Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 10
Capítulo 10




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Momentos antes, Daisuke cautelosamente realizava sua investigação pelo local. O que certamente provou-se um duro desafio, considerando a desolação total e completa da cidade. O garoto esboçou um sorriso de satisfação quando avistou algo útil enquanto procurava nas estradas secas e cheias de rachaduras: uma rosa desabrochando. E que rosa.

Sua existência era algo de outro mundo, com uma coloração perfeitamente ruborizada que realçava a fragilidade das belas pétalas e intensificava o aroma; tudo isso, não nos esqueçamos, em solo esburacado e constantemente agredido pelos passos e alterações descuidadas das pessoas. Nesse contexto, a rosa exercia uma presença tão forte quanto a de uma flor no deserto.

Mas Daisuke não caiu nas garras da sedutora escarlate, nem da "companheira" logo atrás de si. Percebeu desde o início sua intenção assassina, e sabia que ela sabia disso. Aproveitando a chance, o jovem se deixou levar por onde ela pretendia, notando uma pistola apontada para sua cabeça quando tomasse uma rota indesejada.

Como esperado, aquela devia ser uma armadilha. Buscando não chamar atenção, Daisuke aproximou-se timidamente da flor, agachou-se, e com grande destreza a esmagou entre os dedos, aniquilando todo resquício de beleza e fragrância originais. Logo em seguida chamou a parceira:

— Natt, venha aqui um instante, por favor.

Ainda agachado de modo a ocultar a visão da garota que se aproximava, Daisuke a parou e questionou se conseguia sentir alguma coisa no ar.

— Hmm... — respondeu Natt, fungando — sim, é um bom aroma. Parece estar vindo da rosa atrás de você, certo? Por que não damos uma olhada mais de perto?

— E por rosa você quer dizer esta aqui, que eu por acaso acabei de esmagar? — respondeu sarcasticamente o garoto, mostrando a pobre flor violada.

Natt logo mostrou frustração e não pensou duas vezes antes de sacar sua pistola, ao mesmo tempo em que o cheiro desaparecia completamente. Sem se importar, Daisuke continuou:

— Interessante como você ainda conseguia sentir o cheiro de uma rosa destruída, mas eu não. É como se existissem duas rosas distintas no mesmo lugar e ao mesmo tempo, uma para cada pessoa. A destruída, que não emite nenhum cheiro, e a original cheirosa, que você presumia existir antes de eu lhe mostrar isto.

Claro que a pessoa em frente a Daisuke não precisava de nenhuma explicação. Podia inclusive corrigir Daisuke, já que não era "como" se existissem duas rosas distintas no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Sentindo sua aparência desfigurar-se assim como seu plano, a farsante atirou bem no meio da testa de sua vítima.

Natt corria em direção à fonte do disparo, mas sentiu a visão começar a falhar quando avistou Daisuke caído no chão e tentando erguer seu braço como se quisesse alcançar alguém, embora apenas ele estivesse lá. No próximo instante um novo ciclo teve início.

A garota acordou cedo e com um mal pressentimento de que maior exposição àquela loucura toda teria péssimas consequências, mas hesitou ao sair de seu quarto e se aproximar da porta dos aposentos de Daisuke. Lembrou-se daquele bizarro incidente e decidiu que deveria explorar a cidade por si própria; uma sábia escolha, pois Daisuke também desconfiava e estava atrás da porta pronto para qualquer visitante.

Sabendo que a saída levava a uma armadilha, Natt procurou a rota pela qual entrou na cidade, mas nem isso conseguiu localizar. Estranho, não costumava se perder mesmo sem GPS. "Que seja", pensou Natt", "A esta altura o prefeito e seus capangas já devem ter desistido. Eu mesma vou à prefeitura, onde ele não poderá fazer nada com tanta gente ao redor, e tento desvendar o mistério".

Daisuke, acompanhando cada passo da companheira, surpreendeu-se ao perceber que ela havia tido a mesma ideia que a sua. Por hora, entretanto, seria melhor mantê-la nas sombras e em dúvidas se poderia ou não confiar nele. Não apenas para dar desvantagem ao inimigo, seja quem fosse, mas pela própria Natt.

Apesar de como agia e parecia, o garoto ainda tinha traços que misturavam bondade e ingenuidade. Queria fazer Natt conseguir sozinha, ou quem sabe com algum empurrãozinho, dominar seus impulsos. A assassina em reforma, entretanto, não via as coisas desse modo nem achava que essa parte de si pudesse ser reformada. Não queria que fosse.

Ao contrário de Daisuke, que sentia a necessidade de usar uma armadura cada vez mais restritiva que mostrasse uma figura forte e impessoal, Natt sempre tentou — mesmo inconscientemente — explicitar publicamente suas fraquezas a quem quisesse ou não saber. Sentia-se segura, sentia-se uma jovem normal, sentia-se humana com suas palavras e ações inconsequentes. Era imperfeita e se orgulhava disso.

Chegando à prefeitura, Natt encontrou pouca dificuldade em conseguir uma reunião informal com o prefeito, mas só depois que este terminasse de acariciar o cachorro. Ficou imediatamente chocada ao perceber que o prefeito não necessariamente preferia animais a humanos; a verdade é que o escritório era tão minúsculo que mal cabiam duas pessoas, ou animais, ao mesmo tempo.

O homem explicou todo o contexto geopolítico em que a cidade se encontrava e como a Aliança deixou apenas aquela parte da outrora grande nação, pacientemente sanando as dúvidas da garota, como uma pessoa completamente diferente daquela que a atacaria naquele beco. Mas ela não estava satisfeita e lançou um comentário:

— Ainda assim, não vejo o porquê de tanta hostilidade com meros estrangeiros.

— Ah, perdoe-me se os cidadãos a ofenderam de alguma forma. Não está sendo fácil para ninguém aqui, sabe? Não depois daquilo...

O prefeito explicou que desde algum tempo a cidade vinha sendo atormentada por misteriosos visitantes noturnos, inicialmente tratados como mera lenda urbana, pois poucos os viam. Passaram-se algumas semanas e todos os que relataram ter visto as figuras desapareceram em uma única noite. No dia seguinte, seus corpos estavam em frente à prefeitura.

A partir daí não parou mais; novas vítimas eram feitas todas as noites, sem exceção. A paranoia se alastrou a tal ponto que qualquer estrangeiro tinha o tratamento de suspeito, e só os comerciantes nascidos na cidade eram confiáveis. Provavelmente também seria esse o motivo para a cidade estar desolada no início da manhã.

Daisuke, observando tudo atrás das grades do tubo de ventilação, achou ter algo a mais na história. Por que o prefeito agia de forma tão calma, mesmo tendo perdido a família? É como se ele tivesse abandonado a esperança de capturar os culpados de modo convencional. Se apenas seu campo AE estivesse sincronizado com o de Natt podia transmitir instruções... Por isso mesmo surpreendeu-se quando a garota questionou:

— E por que eu estou aqui e não presa?

— Como já disse, mil perdões pelo tratamento hostil que recebeu, mas não vamos chegar a lugar algum assim.

— Pode parar com a encenação, senhor prefeito. Qualquer pessoa normal teria no mínimo decretado estado de sítio, e qualquer pai seria capaz de perder a cabeça para encontrar o assassino de sua família.

— Oh, a senhorita disse algo bem interessante — sorriu diabolicamente o prefeito —. Como sabia que minha família também foi vítima desta onda de assassinatos?

— Oras, porque o senhor... Opa.

"Porque o senhor me disse" era o que Natt queria dizer, mas esse evento não tinha acontecido naquele dia. Daisuke não interveio, porque os momentos seguintes poderiam ser decisivos para encontrar a solução do mistério:

— Parece que te peguei, assassina — vangloriou-se o homem —. Sim, eu não queria trazer os culpados à justiça por métodos convencionais. Primeiro por saber que a Aliança está de olho em nós e um mero estado de sítio não é nada comparado ao seu poder, e segundo porque queria eu mesmo cuidar dos desgraçados. Se conseguiu marcar um encontro tão facilmente comigo é apenas por eu estar preparado para isso; sabia que viriam e cometeriam algum deslize, então pacientemente esperei.

— E se não fôssemos nós os culpados?

— Bem, suponho que simplesmente se juntariam a eles...

Mal terminou de falar quando ouviu-se barulhos de engrenagens e uma passagem secreta se abriu através da estante de livros. Atrás estavam cadáveres em decomposição do que pareciam ser soldados da Aliança, identificáveis pelos uniformes. Estranhamente, não parecia haver nenhum verme decompositor por ali nem o cheiro característico. Ainda assim a cena era bem perturbadora.

"É isto!", rapidamente concluiu Daisuke, e saiu em disparada à cidade com as adagas Ymir em mãos. Natt não pensou duas vezes antes de fazer o mesmo, mas foi frustrada pela barricada de pessoas bloqueando a saída da prefeitura, estando o prefeito logo atrás de si. A garota estava mais do que disposta a apelar à força bruta, mas Daisuke surgiu com uma refém.

— O que você pensa que está fazendo, miserável? Não o deixarei sair impune por seus crimes! — esbravejou o prefeito.

— Acho que o senhor é quem deveria ser preso por inventar um crime falso. Este amigo tem alguma coisa a dizer sobre sua filha e sua esposa, certo?

— O-o-o que você quer que eu diga? — indagou o aterrorizado cidadão — Bem, vocês estão muito bonitas hoje, senhora e senhorita, não tenho reclamações.

Todos olharam surpresos ao locutor.

— O que foi? Disse alguma coisa errada?

E de fato, logo após sua fala surgiu toda a família do prefeito, para o espanto deste. Sem compreender nada, como sempre, Natt foi em direção a Daisuke, mas novamente sentiu um repentino "blecaute" e desmaiou. Novamente o mesmo dia. Chega, estava cansada e queria sair dali imediatamente. Daisuke, entretanto, mostrou-se uma pessoa completamente diferente ao perguntar:

— Por que você está tão ansiosa, aconteceu alguma coisa durante a noite?

Ótimo. Em um instante ele parece saber de tudo, agora está ainda mais perdido que a própria Natt. Furiosa, a garota levou ambos à primeira armadilha ao tentar sair da cidade, sendo emboscados pelos mesmos sujeitos encapuzados. Mas dessa vez o jovem não deu nenhuma ordem específica; ao contrário, logo assumiu postura de combate e indagou:

— O que foi?

— O que foi o caramba — exclamou Natt, no limite de sua paciência —, você vive me dizendo para não arrumar confusão com civis, não é? De repente decidiu voltar atrás e ir pelo caminho fácil?

— Podemos pensar nisso depois, agora o mais importante são nossas vidas.

Sem pensar duas vezes, Natt aproximou-se e acertou em cheio a face de Daisuke com um potente soco, paralisando inclusive os encapuzados. Aliás, nem parecia que estavam mais ali. Mais surpreendentemente ainda foi Daisuke calmamente levantar-se e dizer, em tom de voz baixo:

— Obrigado, você me salvou aqui. Parece que nosso inimigo temeu minha aproximação com a verdade e tentou manipular minha mente de algum modo. Ninguém sabe o que teria acontecido se eu agisse de acordo com a vontade dele.

Era mentira, claro. Antes de se libertar daquele mundo maluco, queria fazer Natt entender seu ponto de vista e mudar por si própria, mas novamente por ingenuidade não entendeu o verdadeiro significado do golpe. Natt não censurou Daisuke por querer ela mesma restringir o instinto; queria que ele a restringisse, e portanto não tinha o direito de cair em fraqueza.

A garota não estava rejeitando a fraqueza, porém aceitando-a com todas as suas forças. Se ela não podia ser forte, seu companheiro podia muito bem o ser por ela. Com esse simples gesto, entregava-se, ao seu modo, às vontades de Daisuke. Aliviada pela farsa, manifestou-se:

— An... claro, de nada, é só avisar quando quiser mais um. Mas que inimigo seria esse?

Com um ar enigmático, Daisuke inclinou o pescoço para frente e cutucou repetidamente a testa com seu dedo indicador. Então, como se dominado por uma poderoso êxtase, apontou para Natt e declarou:

— O culpado é você.


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