Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 6
Capítulo 5 - Virtudes


Notas iniciais do capítulo

Vamo que vamo xD espero que estejam gostando dessa doideira (pq ai vem mais)
(Perséfone) Capitulo betado *.~



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— Foi bom que tenha voltado moleque — rosnou Muriel com metade do almoço na boca — Eu amaldiçoaria sua alma se me deixasse sozinha com essa peste!

Luca corria pela casa de Muriel, completamente pintado e usando roupas rasgadas. Mike sorriu no canto da boca, também estava comendo, e os almoços nunca foram tão divertidos. A casa da velha continuava do mesmo jeito que deixara, ele percebeu que ela nem se dera ao trabalho de varrer o chão, “Estou velha, por Deus, é o mínimo que você pode fazer para pagar a sua estadia aqui nesse meu santuário” resmungava Muriel.

— Luca, não! — disse ficando sério de repente, quando parecia que a criança iria derrubar alguma coisa, e então ele se encolheu meio nervoso e foi para fora.

— A você ele escuta! — reclamou Muriel quase se levantando, e apontou seus dedos ossudos para o garoto — Você irá levá-lo amanhã para escola, e eu não quero ouvir reclamações!

Mike engoliu a comida inteira para reclamar também, mas desistiu. Levantou da mesa recolhendo os pratos e guardou o resto para mais tarde, Muriel provavelmente traria suas visitinhas.

— Fiquei sabendo que você e o velho Poe andam de amizades suspeitas. — falou Mike limpando os pratos, estava de costas para a velha que ainda palitava os dentes, pode ouvir o barulho da cadeira estalando quando ele dissera aquilo.

— Onde... Onde diabos você ouviu isso? — perguntou ela com a voz estridente.

— Por ai... — falou ele balançando os ombros, escondendo seu sorriso satisfeito.

— E por ai tem algum nome especifico? Tipo, Brigitte Candle?

— Não sei.

— Oras! — exclamou nervosa levantando — Só me faltava essa, meu sobrinho fofocando por ai com as velhas caquéticas desse maldito bairro!

Ela ia saindo da cozinha, mas Mike queria se divertir mais uma pouco.

— Me avise quando ele vier novamente, eu prometo deixar algo bem especial para o jantar!

A velha soltou vários xingamentos gritados, Luca entrou assustado na casa absorvendo cada palavra em sua pequena mente, e beliscando o traseiro de Muriel, que foi rápida em encontrar uma vassoura velha e acertá-lo.

Sophie apareceu de repente, Mike havia se esquecido que a garota criara o costume de aparecer para o almoço. Muriel amava profundamente a garota, adorava contar uma de suas historias antigas e se sentia livre para confidenciar segredos, mas não era algo de difícil compreensão. Era um anjo de pessoa, qualquer um que passasse dez segundos com Sophie se apaixonava por seu jeitinho.

— Oh droga, perdi o almoço? — disse ela entrando pela porta dos fundos, usava um rabo de cavalo para deixar os cabelos negros longe de seus ombros, fazia isso sempre que estava na correria do hospital.

De longe Sophie parecia uma asiática, graças ao fino cabelo, mas seus traços lembravam muito atrizes de filmes medievais, talvez por ser tão branca, sem parecer um fantasma.

— Não perdeu. Eu esquento em alguns minutos, puxe uma cadeira — disse Mike tranqüilo pegando novamente as panelas, aquilo não era de nenhuma maneira maçante para ele, faria trezentas vezes se a garota pedisse.

— Hoje o dia foi pesado! — suspirou a moça retirando seus tênis para massagear os dedos — Mas graças a Deus ocorreu tudo muito bem, tivemos um problema na clinica, com a máquina... Não da pra contar sempre com essas porcarias mecânicas...

E lá foi Sophie tagarelar sobre seu trabalho. Mike adorava escutar, pois era realmente importante o que a garota fazia; salvar vidas, aprender sobre como fazer isso, a sensação de ver alguém entrando em estado critico e depois finalmente se recuperando. Era bom poder acreditar que a vida tinha concerto, na maioria das vezes é claro.

— SOPHIE! — berrou Luca se atirando nos braços da jovem, que havia se levantado por um segundo, mas acabou caindo na cadeira com o abraço apertado.

Ela bagunçou os cabelos castanhos de Luca carinhosamente e beijou sua testa varias vezes.

— Está gostando da escola? — perguntou ela, Luca permanecera em seu colo brincando com o cordão da garota.

— Sim! — exclamou alegre. — Lá é bem legal, os professores sabem de cada coisa!

Sophie e Mike riram.

— Os professores disseram o mesmo. — falou Mike, lembrando-se do primeiro conselho escolar que a escola organizara e que ele fora obrigado a comparecer, já que Muriel não suportava esse tipo de coisa.

— Luca já foi a tantos lugares que tem muita coisa pra contar, não é? — perguntou Sophie rindo, o garotinho sorriu — Muriel me contou que vocês vão fazer uma viagem hoje à tarde.

— Sim, ela disse que é importante. — respondeu Mike de costas para garota, não podendo vê-la olhando pensativa para o chão.

— Tome cuidado Mike. — falou de repente.

— Cuidado com o que? — mas Mike ainda não se virara para a garota, provando que os dois sabiam do que se tratava.

— Depois que você se envolver com aquelas pessoas... Por mais nobres que sejam seus motivos, você estará a todo o momento em perigo constante.

— Não será muito diferente do que tenho passado ultimamente. — e assim ele terminou de esquentar a comida, e colocou mais uma vez na mesa, mesmo que Sophie tenha se recusado a dar esse tipo de trabalho.

— Você já comeu Luca! —brigou ele quando o garoto já estava com um prato na mão.

— Ah, mas o que é que tem Mike? — Sophie amarrou a cara para ele e Mike bufou.

— Ok, mas esse daí parece que não tem fundo.

No final até Mike acompanhou Sophie beliscando um pouco do frango. Quando Luca brincava do lado de fora da casa, Mike pode observar novamente como a vegetação estava enorme, alguém podia realmente se perder naquele lugar.

— Minha rotina está uma loucura, mas eu gosto de ter esse tempo aqui... É tão fora da realidade. — disse Sophie se espreguiçando, Mike se conteve ao olhar o corpo escultural da jovem.

— É sim, mas o difícil é ter que voltar... Para a realidade — disse ele cruzando os braços.

Sophie passou por ele e o beliscou no braço sorrindo, Mike a seguiu.

— Hoje eu perdi a recepção do Alphonse para sua irmã. — Sophie sentou-se nos degraus de entrada da casa, apanhando uma pequena folha e massageando-a.

— Como assim?

Ela bufou, sua franja reta subiu com o sopro.

— Mike White, porque eu tenho sempre que te atualizar sobre a vida da sua irmã? Que tipo de irmão é você?

— O tipo ausente... — ele sentou ao seu lado.

— Alphonse convidou Cherry para morar no castelo, ele acha que é mais seguro.

Ele olhou para o céu azulado, as nuvens se desmanchavam aos poucos como se o sol as consumisse. Talvez Alphonse estivesse certo, Cherry não podia continuar vivendo com sua avó, não quando ela era o demônio em pessoa. Depois que Muriel lhe contou que Christopher, o avareza que aterrorizava seus sonhos, havia deixado à cidade, ele ficara um pouco mais tranquilo. O problema era que mesmo nesse clima pacífico, Mike continuava sendo assombrado por essa ameaça, fosse nos seus sonhos ou na vida real.

— Deve ser melhor assim... — sussurrou com os olhos fixos no nada, Sophie também olhava pensativa para o horizonte.

Sophie voltou em pouco tempo para o hospital, e Luca depois de tanta correria, acabou cedendo ao cansaço e adormecera no sofá. Mike terminou de arrumar a cozinha e desligou a televisão, Muriel fumava na varanda balançando lentamente a sua cadeira.

— Quem vai ficar com o Luca? — perguntou ele pondo as mãos geladas no bolso de sua calça jeans.

Muriel resmungou sobre suas amigas serem fofoqueiras natas, então ele entendeu que seriam essas que cuidariam de Luca em sua ausência. Desde que Mike demonstrara interesse em aprender como lidar com os pecados, a velha lhe dissera que em breve eles iriam fazer uma viagem muito importante.

Em seu quarto, procurou levar somente o necessário em sua mochila. A velha avisou que passaria uma semana fora e que precisaria de roupas.

— Leve alguns remédios também! — berrou Muriel do andar debaixo.

Demorou um bocado até que os dois deixassem a cidade, Muriel resmungou durante todo o caminho. Como ainda faltava muita estrada, ela reservou reclamações para mais tarde, enquanto Mike assumia o volante, guiado pelas instruções nada precisas da velha senhora.

A estrada não era deserta, muito pelo contrario, as arvores eram tantas que formavam um túnel verde com seus troncos tortos. Ventava muito também, e quando o carro precisava ir mais devagar devido as imperfeições da estrada, Mike podia ouvir o barulho estrondoso das milhares de folhas balançando.

Havia pouca luz entrando na estrada, mas isso não tirava em nada a beleza do lugar. Apesar da incomoda sensação de que a qualquer momento um animal feroz poderia pular para fora da floresta densa, o lugar era incrível. Pequenas folhas amareladas se desprendiam e dançavam no ar, demorando certo tempo para chegar ao chão.

Mike sentiu um desejo voraz de desenhar tudo aquilo.

— Quando eu era mais jovem adorava passar por esse caminho, estacionar o carro... Pintar um pouco — Muriel falava de um jeito sonhador. — Tempos coloridos...

No ano passado Mike descobrira o quarto secreto de Muriel no castelo de sua avó. Nele havia vários materiais de pintura e telas, naquele momento ele sentiu uma forte ligação com a sua tia-avó, mas desde que fora morar com ela jamais vira um só quadro ou desenho da velha. Aquilo parecia pertencer a um tempo perdido e esquecido.

— Porque você parou de pintar Muriel? — arriscou perguntar, sem tirar os olhos da estrada estreita.

A velha inclinou o banco para trás e fechou os olhos, soltando um longo suspiro.

— Acontecem certas coisas na vida de uma pessoa, que você acaba perdendo um pedaço de si. — ela continuou de olhos fechados. — Não dá pra sair ileso de certas coisas, deixam sempre uma cicatriz, pois ela vem arrancando tudo o que há de bom. Você pode até tentar retomar a sua vida, mas os danos, às vezes, são para sempre.

Não houve silencio depois disso, pois o carro deixou o túnel verde, dando vez a um imenso campo ensolarado. Os olhos surpresos de Mike fizeram Muriel sorrir. Eram colinas e mais colinas, os pássaros pareciam acompanhar o carro, o jovem se sentia em outro mundo naquele momento.

Olhava para os lados e imaginava sua figura, com mais ou menos dez anos de idade, brincado e correndo pelo campo, também tentando acompanhar o carro. Ele sempre sonhou com lugares assim.

— Nossa! — exclamou.

— Acelere, não temos tempo pra turismo. — resmungou Muriel.

As nuvens projetavam sombras engraçadas na grama, eram bem escuras e andavam tranquilamente pelo verde vivo. Mike sentiu vontade de fechar os olhos e voar junto com elas, mas se ateve a sorrir e continuar dirigindo.

— Não tem mistério, siga em frente que você saberá quando chegar. — ordenou Muriel virando para o lado para tirar um cochilo.

Passaram-se horas, e a bela tarde de sol se transformara em uma tarde cinzenta e de gelar a alma. Mike conseguiu apanhar suas luvas no porta-malas, mas mesmo assim estava frio e ele de repente viu uma estrutura enorme se aproximando no horizonte.

Era uma espécie de mosteiro, daqueles de orientação católica, mas mais parecia um castelo sinistro, pensou Mike. Era marrom e parecia ser bastante antigo, ficando em cima de um morro. Ele cutucou Muriel, que deu um pulo.

— A entrada fica a esquerda. Aquela pequena cerca. Esta vendo? — ela apontou para uma minúscula cerca coberta por vegetação — Precisa descer pra abrir aquela porcaria.

O carro balançou muito na estrada de terra que levava ao mosteiro, a cada batida Muriel soltava um palavrão. Mike parou o carro um pouco antes de uma multidão de pessoas usando roupas de monge.

— Quem são eles? — perguntou curioso, quando Muriel deixou o carro.

— Futuros padres, talvez, quem sabe? — ela acendeu um cigarro e fez uma careta para que Mike se apresasse.

Eram todos jovens monges, alguns até mais novos que Mike, se isso era possível ou permitido.  Havia uma enorme escadaria de pedra que parecia ser o único caminho até a entrada do mosteiro. Muriel precisou de ajuda, subir todos aqueles degraus naquela idade se tornou algo sacrificante.

A porta de entrada chegava a ser ridícula de tão velha, era preciso segurar na alça de metal e bater na madeira milenar para que alguém aparecesse.

— Com medo? — perguntou ela, tentando manter sua postura, mas a verdade era que Muriel não se agüentava em pé.

— Do lugar? Não — ele a observou. — De ter que carregar você no colo? Sim.

Os dois riram, mas a porta se abriu quase que de imediato.

— Sejam bem-vindos! — falou um rapaz de rosto esquelético.

Imediatamente a barriga de Mike começou a roncar, assim que entrou um cheiro forte de pão e café invadiu suas narinas com força. Para tristeza de Muriel havia mais escadas pela frente, dessa vez em espiral.

— Deus do céu! — exclamou a velha olhando as escadas. — Tinha me esquecido dessas!

O homem ossudo amarrou a cara quando viu Muriel acendendo um cigarro.

— Aqui dentro é proibido fumar senhora, me desculpe...

— Você não vai tirar esse prazer de uma velha cansada, vai? — atacou Muriel sem paciência.

— Receio não poder permitir...

— Ah, que se danem vocês com suas regras! — resmungou ela, mas atirando o cigarro no chão — Não conseguem construir um maldito elevador e ficam ainda com suas frescuras...

— Muriel vamos! — chamou Mike completamente envergonhado, ajudando sua tia-avó a seguir em frente.

Os jovens monges olhavam intrigados para Mike, a maioria era magricela e se impressionavam com o rapaz. A reação dos monges fez com que ele se perguntasse o que levava alguém a abandonar uma vida normal para viver em um lugar daqueles. O estranho era observar que nenhuma daquelas pessoas parecia arrependida ou triste, muito pelo contrario, pareciam carregados de uma energia positiva ilimitada.

Muriel recebeu ajuda para subir as escadas, mas mesmo assim não foi nada fácil, no final Mike sentia seus músculos gritando por socorro. A velha precisou sentar no chão quando chegaram ao andar que ela dissera ser o correto, o rapaz só estava ali para obedecer, sem perguntas.

— Vá na frente, aquela porta no final, seja educado...Por Deus! Não passo de hoje — bufou a mulher exausta, um monge lhe trouxe um copo de agua e massageou as costas da velha, que tentava se livrar dele como podia.

Mike fez o máximo para não rir da cena, respirando fundo, seguiu até o final do corredor onde uma porta cinza e escura estava entre aberta. Havia algo pesado no ar, como se seu corpo se recusasse a prosseguir, foi educado em bater na porta, mesmo estando aberta. “Foi o que ela me pediu”, pensou.

— Entre de uma vez! — berrou uma voz impaciente, Mike virou-se para ver se Muriel estava no mesmo lugar, pois a voz era muito parecida com a sua.

A porta rangeu o máximo que podia, Mike nervoso imaginou a mesma despencando, como se pudesse causar um barulho maior e mais constrangedor. O cômodo era pouco iluminado e a única janela estava coberta por uma cortina escura e pesada. Não era grande, mas havia uma mesa enorme encostada no fundo, onde velhas senhoras estavam sentadas de frente para porta, como se Mike fosse o próximo candidato a se apresentar, e pela expressão de algumas, ele estava bastante atrasado.

Pareciam múmias, relíquias vivas. Sete velhas senhoras sentadas de frente para ele, com seus cabelos alvos reluzindo no lugar mal iluminado. Havia uma espécie de símbolo na parede, algo que se parecia com um círculo, no centro estava uma estrela com sete pontas, em cada ponta tinha um símbolo esquisito desenhado, como uma espécie de numero quatro, os símbolos conhecidos do “feminino” e do “masculino”, uma pequena minguante e outras coisas que ele não conseguiu identificar.

— E você meu jovem, quem é? — perguntou a mais rechonchuda das velhas.

— Mike White — ele queria parecer seguro — Eu vim a mando de Muriel.

— E o que nós temos com isso? — rosnou a mais alta delas, que se encontrava no centro e tinha um nariz extremamente torto. — Muriel pensa que pode mandar seus moleques sem ao menos dar as caras?

Mike ficou extremamente sem jeito.

— Ora, por Deus Elizabeth, a cada vez que venho aqui você não consegue manter essa boca mofada fechada! — Muriel abriu a porta nervosa cambaleando.

A velha e alta senhora soltou uma exclamação aborrecida, olhando para as outras.

— E porque diabos não arranjam um elevador? Nem todas as pessoas moram aqui nessa prisão!

— Já chega Muriel! — ordenou uma senhora de pele escura, sua expressão era nervosa, usava óculos que pareciam ter escorregado até a ponta do nariz — Todas nós estamos aqui como combinamos, depois de muita discussão.

Todas se calaram, Mike sentia algo pesado na garganta, Muriel caminhou até seu lado e encarou as velhas de frente.

— Esse é meu sobrinho Mike, como lhes avisei. Eu acredito que possa entrar para nossa ordem.

— Sim, isso é o que você acredita, — desdenhou Elizabeth — Mas veremos.

— Ele não é muito velho? — perguntou uma velha gorducha, Mike não acreditou no que ouvira vindo daquelas pessoas.

— Já discutimos sobre a questão da idade, —começou Muriel — Mesmo que hoje a idade dez anos seja a mais apropriada, não podemos ignorar os que não tiveram a mesma oportunidade...

— Mas, por Deus, ele é seu sobrinho! Porque demorou tanto para trazê-lo? — perguntou a velha negra.

— Por favor, senhoras; não vamos voltar à discussão... Podemos começar a avaliação? — pediu Muriel.

— Pois bem... — resmungou Elizabeth, as outras pareciam um tanto inquietas. — Rose!

Na ponta esquerda uma velhinha dormia tranquilamente, era a mais antiga. Tinhas os cabelos brancos e bem compridos e Mike a achou meio engraçada. Quando ela abriu os olhos ele se espantou com o quanto eram azuis.

— O que foi? — perguntou ela, bastante sonolenta.

— Esse garoto, Rose, precisa ser avaliado... ROSE! — berrou Elizabeth nervosa, a velhinha havia adormecido novamente, mas despertara com o grito.

— Vocês estão eufóricas hoje, meu Deus! — resmungou Rose — Um bando de macacas velhas que não sabem a hora de relaxar e ficam fazendo barulho!

Rose pescou óculos de sua pequenina bolsa, e com as mãos tremula ela prendeu seu cabelo em um bonito rabo de cavalo.

— Venha para a luz meu jovem. — pediu tranquila, a lampada da sala iluminava somente o centro, então Mike deu alguns passos até ficar banhado pela luz amarelada.

— Só vejo músculos! — exclamou Elizabeth.

— Por Deus, fique quieta Elizabeth! Eu já lhe dei uma surra quando você era pequena e posso fazer de novo! — a mulher alta fechou a cara emburrada e virou a cara.

Rose estreitou os olhos analisando Mike, sua boca fazia desenhos engraçados.

— O que veio fazer aqui meu rapaz? — perguntou ela.

Mike piscou surpreso, olhou para Muriel por um instante.

— Muriel me disse que...

— Não quero saber o que ela disse, quero saber dos seus motivos meu jovem. — ela sorriu.

— Bem... Não quero ficar parado em relação às coisas que estão acontecendo lá fora, eu sinto... Sinto que posso fazer alguma coisa e acho que aqui vou conseguir.

As velhas cochicharam sem parar, Rose concordou.

— Você sabe sobre a ordem?

— Não... Muriel nunca me contou. — admitiu.

— E fez bem, se ela achou que não estava pronto. Às vezes a ignorância é a melhor maneira de sobreviver.

— E então? — perguntou, sendo direto.

— Quer saber da avaliação?

— Ela já acabou? — perguntou ele meio apreensivo.

— Ela começou assim que você pôs os pés nesta sala, mas ainda não terminou. — ela o encarou com seus olhos enormes. — Potencial o jovem tem de sobra, me lembra você Muriel.

Muriel revirou os olhos, mas se manteve calada.

— Mas não sei defini-lo. — e com isso todas as velhas começaram a discutir mais alto, pareciam confusas.

— Não sabe? — perguntou Muriel então confusa. — Como assim não sabe?

— Ora Muriel, eu faço isso há tanto tempo, o que te faz pensar que eu não posso falhar de vez enquanto?

— O que me faz pensar, é esse tempo todo que você tem! — resmungou.

— Ele tem o diferencial, que é o que normalmente procuramos neste caso, aquela coisa que o distingue dos demais... Porém, não poder defini-lo pode ser algo que pesa contra ele Muriel, eu sinto em dizer.

Mike não estava entendendo absolutamente nada.

— Se vão deixar nas mãos do conselho, eu peço então, que me deem permissão de tirá-lo do escuro. — pediu Muriel, um tanto humilde.

— Acho justo. — falou Rose, parecia que a velha iria adormecer a qualquer momento — Que vocês resolvam esse assunto.

Antes de fechar os olhos, Rose piscou para Mike.

— Mike, você quer saber o que é “A ordem”? — perguntou à gorducha.

— Sim, por favor... — respondeu, achando obvio demais aquilo tudo.

— Você já conhece os sete pecados não é Mike? — perguntou Muriel andando até as velhas senhoras.

— Preguiça, gula, luxúria, vaidade, avareza, inveja e ira. — falou a velha rechonchuda — Os sete pecados.

Mike assentiu.

— Sabe também que eles existem em forma humana, demônios encarnados, o puro pecado? — perguntou novamente Muriel.

— Sim.

Dessa vez todas se entreolharam.

— E o que você sabe sobre as sete virtudes Mike? — perguntou Elizabeth de repente.

Todos ficaram em silencio absoluto, Mike olhou confuso para Muriel, que não retribuiu seu olhar.

— Sete virtudes? Nunca ouvi falar. — deu de ombros.

— As sete virtudes são o oposto dos sete pecados — explicou a velha negra — É a cura para essa praga.

Mike continuou sem entender.

— Assim como existem pecados encarnados Mike, existem as virtudes. — completou Muriel. — Criados por Deus para combater os frutos do pecado de Adão  e Eva.

— Uma guerra, que se estende até hoje — falou Elizabeth.

— Mas... Como eu nunca... — tentou dizer ele.

— As virtudes não são um segredo, poucos sabem de fato, mas assim como os pecados, elas são citadas também na historia.

A cabeça de Mike girava.

— Para a Luxúria, Deus criou a Castidade — começou dizendo a gorducha — Para Avareza a Generosidade, Gula a Temperança, Preguiça a Diligência...

— Para a Inveja a Caridade, o Orgulho, ou, como chamamos agora, Vaidade a Humildade — continuou Elizabeth.

— E para Ira, Deus criou a Paciência. — disse Muriel bastante calma.

— Sua tia avó acredita que você Mike, seja esse último. — disse Elizabeth cruzando os dedos.

Muriel encarou a velha alta e fechou os olhos, aborrecida.

— Nunca se perguntou o porquê de você e a Ira terem essa ligação? Porque você sente que esse pecado é uma ameaça maior que todos os outros?

Tudo engrenou com facilidade na mente de Mike, de repente as coisas faziam sentido. Desde o primeiro instante que os dois se conheceram, ele sentira aquele ar de ameaça, algo que precisava ser vencido, mesmo que ele e Richard nunca mais se encontraram, ainda podia sentir sua presença, ele o assombrava.

Mike ficou estático.

— Você nasceu para eliminá-lo Mike, ele é seu oposto. — falou Muriel vagarosamente.

— E você sabia disso desde quando? — perguntou ele sedento por respostas.

— Tinha minhas suspeitas que você e Cherry nasceriam assim, graças ao nosso sangue...

— Sangue?

Elizabeth riu.

— Muriel é a virtude encarnada da generosidade.

Mike arregalou os olhos totalmente surpreso.

— Generosi...

— Algum problema nisso? — perguntou Muriel nervosa.

— Não. — respondeu imediatamente, mas procurou se lembrar que mesmo com o comportamento explosivo da mulher ela o acolhera em sua casa, e a Luca também. Era realmente difícil de absolver essa ideia, mas no final ela era uma pessoa generosa.

— Não são todos que nascem com a virtude, na verdade são extremamente raros os casos. — disse a rechonchuda. — Mais uma semelhança com os pecados...

— Porque não posso participar? — perguntou exasperado, quase deu um passo à frente — Se existe a possibilidade, porque não deixar eu ao menos tentar?

— Não é tão simples Mike... — suspirou Muriel.

— O fato de não podermos defini-lo faz toda a diferença! — rosnou Elizabeth impaciente.

Mike queria manter a calma o máximo possível.

— Quando não conseguimos identificar a virtude significa que ela não despertou. — falou a negra.

— Como assim? — ele sentia a oportunidade escapando de seus dedos.

— É o mesmo que aconteceu com seu pai Mike, a virtude esta em nossa família. Mas não basta estar no sangue, ela precisa estar desperta no corpo — tentou explicar Muriel, perto das outras velhas ela parecia uma mulher pacifica e carinhosa.

— Se ela não desperta passa para próxima geração, provavelmente atingindo seus netos! — falou a velha gordinha como se estivesse guinchando.

— E se não estiver desperto... — pensava ele.

— Você é uma pessoa normal, — explicou Muriel — E uma pessoal normal jamais sobreviveria aos treinamentos desse lugar, mesmo para nós é muito cansativo.

— Eu gostaria, então, de saber... Que tipo de argumentos você usou para que eu possa entrar nessa ordem, porque até então eu estou tão convencido quanto elas. — falou Mike aborrecido cerrando os punhos, se sentia um completo inútil.

— O argumento da sua tia avó, é que ela acredita profundamente em você. — disse a velha negra com os olhos profundos.

De repente o peito de Mike, antes gelado e sem ar, ganhara um calor incomum, uma onda de morna. Muriel acreditava nele, mesmo que a regra o impedisse disso.

— Se ao menos ele fosse mais novo... — suspirou a rechonchuda — Poderia entrar na ordem da maneira correta.

— Maneira correta?

— Sim, como são raros os casos das virtudes encarnadas, com dez anos de idade ou menos, recebemos crianças que são possíveis candidatas a receber a virtude. — explicou Muriel olhando para cada uma das velhas com atenção.

Mike se lembrou de quando os demônios da Ira o perseguiram perto da casa de Muriel, tinha uma espécie de bebida que poderia lhe transformar em um deles, com a virtude funcionaria assim?

— Aquele livro que o Avareza queria uma vez, Muriel...

— Já lhe disse, são minhas anotações de tudo o que aprendi. — ela passou a mão na veia da testa. — Minha irmã tem o livro do pecado, e eu o da virtude... Mas não é isso que importa agora.

— Correto, a questão aqui é se Mike pode ou não entrar na ordem. E creio que todos aqui nessa sala sabem a resposta — falou Elizabeth decidida.

— Deixem o garoto entrar. — todas voltaram à atenção a velha Rose, agora desperta — Deixe que entre!

— Mas... Rose — tentou argumentar Elizabeth.

— Deixe que entre da maneira correta. — disse seria.

— Mas ele é muito velho, não vai suportar. Uma criança consegue se recuperar melhor dos danos, mas ele... — falou a gorda.

— É um risco que ele esta disposto a correr, não é meu jovem? — piscou Rose.

Mike concordou imediatamente, mal podia esconder sua alegria. Elizabeth bufou, as outras pareciam convencidas já que aparentavam respeitar a vontade de Rose.

— Você ficará aqui Mike, como combinamos — disse Muriel um tanto aliviada. — Mas não se esqueça que terá de voltar a Newcastle, continuar os estudos e cuidar de Luca.

Não importava agora, Mike estava feliz de ter sido aceito, o fato de que fora um tanto difícil de conseguir engrandeceu a coisa, suas expectativas aumentaram bastante.

— Desça pela porta a esquerda e mais tarde você receberá a devida orientação. — falou Elizabeth séria, havia uma porta de madeira no canto esquerdo da sala. — Isso não serão férias, acredite.

Ele só trouxera consigo uma mochila com um bocado de roupas e material para desenho, Muriel lhe disse que ficaria apenas uma semana, depois regressaria a Newcastle para voltar no final de semana. Seria uma rotina bem corrida.

— Escute moleque, — chamou Muriel baixinho, as velhas se levantaram e foram saindo aos poucos da sala conversando sobre coisas esquisitas. — Você busca alguma coisa, eu sei. Quero que se concentre no que você busca e nas pessoas que são importante pra você, esse sentimento, essa lembrança, transcende a tristeza, a raiva e a dor.

Mike observou Muriel, parecia exausta, mas um pouco alegre compartilhando o nervosismo do garoto.

— Obrigado, vou me lembrar disso. — ele sorriu, Muriel saiu da sala sem falar mais nada.

Ele se dirigiu até a porta, já não conseguia conter a felicidade.

— A coragem meu caro, é vista como uma grande burrice na maioria dos casos. — falou Rose ainda em sua cadeira, ela pescava balinhas de sua bolsa, parecia distraída. — Mas para mim, ela também é uma grande virtude.

O garoto assentiu, parecia meio bobo, abriu a porta e se deparou com escadas que desciam. Não importava, ele tinha um caminho definido agora.



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