Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 18
Capítulo 17 - Pior pode ficar.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo em breve betado. Prestem atenção que muitos dos mistérios são esclarecidos nesse único capítulo.



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Cherry voltou a si em um picar dolorido. Estirada na cama observou as garotas desmaiadas ao seu lado, nem se quer perceberam nada. Ela tremia, o sangue fugira de seu rosto a deixando pálida. Ninguém a acordou dessa vez, tudo aconteceu sem interrupções e até o fim. Seu corpo inteiro pulsava fracamente, completamente exausto.

Deixou a casa onde estava, no corredor ela desabou. Ela cobriu sua boca com a mão e começou a chorar. Sua outra mão apertava firmemente sua blusa, tentando protegê-la. Um velho senhor viu a cena e correu em seu auxilio. Cherry estava em choque.

O motorista abriu a porta da limusine em desespero quando viu Cherry sendo conduzida por duas pessoas.

— Santo deus! — disse assustado levando a garota para dentro da limusine.

Cherry não conseguia mais andar, se sentia no limite. Não disse uma palavra ao motorista. Reparou que a cidade estava ensolarada, o que significara que Alphonse não tinha nenhum conhecimento disso. Ela deitou no banco, sua mente não a permitiu desmaiar, mas conseguia escutar o barulho da floresta. Seu braço pendia para fora do banco, fraco. Mal conseguia mover seus dedos.

Ela não queria ir de forma alguma para o castelo. Foi então que fez o maior esforço possível para dizer isso ao motorista, que teve dificuldades em aceitar o pedido já que sabia muito bem qual seria a reação do Alphonse.

— Me leve pra casa do meu irmão... — ela sussurrava — Eu prometi.

Não fazia idéia de quanto tempo ela permanecera imóvel naquela cama. Conseguiu se lembrar que Stevan havia mencionado que a bebida facilitava a entrada dela em sua mente, mas com apenas um gole Cherry fora dragada á floresta. Estava perigoso demais fazer aquilo, porque claramente fugira de controle.

Seus olhos fecharam, deixando cair mais uma lágrima. Ela não conseguiu evitar voltar a floresta. Encolheu-se na grama, não estava no lado mais escuro, mas tinha medo de dar qualquer passo.

“A floresta pode ser extremamente cruel e indiferente” disse a voz do anjo.

Seu vestido verde com folhas retornou intacto. As pequenas fadas faziam carinho em sua cabeça, seu cabelo ainda era castanho em sua mente. Afundou seu rosto nos braços desejando que alguém a acordasse. Queria Alphonse, seu abraço, o sorriso cafajeste. Não era justo que ela recorresse a ele depois do modo que a ultima discussão terminara.

“Quando você vai entender que nada disso é culpa dele ou de outra pessoa a não ser você mesma” dessa vez a voz que ecoava na floresta era dela.

— Me desculpe — disse ela, acordando lentamente. O rosto de Mike tomava forma aos poucos.

Estava em um quarto diferente do de antes. Um cheiro gostoso invadiu suas narinas, e haviam muita luz naquele quarto, o que causou um pouco de dor nos olhos.

— Ela parece uma princesa — disse alguém. Era uma voz de criança.

Mike estava ajoelhado ao seu lado, seus dedos acariciavam o braço da irmã. Seu olhar era preocupado.

— Droga Cherry, o que aconteceu com você? — perguntou baixinho.

O tempo passou bem rápido, pois ela não reparara que a limusine chegara à casa de Mike e nem que ela havia sido levada para um quarto. Não conseguia se mexer ainda.

Muriel entrou no quarto segurando uma xícara de chá. Mike ajudou a garota se sentar e entregou a bebida para Cherry. Ela não relutou, simplesmente bebeu. Não tinha força alguma para questionar qualquer coisa.

— Precisa descansar bastante — falou Muriel, ela observou os olhos aflitos de Cherry — Não se preocupe, você não sonhará com absolutamente nada.

Mike olhou para a velha sem entender, mas não houve nenhuma explicação. Cherry adormeceu mais uma vez.

— Gostaria que ela voltasse para Batimore... — disse Mike preocupado. Deixou escapar um suspiro triste.

— Ela vai ficar bem? — perguntou Luca no canto do quarto, pintava o seu braço com um dos pinceis de Mike. Muriel lhe lançou um olhar furioso e ele disparou para fora do quarto.

Mike se sentiu um pouco desconfortável perto de Muriel. Não conseguia retirar de sua cabeça a notícia que Sophie lhe dera. Sentia vontade de tocar no assunto, mas como poderia? A mulher não queria que ele soubesse. Observou Cherry dormindo profundamente, era algo totalmente surreal como as coisas chegaram aquele ponto. Não se sentia mais na realidade de antes, sua vida mudara por completo.

Quase não falava com sua irmã ou seus pais. Muriel e Luca e Sophie eram seu mundo. Não queria que fosse assim. Desejava Cherry novamente em sua vida.

— Tantas preocupações em um testa tão jovem — comentou Muriel observando o jovem. Ele fechou os olhos.

— Posso te perguntar uma coisa? — disse então, seus dedos entrelaçados e apertados em preocupação.

— Pergunte.

Ele a encarou, as palavras não saíram como deveria.

— O que... o que te fez entrar nessa vida? — ele balançava a cabeça — Por quê?

Muriel encarou a garota dormindo, suas sobrancelhas balançavam estranhamente. Por um segundo parecia que a mulher iria chorar, mas era uma expressão nervosa que a tomou.

— Quando eu era mais nova... — ela começou a dizer — Os motivos, as minhas decisões erradas. Tudo se assemelha a Cherry.

Mike não entendeu nada. Muriel arrastou a cadeira de madeira que o jovem usava para pintar seus quadros. Perto da janela aberta ela acendeu um de seus cigarros fedorentos. Quando ela abriu a boca para contar tudo o que já devia ter contado a muito tempo, sua mente a levou automaticamente ao passado. Ela nunca se esquecia de nada daquilo.

Naquele tempo de sua vida ela costumava a pintar constantemente em seu quarto no castelo. Era tarde e a luz entrava no lugar com um dourado intenso. A última pincelada foi acompanhado de um alívio. A porta se abriu e alguém entrou saltitante.

— Minha irmã querida, fico feliz que tenha terminado também! — era Anna Belle, beirando os seus dezesseis anos de idade.

Muriel revirou os olhos, mas Ana colocou o quadro que fizera bem ao lado.

— O que achou? — perguntou animada.

— Você sempre desenhou melhor, minha querida irmã — Muriel ficou aborrecida por o quadro de Ana estar impecável. Sua irmã sempre tivera aptidão artística — Qual a novidade nisso?

— O seu não esta de todo mal — ela disse tomando certa distancia e fechando um dos olhos para analisar a pintura — Falta mais paixão, amor...

— Você sempre me diz isso Ana! — ela levantou de seu banquinho nervoso — Quero um conselho melhor que não envolva sentimentos bobos.

Muriel sentou na cama e olhou para seu reflexo no espelho. Ela e sua irmã eram magricelas, gêmeas, seu cabelo estava amarrado em uma gigantesca trança que chegava até sua cintura. Ana Belle sentou ao seu lado e sussurrou ao seu ouvido.

— Eu acho que esta faltando sexo...

Muriel apanhou um travesseiro e acertou a irmã, sem conter a risada.

— Ana você é tão imatura! — as duas riram — Você pode enganar aquelas garotas do colégio que não possuem cérebro, mas eu sei que você nunca fez nada do que anda contado por ai...

Anna Belle jogou os braços para trás e deitou na cama abrindo um sorriso.

— Eu desejo fazer tudo aquilo que inventei — Muriel deitou ao seu lado apoiando o braço na cabeça não conseguindo acreditar na irmã que tinha — Tudo aquilo, e um pouco mais.

— Meu deus, porque me destes uma irmã tão promiscua — riu Muriel.

— Ah Muriel, você tem que mudar de atitude ou irá ser uma velha frigida morando em um castelo frio e sozinha!

— Eu prefiro uma casinha, obrigada — ela cruzou os braços.

As duas tinham lábios cheios e vermelhos. A pele era branca e haviam algumas sardas no rosto. Os cabelos eram de um castanho caramelo, usavam o mesmo penteado.

— Abriu o presente que eu te mandei? — perguntou Anna Belle.

Muriel levantou da ama e foi até a mesinha ao lado onde o embrulho estava intocado.

— Não acredito que ainda não abriu, mas que indelicadeza — falou a garota fingindo aborrecimento.

— Não estou certa quanto aos seus presentes Anna — Muriel lembrou de todos os outros que ganhara da irmã, mas não passavam de piadas de mau gosto.

Ela retirou o embrulho com cuidado. Haviam dois cadernos de capa dura, eram bonitos.

— Um pra mim e outro pra você — a garota se levantou e foi ao encontro da irmã — São diários!

— Gostei deles — ela passou o dedo na textura.

— São para escrever sobre nossas aventuras como virtudes! — ela pegou um dos cadernos, eram exatamente iguais assim como as duas — Vai ser um tipo de manual de sobrevivência para nossos filhos, netos e bisnetos!

Muriel ainda tinha as feridas do ultimo verão que passara no mosteiro. Foi bem divertido, ela sem sombra de duvida seria lembrada por bastante tempo. Ela e Anna Belle causaram uma verdadeira confusão.

— Mal posso esperar pela nossa primeira missão! — girou Anna Belle no mesmo lugar — Parece até coisa dessas aventuras que você tanto lê!

Muriel gostou muito do presente e sentiu uma vontade de ter algo para retribuir, mas não tinha nada. Ela andou até a janela e viu vários veículos luxuosos se aproximarem do castelo.

— Chegaram... — falou desanimada.

Anna Belle bufou.

— Nossos adoráveis pretendentes...— disse a garota abraçando a irmã — Isso é tão medieval!

Muriel não disse nada, ficou ali observando.

— Soube que você deu um murro em um garoto no corredor da escola!

— Ele estava espiando o dormitório feminino, acho não vai fará isso de novo — disse orgulhosa.

— Algumas garotas estão falando tão mal de você por isso... Os corpos jovem delas não conseguem resistir a separação de meninos e meninas no colégio.

— O que o seu corpo jovem pensa sobre isso? — perguntou Muriel revirando os olhos.

— Meu corpo jovem anseia por um homem e não por um moleque que ainda cheira a leite! — as duas começaram a rir novamente.

Uma das cridas entrou delicadamente no quarto. Ela começou a arrumar a cama de Muriel, mas as duas sabiam que outra pessoa entraria no quarto. A governanta do castelo, Diana. Tinha um rosto esquisitíssimo, seus lábios pareciam comprimidos em um bico, e as sobrancelhas eram desenhadas de um jeito bizarro que a deixavam antipática.

— Já para baixo! — disse com sua voz estridente.

— Nesses trajes? — perguntou Anna sarcasticamente. Haviam sido ordenadas a se aprontarem horas antes, mas as duas ficaram pintando a tarde inteira.

— Não me importa, não podemos deixá-los esperando!

A família de Muriel preparara uma festa do chá da tarde, ou seja lá qual era o nome especifico para aquilo, as duas nunca compreenderam. Saíram do quarto beliscando uma a outra, como sempre faziam. Conheciam o castelo inteiro, então quando saiam correndo na frente dos criados significava que pegariam um atalho muito diferente.

Acabaram dando no salão onde o chá acontecia animadamente. A presença das duas fora o bastante para interromper toda a conversa e risadinha esnobe.

Anna Belle apanhou a mão da irmã e seguiu em frente entre todas aquelas pessoas extremamente bem arrumadas e elegantes. Curvavam em uma espécie de reverencia debochada. Muriel ainda usava o avental manchado de tinta.

— Papai e mãe vão nos matar! — disse Muriel mordendo os lábios, mas Anna Belle era só alegria.

— Nos matar? — ela soltou um murmurinho — Vão ter o trabalho de encomendar que nossas almas queimem eternamente no castigo que inventarem para nós.

Lá estavam os rapazes que vieram especialmente para vê-las. Uma musinha cafona tocava ao fundo, e as duas observaram bem os jovens.

— Parecem de plástico — comentou Muriel, e Anna Belle deixou uma gargalhada sair, o que deixou os jovens extremamente desconcertados.

— Metade nunca viu uma garota de verdade, isso eu posso dizer — disse Anna — E a outra metade se quer gosta de garotas, se você entende o que eu quero dizer.

Eram jovens bem engomados e com seus cabelos lambidos para trás. Tinha uma postura esquisita. Alguns eram gordinhos e outros magros demais.

— Dinheiro não compra beleza, afinal — disse Muriel observando-os com tédio no rosto.

Muriel e Anna Belle eram as garotas mais requisitadas de Newcastle. Duas jovens ricas e belíssimas que não demonstravam interesse qualquer por garotos locais. Famosas pela postura incomum diante da lata sociedade, o seu descaso com a postura e costume era totalmente tolerado já que possuíam tantas riquezas.

As famílias foram se apresentando, uma a uma. Era sempre constrangedor, pois quando o filho em questão não agradava minimamente uma delas então assumiam uma postura de total tédio. Foi o que aconteceu naquela ocasião. Não eram só garotos, algumas famílias traziam garotas também para que pudessem desfrutar da amizade delas. Poucas conseguiam.

Anna Belle ainda se prestou a dar atenção a uma delas, mas Muriel distraiu seu olhar pelo salão. Havia um jovem ao fundo, não estava acompanhado por família alguma e sim um senhor muito velho, parecia um tutor. O rapaz tinha uma cara meio amarrada e não era engomado como o resto. Estava com os braços cruzados de uma maneira esquisitíssimo, como se quisesse seus braços somente para si. Era bem atraente.

Muriel demorou tempo demais observando o jovem, seus olhares acabaram se encontrando. Os dois desviaram ao mesmo tempo. Foi uma questão de tempo até que chegou a vez do garoto se apresentar formalmente para as duas.

— Me chamo William Barrington — se apresentou, a postura era dura. Diferente da outra metade dos jovens, ele não era nada feminino. Tinha traços fortes.

— Barrington? — perguntou Anna Belle surpresa, e Muriel não compreendeu o interesse — Você é o órfão Barrington?

O velho senhor ao seu lado deu uma tossidinha forçada e colocou a mão enrugada nos ombros do rapaz indicando que ele já poderia se retirar.

— O que foi isso, enlouqueceu de vez? — perguntou Muriel aterrorizada com o comportamento rude da irmã.

— Qual é Muriel, você não ouviu falar do órfão Barrington? — a expressão surpresa da garota estava irritando Muriel.

— Não, porque diabos deveria?

— Se trata de um jovem muito rico, quase se equipara a nós. Perdeu todos os pais em um terrível incêndio em sua mansão, mas correm os boatos que a policia... — Anna Belle olhou para os lados e falou no ouvido da irmã. — Bem, dizem que a policia local tem esse tal de William, o filho único e herdeiro, como principal suspeito da morte!

— Não foram mortos por um incêndio? — indagou muriel.

— Um incêndio criminoso!

— Você tem sérios problemas Anna, sérios! — Muriel caminhou pelo salão.

— Aprenda uma coisa minha querida irmã... Ele é bonito demais pra ser um mocinho — Muriel observou o jovem se sentar longe dos outros, sua postura meio travada — Ele sem sombra de duvidas é um assassino perigoso!

Ela o observou novamente. Finalmente a pose rígida cedia aos poucos, e uma expressão triste no rosto o envolveu. Todos passavam direto por sua mesa, mas não lhe dirigiam nenhum olhar ou cumprimento. O jovem William observava seus dedos esperando o tempo passar. Muriel não pode controlar ao impulso de falar com ele, conseguindo se livrar do puxão que a irmã lhe dera para que não o fizesse.

Caminhou até ele, seus olhares se encontraram novamente. Aquilo fazia o tempo parar e tudo em sua volta ser tornar silencioso. A expressão do jovem agora era de surpresa.

— Olá — disse ela — Quer vir para outra mesa?

Todos os outros jovens e familiares começaram a cochichar em constância. Muriel ignorou tudo aquilo e sorriu.

— Estou bem aqui — disse ele, sua voz era meio engasgada e grave.

— Então peço permissão para sentar junto aos senhores — ela pediu apoio ao velho senhor, mas esse esperava uma aprovação do jovem.

— Faça o que quiser — disse ele desviando o olhar.

Ele puxou uma cadeira e quase que imediatamente alguém lhe trouxera algo para beber. Muriel balançou a mão para que a pessoa a deixasse em paz.

— Você é de qual escola? Nunca vi você — estava meio nervosa.

— Nunca estudei em uma escola — ele a observou com cautela — Sempre tive aulas em casa...

— Aqui no castelo foi assim até eu e minha irmã completarmos treze anos, então exigimos ir para uma escola — Muriel não conseguia resistir a observá-lo. Era meio rústico, corpulento naqueles trajes elegantes. Havia alguma coisa nele. Algo de diferente.

Conversaram durante todo o chá, as outras famílias pareciam pouco satisfeitas. Até mesmo Anna Belle parecia aborrecida com o abandono da irmã.

— Com licença — disse Anna do nada — Será que posso roubar minha irmã um pouquinho?

Muriel livrou-se das mãos da irmã. Já estavam longe de William, então Anna pode desabar seu descontentamento.

— Como ousa! Deixar-me duas horas na companhia daquelas garotas chatas de cabelo sebos é um crime! — as tais garotas se encontraram logo atrás e escutavam cada palavra, mas sorriam porque não queriam confusão alguma.

Muriel revirou os olhos.

— Como você é exagerada — ela cruzou os braços — Achei o garoto interessante, o que é que tem?

— O assassino? — perguntou Anna surpresa.

— Ele não é um assassino, você que é desmiolada demais pra acreditar nessas besteiras — Muriel deu meia volta em direção a mesa de William, mas o jovem não estava mais lá, nem o velho que o acompanhava.

Ela voltou-se a irmã que deu de ombros quando viu que o jovem não estava mais lá. A semana passou com a mesma lentidão de sempre, faltavam poucos dias para que as duas voltassem a estudar. Chovia bastante no castelo e como sempre Anna Belle estava gripada, já que sempre fazia questão de sair na chuva e brincar com os cachorros.

Muriel jogava as cartas do “tarô do Éden” no carpe do seu quarto. Cruzou as pernas e observou a formação de um losango de cartas. Agitou sua mão e todas as castas começaram a virar em seqüência até a ultima da ponta. A carta que indicava seu futuro era a “encruzilhada”.java bastante l

Movimentou os dedos ordenando que a carta fosse até ela. Debruçou no chão e começou a viajar nos detalhes esquisitos da carta, mas era difícil prender sua atenção a qualquer coisa já que trovejava bastante lá fora.

Ela resolveu observar a janela e algo lhe chamou a atenção. A noite escura se enchia de luz com os relâmpagos. Mas havia algo no jardim, parecia um vulto. Ela conhecia todas as estátuas do jardim e esculturas e aquilo era algo que não era nenhuma daquelas coisas. Estreitou os olhos, eram formas humanas. Um jovem.

— William! — disse baixinho, surpresa com a descoberta.

Deixou o quarto andando nas pontas do pé. Driblou vários criados e pegou atalhos que muitos desconheciam. Chovia bastante do lado de fora do castelo. Estava descalça e receoso em ir para o gramado, mas aquilo a deixou completamente intrigada. O jovem estava parado ali no jardim, completamente ensopado. Entrou na chuva.

— EI! — gritou ela, correndo em direção a William.

 De cabeça baixa para se livrar da chuva pesada ela abraçou a si mesma, pois alem de tudo estava frio. O jovem William estava pálido e respirava com dificuldade, mas não saia do mesmo lugar. Foi uma visão surreal. Muriel parou na sua frente, completamente ensopada também, as tranças desfeitas e os cabelos grudados ao ombro.

William olhava diretamente para ela. Era uma sensação de invasão esquisita como se ele pudesse adentrar em sua alma. Os lábios tremiam, vermelhos como sangue.

— O que você esta fazendo aqui? — perguntou ela exasperada.

Parecia uma eternidade até que os lábios do rapaz resolvessem reproduzir algum som.

— Queria te ver...Não consigo mais dormir — ele se aproximou, as vestes molhadas — Não sei o que você fez comigo, mas quero te olhar.

Muriel não sabia o que dizer.

— Quero ficar olhando para você...cada detalhe — era difícil para ele dizer aquilo — Nunca na minha vida eu senti algo parecido. Poucas horas me deixaram obcecado pelo seu corpo. Por tudo o que representa você.

Ela pensou em gritar, ou fugir. Mas ela não precisava fazer nada daquilo, pois era perfeitamente capaz de acabar com o jovem. Mas a questão era: Ela não queria.

— Você não deveria estar aqui..como? — mas duvidas não eram o bastante para livrar seu olhar do rosto de William.

Ele colocou sua mão gélida na face da garota.

— Permita-me que todos os cortejos, costumes e etiqueta sejam postos de lado — de repente a fala do jovem ficou clara e diretamente apaixonante — Somos dois seres na chuva, não temos família, um brasão nas nossas costas. Só o desejo entre duas pessoas.

Muriel jamais esteve tão perto assim de um garoto. Mas William não era um garoto e sim um homem. Seus braços convencidos apanharam sua cintura e a trouxe para seus lábios vermelhos. Não estava mais com frio e muito menos a chuva incomodava.

William deslizava como seda por sua pele, não havia nenhum atrito que o impedisse disso. Se beijaram deixando que tudo a sua volta deixasse de existir. Ele a deitou na grama molhada, era tanta água que as folhas se encontravam submersas. O cabelo de Muriel entrou na água gelada, mas ela nem notou. Foi maravilhoso, ela nunca havia beijado ninguém em toda a sua. Voltou correndo para o castelo com um sorriso perpétuo no rosto.

Assim foram os meses que se seguiram. Encontros às escondidas, em toda parte William encontrava uma maneira de aparece e ficar com Muriel. Muitos já sabiam sobre o romance dos dois, inclusive Anna que desaprovava, mas não era tanto quanto antes.

Foi quando completaram seis meses namorando as escondidas que Muriel descobriu a terrível verdade.

William a levou em lugar próximo ao seu castelo, onde havia um pequeno lago feito pela chuva. A princípio ela ficou maravilhada com o lugar, imaginando o tempo maravilhoso que passariam juntos. Mas o jovem lhe disse que a trouxe até ali para contar o seu segredo, pois já não podia mais suportar esconder tal coisa dela.

Assustada ela assistiu a William caminhar até o lago, sua postura dura de sempre, inclinou-se até a água e a tocou com os dedos. Em questão de segundos o lago se transformara em um lago de águas congeladas. Muriel levou as mãos a boca.

Uma garota comum ficaria surpresa com o fato do jovem conseguir congelar a água com o toque dos dedos, mas Muriel não era comum. Ela ficou surpresa com o fato de William ser um pecado. E sabia qual.

Semanas se passaram e o mundo de Muriel saiu do lugar. Era tudo uma completa bagunça de pensamentos que não conseguia mais organizar sua vida. No mosteiro em meio a uma das aulas maçantes, a virtude que falava o tempo todo interrompeu a sua fala para chamar a atenção da garota.

— Desculpe — disse ela, mas não conseguiu prestar atenção depois daquilo. A aula era sobre os costumes dos pecados, como se comportavam, analisados de uma maneira psicológica.

Muriel não conseguia tirar a imagem de William da cabeça, e como ele poderia ser a vitima de qualquer uma das virtudes naquela sala. Esse pensamento a fez encolher. Imaginou o jovem sozinho em algum lugar, sem saída e sem ninguém para ajudá-lo.

Mas toda aquela apreensão desaparecia quando ela o encontrava. Era divertido. William podia ser carrancudo, mas tinha um humor ácido que a divertia, além do fato de Muriel adorar implicar com ele tentando fazer com que ele seja sociável. Visitaram um orfanato, uma estratégia de negócios para que o jovem William parecesse sociável e retirasse a imagem errada que a cidade tinha dele. Mas a obrigação se tornou um grande prazer para ele.

— Você as adora e precisa admitir! — falou Muriel rindo quando uma garota puxou as orelhas do jovem. William trouxera muitos brinquedos naquele dia.

— Não os adoro, mas também não os odeio como você Muriel — comentou ele quando a garota lançou um olhar mortal para uma criança pronta para abraçá-la coberta de tinta.

Naquele dia Muriel contou o que ela era. William ficou extremamente confuso.

— Como nunca ouvi falar de vocês?

— William é uma sociedade secreta...É muito importante que nenhum pecado saiba da nossa existência, pois contamos com isso para surpreende-los — ela percebeu como era horrível dizer aquilo para ele, pois ele era um pecado.

Ela contou tudo sobre as virtudes, não escondeu nada. William observava a tarde em silencio, completamente absortos em pensamentos que ela não conseguia decifrar.

— Então você... — ele disse suavemente — É a virtude encarregada de destruiu alguém como eu?

O mundo de Murie parou. Ela não tinha parado para pensar naquele detalhe em nenhum momento. O simples fato de ele ser um pecado já a preocupava, mas o caso era que ele era o pecado o qual ele estava sendo treinada para combater. William era a avareza e Muriel era a Generosidade.

— Isso não importa! — disse ela rapidamente — Eu nunca...

Era tão absurdo que as palavras não conseguiram sair devidamente. Ela balançou a cabeça, sua expressão era perplexa. William apanhou sua mão.

— Se eu tivesse que morrer, não haveria maneira melhor — disse tranqüilo.

— Por favor, Will, jamais pense nisso! — disse ela meio agitada, seus olhos começaram a lacrimejar — Por favor!

Ele a abraçou com força.

— Vou deixar o mosteiro, não posso continuar com isso..

— Não! — falou ele firme.

Muriel não entendeu.

— Não quero que saia ouviu? — ele apanhou seu rosto — Me prometa que não vai sair?

— Will, não entendo...

— O que vocês andam fazendo Muriel, é algo incrível! — disse ele ainda firme — Entenda, isso é uma maldição para o mundo. Somos um mal horrendo...você nem imagina nas coisas monstruosas que os pecados podem fazer!

— Mas você...

— Eu nasci com essa maldição Muriel, mas existem aqueles que buscam pelo poder. Eu queria ter tido a escolha, mas não tive.

Ele a beijou.

— Você precisa continuar com isso, me prometa! — ele a beijou novamente e a abraçou.

Muriel fechou os olhos e o tempo passou.

Quatro anos maravilhosos com William pareciam não poder mudar para melhor, mas chegou ao seu máximo com um simples pedido.

— Quer se casar comigo? — perguntou ele ao seu lado na cama.

Muriel já beirava os seus vinte anos, mas não mudou muito fisicamente. William, ao contrário, se tornara um verdadeiro homem. A garota retirou o olhar do anel caríssimo com a pedra enorme e levou as mãos a boca, ela tremia um pouco. Sorriu boba.

— Você esta mesmo me pedindo isso? — William riu desconcertado — Eu aceito!

No dia seguinte Anna Belle quase a matou de tantos abraços ao receber a noticia, antes mesmo da irmã chegar ao quarto parecia já saber. Muriel contara sobre William há dois anos atrás e houve uma grande briga entre as duas, ficaram um tempo sem se falar, mas no fim Anna compreendeu.

Muriel sempre tomara todas as medidas possíveis para que William jamais fosse notado como pecado. Ele não usava seus poderes, não tinha nenhum problema com isso já que na presença da garota o poder era reduzido consideravelmente graças à presença da virtude.

Naquela noite Muriel e Anna dormiram no mesmo quarto e começaram a relembrar a sua infância.

— Meu deus como nossos pais tiveram problemas para nos identificar — disse Anna olhando as fotos, Muriel devorava um pote de chocolate.

As duas riram o máximo possível. Aplicaram peças nos criados, visitaram os velhos esconderijos do castelo que só elas sabiam onde ficavam. Anna mostrou os garotos com quem tem saído, alguns ao mesmo tempo. Fizeram o cabelo uma das outras, falaram sobre faculdade.

— E como anda o seu diário? Você o trouxe como pedi? — perguntou Anna.

Muriel já estava meio bêbada com o vinho que as duas tomaram a noite inteira. Ela retirou o livro da bolsa e entregou para irmã.

— Muriel esse diário é valiosíssimo! — falou ela folheado — você anotou coisas aqui que muitos dos sábios do mosteiro adorariam dar uma conferida.

Ela de ombros com uma falsa modéstia. Muriel tem pesquisado bastante desde que começara a namorar William, ela queria entender melhor como funcionava, se havia algum registro de alguma virtude que tenha se envolvido com um pecado. A quantidade de informações que conseguira nesse meio tempo fora enorme.

— O que é isso Anna? — perguntou ela curiosa ao ler algo no diário da irmã — “Após minhas pesquisas descobri que não são só os pecados originais que tem o poder para transformar pessoas normais em pecados”.

— É a minha pesquisa — ela sorriu para a irmã.

— Muriel isso é uma informação perigosa — ela observou o conteúdo — Tem muita coisa aqui escrita sobre isso, você explica em detalhes como criar um pecado.

Anna se pôs de frente para a irmã.

— Muriel — começou a dizer — Todos esses anos nós temos estudado, treinado para combater pecados. O que eu estou descobrindo em minha pesquisa é uma maneira de controlá-los!

Muriel não conseguia acreditar no que estava escutando.

— Quem cria um pecado tem o poder de controlar o seu poder! — disse ela — Não precisaríamos mais lutar com eles.

— Mas Anna, as conseqüências disso... è extremamente perigoso. Pelo o que estou lendo aqui em alguns casos você precisa invocar o demônio!

— Eu nunca faria isso, nesse caso é se a pessoa deseja transformar outra em um pecado original...

— Anna isso é um absurdo! — eram paginas e paginas sobre isso — Como você conseguiu essas informações?

— Não revelarei minha fonte — ela fez um beicinho — Não vamos brigar, hoje é um dia especial.

Um mês depois Muriel se casou. Foi o dia mais maravilhoso de sua vida. Anna chorou o tempo inteiro e seus pais simplesmente não compareceram em protesto ao casamento. William parecia um príncipe encantado naquela roupa. A lua de mel foi memorável.

Cinco anos incríveis vivendo com William foram interrompidos quando ele disse:

— Vou lutar no exército...

— Mas eu não compreendo Will, porque diabos você teve essa idéia? — ela chorava bastante — Por quê?

Ele apanhou suas mãos e sorriu.    

— Eu preciso fazer isso Muriel, lutar para ajudar esse país...

— Que se dane Hitler! — ela o empurrou, soluçava muito — Ninguém esta pedindo para você fazer isso. Você é casado, não pode me deixar sozinha aqui!

Mas ele a deixou. Todo aquele tempo em guerra ela não vira sua irmã ou teve qualquer notícia de William. Em uma noite Muriel teve um sonho estranho e real.

William estava deitado em uma trincheira. Havia um barulho de explosões ensurdecedor e pessoas correndo e atirando. Ninguém deu atenção ao homem deitado ali. Ela se aproximou dele, sua dor crescia a cada passo e explodiu quando ele viu que ele estava banhado de sangue.

Ele sorria para ela, seu olhar fraco demais.

— Porque William, porque você fez isso? — a dor a dilacerava com violência.

— Eu... — começou a dizer em sussurros, mas que ela compreendia perfeitamente — Eu já não podia mais controlar quem eu era Muriel. Sentia que a qualquer momento eu perderia o controle de alguma forma.

— E você preferiu morrer na guerra como um idiota? — ela soluçava — Eu te odeio!

Ele sorriu, os dentes avermelhados. Muriel se aproximou, mas não conseguia tocá-lo.

— Pesquisei, deus sabe que sim...Pesquisei o máximo que pude — seu peito doía demais — A verdade era que eu procurava uma espécie de cura... Uma forma de transformá-lo em um humano!

— Mas você conseguiu — ele tossiu sangue — Você conseguiu Muriel... Quando eu estava com você eu me sentia normal. Que bom que terminou antes que esse sonho se tornasse um pesadelo.

— Você não pode morrer Will! — ela gritou — Eu não permito!

— Eu sempre achei que fosse uma armadilha do destino...O fato de você ser a virtude especifica para me matar.

— Cale a boca!

— Sabe o que eu acho Muriel? — ele gastava muita energia para continuar falando, seu peito se movia com dificuldade — Acho que vocês estão errados...

— Sobre o que?

— Você não nasceram para nos destruir... — ele tossiu — Você não me destruiu. Você me deu amor, me deu uma vida de ternura que eu jamais tive... Muriel você me curou.

A vida começava a deixar os olhos de William.

— O que me venceu foi o seu amor, não os seus poderes — disse, depois seus olhos se fecharam.

Muriel acordou em prantos. Demoraram dias para que ela recebesse a notícia que já  sabia do que se tratava.

Anna Belle apareceu no enterro, mas era uma pessoa totalmente diferente. De cabelos curtos a garota tinha uma expressão um tanto fria e aparentava ser mais velha que a irmã. Ela lhe deu um abraço seco.

— Soube das cosias que anda fazendo Anna — disse Muriel enxugando as lágrimas — Não acredito que seja tão estúpida.

— Eu só acredito em coisas diferentes — disse ela dura — Não sou mais aquela criança iludida por histórias de virtudes que lutam a serviço de deus.

Com ela vieram sete jovens. Todos aparentava ter seus dezesseis anos de idade. Muriel conseguia sentir a presença do pecado em cada um deles, era muito forte.

— Anna... — disse ela assustada ao olhar para os jovens. v

— São novos tempos minha irmã — disse a mulher seca — Espero contar com sua valiosa ajuda.

Muriel se afastou lentamente.

— O que você esta dizendo Anna?

— Não há mais necessidade de combatê-los — disse ela fria — Não quando posso usá-los.

A presença de Anna Belle também mudara, havia algo maligno.

— Você enlouqueceu!

— Muriel você é minha irmã e lhe peço que me ajude...

— Não! — disse Muriel sem acreditar — Ficou louca?

Anna Belle parecia uma estátua.

— Não vou te ajudar com isso — disse Muriel firme.

Anna suspirou.

— Então nossos laços terminam aqui.

Muriel jogou o cigarro pela janela e observou a expressão perplexa de Mike. Ele tentava assimilar tudo o que escutou, mesmo que ela tenha omitido certos detalhes íntimos. Cherry na cama escutou metade da história, mas fora o bastante.

— Então você foi casada com um pecado?! — exclamou Mike — Porque você os combate afinal?

— Para acabar com esse mal de uma vez por todas! — respondeu a mulher.

Cherry tentou dormir mais um pouco e deixar que os dois continuassem a conversar. Ela não queria pensar naquilo que Muriel contou. William morreu tão jovem... Desde então a mulher permanecera sozinha.

Novamente não sonhou com coisa alguma. Quando acordou estava sozinha no quarto. Ajeitou suas vestes e desceu até o jardim onde havia uma mesa arrumada e muitas pessoas chegando. Era o tal chá da tarde que Mike a convidou.

— Seu cabelo ficou horrível — resmungou Muriel, ela passou direto por Cherry e deu um tapa na cabeça de Luca, que parecia colocar alguma coisa gosmenta na boca.

— Melhor? — pergunta Mike, ele carregava uma bandeja com doces.

Cherry simula um sorriso. Sente um pouco de frio, mas rapidamente uma velha senhora lhe oferece um agasalho artesanal confortável. A garota agradece. A primeira meia hora foi extremamente agradável até que os amigos de Mike chegaram.

Eram seis. Um grupo bastante incomum e diversificado, mas o que chamou sua atenção é que Lena estava lá. Levantou da cadeira onde estava sentada e foi em direção ao grupo, mal conseguindo controlar sua raiva.

— O que diabos você esta fazendo aqui? — perguntou Cherry quase trombando com a garota de cabelos alaranjados.

— Vejo que o seu humor não mudou nenhum um pouco Cherry — Lena abriu um sorriso que deixou Cherry irritada.

— Eu pensei ter mandado você sumir da minha frente e principalmente ficar longe de Mike — ela rangia os dentes.

— O que esta acontecendo aqui? — perguntou Mike confusa, ele chegou rapidamente no local.

— Sua queria irmã esta a ponto de me dar um soco na cara — disse Lena.

— Outra vez — completo Cherry.

— Do que vocês estão falando? — Mike não poderia estar mais confuso.

— Depois que terminamos e eu deixei Newcastle, Cherry foi atrás de mim — contou Lena.

— Você o que?! — ele se voltou para irmã.

— Ela me deu uma surra, das grades — Cherry começou a encolher no seu lugar, percebendo como aquilo parecia estranho quando era contado a alguém.

— Você não parava de choramingar pelos cantos! — reclamou ela, e deu meia volta para dentro da casa. “O que diabos esta acontecendo comigo hoje?”.

Mike não sabia o que dizer, pois nunca ficou sabendo sobre aquilo até agora. Sebastian se pôs de frente de todos, admirando o lugar com o seu jeito incomum. Para ele a pequena cena entre Lena e Cherry não significou muita coisa.

— Que lugar rústico — disse ele admirado.

— Estou morrendo de fome! — disse Edgar, quebrando o clima tenso que Cherry instaurou.

Mike sorriu.

— Fiquem á vontade — disse apontando para a mesa farta.

Luca se aproximou de Cherry e puxou a blusa da garota. Ela tinha um pedaço enorme de bolo na boca e a cena fez a criança rir.

— Me chamo Luca, sou dono dessa casa — falou com sua voz infantil.

— Aposto que é — ela agitou a mão para que ele saísse, mas não saiu.

— Você é bem bonita, mas tem uma cara zangada de bruxa.

Ela abaixou e encarou a criança.

— Se não me deixar em paz eu vou lhe lançar um feitiço que vai te transformar em sapo.

Luca cruzou os braços e a encarou de volta.

— Você não me assusta.

Ela suspirou.

— O que você quer?

— Porque você nunca vem visitar o seu irmão? — perguntou inocentemente.

Mas Cherry não respondeu, e continuou a comer o seu pedaço de bolo.

— Sabe, se eu tivesse irmãos eu os visitaria o tempo todo.

Ela revirou os olhos.

— Esse tipo de comentário sentimental não cola comigo, vai procurar algo o que fazer — falou ela de boca cheia.

Ele mostrou a língua e saiu correndo.

— Pirralho — resmungou baixinho.

Enquanto isso Mike apresentava os seus amigos a Muriel. Sebastian mais uma vez tomou a frente.

— A famosa Muriel! — ele apanhou a mão da mulher e simulou um beijo, mas seus lábios não chegaram a tocar a pele enrugada.

Muriel não sorriu e sim resmungou alguma coisa baixinho. Todos se reuniram na mesa, menos Cherry. A garota estava dentro da casa olhando pela janela. Queria voltar para o castelo, mas sabia que Alphonse perceberia o que aconteceu com ela mais cedo e haveria outra briga. Tinha saudades dele, do seu abraço aconchegante e do sorriso.

— Cherry? — chamou Mike, ela o encarou meio triste e ele a observou por alguns segundos esquecendo o que iria realmente dizer.

— O que foi?

— Não quer se juntar á nós? — perguntou temeroso.

— Acho que não tem lugar...

— Eu já estava pronto para pegar essa poltrona...cadeira, seja lá o que for — falou ele apontando para a cadeira poltrona velha — Espero que não se importe de estar meio velha.

— Só porque eu moro em um castelo e você em uma cabana não quer dizer eu tenha me tornado uma garota fútil...

— Cherry, eu não quis dizer isso — interrompeu ele — É só que essa coisa tem mais de quarenta anos, mas já que você não se importa venha logo.

— Porque você me chamou Mike? — perguntou ela de repente, Mike apanhou a poltrona cadeira.

— Não posso?

— Pode... — disse ela dando de ombros. O jovem levantou a poltrona cadeira como se fosse papel — Mas é claro que sei que foi papai ou mamãe que mandou você arranjar isso.

— Se você diz...

A mesa era enorme, mas realmente já estava cheia. Mike colocou a cadeira poltrona no lugar que Cherry mais detestava, na ponta, onde todos tinha uma visão privilegiada dela.

— Então a pequena Alice resolveu se juntar a nós? — disse Sebastian comendo uvas. Cherry percebeu que a cena era estranhamente parecida com os desenhos da cena do chapeleiro louco, conde Alice se sentava em uma poltrona cadeira igual a essa — O chapeleiro louco é claro, sou eu.

— Seu amigo parece ser uma figura — resmungou ela baixinho quando Mike ajeitava a poltrona cadeira.

A comida estava deliciosa, mas Cherry não disse nada sobre isso. Conversou com alguma das senhoras a mesa e respondeu algumas perguntas do pequeno Luca.

— Somos Gêmeos! O Mike não é mais novo do que eu, você tem algum problema? — todos riam e conversavam como se o humor da garota não pudesse afetar ninguém ali.

Os amigos de Mike foram se apresentando um a um, exceto Lena que dispensou apresentações. Sebastian comia morango e lançava olhares esquisitos para ele, e tentava puxar algum assunto com Muriel, mas a mulher insistia em ignorar o rapaz. Cherry sentia algo estranho naquela mesa, ela não sabia explicar o que era. Era um calor misturado a calafrio, algo indefinido.

Conforme as amigas de Muriel levantavam para passear pelos arredores da casa ou tricotar, a conversa entre as virtudes se tornava mais audível. Quando as crianças levantaram Sebastian começou a falar com Cherry.

— Preciso falar por meus amigos aqui que você é bem atraente — Edgar, Félix e Gasper concordaram rapidamente. Caleb levantou da mesa, Sebastian lhe lançou um olhar desaprovando que ele saísse, mas ele ignorou aqui e foi mostrar alguns truques bizarros para as crianças, que rapidamente enlouqueceram de alegria.

Cherry forçou um sorriso em agradecimento.

— Adorei mesmo o seu novo cabelo — disse Lena.

Muriel começou a fumar.

— Sabe Cherry, não foi a cena em si que me lembrou Alice, mas sim o fato de você ser igual a ela — comentou Sebastiam remexendo a pequena colher da sua xícara.

Mike não sabia o que dizer então não conseguia comer pedaços e bolo um após o outro.

— Não vejo semelhança alguma, desculpe — disse ela.

— Não fisicamente — ele riu — Assim como a pequena Alice, você é uma garota curiosa. Sem medo algum resolveu entrar na toca do coelho, sem se importar se existe mesmo um país das maravilhas no final.

— Não sei que espécie de chá você esta tomando, mas deveria parar — falou ela, arrancando algumas risadinhas.

Sebastian também riu.

— Esse não é seu mundo Cherry — disse ele com a voz firme, mas estranhamente mantendo o sorriso — Você parece meio perdida nele.

— Não sei realmente do que você esta falando — ela começara a ficar nervosa — Desculpe ser rude, mas nem sei diabos quem é você!

— Talvez seja de grande importância que saiba — falou ele dando uma golada na xícara, mas Cherry estava preparada para levantar quando ele soltou as palavras — Ao menos para o seu querido Alphonse.

De repente a teoria de que fora uma armação de seus pais evaporou. Cherry observou os jovens, agora completamente atentos a sua expressão. Mike continuava a comer, mas também estava atento. Muriel continuava a fumar, mas não olhava para ela.

— Quem são vocês? — perguntou.

Levou meia hora para que Sebastian contasse toda a história das virtudes, obteve ajuda de Muriel em certas partes. Mike estava meio nervoso com tudo aquilo. Observou a irmã digerir todas as informações, parecia nervosa também.

— Entendo — falou ela firme — Então eis que surge o motivo para o pateta do meu irmão me convidar para essa palhaçada.

Mike engasgou com o seu bolo e Muriel sorriu de verdade.

— Qual motivo? — se interessa Sebastian.

— Ah por favor, não sou uma anta que nem meu irmão — Mike queria se defender, mas se manteve — É obvio que me queriam aqui para obter todas as informações possíveis, me usar de algum modo. Então imagino que sejam vocês que tem andado matando os amigos de Richard, não é?

— Nunca imaginei que o luxúria fosse compartilhar isso com você, que incrível! — falou Sebastian surpreso.

— Não compartilhou, eu dei um jeito de descobrir sozinha — ela se voltou para Mike — Então e nisso que você esta metido Mike? Agora você mata pessoas?

— Pessoas? — interrompeu Sebastian — Cherry, desculpe ser eu a pessoa que irá lhe dizer isso, mas não são pessoas e sim demônios.

— Se você pensa assim então é um idiota — disparou ela — Perderam o seu tempo, eu não vou dizer nada.

— Nossa não existe necessidade de brigar, estamos aqui em paz! — exclamou Gasper sorridente — Deixa eu me apresentar novamente, Sou Gasper e adorei o seu humor.

Ele estendeu o seu único braço para ela, Cherry se sentiu pressionada em cumprimentá-la.

— Qual é, vai deixar de cumprimentar alguém que só tem um braço? —Ela revirou os olhos e aceitou a mão.

— Isso é golpe baixo...

Mas quando Cherry puxou sua mãe de volta Gasper foi estranhamente para frente derrubando algumas coisas da mesa. Seus olhos arregalados e o sorriso paralisado. Ela puxou sua mão novamente e ele a soltou.

— O que foi? — perguntou ela sem entender.

Ele voltou a piscar e balançou a cabeça.

— Nada, acho que seu aperto de mão é extremamente forte.

— Sei... você diz isso pras garotas, não é?

— Só para as nervosinhas — ele piscou para ela.

Edgar também conversou com Cherry e depois foi a vez de Félix. A conversa se arrastou por mias uma hora, até que ela se sentia exausta mais uma vez. Não quis perguntar mias nada sobre as virtudes, nem dirigiu a palavra para Mike nenhuma vez.

— Você parece meio casada Cherry — comentou Sebastian.

— Um pouco — admitiu ela.

— Antes de você ir, gostaria de jogar um pequeno jogo? — perguntou Sebastian — Sei que deve estar me odiando agora, mas prometo que será bem rápido e indolor.

— Que tipo de jogo? — perguntou desconfiada.

Ele mostrou três xícaras a sua frente. Postas na mesa, viradas e exatamente iguais. Sebastian as alinhou uma do lado da outra.

— Das três xícaras qual você escolheria? — perguntou suavemente.

Cherry bufou. Olhou para as três xícaras, deu umas três piscadas e levantou o dedo lentamente.

— Espere! — interrompeu Sebatian mais uma vez — Poderia vir você mesma virar a xícara?

Ela revirou os olhos, mas considerou uma boa ideia, pois dali iria embora. Ficou ao lado do jovem loiro de vestes claras, mas ficou pensativa por uns segundos. Mike não conseguia entender a finalidade daquilo. Cherry estendeu a mão devagar, passando pelos ombros de Sebastian. Tocou a xícara da esquerda com o dedo, mas resolveu virar a do meio.

— Não gosta?

— Acho muito doce — respondeu ela sem pensar duas vezes, mas então ficou parada ali encarando o jovem. O que ela acabara de dizer?

De baixo da xícara do meio havia um morango. Ela apanhou e foi embora rapidamente. No caminho ela encarou Luca, que estava em cima de uma arvore e pronto para pular na garota, mas desistiu.

— O que foi isso? — perguntou Mike.

— Um pequeno teste — disse ele sorrindo — Cada xícara tem um significado.

— Que significado? — perguntou impaciente.

— A xícara da direita representa o lado dos pecados, porque eu imaginei desse modo — Sebastian levantou objeto e um pequeno escorpião saiu dali correndo.

— FICOU LOUCO? — gritou Mike.

— Eu disse que era o chapeleiro louco — ele riu — A xícara da esquerda representa o lado das virtudes.

De baixo dessa havia um marshmallow. Mike olhou o doce e sua mente fez um “click” mental. Lembrando da fala de Cherry ao responder a pergunta de Sebastian “não gosta?”.

— Essa era a xícara que ela iria escolher — falou Sebastian.

— Mas como ela sabia o que havia de baixo? — Mike estava maravilhado e confuso ao mesmo tempo.

— Minha teoria é que ela foi muito além — disse Sebastian — Cherry interpretou as xícaras como uma escolha de lado, que era justamente o que eu estava pensando. Ela não optou pelas virtudes, mas se quer considerou a xícara da direita, pois sabia que havia perigo nela. A xícara do meio foi a melhor opção para ela.

— Incrível! — exclamou Edgar.

— Só que eu a enganei — riu Sebastian, e todos na mesa com exceção de Muriel pareciam surpresos.

— Enganou? — perguntou Lena.

— O jogo não era sobre isso, mas em minha mente eu coloquei essa ideia. A verdade que a finalidade do jogo era descobrir o que a sua irmã realmente é.

Mike sentiu o olhar de Sebastian, mesmo que esse ainda estivesse encarando a xícara.

— Cherry escolheria a xícara que a definiria, pois já estou levando em consideração que assim como Mike ela não é uma pessoa comum — Ele encheu a xícara que continha o escorpião com chá e deu uma golada — Cherry não é uma virtude e muito menos um pecado.

Mike se sentiu feliz de finalmente a sua surpresa e confusão estar sendo compartilhando com o restante da mesa.

— Como pode ser Sebastian? — perguntou Félix.

— Isso não é importante agora — deu de ombros — Quero saber o que Gasper viu na mente dela quando apertou a sua mão.

— O que foi aquela reação estranha? — perguntou Lena, ela se referia ao momento em que ele e Cherry apertaram as mãos.

— Teve dificuldades em ler a mente da garota? — perguntou Félix.

— Você tentou ler a mente da minha irmã? Não me disseram nada disso! — perguntou Mike nervoso.

— Parece que seu amigo deixou de te contar muitas coisas — falou Muriel acendendo outro cigarro.

— Não tive dificuldade em entrar na mente dela, muito pelo contrário. Foi como se a mente dela me sugasse para dentro. Fui dragado para uma floresta estranha, vi coisas esquisitas. Alguém tem mexido na cabeça daquela garota.

— Ela esta bem? — Mike mal escondeu sua cara preocupada, mas Gasper não o confortou.

— Não muito, mas com repouso...quem sabe — ele olhou para Sebastian e afirmou com a cabeça — Esta feito.

— Então Muriel, será que você vai me dar a honra de olhar no seu famoso e inestimável diário? — Sebastiam juntou os dedos e sorriu para Muriel. A mulher retribuiu com um olhar de desprezo.

— Vai sonhando moleque.

— Sebastian disse que iria me contar o que Anna Belle esta querendo com os pecados — falou Mike esperançoso.

— O que eu tenho pra te falar Mike é o que sua tia já sabia há muito tempo, mas por alguma razão não te contou.

Muriel nada disse.

— Sua avó está juntando pecados, mas não são os comuns e sim os originais. Precisa dos sete juntos porque acredita na veracidade de escrituras antigas que dizem que é possível unir os poderes dos sete em um único corpo.

Para Mike a noticia pareceu absurda, mas ninguém se impressionou. A ideia de unir os pecados em uma pessoa parecia estranha, mas ele tinha que aprender de uma vez por todas que tudo era possível naquele mundo. Mas depois de saber daquilo Mike começou entender cada vez mais a seriedade da situação. Alguém precisava impedi-los.

— Até então eu achei que ela nunca conseguiria, pois nunca houve noticia do pecado Vaidade vivo...até então — contou Muriel.

— Mas vocês disseram que não existe o pecado da Ira original — tentou argumentar.

— Não existe de fato, mas sua avó conhece meios de simular um pecado encarnado da Ira — contou Félix — É uma espécie de possessão demoníaca, que nós achamos que ela já aplicou em uma garota chamada Lara. Como você já sabe.

Mike observou sua irmã esperando a limusine chegar e resolveu deixar a mesa e ir atrás dela. Era esquisito o seu novo visual de cabelos negros, mas Cherry tinha a mesma postura de sempre.

— Já vai? — perguntou sorrateiro.

— Seu amigo conseguiu tudo o que queria? — zombou ela.

— Desculpe, mas me colocaram em um situação...

— Mike você vai fazer de novo, eu sei que vai — falou ela, aquilo deixou Mike sentido — Se trair minha confiança Não vou te perdoar.novamente... Não vou te perdoar.

Ele não conseguia dizer mais nada e isso irritou Cherry profundamente. Não importava quantos músculos o irmão adquiria e muito menos com que andava. Mike continuava infantil aos seus olhos, mesmo que ainda esteja caminhando para se tornar um homem.

Ela ficou sozinha depois que seu irmão desistiu. Ficou com seus pensamentos só por alguns minutos. Quando começou a ver a floresta novamente um carro cinza e velho parou na sua frente. David parecia surpreso.

— Cherry? — ela sempre deixava passar perguntas como essa, porque afinal era David — Não esperava te ver aqui...

— Mike me chamou... Já estou indo. Você veio se aproveitar da comida não é?

David riu, suas covinhas apareceram. O cabelo caramelo do jovem estava maior, ele usava um cachecol elegante.

— Não me diga que a comida já acabou? — disse ele rindo.

— Fiquei sabendo que você se aventurando no mundo da moda — comentou ela, fazia algum tempo que descobrira isso. Julius convidou alguns jovens de Newcastle para algum tipo de campanha e David fora chamado, mas até onde ela sabia fora um único trabalho.

— Pois é, preciso do dinheiro — ele deu de ombros. David olhou para os lados — Cherry você precisa de carona?

— Não precisa, estou esperando a limusine — ela cruzou os braços e olhou a estrada vazia.

— Não vou insistir — disse ele triste, começou a manobrar o carro para estacionar.

— Ok David! — chamou ela, se odiando por dentro — Mas não finja que essa foi sua intenção desde o início.

Ela entrou no carro e ficou imediatamente a vontade. Tocava uma musica gostosa de se ouvir. David dirigiu pela cidade bem devagar, tempo o bastante para ele ganhar sua chance de conversar com Cherry. Para ela era interessante notar como o garoto tem investido bastante. Talvez David percebera que o relacionamento dela com Alphonse Ra algo realmente sério, principalmente agora que moram juntos.

— Não vou na festa de Alphonse, tenho tanta coisa pra resolver... — disse ele, referindo-se a grande festa que Alphonse fazia e que virava notícia na cidade inteira. Trava-se de seu aniversário de dezoito anos.

Cherry abraçou suas pernas e olhou para as pessoas da rua. David esticou o braço e acariciou sua nuca. Conversaram bastante, mas quando o carro quase deixava a cidade ele parou.

— Sinto que é minha ultima chance de mostrar que um sentimento que só cresce a cada dia. Eu te amo cada vez que te vejo na escola, pensativa e triste...Te amo cada vez mais quando escuto sua voz, quando seu olhar encontra o meu...

— David... — Cherry não esperava isso, o jovem deslizou o braço para o lado e se aproximou ao máximo. Seu halito com um frescor incomum.

— Você desperta tanta coisa dentro de mim...eu só queria poder — sua mão tocou a face de Cherry.

Ela começara a amolecer lentamente. David não se conteve e a beijou. Cherry pesara por um segundo que depois de tanta coisa que passara com Alphonse, todo o sentimento, mudaria a forma como ela encarava David. E que aquele desejo desaparecesse, a afeição, o amor.

Tudo continuava o mesmo.

O jovem parecia hipnotizado, como se há muito tempo lutasse com aquele desejo, mas agora ele se entregara totalmente. Continuava inocente, belo como um anjo. Mas um homem afinal.

Cherry deslocou-se para o assento do motorista o rapaz segurava sua cintura enquanto a beija. Era intenso e ela precisava daquilo. Ao poucos a delicadeza e o cuidado de David ia desaparecendo e seus toques tornavam-se cada vez mais ousados. Teve certeza de ter machucado o peito dele, pois suas mãos pareciam querer arrancar um pedaço dele, mas não houve reclamações. Em seguida ela passou suas mãos no cabelo dele, tão delicioso era estrumá-los.

David era só seu e ela poderia fazer o que bem entendesse.

Quando ela tocou a buzina do carro acidentalmente ela percebeu que estava fazendo uma besteira. Retornou ao seu lugar deixando David confuso e ofegante. Ela não disse nada, ficou encolhida e virada para o lado oposto dele. Fechou os olhos.

— Vou te levar para casa — disse ele meio engasgado.

Foi extremamente desagradável permanecer no carro por quase duas horas. Quando finalmente chegou ela não se despediu dele e disparou para dentro do castelo. O pânico a invadiu com a ideia de que Alphonse poderia ler sua mente. O que ela fez fora uma traição, e não importava que desculpa ela poderia dar, Cherry não deveria ter feito aquilo.

Imaginou o rosto triste de Alphonse, aquilo a destruiria para sempre, não poderia suportar viver com aquela imagem. Começou a chorar no caminho para seu quarto. Mas uma surpresa a aguardava.

— CHERRY! — berrou. A principio ela pensou ser Jenny, mas na verdade se trava de Rebecca, sua amiga de Baltimore.

Na verdade era Rebecca, sua amiga de Baltimore, em uma fase adolescente meio esquisita e carente de atenção. Tudo o que ela não precisava naquele momento. Mas realmente fora uma surpresa.

— Não acredito que você esta aqui! — falou.

— Não acredito que você tem uma vida de princesa! — Rebecca olhava admirada a sua volta — Cherry isso é um sonho!

Ela descobriu que fora uma ideia de Alphonse para animar o clima. Rapidamente Rebecca e Jenny se tornaram amigas, conversaram até muito tarde da noite, Cherry aproveitou para descasar mais um pouco enquanto as duas experimentavam roupas novas.

O cabelo de Rebecca continuava gigante, liso até quase os quadris, com mechas cor de rosa. Dormiu abraçada a amiga, Jenny também se recusou a ir para o seu quarto e dormiu ali mesmo.

No dia de aula Cherry saiu de fininho de seu quarto, tentando não acordar Rebecca. Percebeu a bagunça que estava sua vida quando viu que não havia feito nenhuma das tarefas exigidas pelo professor, até o material que tinha naquele momento nas mãos não pertencia a nenhuma das aulas daquele dia. Mas porque se lamentar agora quando tudo sempre poderia piorar...

— Olá pessoal! — disse Rebecca entrando na sala de aula. Usava uma bota grande de couro e uma saia curta com um desenho de uma caveira estampada. Sua barriga estava à mostra deixando todos saberem que ela tinha um piercing no umbigo. Os alunos simplesmente pararam de conversar para encarar a garota, e cochichar bastante.

Rebecca percebeu isso e começou a sorrir e se mexer com sensualidade.

— É isso mesmo, a vadia esta área! Segurem seus namorados garotas! — cantarolou ela, Cherry começou a afundar em sua cadeira lentamente.

A semana com sua amiga ajudou e muito a esquecer seus problemas. Cherry evitou o máximo que pode se encontrar com Alphonse, mas não pode fazer isso no dia de seu aniversário. Nada de especial aconteceu, fora um grande festa, mas ela esperava que algum drama ocorresse, afinal com os pecados qualquer coisa pode acontecer. Mas tudo ocorreu bem.

Alphonse insistiu que ela não desse nenhum presente, e foi exatamente isso o que ela fez. Queria desesperadamente falar com Stevan, mas não conseguia encurralar o jovem em algum canto, pois estava sempre acompanhado de Julius, provavelmente a mando de Alphonse.

Dois meses se passaram e ela começara a ter pesadelos horríveis com a criatura de sua mente. Alphonse jamais demonstrou saber sobre ela e David, mas a relação dos dois estava finalmente voltando ao normal aos poucos. Ela resolveu tentar deixar seu cabelo voltar ao normal, mas demoraria muito. As virtudes circulavam pela escola, mas não se dirigiram a ela nenhuma vez.

Cherry pensou várias vezes em contar a Alphonse e aos outros sobre Sebastian e o restante do grupo, mas ela não queria incitar uma guerra, e aparentemente ninguém estava fazendo nada. Ela não conseguia ver aqueles jovens como uma ameaça realmente. Não quando em seu lado havia Alphonse e seus raios e Richard suas chamas mortais.

Tudo o que ela precisava agora era dar um fim nessa busca pelo seu segredo e a “verdadeira Cherry”. Finalmente conseguira encontrar Stevan em seu quarto, ela explicou tudo o que havia acontecido, sobre a criatura, sobre a parte mais escura. Na verdade aquele dia ainda ecoava em seus sonhos, nem ao menos conseguia olhar para as garotas que fizera amizade.

— Tem certeza? — perguntou ele — Uma vez que eu fechar sua mente você não poderá visitá-la novamente, não daquela maneira.

E o segredo estaria guardado para sempre, pensou ela.

— Eu quero isso — disse segura.

Ele pediu para que ela deitasse na cama e relaxasse o máximo que podia. A floresta invadiu a sua mente em um salto, tudo bem real como sempre.

— O que faço agora? — perguntou ela.

“Não se preocupe Cherry, em poucos segundos tudo irá desaparecer” disse ele calmamente. Mas alguma coisa chamou a atenção da garota, havia um objeto no chão. Ela se aproximou devagar, era um pequeno baú.

— O que é isso? — perguntou. Era bom ter Stevan de volta para sua mente, pois ele tinha respostas.

“Entranho... Isso não parece ter ligação com sua mente”

Cherry apanhou o baú, era pequeno e vermelho. Ela não fez nenhum movimento, mas o pequeno objeto abriu deixando uma luz forte sair de dentro. Ela olhou para os lados depois que a luz desapareceu, tudo parecia o mesmo.

— O que foi isso? — perguntou.

Mas não houve resposta alguma. Ela bufou e continuou andando esperando que Stevan a retirasse daquele lugar logo.

— STEVAN! — berrava, mas ele não respondia.

A floresta estava calma demais. Cherry não se atreveu a andar mais, pois sabia que o lado mais escuro se encontrava á alguns metros a frente. Ficou esperando durante um tempão, até que Alphonse a despertou rápidamente.

Seus olhos giravam e ela teve vontade de vomitar. Alphonse parecia preocupado.

— O que houve Cherry? — perguntou ele aflito. Ela não conseguia entender sua preocupação. Mas quando olhou para o lado seu coração gelou.

Stevan estava caído no chão, seus olhos fora de orbita e o nariz e a camisa cheios de sangue.


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Notas finais do capítulo

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