. Sua voz parecia música de ninar. - Vai ficar tudo bem.


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