Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 7
Capitulo 6 - O mundo de Cherry


Notas iniciais do capítulo

demorei , mas valeu a pena uhaahauh
(Perséfone) Capitulo betado *.~



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A idéia de ter que levantar para ir a escola era sofrível para Cherry, que nunca dormira tão bem em toda a sua vida. O quarto parecia ter sido construído para uma boa noite de sono.

— Tenho mesmo que ir? — perguntou entre risos, Cherry se agarrara ao travesseiro fofo enquanto a criada Susan abria a cortina delicadamente, exibindo um céu ainda repleto de estrelas. Assim como o castelo de Ana Belle, o de Alphonse ficava muito longe da cidade, então era preciso acordar muito cedo.

Susan se retirou sem se quer insistir para a garota se levantar, mas Cherry quis permanecer acordada mesmo assim. Descobrira que em seu quarto havia um banheiro, que dava por trás de uma das portas do armário que ficava no fundo. Não se importou com o tempo, deitou-se na banheira e por lá ficou por alguns minutos, a espuma lhe cobrindo até o queixo, com os cabelos amarrados acima da nuca.

O banheiro parecia ter forte influencia da cultura grega, como se fosse uma espécie de santuário e era bem frio. Cherry esticou as pernas, tinha a sensação de que seu corpo estava sendo massageado pelas espumas encantadas. Adormeceu mais uma vez.

— Pretendendo matar aula?

Cherry afundou na água com o susto. Alphonse se encontrava na outra extremidade da banheira, seu peitoral a amostra, as espumas estrategicamente escondendo todo o resto, os braços estavam abertos de uma maneira displicente, despreocupada e convidativa. A posição flexionava seus músculos, fazendo-os saltar os olhos.

— Você não esta aqui! — falou ofegante.

— De fato, não estou. — ele sorriu, fechando os olhos se ajeitando melhor na banheira, de onde estava Cherry já deveria ter sentindo suas pernas roçarem com as deles, mas Alphonse de fato não estava ali, o que ela vira era sua projeção em sua mente.

— Seu tarado. — atacou nervosa, afundando um pouco mais.

— Você esta na água minha cerejinha, como eu ira resistir oportunidade melhor para dar bom dia a você?

Imediatamente Cherry lembrou-se que na água os poderes de Alphonse tinham mais facilidade de transitar no território da mente e como ela supusera que todo o castelo deveria ser controlado por ele, essa era realmente a oportunidade perfeita.

Alphonse abriu os olhos, o corpo inteiro da garota tremeu, seu coração acelerou. Não era um olhar qualquer e sim o da luxúria, seguido por uma aproximação inesperada do jovem.

Cherry ficou paralisada enquanto Alphonse se movimentava com bastante lentidão para frente, fitando-a sem piscar, com aquela concentração que a deixava desconcertada e sem chão. A mão do garoto deslizava no mármore da banheira enquanto o corpo da garota se encolhia, ela trouxera as pernas para seus braços.

Ele estava junto ao corpo de Cherry, e ao mesmo tempo não estava. O corpo nu de Alphonse ocupava muito espaço, principalmente com seus braços postos do lado da jovem, deixando-a sem saída de algo que nem se quer estava lá. Cherry sem fôlego virou o rosto, tentado privar seus olhos daquela visão tão próxima.

Alphonse inclinou a cabeça até o pescoço de Cherry, em sua mente ela jurava sentir aquela respiração de fogo. Seu corpo inteiro arrepiava-se, seu coração saltando com violência em seu peito, podia sentir o leve toque dos lábios em sua pele, mas como isso seria possível?

O jovem fechava mais o seu corpo ao redor do de Cherry, a mão tremula da garota, mergulhada na banheira, se estendeu lentamente contra sua vontade, ela temia em o que iria tocar com aquele movimento. Mas conseguiu chegar ao peitoral de Alphonse, que fazia movimentos incríveis de respiração, de uma maneira que um humano comum não conseguiria. Aquela pele, aqueles detalhes, o calor, era tudo provocante.

Cherry conseguiu tocá-lo, não mais com o rosto virado, ela o encarava. O sangue que lhe fugira do rosto voltara com violência lhe corando as bochechas, seu coração parecia perfurar o peito querendo escapar. Alphonse puxou seu rosto e a beijou intensamente, os cabelos de Cherry se soltaram como por um passe de mágica, dando o sinal de se integrar a aquilo, ela abria os lábios deixando-o entrar, pois Alphonse era sempre bem vindo.

Ela sentia com as mãos, os desenhos e contornos do corpo de Alphonse, como aquilo era tão real? Seus olhos perderam a órbita com aquele beijo insano, sua boca parecia desejar drenar aquela essência mágica de puro prazer, era tão cheio de presença o corpo do jovem que queria se unir a aquela existência, se prender a ele. Não havia espaço para pensar, para respirar, para se movimentar, ela sentia o seu toque em suas pernas comprimidas.

O corpo de Cherry gritava enlouquecido, seus dedos do pé contorciam com violência, ela sentia a cãibra dolorosa. Não importava mais, a garota queria ser despedaçada ali, queria que ele a destruísse, pois sentiria um prazer doentio naquilo, queria que Alphonse a machucasse, seu corpo clamava por isso. Ela beijava o ombro cheio de relevos do rapaz, desejando morde-lo, seus dentes trincavam com a vontade.

Cherry abriu os olhos de repente, estava no fundo da banheira assustada, ela levantou. Alphonse não estava mais lá, e sua voz ecoava.

— Estarei te esperando para o café da manhã! — falou a voz engasgada pelo riso.

— FILHO DA...!

No café, Jenny beliscava algumas dezenas de bolos postos a mesa, enquanto Alphonse esperava Cherry descer as escadas com um olhar tedioso. Richard não estava lá, nem Julius, mas Stevan bebia um copo enorme de um suco verde esquisito.

— Bom dia Cherry! — exclamou Jenny quando viu a amiga descer, usava o costumeiro uniforme e seu laço comportado na cabeça.

— Bom dia — respondeu ela com um sorriso desconcertado caminhando para um lugar bem longe de Alphonse.

Lançou um olhar assassino para o rapaz, mas ele retribuiu com seu largo sorriso safado. Ela beliscou uma coisa ou outra da mesa, não estava com um pingo de fome, não era pela raiva que estava sentindo naquela hora, mas sim porque hoje iria começar a sua busca pela “velha Cherry”, e isso a desanimava.

Alphonse olhava a garota remexendo sua xícara de café, tão pensativa e de aparência cansados, e mesmo assim tão bela. Cherry percebeu sua mirada e revirou os olhos, zangada, mas voltou para seus pensamentos.

— Aproveite os seus dias de lucidez, vai sentir muita falta deles...

Foi incrível escutar a voz de Stevan, principalmente quando a fala era direcionada a ela. O garoto estava debruçado à mesa, os braços cruzados pareciam servir de travesseiro, mas ele não estava dormindo como sempre, seus olhos reluziam, apesar de fitar o nada.

— Perdão? — perguntou ela meio sem jeito, jamais trocara uma palavra com o jovem, parecia tão novo.

— Só estou falando... Para se ater ao mundo real, enquanto pode. — mesmo dizendo aquilo o garoto não se voltou para Cherry.

Sua voz era suave como um sussurro, mas não era incomoda de se ouvir, era até agradável porque parecia que Stevan tomava cuidado em pronunciar cada palavra. Ela olhou para os lados sem entender, e tentou simular um sorriso.

— Ok... — respondeu.

Todos se retiraram da mesa, a limusine já estava parada em frente a entrada. Os ossos de Cherry doeram quando ela deixou o castelo, ainda não havia sol e uma névoa gélida circulava tranquilamente em volta.

Alphonse a envolveu em um abraço caloroso usava um gorro cinza estiloso, Cherry se arrependeu de não ter pegado o seu. Jenny passou pela garota e esfregou sua mão com luvas no braço da amiga para esquentá-la.

— Você ta ficando azul Cherry! — riu a loira.

Cherry não se importou em ficar abraçada com Alphonse na maior parte do caminho, enquanto Jenny tagarelava sem parar. Stevan olhava a estrada, não parecia com sono, mas assim como ela, absorto demais em sues pensamentos.

— Não estou muito animada com o primeiro dia... — falou Jenny mexendo em seu aparelho celular.

— Primeiro dia, só se for para os vagabundos como nós que resolvemos matar os primeiros dias.

Todos riram, Alphonse cheirava seu cabelo a toda hora, a cada intervalo no assunto, Cherry desejava dar uma cabeçada no nariz do rapaz da próxima vez.

— O caminho é bem diferente não é? — perguntou Jenny, Cherry não entendeu a principio — Do caminho do castelo de sua avó, sabe?

— É um pouco diferente sim... Mas não muito. — a falta de assunto divertia Cherry.

O longo trajeto a acalmou, até estava um pouco animada. A escola serviria de escape para seus pensamentos, e também de Alphonse.

— Chegamos... — bufou Jenny olhando para o casal no carro, completamente derrotada.

— Pare com isso Jenny, a gente vai se encontrar mais tarde! — falou Alphonse revirando os olhos, mas ele não soltou Cherry.

Ela se desprendeu do rapaz, que lançou a mesma cara tristonha de Jenny.

— Faço das suas palavras as minhas. — disse Cherry rindo, mas assim que botou os pés para fora do carro ela mudou imediatamente de ideia.

Sant Marrie estava completamente diferente.

Não eram as estruturas ou qualquer tipo de construção, esses estavam do mesmo jeito. Mas o clima estava totalmente diferente de antes, ao menos do que Cherry se lembrava. Os alunos, quase todos novatos, que conversavam descontraídos e calmos, havia um ar de tranquilidade que às vezes chegava até incomodar. Mas agora isso mudara.

As pessoas pareciam estar meio zangadas, mas de uma maneira estranha, com as feições cansadas e repletas de um ódio esquisito. Não era como nos filmes quando alguém apronta com todos, e recebe olhares nervosos, não, aquilo estava de alguma maneira no ar, um desprezo, um nojo, de tudo e de todos.

Não eram todas as pessoas, algumas ainda conversavam alegres, mas havia essas pessoas, que olhavam de lado e conversavam, parecendo vomitar ofensas contra os outros alunos. Era um clima pesado, estranhamente era possível sentir isso, Cherry se sentia incomoda, não parecia ser bem vinda naquele lugar.

— Nossa, acho que erramos feio de escola. — falou Jenny lentamente observando a cena.

— E viemos parar no inferno — concluiu Cherry.

Alphonse passou o braço no ombro da garota tentando tranqüilizá-la, mas ela notou que o rapaz parecia meio tenso com algo também. Enquanto isso Stevan passou por eles, parecia não se preocupar com os olhares de desprezo que lhe foram lançados.

Os três criaram coragem para avançar, subindo as escadas até a entrada, Cherry olhou para esquerda e avistou um grupinho de garotas ao longe. Vestiam o uniforme, mas deram o seu jeito de personalizá-lo, usando assessórios de couro e muita maquiagem escura. Fumavam as escondidas, havia uma de cabelos arrepiados que olhou para Cherry e riu para outras amigas, ao menos foi o que ela pensou ter visto.

Ao entrar na escola o nariz da garota ardeu com violência fazendo seus olhos lacrimejarem imediatamente. Ela precisou parar e por as mãos nos olhos em sinal de nervosismo.

— Que cheio horrível é esse? — reclamou.

Alphonse a olhou por um segundo ou dois meio sério, Jenny olhava para ele procurando algo para responder.

— Você consegue sentir Cherry? — perguntou a Jenny, intrigada.

— Claro que sim! — ela fazia uma careta, o cheiro estava muito forte — O que diabos é isso?

— Enxofre. — disse Alphonse sério — Parece que temos um novo pecado aqui em Sant Marrie, e ele é recém criado...

— AI! — Cherry fora arremessada no chão por um jovem enorme que esbarrou nela com força. Alphonse puxou o garoto pelo braço erguendo-o no ar e encarando o com violência.

— FICOU MALUCO? — berrou, mas o rapaz o encarava com igual nervosismo.

— Estou bem AI! — disse Cherry ainda no chão, recobrando os sentidos.

— Que tal eu arrancar esses braços pra você não esbarram em mais ninguém? — rosnou Alphonse, apesar de menor que o jovem, ele tinha força o bastante para enfrentar o tal.

Cherry engatinhou até as pernas de Alphonse e começou a bater nele tentando chamar sua atenção.

— Ninguém vai arrancar os braços de ninguém porcaria! — Jenny havia desaparecido, e os outros alunos pareciam não se importar com aquilo.

Nem os professores ou os funcionários se importaram, olharam de lado com um olhar cortante e seguiram andando. “O que diabos esta acontecendo nesse lugar?” pensou ela, ainda no chão gelado. Sentia-se meio tonta com aquele cheiro forte de enxofre. Alphonse a apanhou pelo braço, pondo a garota de pé.

O grandalhão que a havia empurrado não estava mais lá.

— Você esta bem? — perguntou ele preocupado.

Cherry voltou a sua atenção para ele, seu rosto impecável com linhas de preocupação.

— Preciso ir encontrar minha sala. — disse então, ajeitou sua bolsa nos ombros — Nos vemos no intervalo?

Ele passou a mão para ajeitar o cabelo de Cherry, e sorriu com ternura.

— Mas é claro — ela sorriu de volta e correu para escada, a imagem de Mike viera em sua mente, mas ela tentou nãos e preocupar.

— Olá Cherry — disse a voz venenosa de alguém.

Ela ergueu os olhos ao alto da escadaria de pedra, lá estava Lara. A filha da doce criada Christine, que por muitas vezes se mostrara uma pessoa extremamente ruim.

Cherry não respondeu, iria passar direto sem olhar um segundo se quer para a garota, mas algo lhe chamou a atenção. Lara estava deslumbrante em um uniforme personalizado, parecia cheia de vida e com uma expressão confiante no rosto. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, destacando seu rosto maquiado. Os olhos pareciam chamas, ela não tinha mais aquele olhar inseguro de antes.

Tudo ficou muito frio, os ossos de Cherry doíam, e ainda tinha aquele cheirou absurdo...

— De volta as aulas somente agora? — perguntou a garota sorrindo, usava um batom vermelho forte.

Antes, Cherry sentia que podia esbofetear Lara quando quisesse como de fato fizera no ano passado e porque a garota pediu por isso, mas agora tinha algo de diferente. Ela não queria ficar perto daquela pessoa, sentia-se ameaçada, de alguma forma, menor.

Ela apressou-se em deixar a garota para trás, agarrando-se a alça de sua bolsa.

— Não sei você Cherry — disse Lara sem se mover, somente deixando que sua voz acompanhasse Cherry — Mas eu tenho a ligeira impressão que esse vai ser um ótimo ano!

Aquelas palavras provocaram um arrepio na espinha da garota, que só pôde respirar aliviada quando estava bem longe de Lara. Não tinha ideia de onde seria sua sala, normalmente essa informação se encontrava em algum tipo de quadro de avisos, mas não havia nada. Os alunos passavam por ela, empurrando uns aos outros, não de maneira tão rude como o outro, mas mesmo assim com certo desprezo. Não era só com ela, os outros também notavam aquilo e pareciam absorver daquele ódio mutuo.

Refletiu, então, sobre o que Mike dissera para ela quando estavam em Baltimore. Os pecados estão em toda parte, e olhando agora para os alunos ela podia perceber como influenciavam na vida das pessoas, como são perigosos. “E a vida já é difícil o bastante... Não é justo que eles se sintam no direito de torná-la pior”.

Uma garota de óculos cheios pedia informação para um grupo de garotas, que a olharam secamente de cima em baixo e simplesmente caminharam em outra direção, deixando a garota perplexa. “Talvez Mike estivesse certo...”.

— Perdida?

O mundo se encheu de luz e esperança, afinal, era sempre assim quando David aparecia.

­ — David! — exclamou alegre, e lhe deu um abraço tão apertado que ela só foi notar o exagero depois.

— Nossa, eu não sabia que fazia tanta falta assim em sua vida. — disse ele rindo, Cherry não ligou.

David continuava o mesmo de sempre, alto, cheio de saúde e de uma energia positiva encantadora. Seu cabelo castanho claro estava um pouco maior, mas continuava bagunçado, ele usava uma camisa em que a manga lhe cobria até os dedos, mas havia uma abertura modesta em “V” na frente que era bem provocante, mas de um jeito angelical. Diferente de Alphonse, David sorria com os olhos.

Verdes e lustrosos, como Cherry se lembrava.

— Não sei onde é a sala — resmungou ela — Não vi aviso nenhum.

David olhou para os lados até encontrar alguma coisa, um pequeno papel preso a parede.

— Nossa, eu nunca iria encontrar! — falou Cherry acompanhando o olhar do rapaz.

Os dois caminharam até o papel preso, lá estava uma grade de horários extremamente confusos, mas David parecia compreender aquilo de alguma forma. Ele fechou os olhos e sorriu meio desapontado.

— Conhecendo a sua grade de matérias... — ele olhou para Cherry — Não temos nenhuma aula juntos hoje.

O corpo de Cherry murchou um pouco, não teria aula com David, o rapaz que tanto gostava de conversar, imaginava que seria bom se relacionar com alguém normal de vez em quando.

— Posso te levar na sua sala, é Historia? — perguntou; sempre caloroso.

Ela aceitou ainda meio triste, principalmente porque não ficava nada longe de onde estavam. David encontrou amigos no caminho, então a despedida foi rápida, mas a garota não queria desejar mais do que aquilo. A sala estava dispersa em algum assunto paralelo, enquanto o professor magricela olhava para a janela de uma forma sonhadora, havia um exercício posto no quadro. Cherry suspirou.

Não conseguira fazer o exercício, teve muita dificuldade em se localizar na matéria, afinal estava com uma semana de atraso e naquela escola aquilo equivalia a mais ou menos um mês de estudos em Baltimore. Ninguém parecia se importar com ela parada olhando para o nada, o professor continuava a fazer o mesmo da janela.

— O que está havendo comigo? — disse baixinho debruçando-se sobe a mesa, uma lagrima escorreu e ela rapidamente a limpou.

Sentia seu corpo tão fraco e vazio, e ainda tinha aquele clima pesado na escola, tão ameaçador. Ela adormeceu.


— Cherry? — a voz lhe chamou com uma calma doce.

O corpo da garota doía bastante. Ela levantou o rosto amassado para encarar Jenny radiante como sempre. Saíram para o intervalo, Cherry se sentia muito mal por ter dormido tanto, parecia uma derrotada. Mas não era só ela, a maioria dos alunos tinha a mesma expressão no rosto, como se alguma coisa estivesse sugando a sua vida aos poucos.

A maioria dos alunos ficava na área externa do colégio, que se localizava na parte de trás, era extensa e florida. Tinha bancos de pedras e cercadinhos, os alunos deitavam na grama e cochilavam.

Cherry foi envolta pelos braços de Alphonse, se sentindo imediatamente revigorada. Então foi fácil reparar em tudo a sua volta, principalmente em Lara desfilando ao longe, acompanhada por uma multidão de garotas que se vestiam exatamente como ela. A garota avistou Cherry e lançou um sorriso, enquanto passava por vários alunos pálidos e zangados.

— Não é mais a garota que você conhecia. — falou Alphonse a encarando — Melhor ficar longe dela.

Cherry não discutiu com aquele aviso, simplesmente ficou muda enquanto Jenny tagarelava sem parar.

— Pode acreditar que elas usam realmente a saia dessa cor horrenda?

Cherry escutava frases soltas como esta, mas seu pensamento estava longe. Pensou em Christopher, a avareza assassina, e o que estaria fazendo nesse exato momento. Alex, apesar de tudo ela sentia muita pena do rapaz, desejava que ao menos estivesse bem. E novamente, Mike.

Não havia noticia alguma sobre ele, e nem ela nem Alphonse, muito menos Jenny, vira sombra do rapaz. Cherry não queria se preocupar, mas era uma sensação extremamente incomoda. E a cada preocupação o abraço de Alphonse se tornava mais apertado.

— Professor, poderia, por favor, me explicar novamente sobre esse ultimo termo? — perguntou Cherry, esperançosa em sua aula de biologia na sala.

— Senhorita White, não vou voltar com minha matéria por conta de uma aluna que falta aulas. — disse o professor de rabo de cavalo, parecia um tanto estressado.

Mesmo revigorada, aquele tipo de atitude a desanimava. Ela sempre fora dedicada quando queria, então estava na hora de querer, pois não iria faltar novamente nenhuma aula, por mais que Alphonse e Jenny implorassem.

As aulas seguintes passaram com uma lentidão absurda, os alunos bocejavam sem parar já exaustos, mas quando finalmente o sinal tocou todos se apressaram a deixar aquele lugar horrível.

— Achei que nunca fosse sair! — disse Alphonse que estava deitado no banco de seu carro, Jenny não estava lá.

— Porque esta com seu carro? — perguntou Cherry, meio nervosa.

— Pensei em darmos uma volta, tirar essa energia negativa.

— Não, vamos para casa. Você me prometeu.

— Esta bem! — resmungou ele revirando os olhos — Se quer assim, então vamos!

— Ótimo! — ela respondeu.

— Ótimo.

O dia de cinza passou para verde intenso. O campo extenso e conhecido acalmou os nervos de Cherry completamente, Alphonse parecia o mesmo.

— Pensei que você ia me levar para o castelo, já que prometeu me ajudar com aquele problema... — mesmo dizendo aquilo ela não tinha muita certeza se realmente se importava.

— Estou cumprindo, Cherry querida. — falou ele de olho na estrada, o que deixou a garota confusa, já que sabia que aquele era o caminho do castelo de sua avó, antes é claro, fica o lago de Alphonse.

O carro deixou a estrada para se adentrar no campo, a direção confirmava as suspeitas de Cherry que estavam indo para o lago. Havia alguma coisa na grama, parecia alguém deitado, Alphonse girou o carro fazendo muito barulho e levantando o capim.

— Nem assim esse coitado acorda. — resmungou Alphonse pulando de seu carro sem teto. — Stevan!

O rapaz dormia tranquilamente. Usava roupas amarrotadas e engraçadas, seus cabelos bagunçados e castanhos e seu rosto tão sereno e tranqüilo, parecia tirar um sono tão tranqüilo, seria um pecado acordá-lo. Alphonse o chutou.

O rapaz despertou meio tonto.

— Nossa! Alphonse, como você é educado — falou Cherry cruzando os braços para ele.

Mas ele não parecia nada zangado com o chute, se espreguiçou como um filhote de gato, Cherry mordeu os lábios para não rir. Ele olhou para os lados e coçou a cabeça, deixando folhas caírem de seu cabelo.

— Eu a trouxe. Vamos começar logo — Alphonse pegou Cherry pelos braços e como se fosse uma pena a ergueu de seu lugar e a pôs de frente a Stevan sentado.

O garoto a olhou com inocência e depois desviou o olhar meio envergonhado.

— Não entendo. — disse Cherry olhando para Alphonse.

— Os poderes de Stevan vão ser de grande ajuda. — falou o rapaz, ele massageou os ombros do garoto — Vamos lá?

— Os poderes dele?

— Stevan como você, e o resto do mundo sabe, é a preguiça. — ele sentou ao seu lado — Ele tem o poder de transitar para o corpo de outra pessoa quando esta dormindo.

Cherry arregalou os olhos assustada, Stevan encolheu.

— Mas a pessoa precisa estar dormindo também... Acho que essa é a regra.

— Então ele vai entrar no meu corpo? — perguntou ela, descartando essa possibilidade.

— Não... É que eu não sei explicar bem, Stevan me da uma ajudinha? — riu Alphonse.

Falar parecia um grande sacrifício para Stevan, mas mesmo assim ele tentou.

— Alphonse é um tonto. — ele fechou os olhos em sinal de cansaço — Meu poder permite que minha alma entre na mente de outra pessoa...

Houve uma longa pausa.

— Mas não é isso que vai acontecer aqui...

— Não? — Cherry estava quase ficando nervosa.

— Não... Eu vou ajudar a sua alma a entrar na sua mente, literalmente.

Alphonse soltou uma risadinha com a expressão confusa da garota.

— A mente e a alma são coisas separadas, segundo a nossa crença. — disse Alphonse cruzando os braços. — E o que você quer descobrir esta na sua mente, mas precisamos que sua alma, ou seja, você; vá por conta própria conferir o que tem por lá.

— Mas Al, você também pode usar seus poderes, não pode?

— Os poderes do Alphonse que atingem a mente são muito superficiais — falou Stevan de repente. — Tudo o que ele pode ver é a forma física dela, a sua mente, e ativar algumas lembranças e criar ilusões... Mas ele não pode realmente entendê-la, nem ao menos transportá-la até lá.

Alphonse sorriu meio desanimado.

— Mas como vai ser isso? — era tudo tão confuso. — Como posso entrar na minha própria mente?

— É como se fosse uma terra de sonhos Cherry querida...

— Errado. — falou Stevan firme — É muito importante que você saiba que não será um sonho ou ilusão, a melhor comparação que possa descrever para onde você irá é... “O mundo de Cherry”.

— “O mundo de Cherry”? — ela se lembrou de uma vez em que Alphonse mencionara aquilo.

— A mente de uma pessoa é como um mundo paralelo ao que vivemos, — ele olhou para o céu — Eu acho que o homem sempre teve muita inveja do mundo que Deus criou, pois ele é perfeito... Por isso esta sempre tentando destruir esse mundo, de diversas maneiras.

Cherry sentiu certo calafrio com a teoria.

— A mente nada mais é que uma representação de como o homem acha que o mundo deveria ser. — falou Stevan — E o que você procura; o segredo de que Alphonse lhe falou, está guardado em seu mundo.

— Não ligue, ele adora fazer teoria sobre as coisas. Mas em parte ele está certo — falou Alphonse baixinho.

— E você não pode simplesmente arrancar esse segredo com seu poder? — perguntou ela de repente.

— Posso, mas isso a deixaria retardada.

— O QUE? — ela falou estupefata. — Existe essa possibilidade?

Alphonse riu com nervosismo, mas não se atreveu a responder.

— Mas é claro, estamos lidando com a mente aqui. — falou Stevan com muita tranqüilidade.

— Ótimo, claro que não poderia ser tão simples.

Alphonse apanhou sua mão, seus cabelos mexiam delicadamente com a brisa, como se fosse tudo combinado.

— Ok, o que eu preciso fazer? — falou ela buscando coragem, “retardamento mental, retardamento mental”.

— Primeiro eu preciso fazer uma rápida varredura pelo seu sistema. — disse ele fechando os olhos e erguendo as mãos.

— O que? — ela fez uma careta.

— Stevan é um completo nerd, então se acostume com seus termos.

Os dedos gelados de Stevan tocaram a pele de Cherry, ela não sentia nada, mas parecia que o garoto estava em um transe hipnótico.

— Está bem lá no fundo da sua mente, o que significa que é relacionado a algo bem antigo obviamente. — ele abriu os olhos — Vai ser bem... Intrigante, já que você tem a mente de alguém com bastante imaginação.

— Cherry escreve historias, e letras de musica. — falou Alphonse repleto de orgulho, ela revirou os olhos.

— Isso é ruim, sua mente é esperta. O que faremos é enganar, porque você não se esqueceu simplesmente desse segredo, você o fez de propósito. Sua mente não pode perceber que estamos tentando resgatar isso, se não vai reagir de volta.

— Não imaginava que seria tão difícil... Ao menos não vou precisar ir mais a escola, já que serei uma retardada.

Alphonse caiu na gargalhada enquanto Cherry o assassinava com os olhos, e logo com os punhos.

— As pessoas com retardamento mental hoje em dia freqüentam escolas especiais, então você não precisa se preocupar com isso. — disse Stevan pensativo.

— Vai sobrar pra você também! — ameaçou Cherry erguendo o punho.

Stevan pediu que a garota deitasse na grama, ela relutou por um segundo, mas obedeceu tentando ignorar o frio horripilante na barriga. Parecia que Cherry iria mergulhar em algo assustador, Alphonse apanhou sua mão, mas isso não a deixou tranquila. Estava sozinha naquele lugar, era a única indefesa e sem poderes malucos, se algo lhe acontecesse jamais teria tempo de se despedir de sua família.

Cherry virou o rosto lentamente para Alphonse, uma lagrima correu brilhante por seus olhos medrosos, o rapaz sorriu para ela e a garota tentou fazer o mesmo, o sangue havia fugido de seu rosto.

Stevam pôs seus dedos gelados na testa dela, e massageou com carinho, Cherry fechou os olhos tremendo um pouco.

A escuridão a tomou, não havia fragmentos de luz apesar do sol ainda estar no céu. Cherry pulou rapidamente para o estado de sono, seu corpo inteiro adormecera.

Cherry?

Os sentidos da garota imediatamente responderam a aquele chamado, a voz era claramente de Stevan. Ela não tinha certeza se abrira os olhos, mas tudo a sua volta era negro.

— Já esta acontecendo? — perguntou um tanto eufórica.

Acalma-se. Você esta no estado de sono, quase profundo, é onde os sonhos acontecem.

— Nessa escuridão?

Sim. Não é o lugar que buscamos, precisamos encontrar a porta para seu mundo. Consegue vê-la?

Cherry não via nada, era só a escuridão claustrofóbica. Ela desejou que algo a ajudasse a sair daquele lugar, era horrível não saber onde estava, sem poder ver suas mãos.

— Estou aqui Cherry querida. — falou uma voz bem ao seu lado.

— Alphonse! — exclamou feliz.

Não. Esse não é o Alphonse, sua mente esta atendendo a sua vontade de não ficar sozinha, provavelmente será ele que a levará até a porta, no entanto... Eu nunca vi uma projeção assim no “vácuo dos sonhos”.

— Como assim? — Cherry conseguia ver a imagem perfeitamente nítida de Alphonse, brilhava em um azul infinito.

A imagem de Alphonse esta rica em detalhes, a sua mente consegue reproduzi-la quase que perfeitamente. Isso é muito raro, normalmente deixamos detalhes apagados como os pés, o cabelo. É interessante notar que o sorriso é a parte mais detalhada...

Era verdade, o sorriso era extremamente real e cheio de vida. Alphonse sorria para ela incansavelmente.

Isso mostra que Alphonse é alguém que você dedica muito dos seus pensamentos, a sua mente se importa bastante com ele.

Cherry sentiu sua face corar, imaginou se Alphonse estaria escutando aquela narração de dentro da cabeça.

Não, ele não pode nos ouvir. Os poderes de Alphonse interferiram demais nos meus, complicando nossa exploração.

Ficou claro que tudo o que Cherry pensasse Stevan conseguiria ouvir, ela resolveu se concentrar a encontrar a porta. Não foi preciso muito tempo, pois a imagem de Alphonse começou a se mover para frente.

— Lá esta. — disse Cherry avistando claramente a porta lilás, mas não se importou muito com isso. Ela se sentiu triste novamente, tentando acariciar os dedos irreais de Alphonse.

A porta era antiga e extremamente bela como a do seu quarto. Sua mão relutou na maçaneta redonda e gélida, ela olhou para Alphonse, que sorria incansável, queria tanto que ele a seguisse tinha medo do que iria encontrar.

Vamos Cherry, ele não pode ir com você. Ficará ai sorrindo para sempre, você tem que ir sozinha.

Cherry sentia mais frio ainda, um medo doloroso de seguir em frente, de perder tudo, de descobrir o que não quer. Ela olhou para porta com desenhos dourados e estranhos, seus dedos se fechando na maçaneta lentamente e sentia sua garganta seca.

— Você consegue.

Cherry levou um susto, a imagem de Alphonse falou de repente, antes de desaparecer, e assim ela teve forças para abrir a porta.

Era um corredor de uma casa, com a iluminação de um fim de tarde. O lugar comprido e repleto de janelas com cortinas de seda esvoaçantes tinha um dourado da luz, e folhas secas por toda parte, Cherry caminhou devagar pelo lugar. Seu coração batia como um suspiro.

Ela conhecia aquele lugar, sua casa em Baltimore, espiou pela janela e lá estava à entrada de sua casa, ela sorriu.

— Vamos querida, como eu lhe ensinei. — disse sua mãe, para uma Cherry de dez anos.

A pequena garota começou a cantar uma musica ensaiada, enquanto Denise, sua mãe, acompanhava com o violão. Cherry havia se esquecido daquela lembrança, de quando cantara pela primeira vez uma musica inteira.

— O que devo procurar?

Deve continuar andando, vamos ver até onde sua mente nos permite ir.

Cherry deu dois passos a frente e viu pequenas fadas passarem por ela rindo. Não eram infantis como nos desenhos, pareciam um tanto adultas e com características folclóricas, mas ainda assim maravilhosas.

Sua mente é repleta de elementos fantásticos, acho que isso é graças a sua paixão secreta por contos de fadas.

Cherry se sentia completamente invadida, exposta, não tinha como negar qualquer coisa que aquele garoto dissesse, afinal ele estava na sua mente.

Desculpe...

— Tudo bem, vamos logo com isso — disse tentando não se importar.

Caminhou por alguns minutos pelo corredor, em seu final havia uma escada que descia. Não havia o sol da tarde ali, do dourado o lugar ganhou um azul escuro. Ela reparou que enquanto descia apareciam bonecas pregadas à parede, algumas estavam sem rosto ou descoloridas.

— Porque começamos pela infância?

Não é assim que funciona, sua mente escolhe o caminho, não existe uma ordem de memórias nem setores. A julgar pela aparência das bonecas, você já se esqueceu da maioria... Podem ser próximas ao tempo do seu segredo.

— Então está mesmo relacionado há algo de muito tempo atrás?

Sim, não tenho duvidas quanto a isso.

Cherry notou algo estranho no seu caminhar, era um barulho que jamais produzira. Logo mais a frente na descida havia um espelho a esquerda. A garota parou de frente para se ver, ela era estranha.

É engraçado como não nos lembramos às vezes... Geralmente, nesse caso, enxergamos o que queremos ver.

Cherry usava um vestido volumoso azul, cheio de babados exagerados, mas bem trabalhados. O laço em sua cabeça não era mais vermelho e sim azul, seu rosto parecia um tanto estranho, mas era possível identificar que era ela.

— Eu sou a Alice — disse ela boba olhando seu reflexo.

Sim, como Alice, você esta descendo pela toca do coelho, em um mundo que apesar de ser seu, é desconhecido por você. Essa é sua mente aplicando um elemento de contos de fada em sua imagem, isso é um bom sinal... Acho que até agora somos bem vindos.

Ela continuou descendo, havia alguns buracos na parede, ela se inclinava para espiar algumas vezes.

— Você precisa sempre contar o dinheiro direitinho, temos sempre que valorizar o que temos. Sempre! — dizia seu pai sentado na cama, enquanto Cherry esperava que ele contasse uma historia, o livro grosso estava aberto a seus pés.

Ele suspirou.

— Rapunzel de novo querida?

Ela concordou decidida, Cherry sorriu e continuou a descida. Sua mão deslizava pela parede, parecia tudo tão real. O lugar tinha um tom sinistro, porém, agora ela estava determinada a continuar. Borboletas de uma cor azul profunda passavam por ela voando calmamente, deixando um rastro de pó azulado, como se estivessem coberta por algum tipo de poeira.

Ficou muito escuro quando chegou ao final da escada, ela conseguia ver uma vela em uma espécie de bandeja de metal, assim que a apanhou ela acendeu em uma chama azul. Cherry caminhou mais alguns minutos na escuridão até avistar uma arvore velha à frente, parecia torta e engraçada.

Ela tropeçou de repente, derrubando a vela acesa para frente. Imediatamente a arvore foi coberta pelo fogo azul e todo o lugar ganhou luz. Era um enorme salão de castelo, as paredes e janelas possuíam uma fina camada de gelo, Cherry sentia seus lábios tremerem com frio.

Fadas voavam por todo o lugar, dessa vez com um anil intenso emanando em forma de luz e pareciam rir e brincar alegres. Nevava naquele lugar.

— Onde estou? — perguntou ela erguendo a mão para sentir o pequenino floco de neve, muito real.

O lugar de suas crenças e esperanças, de reflexão... Sua mente já percebeu que existe uma visitante, mas não consegue definir se você é um desejo, uma memória nova ou um intruso.

Cherry escutou um barulho de bater de asas, mas não era calmo como o de um pássaro, mas algo muito maior. Ela olhou para o teto, não havia fim, uma luz não permitia que se visse o que havia além. Algo saiu daquele clarão vindo em sua direção, à garota pulou para trás quase sendo esmagada pela coisa.

A poeira de neve levantou até o alto e ela não conseguiu ver o que era.

Precisa permanecer calma Cherry, é muito importante. Sua mente agora irá testá-la, e você precisa ser indiferente, não demonstre possuir um objetivo...

Mas ele não terminou a fala, parecia que algo o impediu. Por de trás da poeira havia duas asas gigantescas encolhidas em algo que parecia ser um casulo. Eram prateadas banhadas com o azul do lugar. Cherry franziu a testa tentando entender o que era aquilo, mas quando resolveu se aproximar a coisa abriu as asas em uma explosão de penas.

Era um rapaz com asas nas costas, um anjo? Ela se recusara a acreditar.

— Olá visitante. — disse a voz carregada de bondade.

Seus cabelos eram brancos demais, tudo o que usava era uma calça de um tecido leve, seu corpo era talhado em linhas que desciam perigosamente até um cinto de couro branco. Seus olhos também eram brancos, como se ele fizesse parte de algo divino.

— Bem vinda ao santuário azul, o que lhe trouxe aqui?

Sua mente esta usando a imaginação para enganá-la, criou um enredo elaborado de nomes, isso é perigoso.

— O que devo fazer então? — falou ela baixinho, o anjo inclinou o rosto intrigado com o seu sussurrar.

Entre no jogo, você é uma visitante. Assim ela vai interpretar que você está sonhando, e que é apenas criação do sonho. Mas não se esqueça de não demonstrar ter um objetivo.

— Quem é você? — perguntou ela, não sabendo o que dizer.

— Sou o anjo de gelo, guardião da primeira porta. — falou ele se inclinando em um tipo de cumprimento antigo.

— Da primeira porta? — perguntou ela sussurrando novamente.

Stevan suspirou. Acho que sua mente já entendeu que você procura alguma coisa importante, ela fragmentou o caminho por níveis... Já deveria imaginar que seria difícil.

— Então não tem mais jeito?

Mesmo que ela tenha feito isso ainda pensa que você está sonhando, tudo o que está fazendo é criar uma historia, uma espécie de jornada... Isso é, enquanto ela pensar que você é apenas uma criação, uma personagem da imaginação.

— Você veio à procura da porta? — perguntou ele se aproximando, os olhos arregalados.

— Sim, onde ela esta? — falou ela tentando entrar no jogo.

O anjo de gelo mexeu as asas lentamente, parecia um pouco satisfeito. Seu braço fantasmagórico pegou algo em suas costas, era um pequenino caderno, em seguida ele retirou um óculo redondo.

— Quais são as palavras que você mais gosta de dizer quando esta calma e tranqüila? — perguntou ele com uma expressão esquisita.

Cherry pensou bem por um minuto.

— Quando estou tranqüila... Não digo nada, simplesmente me calo.

O anjo sorriu satisfeito.

— E é por isso que meu livro continua vazio. Palavras de conforto são para situações tempestuosas, aqui o silencio é o bastante.

— Então vai me mostrar a porta?

— Não... — ele fechou os olhos — Você encontrará sozinha, e em absoluto silencio. Mas se não obedecer a essa regra jamais irá encontrá-la.

Cherry não teve certeza se piscou ou se distraiu, mas o anjo se transformara em uma bela estatua de gelo, fazendo o típico sinal de silencio. A garota ia abrir a boca para perguntar a Stevan o que fazer, mas o garoto foi rápido.

Não diga nada, apenas procure pela porta. Deve estar em algum lugar por aqui.

O lugar se transformara em um jardim de gelo, com varias esculturas angelicais e um lago congelado. Ela tentou caminhar sem fazer barulho algum, ficou imaginando se o leve som de seu andar fosse proibido também, mas nada aconteceu.

Então continuou vagando a procura da porta, a neve caía tranquila, havia pequenas trilhas de pedras azuis, mas parecia não levar a lugar nenhum.

— Papai, dá vontade de deitar e dormir aqui. — disse a pequena Cherry a seu pai, estavam logo à frente. Ela vestia usava um gorro enorme na cabeça; poderia ter sete anos de idade ou menos.

O pai sorriu e a puxou para que continuasse andando, Cherry olhou as duas figuras desaparecerem na neve. Andou por horas sem sucesso, a voz de Stevan havia se calado. Ela espiou a estatua do anjo congelado com o sinal de silencio.

Não era mais um salão, não era mais um jardim, era uma imensidão de neve, havia apenas algumas árvores congeladas, um lago também congelado e pedras azuis.

Cherry olhou para o céu, havia uma neblina densa por cima, ela fechou os olhos.

— Não consigo encontrar. — falou.

De repente ouviu-se um estalo enorme, ela abriu os olhos e espetos de gelo romperam do chão, seus sapatos congelaram, suas pernas, tudo foi muito rápido até chegar a cabeça da garota, que também se transformou em um estatua de gelo.

Ela abriu os olhos assustada, estava no campo verde, Stevan a aguardava e Alphonse também. O calor do sol atingiu a sua pele deixando seu corpo desperto por completo.

— O que aconteceu? — perguntou confusa, sua visão girava um pouco.

— Você não conseguiu encontrar a porta... E eu não a culpo, realmente parecia difícil — falou Stevan, com a voz extremamente mais lenta em comparação a antes.

Alphonse abraçou a garota que estava paralisada.

— Como foi?

Stevan balançou a cabeça negativamente.

— Teremos que voltar mais algumas vezes, a mente dela elaborou um esquema que separa ela da verdade... Talvez se usássemos álcool.

— O que? — Cherry estranhou.

— Confundir os sentidos, Cherry querida, deixar sua mente mais persuasiva. — disse Alphonse acariciando suas costas, Cherry se livrou do abraço e levantou.

— Vamos esperar alguns minutos e depois voltaremos para lá! — disse a garota quase caindo com tamanho desequilíbrio.

— Ficou louca — disse Alphonse a segurando. — Sua mente vai precisar de alguns dias até poder ser acessada novamente, é um processo muito delicado.

Cherry amarrou a cara, queria voltar o mais rápido possível naquele lugar e encontrar o portão. Havia uma adrenalina estranha passando por seu corpo, ela observou o cansado Stevan se levantar e andar tranquilamente até o carro. A garota cerrou os olhos tendo uma idéia louca.

— Cherry? — chamou Alphonse interrompendo seus pensamentos.

— O que foi? — ele estava com um sorriso engraçado. — O que foi Alphonse?

— Nada — ele riu e puxou a garota até o carro.

No caminho Alphonse tagarelava o tempo inteiro e Stevan adormecera no banco de trás, tudo o que Cherry pensava era quando seria a próxima vez que voltaria para o seu mundo.





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Notas finais do capítulo

reviews please, e obrigado por ler ;)



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