Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 19
Capítulo 18 - No fundo do poço


Notas iniciais do capítulo

Vou pedir mil perdões pela gigantesca demora e por não ter revisado esse capitulo. Espero que compreendam. O livro Luxúria esta quase saindo, falta muito pouco mesmo!! Espero que gostem, pois essa continuação esta quase no final. Um grande abraço!!



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Já era algo costumeiro para Mike que depois dos chás ele tinha que arrumar toda a bagunça e ainda correr atrás de Luca, que sempre estava escondido em algum canto dormindo. Mas dessa vez era diferente.

— Você não precisa fazer tudo sozinho, meu amigo — disse Félix apanhando alguns pratos da mesa, Edgar também ajudava.

— Você realmente cozinha muito bem Mike — disse ele.

Sebastian estava deitado na grama, parecia dormir tranquilamente. Gasper mostrava algumas coisas que ele sabia fazer para Luca, parecia algum tipo de técnica para subir em árvores com maior agilidade. A criança sorriu para Mike como se lhe dissesse que estava aprendendo algo muito valioso.

— Sua irmã continua te defendendo não é? — disse Lena, ela se aproximou como uma felina.

— Eu não sabia que ela foi atrás de você — confessou — O que ela fez?

— Uma tremenda confusão — riu a garota — Eu pensei que ela fosse acabar comigo.

Mike também riu. Conforme ia arrumando as coisas a tarde terminava. Muriel na varanda balançava sua cadeira tranquilamente.

— Então você é o pequeno Luca — disse Sebastian quando a criança passou por ele.

Luca deu de ombros, mas Sebastian insistiu em uma conversa.

— Mais um menino perdido no mundo. Você é como eu, sem pais, vivendo da sorte e bondade de outras pessoas.

— Eu tenho um pai — falou ele — Mike é meu pai.

 Sebastian abriu um sorriso surpreso e encarou Mike.

— Ele não é muito jovem para ser seu pai?

— Não gosto de você — disse Luca de repente — Você é uma pessoa má!

Ele disparou para dentro da casa gritando algum tipo de língua esquisita, como se fosse de uma tribo. Mike escutou o que ele disse e não soube o que pensar, ficou estático. Sebastian foi até ele e sorriu.

— Que criança adorável — disse.

— Nossa Sebastian, você precisa realmente falar desse jeito? — perguntou Lena revirando os olhos.

— E de que jeito seria esse?

— Como se você vivesse no século passado — Mike riu do comentário, mas Sebastian não se abalou.

No colégio Saint Marrie as virtudes não poderiam chamar maior atenção. Mike chegou a pensar que fosse Gasper quem teria todas as atenções já que lhe faltava um braço, mas o preconceito pesou para o lado de Caleb. O jovem estava extremamente constrangido e usava um uniforme que estava muito folgado em seu corpo.

— Nossa a presença do pecado da inveja esta impregnado em todo o lugar — comentou Lena — Os meus olhos ardem.

— Posso sentir a Ira também, a sua presença não é tão forte — comentou Sebastian, que ao contrário de Caleb atraiu uma atenção positiva das garotas.

Passaram por todos os pecados e nenhum demonstrou perceber algo de incomum naqueles jovens. Mike ficou apreensível quando Alphonse se aproximou acompanhado de alguns professores.

— Adoramos a nova sala dos professores senhor Alphonse — disse uma professora animada, todos se esforçavam para acompanhar os passos do rapaz.

— E agradecemos por ter nos convidado para a sua festa de aniversário, foi muito... — o homem corou com algum tipo de lembrança.

“Professores também podem se divertir de vez em quando” foi o que Mike pensou ter ouvido Alphonse responder de primeira, mas a verdade é que ele disse:

— Professores também podem fazer sexo de vez em quando — e dizendo assim ele deu fim a companhia dos professores, mas não antes de piscar para Mike.

Tudo o que as virtudes faziam eram trocar informações sobre os pecados. Sebastian anotava muitas coisas, mas nenhuma informação era passada para Mike, aquilo o deixava extremamente incomodado. Nenhum deles parecia se importar com o fato dele ficar de fora dos planejamentos e só foram lhe dar atenção quando perceberam que ele estava rabiscando em seu caderno distraidamente, depois de desistir de tentar escutar qualquer coisa de seus sussurros.

— Temos um artista entre nós — comentou Félix, os cabelos arrepiados de energia. No desenho havia um de uma porta rabiscada várias vezes em seu contorno, e uma figura feminina na frente, como se ela estivesse se aproximando com cautela de algo desconhecido.

— O que é? — perguntou Lena.

— Não sei, eu tenho sonhado com essa porta... — disse Lee pensativo, a principio se assustou com a atenção que havia atraído.

— Não se esqueça da garota — disse Sebastian.

— A parte mais importante — comentou Félix com um sorriso enorme.

— Eu acho que é minha irmã, mas não tenho certeza... — falou.

Olhando para seu desenho ele procurou não dar muita importância ao significado de seu sonho e as virtudes rapidamente voltaram a conversar baixinho. Em seu lugar Mike teve recordações de Sarah, estavam exatamente no mesmo lugar onde os dois se conheceram. Um calor agradável passou por seu corpo. Naquele dia ele também desenhava em seu papel.

Voltaram ao mosteiro no final de semana, Mike dirigia na estrada enquanto Sebastian tagarelava sobre como ele achava a escola algo bastante atrasado. Lena lançava olhares provocativos para Mike e quando ele participava da conversa dando qualquer resposta que fosse a garota simulava uma gargalhada e batia na perna do rapaz, deixando por vezes a sua mão parada no mesmo lugar.

Mike a censurou com os olhos, rapidamente perdendo a concentração na estrada.

— Por deus, controlem seus hormônios ao menos na estrada! — disparou Sebastian e todos no carro riram.

Permitiu-se distrair por alguns instantes na estrada, o que Sophie lhe contara sobre Muriel lhe consumira todo o tempo e ele tinha medo que aquela preocupação fosse notada. Passaram rapidamente pelas escadarias, agora Mike se movimentava de uma maneira estranhamente veloz.

Não houve descanso algum, assim que chegaram todos se direcionaram ao imenso campo. Atravessaram a floresta antes disso, e já não era possível ver nenhum monge por perto, o que deixou Mike um tanto aflito, pois o lugar era silencioso demais.

— O que tem aqui? — perguntou — É tão quieto...

Edgar chegou próximo dele, amarrara um pano cobrindo sua cabeça.

— Existem duas entradas para o mosteiro — ele coçou a barriga — A porta que sempre usamos e a floresta.

— A floresta é a porta para outro tempo — disse Lena — Não estamos mais no presente.

Mike observou o céu. O que teria aquela época de tão diferente a ponto de mudar todo o ambiente? A brisa soprou gélida e todos se separaram, uma distancia esquisita que ele procurou fazer o mesmo.

Félix avançou deixando seus cabelos arrepiados balançar com o vento, seu rosto fino avançou para frente, mas pareceu que o resto do corpo ficara para trás. Foi tudo muito rápido e o que acontecera foi que o jovem se movimentara em um velocidade incrível e que Mike não pode acompanhar.

— Vai chegar a sua vez cara! — disse ele ao seu lado, antes estava metros de distancia. Mas Mike não sabia o que diabos iria fazer quando chegasse sua vez.

— Félix que grande apresentação, você deu dois passos e se deu por satisfeito? — disse Sebastian.

Depois de dizer aquelas palavras o corpo do jovem se encheu de luz e em poucos segundos já não era possível ver seu rosto. Ele estendeu a mão e Mike pode sentir um solavanco brutal que o empurrou, mas o alvo daquela força era Félix, que foi erguido no ar e teve seu corpo arremessado com violência contra o chão, como se uma mão gigantesca e invisível estivesse ali.

— Pegar leve. Sebastian nunca soube o que isso significa — resmungou Edgar e assim enfiou sua mão na terra e em um movimento levantou uma pedra gigantesca que estava enterrada no chão.

Antes que pudesse acertar Sebastian ele desaparecera. Mike pode sentir algo subindo por sua espinha ele virou-se, lá estava o ser de luz, a poucos centímetros dele.

TUM

Félix acertara o jovem em cheio fazendo o clarão desaparece muitos metros a diante. Agora foi Gasper que se movimentara, dando alguns passos para frente, ele mexia os dedos da sua única mão e abriu um sorriso.

— Hora de sair fora! — avisou Félix correndo, mas foi tarde demais. Gasper estendeu seu braço, a mão aberta em sua direção.

Foi como um zunindo em um disparo. Uma luz rompeu da palma de sua mão, era intensa demais, acertando Félix nas costas. O disparo era tão poderoso que Gasper era impulsionado para trás. Quando Mike reparou que o jovem apontava para ele tratou de pular para o lado.

Ao longe uma explosão causada pelo disparo de Gasper. Mike Levantou do chão, precisou se esquivar mas uma vez, dessa vez Edgar arremessara mais uma rocha, o alvo era Gasper, mas Mike estava na frente.

Ele cerrou os punhos e golpeou a gigantesca rocha que se partiu em vários pedaços.

UHUUUL!

Os jovens uivaram empolgados. Sebastian caminhava tranquilamente de volta, como se nada tivesse acontecido. Demorou muito pouco para que Mike visse Gasper e Edgar desaparecendo de vista graças ao poder de Sebastian. Lena e Caleb continuavam parados sem fazer nada.

— Então isso é um treinamento? — perguntou Mike aflito quando viu Sebastian caminhar em sua direção. Mas depois de ouvir aquilo ele parou — Treinamento? Só estamos matando o tempo enquanto eles não chegam.

— Eles?

 Ninguém ali precisou dar qualquer explicação, pois foi fácil sentir a presença se aproximando com rapidez. Contornando as árvores e fazendo muito barulho, um grupo de jovens montando cavalos surgiu. Usavam armaduras reluzentes e traziam consigo uma bandeira esquisita. Ao avistarem Mike e as virtudes pararam imediatamente.

— Quem são vocês? — o que estava mais a frente lançou a pergunta com ferocidade na voz. Usavam armaduras reais que cobriam a todo seu corpo com exceção de suas cabeças. O rapaz tinha um cabelo loiro empoeirado e uma pele branca, mas rosada pelo dia.

Não houve resposta alguma.

— Camponeses imundos, não possuem língua para responder a uma simples pergunta? — perguntou outro jovem, que trotou com seu cavalo em direção a eles. Mike notou o forte sotaque inglês.

— Quem são? — perguntou Mike baixinho para Félix seu lado.

— Alguns jovens da Idade Média — explicou.

Mike não conseguiu esconder sua surpresa dessa vez e Sebastian riu.

— Lhe contamos que o mosteiro é um lugar onde o tempo se perde... esse é o passado, como foi explicado — disse ele, mas sem aumenta RO tom de voz.

— Os bastardos estão ignorando nossa presença aqui! — anunciou o ultimo dos jovens.

Não eram normais, Mike podia sentir isso. O olhar, o cheiro, a forma como diziam as palavras em tom tão perigoso. Se tratavam de pecados.

— Pecados? — quis confirmar.

— Sim, são criações de Ira — explicou Félix com olhos atentos — Não são poderosos, mas precisamos ficar atentos ao criador deles, não deve estar muito longe daqui.

Ele passou a entender. Aqueles jovens seriam como as criações de Richard, demônios da Ira que em outrora eram jovens comuns. Não tinham o pecado encarnado a força sem em seus corpos como Richard tinha, mas eram perigosos do mesmo jeito.

— Até mesmo nessa época alguém foi capaz de encarnar um pecado no corpo de alguém? — disse ainda surpreso.

— É um conhecimento que é sempre repassado — disse Sebastian, pela primeira vez realmente interessado na conversa — Mas é um mistério a origem desse conhecimentos. Se pararmos para analisar os registros que temos...São sempre humanos, como a sua avó, que adquirem o conhecimento de encarnar um pecado, mas como adquiriram essas informações?

— Não temos tempo para isso! — falou Gasper, notando que o loiro descera de seu cavalo e retirara sua longa espada.

— Irei puni-los por invadir nossas terras, mas acima de tudo por ignorar nossas ilustres presenças — disse o jovem brandindo a espada, Sebastian era o seu alvo.

A grama levantou um o movimento impossível. Reluzindo com intensidade divida, uma outra espada defendeu o ataque. Era fina e luminosa, Lena a segurava junto com um sorriso confiantes.

— Faça alguma coisa á respeito das armaduras, sim? — pediu Sebastian calmamente.

Os outros pecados desceram de seus cavalos e retiraram suas espadas berrando enlouquecidos. Lena movimentou-se com agilidade e graça, a lamina de luz cortava as armaduras uma a uma. As partes caíram pesadas no chão, era incrível a precisão dos cortes.

— Admito que a tentação de corta-los por completo é muito grande! — disse ela quando retornou rapidamente para o lado das virtudes.

Sebastian soltou uma risada e movimentou seus braços mais uma vez mandando para longe dois jovens. Mike conseguiu contar dez pecados ao total, mas ele sabia que aquele numero iria diminuir naquele momento.

Ele não ficou como expectador.

Um jovem enorme partiu para cima dele, não possuía uma espada, mas sim uma clava. Lena não cortara a armadura desse rapaz, mas Mike conseguiu se livrar do ataque. Flexionou suas pernas, seu braço posicionou-se como se estivesse puxando algo, o punho cerrado. O momento foi propenso para que ele liberasse um soco certeiro no peito de metal.

O jovem tombou com os olhos fora de órbita, em seu peito estava a marca do punho de Mike na armadura retorcida. Gasper passou por ele e bateu em seu ombro dando congratulações. Mas a batalha não acabou.

Félix corriam a toda velocidade, derrubando-os em rasteiras, enquanto Gasper atingia um ou outro com o seu feixe de luz.  Mike apanhou um pecado pelo braço e o girou antes de manda-lo para o alto, Edgar o apanhou ainda no ar e enterrou o jovem bem fundo na grama. Como se tratava de pecadas, seus corpos tinham uma resistência muito maior, então havia a certeza de que poderiam levantar a qualquer momento.

Os cavalos assustados começaram a correr para longe. Reparando no que haviam se metido, os jovens tentaram correr, mas foi inútil porque Sebastian os segurou. Félix e Edgar cuidaram do restante, não foi rápido, mas o trabalho não era fácil já que havia a força exagerada da ira presente. Lena, por fim, precisou cortar o braço de um deles. Mike não conseguiu ver muito bem, mas de longe parecia a luz da espada fosse uma brasa poderosa.

O lugar foi silenciando aos poucos.

— Desculpe, prometi que não haveriam retaliações — disse Lena juntando-se ao grupo.

— A sujeira é muito grande — explicou Félix.

Sebastian ainda segurava um jovem no ar. Ele não gritava, parecia que uma mão invisível tampava a sua boca.

— Você ai matá-lo? — perguntou Mike meio aflito.

— Não — mas a expressão de Sebastian por um momento lembrou uma criança que brincava de queimar uma formiga com uma lupa — Geralmente não matamos criações... recentemente abrimos exceções, mas foram casos especiais.

Pela primeira vez Caleb se aproximou e ao ver isso Sebastian desceu o jovem, mas não antes de soltar um suspiro.

— Faça seu trabalho — disse ele.

O rapaz de pele escura e talhada levou os seus dedos cumpridos aos ouvidos do jovem pecado. Ele fechou os olhos e disse alguma coisa que Mike não entendeu, mas em seguida uma fumaça vermelha deixou a boca do jovem, que se fosse expulsa do corpo.

— O que diabos... — começou a dizer Mike assustado.

— Caleb tem a habilidade de remover um pecado do corpo de uma pessoa — explicou Sebastian.

O jovem caiu na grama, parecia desmaiado. Caleb foi em direção aos outros pecados e fez o mesmo.

— Então... Caleb pode acabar com tudo isso? — perguntou Mike acelerado.

— Não seria ótimo? — brincou Félix — Mas não é bem assim...

— Caleb pode expulsar a influencia do pecado do corpo de alguém — falou Sebastian — Existem três tipos de pecados em pessoas: A primeira é um pecado original, que consideramos um demônio de verdade já que a pessoa nasce com esse mal — ele continuou — O segundo é o pecado encarnado, que apesar do nome significa que a pessoa participou de um processo para adquirir o pecado em seu corpo, como uma possessão ou algo do tipo.

Sebastian chutou uma espada no chão.

— Por ultimo são os pecados influenciados por outros pecados. Esses são os subjulgados que obedecem a um pecado encarnado ou original, são como cães.

Mike já sabia disso e não escondeu o seu desapontamento em saber que não seria possível em dar um fim nos pecados de uma maneira tão simples.

— Ainda tinha mais um! — falou Caleb de repente, apontava para longe dali. Era possível ver alguém em cima de uma cavalo, mas estava correndo e ganhava distancia cada vez mais.

— Droga! — resmungou Sebastian.

Sem esperar qualquer ordem e comentário Mike começou a correr com todas as suas forças. No momento certo ele flexionou as pernas e saltou vários metros a frente, vento assobiando enquanto ele estava no ar até arranhar seu rosto conforme ele voltava para o solo.

Precisou saltar mais três vezes até alcançar o cavaleiro. Esticou o braço e em um gancho certeiro ele derrubou o jovem de cima do cavalo. Ele se debatia em fúria, era bem forte e tentava saltar também, mas Mike o abraçou bem firme e não deixou que fugisse.

— Muito bem Mike! — disse Félix já conseguindo o alcançar.

Reuniram todos os jovens desacordados e retornaram a floresta. Sebastian explicou que em poucos minutos o pecado da Ira responsável por dar poder aos jovens cavaleiros e que não era aconselhável enfrentá-lo, pois se tratava de alguém importante para a história do lugar. No caminho de volta Lena tagarelava sobre a luta e Félix comentava empolgado.

— Gostaria de ter feito mais — acrescentou Mike de repente — Mas ao que parece eu não possuo nenhuma habilidade fantástica.

As virtudes trocaram olhares perplexos como se ele tivesse dito algo do outro mundo.

— Você esta brincando, não é? — perguntou Lena, Mike percebeu que todos o encarava.

— O que? — teve medo de ter quebrado alguma regra maluca.

— Vai dizer que não lembra o que você fez? — Sebastian fez a pergunta deixando uma risadinha escapar — Sua expressão já me deu a resposta.

— Nunca vi alguém correr tão rápido — falou Edgar de repente.

— Você desapareceu, nem Félix conseguiu acompanhar seus movimentos — disse Gasper.

— Por alguns segundos! — disse Félix com a cara amarrada. Mike não havia notado que naquela hora ele se movimentara tão rápido. Aquilo o deixou orgulhoso.

As coisas deixaram de ser tranquilas no mosteiro e passaram a ganhar um ritmo frenético. Todos os dias atravessavam a floresta para um tempo diferente, algumas vezes encontravam com facilidade alguns pecados causando problemas, outras vezes tinham que viajar por um longo caminho.

Nenhuma experiência fora tão bizarra quando o exército de um homem só. As virtudes e Mike encontraram um pecado da Gula que saqueou várias cidades das redondezas utilizando muitas cópias de si mesmo. Foi estranho, mas não tão desafiador quanto foi o encontro com um grupo de luxúrias em plena tempestade.

Lena ficou gravemente ferida e Mike conseguiu nocautear dois deles, é claro que se tratavam de pecados inferiores, mas o trabalho foi enorme. Uma pessoa á menos no grupo não foi motivo para as excursões pararem, Sebastian estava convencido que encontrariam avarezas.

— São difíceis demais de se encontrar, mesmo a inveja que pode se transformar em outra pessoa não é tão difícil — mas não obtiveram nenhum sucesso.

De noite Mike caminhava até a sala de banho. Gostava de esperar até que a maioria dos monges fosse em borá, pois era estranho demais para ele dividir aquele momento íntimo. Ficou surpreso ao ver Sebastian.

A sala de banho era escura e tinha bastante vapor. Todos tinham que se banhar na enorme banheira que havia no chão, a água batia até o peito e era gélida depois do horário normal. Sebastian estava lá de braços cruzados na beira, jogava xadrez sozinho, contemplando cada peça. Mike sentiu vontade de dar meia volta...

— Não vá, eu ainda vou demorar bastante com o meu jogo — Sebastian ainda observava as peças — Se não quiser ficar sem banho é melhor entrar.

— Precisa fazer isso aqui? — perguntou Mike desconcertado e começando a se despir.

Sebastian espiou brevemente o jovem nu e sorriu.

— Ambientes incomuns costumam aguçar ainda mais meus pensamentos. — ele movimentou uma peça para fora com o seu poder.

Aquilo ainda surpreendia Mike.

— Me responda Mike — começou a dizer — Você já me desculpou por ter usado a sua irmã para conseguir meu objetivo?

Mike já estava dentro da água, estava escuro demais e quieto, apesar das gostas caindo. Ele suspirou.

— Eu sei que perdi o controle quando gritei com você...mas não posso dizer que me arrependo — admitiu ele, lembrando quando Sebastian contou o verdadeiro objetivo daquele chá da tarde.

— Sinceramente não esperava que fosse tão simples, mas imaginei que a preguiça ao menos teria curiosidade de vasculhar a mente dela, provavelmente a mando de Alphonse. Tanto faz — ele encarou Mike — O importante é que eliminamos uma importante peça nesse jogo e não existe mais nada que nos impeça de prosseguir com nosso plano.

Sebastian fitava Mike do outro lado da gigantesca banheira cavada no chão. Era desconcertante demais aquele momento.

— Gostei muito do seu desempenho nesses dias Mike — Sebastian mergulhou rapidamente — Normalmente o restante do grupo não consegue acompanhar a minha motivação, mas você parecia uma maquina de lutar.

Mike riu, mas se assustou quando Sebastian nadou para sua direção. A água gélida quase fazia o seu queixo tremer. O jovem de cabelos loiros quase brancos tinha um olhar bem estranho, não era normal. Sua pele era branca ali naquela escuridão.

— Começo a confiar realmente em você — disse ele parando no meio do caminho — Posso cogitar a ideia de incluir você nas missões realmente importantes...

— E que missões seriam? — perguntou ele interessado.

— Christopher, o avareza — ele afundou um pouco o seu rosto e entrou Mike como um predador, depois levantou — Começaremos nosso ataque por ele e já posso adiantar que não será nada fácil.

— E quando será?

— Se acalme... — ele se afastou de Mike e encostou-s novamente, suas costas reluziam — Amanhã você tira o dia de folga e fica de olho na Lena, os ferimentos foram sérios, mas acho que ela se recupera.

— E vocês? — perguntou meio aflito por perder uma missão e deixando Lena de lado — O que farão amanhã?

— Vai ser uma missão diferente das outras, você vai ver...

Pela manhã Mike bateu na porta do quarto de Lena. A garota tinha muitas faixas no corpo, o quarto era escuro como o dele, mas se enchia de luz com a energia intensa que rompia do corpo da garota. Ela não estava acordada.

— Esta se recuperando lentamente — disse Caleb, assustando Mike que não sentira a sua presença.

— Você não vai com Sebastian e os outros? — perguntou Mike curioso.

Caleb lhe lançou um olhar reflexivo.

— Não dessa vez, mas não há mais tempo para acompanha-los...sinto muito — Caleb se esforçava sempre para falar em inglês e já era possível notar melhorias.

Mike novamente não conseguiu controlar sua insatisfação. Não queria estar ali olhando Lena se recuperar lentamente, ele  queria estar na ação. Porque Sebastian não o procurou quando Caleb anunciou que não iria?

— Mike... — começou a dizer o jovem, mas o gemido alto de Lena o interrompeu.

Rapidamente os dois trataram de cuidar dos ferimentos. Com o tempo as queimaduras desapareciam graças ao poder de uma virtude, mas a garota dormia profundamente. Mike cruzou os braços fingindo observar Lena na cama, Caleb estava silencioso ao seu lado.

— Nas cidades... — Caleb tentou novamente, mas dessa vez ele respirou fundo e soltou tudo o que tinha para dizer — Nas cidades os pecados nãos e arriscam tanto e precisam esconder suas atividades para não chamar atenção. Mas isso é diferente em outros lugar...

Mike ficou surpreso com a fala de Caleb, conseguindo finalmente se comunicar corretamente.

— Eu vim de uma tribo e posso dizer que em lugares tão isolados do mundo o ser humano pode perder os fatores que os separam de animais. Tudo com um simples sussurro de uma inveja uma líder de tribo assassina todos ao seu redor... com a fúria de uma ira florestas inteiras são devastadas. Os poderes dos pecados podem enlouquecer essas pessoas que não sabem com o que estão lidando — Caleb continuou — Só que diferente da cidade, coisas ruins assim não se propagam, elas terminam onde começam. A natureza cuida para que ela aconteça isoladamente e mesmo que uma tribo inteira seja massacrada por conta de um pecado, nada influencia em outras tribos, pois essas se encontram incrivelmente longe uma das outras.

Não estava claro porque ele estava contando aquilo, mas Mike sabia que era sábio aguardar que o final da história.

— Na cidade tudo é muito intenso. Um pecado tem as suas ações propagadas sempre, com um simples ato. O fogo na cidade é muito mais devastador do que na natureza, pois é um lugar que nasceu da destruição de algo — ele apertou seus dedos ossudos — E as cidades são ligadas umas as outras. Uma chacina provocada por um pecado não terá fim somente no seu até o seu ato, ela vai atingir muito mais do que deveria. É uma mensagem que instiga vingança, desespero, guerra.

Ele olhou para Mike, olhos profundos e enormes.

— Cidades são perigosas e despertam o seu pior — disse em tom de aviso — O exílio as vezes é a única solução.

— Acho que essa é uma visão meio exagerada — Mike não conseguiu se calar — É normal que você pense assim já que é uma diferença muito grande de um lugar para o outro... imagino que seja um mundo totalmente diferente.

— Você não compreendeu o que eu disse e o significado de cidade... — Caleb aos poucos voltou à postura calada de sempre, deixando o assunto incompletos.

O dia passou com lentidão. Mike já não suportava mais ficar no mosteiro.

— Se essa for a sua vontade, vá — falou Caleb, pela primeira vez demonstrando outra emoção que não fosse calma.

A vontade que Mike tinha de participar daquela missão era tão grande que ele não se importou com aquilo.

— Mas como eu vou alcançá-los? — ele sabia que se atravessasse a floresta iria parar em uma época aleatória.

— O segredo é você estar certo do que busca. A floresta vai te guiar para época apropriada — explicou Caleb.

— Obrigado!  — disse ele disparando pelas escadas. Podia sentir seu corpo leve como nunca, seus pés quase tocavam o chão tamanha era a sua velocidade. Só optou por diminuir quando chegou na floresta.

Pensou em Sebastian e os outros e como gostaria de encontrá-los. Caminhou com esse pensamento até o final. Havia uma cabana muito próxima a floresta e Edgar recolhia um monte de lenha espalhada pelo chão. Era impossível determinar em que época estavam.

 — Mike? — disse Félix, estava sentado na grama ao lado esquerdo e viu quando o jovem saiu da floresta — O que esta fazendo aqui?

— Resolvi ver como estão as coisas — falou meio desconcertado, mas ele esperava uma piada em resposta. A expressão preocupada de Félix o pegou de surpresa.

— Não era pra você estar aqui — disse ele — Não nessa missão meu amigo...nessa não.

Edgar viu os dois conversando e disparou em sua direção.

— Mike! — falou surpreso — Como descobriu chegar aqui?

— Caleb me explicou como funciona a floresta, mas eu tentaria de qualquer jeito... Não aguentava mais ficar aguardando.

Edgar e Félix trocaram olhares preocupados. Um clique indicou que a porta da cabana fora destrancada por dentro. Sebastian saiu, suas vestes brancas foram chamuscadas por alguma coisa. Observou Mike com uma expressão dura, mas rapidamente retornou ao seu sorriso desdenhosos de sempre.

— Você e sua irmã estão sempre atrás do coelho branco, não é? — comentou.

— Como esta Lena? — perguntou Edgar.

— Melhor —mentiu Mike — Sobre o que é essa missão?

Sebastian encarou Edgar e Felix, mas esses desviaram o olhar. O jovens magro parecia um tanto exausto, mas de alguma forma impetuoso, como se fizesse algo que exigisse muita energia, mas que era necessário. Mike lembrou de seu pai, quando sua família passava um tempo nas montanhas e ele retornava cansado com um monte de peixes, mas a sua expressão era de grande satisfação.

— Que se dane, eu confio em você Mike — disse Sebastian — Você provou ser bastante útil e demonstra uma vontade voraz de ser um de nós.

— Eu...não sei se concordo com isso — falou Edgar.

— Concordamos que nessa missão eu daria as ordens, porque provei ter controle da minha mente nesses casos — disse Sebastian ríspido — Entre Mike.

Era uma cabana com um cheiro forte de mofo. A cada passo o piso de madeira velha cantava uma marcha fúnebre. Passaram por uma pequena cozinha que tudo indicava ter sofrido um incêndio. Pararam em frente de uma porta. Quase imediatamente Gasper saiu completamente coberto de suor. Sem a camisa ele exibia algumas queimaduras, semelhantes a de Lena.

— Era uma missão de alto risco — contou Sebastian, ignorando a surpresa de Gasper ao ver Mike naquele lugar — Tudo o que tínhamos eram pistas de que esses pecados apareciam por essas redondezas e foi extremamente difícil capturá-los, mas uma grande vitória.

Os olhos de Mike miraram a porta fechada ao seu lado. Havia ali pecados perigosíssimos até para Sebastian e Gasper lidar.

— Veja! — Sebastian empurrou a porta.

Era um quarto com uma lâmpada que se desprendera do teto e se sustentava por fios velhos. A luz amarela e fraca iluminava o centro, onde havia três cadeiras. Mike caminhou com cautela, não conseguia enxergar direito quem eram as pessoas que estavam ali sentadas, a escuridão as ocultava.

Mas quando ele se aproximou o bastante, seu coração gelou.

— Deus... — falou assustado, seus olhos surpresos.

Eram três crianças, todas com um saco preto cobrindo suas cabeças. Eram bem jovens, poderiam ter seis ou sete anos. Pés e mãos amarrados com alguma coisa que não era corda, mas parecia bem resistente. Mike imaginou que seria algo feito com borracha.

Ele tombou para trás.

— São crianças! —disse tremendo.

— Mike — falou Sebastian sério — Não são crianças, são pecados.

As crianças pareciam desacordadas e amolecidas na cadeira. Algo desesperador tomou o corpo de Mike.

— Onde esta Caleb? Por que ele não foi chamado para retirar o pecado? — a voz dele estava alterada e aquilo incomodou Sebastian.

— Não há necessidade alguma de Caleb aqui, porque são pecados originais Mike! — falou ele nervoso.

Mike se levantou e encarou Sebastian de frente, não recuando um milímetro se quer.

— E o que você quer dizer com isso Sebastian? — disparou — Vai matar essas crianças?

— São pecados.

— SÃO CRIANÇAS! — berrou, ele olhou para trás e Félix e Edgar estavam lá — Isso é algum teste? Não podem estar falando sério.

Os dois desviaram o olhar. Ele sentiu uma tonteira esquisita, parecia um pesado e tudo se tornara sombrio. Observou Sebastian analisando a sua atitude, o seu rosto não era tão angelical como antes, estava detalhado demais e faltava luz. Não havia hesitação alguma naquele olhar. Estava certo do que era preciso ser feito.

— Você realmente pensou que nunca seriam crianças? Mulheres? — falou Sebastian em um tom sóbrio — Esse é o nosso trabalho Mike. Exterminá-los!

A mão pesada de Edgar repousou em seu ombro, guiado pelo olhar de Sebastian como uma ordem para retirar Mike daquele lugar. As três crianças continuavam desacordadas. Encostado na parede do quarto havia um machado enorme, parecia ter sido usado diversas vezes. Ele vomitou.

— Tire o daqui de uma vez! — ordenou Sebastian.

A tarde se fora. Mike não iria voltar pela floresta de noite, ele dormiu na grama junto a Edgar e Félix, enquanto Gasper e Sebastian permaneceram na casa. Ele tremia, se sentia sujo demais.

— Meu deus! — dizia baixinho levando as mãos a cabeça. Olhava para os lados, a névoa da madrugada chegava devagar. Ao longe era possível ver uma tempestade nervosa se aproximando, os trovões não foram o bastante para acordar Edgar e Félix.

Luca veio a sua mente. Eram apenas crianças, poderia ser o pequeno Luca amarrado. Seus olhos nãos e fechavam, seus pensamentos não o deixaram dormir. Começou a chover com força e ele se encolheu. Identificou a presença de Sebastian e Gasper dentro da cabana, e permaneceu atento á elas. De repente os dois deixaram a cabana, mas não pela frente e sim por trás.

Mike imediatamente se pós de pé. Passou tão rápido por Edgar e Félix que a grama nem se mexera. Disparou pela cabana e entrou dentro do quarto, sua velocidade fora do normal fez com que a lâmpada estourasse. As crianças estavam acordadas e começaram e gemer de medo.

Havia algo em volta delas dessa vez. Era uma energia esquisita, como aros dançantes de energia pura. Um era azul, outro esverdeado e outro dourado. Protegiam as crianças.

Mike concluiu que Sebastian e Gasper saíram para buscar uma forma de chegar até as crianças. Ele sabia que aquela energia viera junto a tempestade, pois aquilo fortalecia o pecado da Luxúria. Ele deu um passo para frente e a energia ficou mais forte.

— Escutem! — disse ele apressado — Eu não vou machucá-los!

A energia continuou.

— Preciso tirar vocês daqui, mas pra isso precisam remover essa barreira!

Não houve resposta. Mas as virtudes poderiam voltar a qualquer momento. Ele não teve tempo para pensar e caminhou em direção a eles. A dor era alucinante demais, todo seu corpo gritava em desespero. A cada passo que ele dava era doloroso e se Mike fosse uma pessoa comum já teria desmaiado.

Quando alcançou os três a energia desapareceu. Sentiu algo esquisito, como se sua mente estivesse mais leve e livre de preocupações. As crianças não pareciam preocupadas como antes. Não havia tempo para ele supor coisas, precisava desamarra-las.

— Vou tirar isso de vocês — arrancou rapidamente o material de borracha, seu corpo estava dormente. Optou por não retirar o capuz negro da cabeça das crianças, tinha receio de que elas o identificassem em alguma ocasião.

Atravessou o corredor da casa, tremia bastante com a ideia de que Sebastian e Gasper poderiam voltar a qualquer momento. Ele puxava pelos bracinhos as crianças em silencio, trovoava bastante lá fora e ele sabia que elas conseguiam sentir a energia. Dois deles não esperaram chegar na porta e desapareceram junto com os raios partindo para bem longe junto as nuvens.

— Ande depressa, vá com os outros” — ordenou ele, olhando rapidamente par ao lugar onde Edgar e Féliz dormiam profundamente. Deveria ter sido uma busca bastante cansativa e Mike estava prestes a libertar a ultima criança.

— Você é uma pessoa boa — disse a criança e Mike pode ter um vislumbre de seu sorriso antes dela desaparecer em um clarão azul.

Ele não pode respirar aliviado ainda. Sua espinha gelou quando sentiu a presença de Sebastian se aproximando do local onde estava a cabana. Entrou em pânico e disparou para floresta com o restante de suas forças. Por onde passava um grande quantidade de folhas e terra levantava.

No Mosteiro não havia nuvem algum e alguns monges estranham o fato de Mike estar encharcado. Subiu as escadas ofegando bastante, suas pernas gritavam por descanso. Pensou em ir direto para o seu quarto, ou voltar para casa, mas não queria desistir assim tão fácil. Acreditava que Sebastian iria rapidamente ligar os fatos e descobrir que ele fora o culpado, afinal nem se quer permaneceu lá para inventar desculpa alguma.

Foi ver como estava Lena e tomou um susto. Caleb não sozinho, mas acompanhado de vários monges que traziam toalhas e ervas. A garota não estava nada bem e suava bastante. Mike naquele momento sentiu o gosto da realidade em sua boca, pois estava tão preocupado em participar da missão que se esquecera da situação.

— Ela piorou — falou Caleb, ele analisava Mike com cuidado, parecia meio preocupado — O que você fez?

— Nada — mentiu. Seu ton de voz não enganaria ninguém.

Enquanto os monges pareciam desconfortáveis com o corpo de Lena desnudo na cama, Caleb dava ordens do que fazer. Os ferimentos que antes cicatrizaram com o poder da virtude, agora retornaram de maneira agravada. Mike segurou a mão da garota.

O sangue fugiu de seu rosto.

Lena estava gélida demais e sua presença era fraca. Ele agachou ao seu lado, completamente assustado com a situação. Os monges começaram a sair para dar mais espaço para a garota respirar, mas ela parecia queimar em um oceano gelado. Seus olhos avermelhados tentavam fitar Mike, mas ele não tinha certeza se ela conseguiu realmente ver quem estava ao seu lado.

—Lena! — chamou ele, ficando aflito com o olhar perdido dela — Lena estou aqui com você!

O silencio de Caleb na parede o deixou em pânico. Alguma coisa assustadora tomou os seus pensamentos, como se algo começara a se tornar premeditado. A cada monge que deixava o quarto lentamente, era um aperto no peito de Mike.

— NÃO! — gritou, dessa vez apertando a mão da garota — Lena, lute!

Dessa vez Caleb saiu de seu lugar para colocar sua mão nos ombros de Mike, mas ele não queria isso e bateu em seu braço.

— LENA, ESTOU AQUI! — mas a garota inclinava um pouco a cabeça, como se estivesse surda. Estava pálida demais, os olhos cada vez mais apertados — Caleb, faça alguma coisa!

O jovem fechou os olhos e balançou a cabeça. Ele queria que alguém entrasse e dissesse que era brincadeira, mas não foi o que houve. De repente começou os sacrificantes sussurros de Lena, impossíveis de se entender ele balbuciava inutilmente. Ela abriu um sorriso, mas não era engraçado nem feliz, era de uma dor profunda.

Seus olhos arregalados indicavam o nível que a dor antiga, Mike sentia a sua agonia interior. Então foi do nada. Como uma explosão de euforia, a garota soltou um longo suspiro e seus olhos começaram a fitar o nada. O som de sua vida tornou-se um sussurro, e todo o corpo da garota começou a relaxar gradualmente, até que mergulhasse em um silencio infinito. Lena se foi.

Mike a observou em choque. As lagrimas queimavam seu rosto, saindo em um rastro perpétuo pela sua face. Ele sacudiu a garota, que nada fez. Conseguia sentir que Lena não estava mais naquele lugar, havia uma calmaria esquisita, como se uma luta tivesse finalmente cessado.

— Não havia como curar seus ferimentos — falou Caleb, então — Não era uma queimadura comum, você sabe. Os raios são vivos, como um vírus que se alastra no corpo. Às vezes é simples conter um ferimento desses, mas outras não.

Mike soltou a mão da garota, seus olhos arregalados.

— Sebastian me avisou que era grave, mas disse que havia esperança — começou a dizer.

— Sim — respondeu Sebastian, já estava no quarto junto a Edgar e os outros. Todos encharcados — Havia uma esperança de salvá-la, mas para isso precisaria capturar um pecado da luxúria original. Mas pensávamos ser um presente dos céus quando conseguimos capturar três deles...

O mundo de Mike começou a girar com violência. Estava de costas para os que acabaram de chegar, mas sentia cada palavra de Sebastian esmurrar suas costas e entranhas.

— Infelizmente os três conseguiram fugir — disse Sebastian bem devagar. Mike queria ir embora daquele lugar, gostaria de desaparecer.

— Entendo — falou Caleb, sem se preocupar em fazer mais perguntas.

Edgar e os outros se aproximaram de Lena, de joelhos começaram a chorar e massagear seu cabelo. Mike levantou, sentindo-se muito pesado. Sebastian precisou dar somente dois passos para ficar ao seu lado.

— Foi uma tremenda infelicidade, eu apostava consegui trazer a tempo — dizia — Ouvi dizer que o sangue deles consegue curar ferimentos assim, poderíamos ter tentado muitas coisas...

— Não sei se ela aguentaria — falou Félix em prantos — Desde onde estávamos conseguia sentir sua presença diminuir, foi tudo muito rápido.

— Não havia maneira de salvá-la no estado em que estava — falou Caleb.

— nunca saberemos — comentou Sebastian sério.

Edgar começava a soluçar, suas bochechas rosadas, ele beijou o ombro da garota de leve. Mike estava bem no alto, voava longe dali, sua mente não queria acreditar naquilo.

— Mike — chamou Sebastian, e ele voltou para o chão com violência — Gostaria de me acompanhar em um pequeno passeio, por favor?

Ele não pensou duas vezes e aceitou. Caminharam para fora do mosteiro, onde as cigarras pareciam querer cantar até explodir. Sebastian não dizia nada e isso tranquilizou e muito Mike, mas quando entraram na floresta começou a conversa.

— Eu gostava muito da Lena — disse — Quando percebi o que estava acontecendo eu não quis acreditar, ou melhor, eu acreditei, mas a minha crença em mim mesmo era muito maior. Pensava ser perfeitamente de resolver esse problema, como sempre faço com todo o resto.

Mike se sentia em um sonho. Naquela floresta ele sentia distancia dos acontecimentos do Mosteiro, como se de fato não tivessem ocorrido.

— Eu gostaria de pedir minhas sinceras desculpar Mike — falou Sebastian com um tom sincero e amigo — Por não ter te contado que era algo grave e do que se trava nossa missão. Espero que me perdoe, mas era uma missão muito delicada e as únicas informações que eu tinha sobre pecados originais eram de crianças, e temia que aquilo fosse demais para você.

Agora tudo começava a clarear aos poucos. Sebastian parecia arrasado assim como ele, e os dois nunca se aproximaram tanto um do outro. Mike começava a chorar em silencio. No final da floresta os dois chegaram até um campo aberto, a única coisa de diferente é que pareciam haver alguns destroços de algum tipo de construção arcaica.

Sebastian de um salto para frente e abriu os braços olhando para o céu. Mike achou aquilo inesperado, mas parecia a forma do jovem de lidar com aquela situação. Parecia triste, então Mike não teve receio em caminhar em sua direção para ampará-lo.

Aconteceu tão rápido que ele mal pode respirar. Seu passo cedeu em um espaço vazio camuflado pela grama alta. Um borrão passou pela sua frente, seu corpo foi dragado por uma escuridão repentina. Um buraco enorme estava lá, seu corpo despencou batendo em pedras e raízes soltas até aterrissar no solo pegajoso.

Era fino e extremamente longo, quase não conseguia ver o lado de fora. Sua cabeça rodopiava ao mesmo tempo que gritava de dor.

Sebastian apareceu, debruçado sobre a pequena abertura circular. Era difícil ver seu rosto, mas a escuridão não conseguia cobrir a brancura de sua pele por completo. Ele sorria.

— Sebastian eu cai! — falou Mike com a voz engasgada — Me ajude a sair.

A gargalhada demoníaca fez todos os pelos do corpo de Mike enrijecer.

— Como é delicioso ver uma expressão tão confusa — dizia — Aquele olhar de quem já sabe o que está havendo, mas se recusa a acreditar. Isso me excita.

Mike cerrou os dentes.

— ME TIRE DAQUI! — berrou. No espaço apertado ele não conseguiu nem dobrar os joelhos para saltar fora dali. Seus braços também não esticavam direito.

— Por que você não berra mais? — disse Sebastian cheio de vitalidade — Grite, chore, desespere-se como uma vadia!

Não conseguia acreditar naquelas palavras. Aquela expressão não era de raiva e sim de satisfação, felicidade.

— Me desculpe Sebastian, mas eu não podia deixar você matar aquelas crianças!

— Seu erro estúpido custou a vida de Lena, mas a verdade? — ele riu — Não me importava nem um pouco com aquela cadela idiota! Você me privou do prazer de estripar aqueles demônios, foi extremamente difícil capturá-los Mike.

Sebastian cuspiu em Mike.

— Nunca gostei de você seu idiota — disse ele com maldade nos olhos — Você esta aqui para tomar meu lugar? O que diabos quer dizer a sua presença nessa merda de grupo? Já temos sete virtudes, você não deveria estar aqui!

— Eu não queria tomar o seu lugar! — gritou Mike em resposta.

— Um troglodita burro feito você jamais poderia tomar meu lugar — zombou — Você é só um garoto retardado cheio de hormônios. Não passa de um bosta pra mim, eu não via a hora de te descartar.

— ME TIRE DAQUI! — berrou novamente.

— Sabe Mike, eu vou te contar um pequeno segredo que eu espero que você pense nele até na hora que a vida fugir dos seus olhos — Sebastian deitou na grama e abraçou o buraco, estava muito feliz — Eu nunca gostei de ser um virtude. Nunca quis isso pra mim.

As paredes do buraco eram escorregadias demais e os dedos de Mike arranhavam em cada tentativa.

— Que se dane-se os pecados, eu só gostaria de usar meus poderes como bem entender. Os pecados são só uma diversão para mim, algo para matar — ele diminuiu seu tom de voz para algo mais sinistro e intenso — Eu tenho nojo desse grupo. Nojo de todos naquele mosteiro... eu me sinto castigado a cada maldita missão que tenho que aturar aquele porco gorducho. As piadas e infantilidades de um alejado e um africano imundo!

O sangue de Mike fervilhava dentro do buraco. Começou a berrar xingamentos e a se debater no mesmo lugar. Sebastian não poderia estar mais satisfeito.

— Eu não escolhi ser uma virtude Mike, mas já que aconteceu, então farei do meu jeito. Minha regras, meu julgamento — ele cerrou os dente — Deus, como eu gostaria de ficar aqui deitado assistindo a esperança de viver deixar seus olhos. O desespero, o lado animal que desperta em todo ser humano quando o perigo se aproxima. Queria estar presente nessas etapas deliciosas, mas acredito que com seu corpo diferente de pessoas comuns esse processo demoraria demais e eu não tenho todo esse tempo.

— Sebastian... — falou Mike aterrorizado — Por que?

— Acho Mike, que pode ser algo clichê de se dizer — ele ria tanto que seus olhos soltavam lagrimas — Mas para a sua historinha, pequena Alice, eu sou o vilão. Ai esta o final da toca do coelho, você não queria entrar nesse mundo? Pois bem, conheça a morte real.

Sebastian se levantou, ainda encarando Mike no fundo do posso. Usando sua habilidade ele moveu algo pesado que depois de muito tempo era possível perceber que se tratava de uma tampa de esgoto de ferro.

— SEBASTIAN!! — e assim tudo escureceu.

Duas horas foi o tempo que Mike levou para esgotar sua voz berrando por ajuda. O espaço bem apertado impossibilitava que ele esmurrasse a parede ou saltasse. De onde estava ele podia sentir uma diversidade de insetos e outras coisas rastejantes passar pelo seu corpo. O cheiro era insuportável, pútrido, e as paredes pareciam conter um lodo nojento que se movimentava graças aos insetos. Ele vomitou duas vezes sentindo seu estomago doer, pois já não havia mais o que vomitar.

Estava em uma época diferente e ninguém o encontraria ali. Tentou pensar em alguma maneira, mas seu corpo chegara no limite da exaustão. Cedeu alguns centímetros para frente e sua cabeça encostou na parede asquerosa. Mike desmaiara.

Não era um sonho e sim uma lembrança, mas ele assistia como se fosse um filme antigo. Deitado na sua cama em Batilmore, sua mãe ao seu lado, como sempre fazia quando ele era pequeno.

— Por que a Cherry nunca gosta de ouvir as histórias também? — perguntou chateado, sua voz era doce e inocente.

Ela não respondeu a pergunta acariciou os cabelos do pequeno. Mike observou a pintura na parede de seu quarto, sua visão já estava meio sonolenta. A pintura tinha um pouco de azul, verde e vermelho. Havia anjos também, sua mãe dizia que eles cuidavam dos sonhos dele.

— Não vou contar Alice no País das Maravilhas mais uma vez — comentou a mãe soltando uma risadinha — Mesmo sabendo que é sua favorita...

— Alice Através do Espelho! — exclamou esperançoso, a mãe suspirou derrotada. Quando ela começou a contar a história Mike deu uma espiada pela porta aberta. O quarto de Cherry estava fechado e silencioso.

Aquela lembrança foi rápida, mas muito tempo se passou desde que ele desmaiara. Alguns feixes de luz invadiram a tampa de ferro indicando que amanhecera. Ele mexia seu corpo lentamente, seu pescoço não se movia muito bem.

— Meu deus — disse baixinho. Era difícil de acreditar na situação que se encontrava. A transformação de Sebastian.

Com o pouco de luz o desânimo aumentou. O espaço daquele poço era estreito demais, deveria ser algum tipo de latrina já que não havia água. Era impossível que ele se sentasse, pois os seus joelhos não conseguia dobrar naquele espaço. Sentiu um liquido quente escorrer por sua testa, tendo a certeza de que era seu sangue. O lodo na parede reluziam ainda mais com o dia. Escorregadio demais para se escalar.

Gritou por ajuda por mais algum tempo, mas ninguém apareceu. Conforme o tempo se passava ele começou a imaginar que as paredes do poço estivesse se tornando mais estreitas que antes e uma sensação de mal estar lhe subiu a cabeça. Estava faminto.

A tarde parecia um ano inteiro e quando a noite chegou ele começou a chorar. Chamou pelos pais e por alguma ajuda divina, mas a situação permaneceu a mesma. Quando amanheceu novamente ele desmaiou pela segunda vez.

Despertou na sala de aula da sua antiga escola em Baltimore. Era mais uma aula “interessante” de biologia e chovia um pouco lá fora. Mike observou seus amigos, igualmente distraídos, e Lena na outra extremidade. Ela lançou-lhe um sorriso.

— Festa na piscina, minha casa — disse seu amigo passando por ele e batendo em seu peito. Era fim de aula e todos caminhavam pelo corredor.

Um grupo de garotas pareciam discutir com alguém que ele imediatamente reconheceu. Cherry.

— Sua irmã é muito séria cara — comentou seu amigo. Cherry escutava cada palavra do que as garotas diziam, seus braços cruzados e a cara amarrada. Ela parecia não se intimidar com o que estava sendo dito.

Ele achou estranho, pois até algumas semanas atrás ela estava muito bem com aquelas garotas. Mike chegou a pensar que fossem amigas. Em casa Cherry não conseguiu evitar as investidas da mãe que queria saber o que estava acontecendo, afinal a garota passara o dia inteiro chorando em seu quarto. “Eu só queria não sentir tanta raiva de tudo a todo o tempo”, ele escutou quando passou pelo quarto da irmã, estava de saída. Uma festa na piscina o aguardava.

De volta ao poço ele não se deu o trabalho de se mexer. Sua testa bateu mais uma vez contra a parede, seus olhos tremiam e sua boca estava completamente seca. Sabia muito bem que uma pessoa comum sobrevive alguns dias sem comida, mas sem água as coisas mudavam. De olhos abertos sua mente o obrigou a mergulhar em outra lembrança.

— Pela ultima vez, venha comer a porcaria do jantar! — vociferava Muriel em mais um dia tentando trazendo Luca para dentro de casa.

Mike colocou a comida na mesa e ficou atento as notícias na televisão. Algumas fazendeiros afirmaram ter encontrado partes humanas espalhadas nos campos, próximo a Newcastle. Ele diminuiu o volume quando Luca entrou correndo.

— Vá lavar as mãos Luca — disse em tom sereno. Não precisou dizer outra vez, a criança obedeceu alegremente, deixando Muriel aborrecida.

Sentados á mesa ele estranhou que nem ao menos David aparecera para roubar um pouco de sua comida. Como sempre o silencio era quebrado pelo pequeno Luca, que sempre parecia observar Mike e Muriel com bastante atenção.

Ele apoiou suas mãosinhas na cabeça, com muita comida na boca, ele insistiu em falar:

— Hoje na escola me perguntaram o que você é minha — disse ele mastigando, Muriel parecia não dar atenção — Eu queria responder, mas não sabia...

— Responda o que quiser, simples assim — resmungou Muriel. Depois de um breve silencio os dois se espantaram com a continuidade da fala — Pode dizer que sou sua avó, se quiser.

Mike e Luca trocaram olhares espantados. Era a primeira vez que Muriel assumia ser qualquer coisa de Luca, apesar de se esforçar bastante em demonstrar que não gostava da criança.  Mais alguns minutos em silêncio e a criança continuou.

— Sabe... — começou — Se você é minha avó, significa que você é mãe da minha mãe ou do meu pai.

Muriel continuava a mastigar, fingindo não prestar atenção.

— Bem, não tem mais ninguém nessa casa pra ser minha mãe — mastigou mais um pouquinho e passou o garfo em seus cabelos e repousou os olhos em Mike — Então...o Mike é meu pai!

Mike engastou com a comida e estendeu a mão para o copo de suco.

— O que faz dele o seu...

— Filho! — completou ela zangada — Agora termine de comer a comida em silêncio ou vou pegar minha vassoura!

A mulher voltou a comer com seu rosto retorcido em zanga. Mike e Luca trocaram olhares perplexos, a criança com um sorriso enorme no rosto deixando um pouco da comida em sua boca cair. Naquele dia tudo ocorrera bem.

O poço gélido lhe trouxe a realidade. A noite impetuosa fazia todos os seus ossos tremerem, seus dentes batiam com força. Ele não tinha mais certeza quanto tempo se passou. Para cada desmaio ele sentia que havia dormido por muitos dias, e como poderia saber? Sebastian e as outras virtudes pareciam uma vaga lembrança de muito tempo atrás. Estava pronto para desmaiar novamente, pois não tinha sentido em permanecer na realidade. Não naquela realidade imunda.

— Não desmaie Mike — disse uma voz.

Estava tão exausto que não conseguia mais tomar sustos. Ele recuou alguns centímetros e se deparou com um rosto de uma garota na parede. Parecia estar e não estar naquele lugar, como um reflexo, uma projeção.

— Cara você esta uma bosta — disse a garota, que depois de muito tempo observando ele reconheceu.

Claire, a garota que ele fizera alguns trabalhos na escola. Aquela lembrança parecia fazer parte de uma realidade alternativa. Escola! Civilização, vida normal. Foi tudo um sonho?

— Vou ser bem direta Mike, tente prestar atenção! — era estranho ver aquela garota de cabelos negros de boneca e olhos azuis naquele podridão — Sou uma ceifadora. Na situação em que você esta acredito que não preciso gastar muito tempo tentando te convencer de qualquer coisa...

Mike mal conseguia manter o olhar fixo nela, tudo o que queria era desmaiar mais uma vez.

— Meu trabalho é, pra todos os efeitos, ceifar vidas. Que estão na minha lista, é claro — ela queria se apressar — Normalmente são pessoas que estão marcadas, pois vão morrer e precisar da minha ajuda para atravessar de vez esse processo. ­— ela fechou os olhos e suspirou — Mas em alguns casos, surgem na minha lista os nomes em amarelo...

— Amarelo? — depois de muito tempo ele conseguira soltar algumas palavras e sua garganta parecia explodir.

— São pessoas que...bem, infelizmente, acabaram entrando em uma situação sem saída — ela deu uma tossidinha desconcertada — Nesses casos, eu apareço Mike...porque assim posso oferecer uma maneira com menos sofrimentos..

— Que trabalho horrível você tem — disse ele tentando rir.

— Você nem imagina — confessou ela — Normalmente nesses casos são crianças e idosos. Sozinhos, sem chance alguma de escapar das situações em que se meteram.

Mike percorreu sua mente, lembrando de casos de idosos que morrem sozinhos em seus apartamentos, e crianças que caem em poços abandonados.

— Eu não posso ceifar sua vida sem seu consentimento nesse caso, porque ainda não chegou sua hora...mas eu posso lhe apresentar essa saída — a voz da garota lembrava vagamente a de Cherry.

— Quanto tempo eu tenho? — perguntou ele.

— Não tenho permissão pra dizer...

— Por favor! — suplicou.

Ela suspirou mais uma vez e olhou para os lados.

— Você tem mais um dia Mike. Uma semana é o tempo que você está aí e seu corpo só irá suportar por mais apenar um dia.

Aquilo teria feito o jovem tombar de joelhos, mas era impossível naquele lugar. Ele queria chorar, gritar, mas não existiam forças para isso. Pensou em pedir ajuda, mas não conseguia imaginar Claire chegando até o mosteiro e cruzando a floresta até ele. Sebastian a mataria, mesmo que por um milagre ela tivesse permissão para passar pela porta do mosteiro.

— É um jeito muito triste de se morrer — explicou ela — Vamos acabar logo com esse sofrimento.

Ele achava engraçado como ela não perguntou como ele viera a parar naquela situação. Não quis pensar em quantas vezes Claire deveria ter feito aquilo.

— Não tem nenhum outro jeito de escapar? Ninguém jamais conseguiu? — tentou.

Ela deu de ombros.

— Eu só soube de apenas um. Mas o cara teve que cortar o braço fora...não sei se isso vai te ajudar nesse caso — disse ela.

Não iria. Ele refletiu por alguns minutos, pensando em Cherry, seus pais, Luca e Muriel. Sentia que faltava algo muito especial, e era isso que segurava o fio de vida que o prendia a este mundo. Seu coração batia lentamente, a boca absolutamente ressecada e ferida.

— Vou ficar até o final — falou ele decidido.

— Pare de ser idiota e retarda...

— Você me deu liberdade para escolher, não foi? Então caia fora! — falou sem fôlego.

— Acabarei voltando, você sabe — disse ela — Essa é só uma oportunidade de você não sofrer ate a última hora.

— Já disse que vou até o fim! — ele tossiu o vazio.

E pela terceira vez ela suspirou, derrotada.

— Que se dane, eu tentei — ela o olhou com pena — Você é um cara legal sabe... sinto muito.

— Tudo bem... — disse ele, seus olhos finalmente puderam mergulhar em mais uma lembrança.

Estava deitado na grama de sua casa, em Newcastle. Sophie media a pressão das senhoras que resolveram, “por coincidência”, visitar Muriel quando a garota estava lá. Ela estava com o rabo de cavalo mais uma vez, deixando apenas a cortina negra, que era sua franjinha, cobrir sua testa. Tão branca e levemente suada, era uma pintura para os olhos de Mike.

— Estava pensando... — disse ela deitada ao seu lado — Quando eu tiver meu próprio consultório, eu gostaria de ter um quadro de um dos seus desenhos pendurado. Gosto muito deles...

— É só você pedir — respondeu ele olhando para o céu. Só a presença da garota li já fazia seu coração palpitar.

Ela estendeu a mão para cima, cobrindo parcialmente a visão do ponto sonhador de Mike. Encarou a garota sem entender.

— O que esta fazendo?

— Tentando alcançar — falou ela com o braço graciosamente estendido.

— Alcançar o que?

— Não sei — disse ela — Mas você parecia bastante interessado, então deve ser importante.

Ele sorriu e estendeu sua mão também, bem ao lado da de Sophie.

— O problema é que eu também não consigo alcançar — falou ainda sorrindo. Por um minuto apenas, depois ele baixou o braço — Não importa o que eu faça.

Sophie virou-se para ele e colocou o braço em seu peito, fechando os olhos.

— Não acho que seria tão divertido se fosse algo fácil de ser alcançado. Quer dizer, temos por acaso cem anos ou estamos morrendo? Qual é, ainda tem uma vida inteira para tentar — ela encostou o rosto no ombro de Mike, aconchegando-se — O processo para se alcança isso, esse sim é o segredo. A diversão vem toda do caminho, não do destino.

— Cala boca, isso não faz sentido algum — resmungou.

— O que eu não suporto... — disse ela baixinho — É quando nos deparamos com tal caminho, muitas vezes tão longínquo — ela abriu os olhos e o encarou — E desistimos de tentar alcança-lo.

Mike despertou de repente, ignorando a noite do poço. Fez um esforço para afastar sua testa do lugar onde desmaiara.

— Sophie... — disse baixinho. Buscou forças em seu corpo, tentando concentrar o máximo o seu foco.

“Vamos lá super corpo, preciso da sua ajuda!”

E em um movimento rápido, ele jogou sua cabeça para frente, com o máximo de força que ainda tinha. O poço tremeu, mas não houve mudanças. Todo o seu corpo gritava em resposta a aquele golpe cruel. O sangue pingava da ferida que já existia em sua testa.

Mais uma vez...

BUM

Tudo começou a girar com violência, ele sentia o tempo que Claire premeditou diminuir a cada segundo. “Uma última vez corpo, eu te suplico! Com força total!

BUM

Pode ouvir o barulho de pequenas pedras caindo. Abriu seus braços a lutarem com o pequenino espaço até alcançar, para a sua felicidade, um pequeno buraco. Seus dedos afundavam na massa exposta da parede, cavando violentamente. Era fofa e cedia com facilidade. Estava eufórico e respirava desesperado. Seu braço entrou por completo e seu coração saltou em seu peito.

Não sabia o que era, mas existia uma abertura na terra, um pequenino túnel aberto por raízes e pedras. Ele rangeu os dente, puxando tudo o que havia pela frente, cavando com maior velocidade. Já conseguia encostar seus ombros na parede, os braços completamente dentro. Seu tornozelo fazia o que podia para ergueu centímetros do chão.

Alcançou uma raiz forte e em um impulso ele entrou no buraco. O cheiro da terra molhada perfurou seu nariz, mas ele ignorou. Continuava a cavar e cavar, seus pés impulsionando cada vez mais para frente. O medo da terra ceder de e esmagando era enorme, mas ele iria até o fim.

Já estava completamente dentro e avançando em sua escavação, seu coração batia com uma violência dolorosa. Cavava cada vez mais, engolindo a terra molhada, mas sem nunca parar.

De repente seus dedos esmagaram em algo muito duro. Ele tentou cavar dos lados, mas não consegui. O desespero subiu-lhe a cabeça,  ambiente era um nível colossal de claustrofobia. O que estava a sua frente era algo tão duro quanto o poço. Uma lagrima percorreu o rosto de terra. Ele se virou, deitado em sua desistência por ter encarado o fim da linha. Queria imaginar estar deitado na grama, ao lado de todas as pessoas que ama. Sophie bem ao seu lado, estendendo o braço e sorrindo. Ele a acompanhou.

Seu coração saltou mais uma vez. Não havia terra sob sua cabeça. Uma outra abertura seguia para cima, seus dedos roçaram nas raízes. Abriu um sorriso negro e começou a puxar e se contorcer parar escalar. Sentia a terra começar a cair dos lados, mas os pés de Mike já se puseram de pé e começaram a escalar. Era como nadar para cima, as mãos e pernas movimentando se freneticamente. Não era possível abrir os olhos pois a terra caía. Ele sentia que seu corpo seria dragado para o fundo, mas continuou a subir. Sentia seu corpo em chamar, suplicando pela superfície.

AAAAAAAAAAAAH

Ele berrou enlouquecido quando sua mão alcançou grama e o ergueu para fora.

AAAAAAAAAAAAH

Suplicou que suas pernas não o abandonassem e que fizessem um ultimo esforço. Sem poder usar a velocidade sobrenatural, ele correu como pode pela floresta. O ar puro era um golpe para seu pulmão enfraquecido. Ele encontrou água, pois conhecia aquele caminho da floresta. Bebeu tudo o que podia, mesmo que inicialmente seu corpo rejeitara. Não se permitiu desmaiar e nem se jogar na água. Continuou a correr. Atravessou a floresta dando de cara com uma verdadeira tempestade. Conseguiu ver o mosteiro e se peito se encheu de energia.

Sebatian estava satisfeito por ter conseguido organizar todas as suas coisas em sua pequena mochila. Odiava ter que esperar Edgar terminar uma de suas famosas refeições fora de hora, ma estavam todos reunidos finalmente. Ninguém trazia um sorriso no rosto como ele.

— Caros amigos, depois do nosso tempo de luto e planejamento — ele mal segurava uma gargalhada — Daremos início a nossa mais importante missão ate hoje! Fico muito feliz de estar a frente de...

— Não partam ainda sem mim! — disse a voz esganiçada de alguém que acabara de chegar.

Sebastian se virou, não conseguia esconder sua cara de completo espanto em ver a figura de Mike se aproximar deles. O jovem passou por ele trombando violentamente e tomando a frente do grupo, com a mão da porta mágica que separava um tmepo do outro.

— Me desculpe — mentiu, sobre ter esbarrado em Sebastian — Estou tão empolgado que mal posso me conter.

Mike encarou Sebastian sem medo algum nos olhos. Dessa vez tudo mudara, estava completamente firme, ao menos o seu corpo tentava permitir isso, e sem receio algum. Edgar, Félix e os outros olhavam completamente estarrecidos com o estado macabro que o jovem se encontrava.

— Vamos?


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Notas finais do capítulo

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