Renere havia sido enlouquecida, não havia dúvidas. Rany pediu para cuidar dela, mas infelizmente não tínhamos como comprovar sua loucura de fato, então não podíamos tirá-la das masmorras. Dave a levou de volta, mas não sem antes lançar um olhar na direção de Jay, olhar este despercebido por muitos, mas notado por mim e, inclusive, por Edmundo. Tirian pronunciou-se dando um passo a frente.

–Tenho algo a confessar. - disse ele, logo recebendo atenção. - Depois da execução de Julian eu descobri algo que a correria dos últimos acontecimentos não me deu tempo de revelar-lhes.

–Continue. - incentivou Pedro, esperançoso.

–Jadis substituiu sua informante quando Renere foi desmascarada. Descobri que Rachel está do lado inimigo. - falou de uma vez. Lúcia arfou de raiva. Tirian prosseguiu. - Tomei providencias contra ela, apesar de suas ameaças. Rachel está sob meu poder, trancafiada em seu próprio quarto, coloquei homens de confiança para guardá-la.

Sem dúvida aquilo surpreendeu a todos. Num misto de raiva e ânsia por respostas, Pedro ordenou que a trouxesse imediatamente. Lúcia inquietou-se e vi Jay incomodar-se, Rany pôs a mão em seu ombro.

Aguardamos alguns minutos e ele a rebocou para dentro do recinto. Ela tinha no rosto uma expressão petulante e audaciosa, não deixou de encarar Lúcia que sustentou toda a investida sem nunca baixar o olhar ou a cabeça.

–Solta, Jay. - ouvi Rany sussurrar para a outra que tinha a mão no punho da espada.

Pedro ergueu-se e deu alguns passos em direção a ela, na sua melhor postura autoritária.

–Existem acusações muito severas contra você, Rachel. - começou ele, imparcial. - Traição seria uma delas. O mesmo crime que você ajudou Julian a cometer. Acredito que sabe a sentença. Portanto, devo informar que podemos ter piedade se você colaborar.

Ela sorriu torto, desafiante.

–Não sei do que o senhor está falando, Majestade.

–Sabe muito bem, e não me teste. Tendo ciência dos seus atos e o testemunho de todos os presentes posso executá-la aqui e agora.

–Mas se fizesse não teria sua resposta, apesar de ter perdido sua credibilidade de julgamento.

–Tome o cuidado de escolher suas palavras, está falando com um Rei. - ameaçou. Ela ergueu as sobrancelhas e sorriu mais.

–Estou falando com um assassino! - garantiu. - Estou na presença de um monte de assassinos!

Jay avançou contra ela, mas Rany e Edmundo a seguraram.

–De assassina passará a assassinada, cretina! - rosnou ela. Rachel voltou-se para ela. Pedro continuou calado, deixando-a falar tudo o que quisesse, talvez fosse útil.

–Você deveria estar do meu lado, Jay. - afirmou Rachel. - Seu marido assassinou seu único irmão com a permissão de todos eles – indicou-nos com a cabeça. - E você não fez nada para impedir! Ainda por cima permanece junto a eles!

–Você – grunhiu Edmundo, mantendo o braço à frente da esposa. - Atentou junto contra uma Rainha de Nárnia! Acho que está bem claro quem levou Julian à morte!

Rachel riu.

–Vocês! Vocês levaram à morte um inocente!

Todos pararam e ela prosseguiu.

–Eu o enfeiticei na festa do seu casamento, minha cara Jay. Você estava tão empolgada com tudo que nem ligou para seu irmão. Julian não estava no seu total controle quando se deitou comigo ou quando desafiou Edmundo. Com seu orgulho ferido, seu querido maridinho mandou seu irmão, inocente, à morte!

Havia choque no rosto de Edmundo e Jay perdeu a cor. De repente, surpreendendo-me, um som alto foi ouvido chamando a atenção de todos. Quando olhei, vi Rachel levar a mão ao rosto que tinha numa das faces as marcas vermelhas dos dedos de Lúcia.

Surpresa e não gostando nem um pouco disso, Rachel olhou Lúcia, que a encarava de cima com a face indecifrável.

–Está com remorso, não é, Lúcia? Por ter denunciado Julian sem pensar nas consequências. - provocou e um novo som foi ouvido, logo os dedos de Lúcia deixaram sua marca na outra face. Lú continuava com a expressão serena. - Admita que eu tenho razão! - Rachel começava a se enfurecer. Lúcia deu-lhe as costas e um passo de volta ao seu trono quando a garota falou de novo. - Você não se conforma por Julian ter estado comigo, não é? - Lúcia parou e a olhou por cima do ombro. - É o prazer que me dar saber que você sofreu, saber que você carregará o peso da morte dele pelo resto da sua curta vida. Julian era demais para você, talvez eu tenha feito um favor a ele livrando-o do estorvo que seria a vida ao seu lado. E sabe o que é mais gratificante? Ele te amava. - Rachel sorria de forma doentia.

Lúcia não demonstrou nenhuma reação, voltou a olhar para frente, mas em vez de seguir para seu trono, num movimento tão rápido que só percebemos quando aconteceu, ela girou e acertou novamente o rosto de Rachel dessa vez com uma força descomunal que levou a prisioneira a arfar de dor e ir ao chão num baque surdo. Lúcia recuperou a postura, deu as costas à Rachel e retornou em passos tranquilos até sentar em seu trono.

Do chão, a garota a encarou agora com profundo ódio e a boca cheia de sangue. Não consegui evitar o sorriso, sabia que esse estava longe de ser o feitio de Lúcia, mas ela fez o que todos ali estavam morrendo de vontade de fazer.

Enquanto Rachel ainda estava no chão, Pedro levantou-se e, em passos tranquilo em direção a ela, desembainhou a Rhindon. A ponta da lâmina pousou no pescoço da garota bem abaixo do queixo, mantendo-a de cabeça erguida olhando para ele.

–Diga o que você sabe. - ordenou ele, firme.

Com o frio da espada contra sua pele Rachel pareceu finalmente temerosa, mas mesmo assim hesitou.

–Diga. - Pedro a encarava de cima, em sua máxima autoridade, começando a realmente perder a paciência. Ela continuou hesitante percorrendo os olhos por todos, como se esperasse que alguém intervisse. Pedro inspirou. - Diga o que você sabe, Rachel. - a lâmina foi pressionada um pouco mais contra o pescoço dela.

–Ah! - exprimiu quando vi um fio de sangue descer por seu pescoço. - Está bem! Está bem! - disse ela. Pedro mudou de posição, mas não moveu a Rhindon. - Eles precisavam de alguém infiltrado uma vez que Renere fora descoberta, então mandaram Amanda e em seguida eu, para vigiá-la. Eu fui por livre e espontânea vontade. Amanda foi obrigada, pois Jadis capturara sua família e prometeu libertá-los se ela cumprisse as ordens. Ela concordou botando fé de que superaria seus escrúpulos e conseguiria salvar a família, mas no momento seguinte em que ela partiu para o acampamento Jadis sacrificou a família dela à Tash, como ela tentou fazer à Edmundo e as outras. Amanda jurava que a família ainda estava viva e só por isso tentou colocar o plano em prática. Tínhamos focos pré-determinados: ela devia matar Rilian enquanto eu devia vigiá-la e, através de Julian, alcançar Jay e Lúcia, consequentemente, Edmundo e o resto de vocês tendo em vista que elas são próximas do círculo mais interno...

–Como é? - interrompeu Edmundo. - Círculo mais interno? O que quer dizer com isso?

–Objetivo de Jadis e de todos os outros é chegar a ela. - indicou Susana com o queixo. - Mas para isso teria que se livrar de todos os outros aos poucos porque sabe que sempre a protegeriam. Ela mencionou círculos de proteção... - Rachel balançou a cabeça, como se tentasse se lembrar. - Pelo que entendi, Susana está protegida no centro, em volta dela existe um círculo de pessoas que são as mais próximas, os Reis e agregados. - dirigiu o olhar para Rany e Jay, logo voltando a Pedro. - Ao redor deste “círculo”, existe uma camada um pouco maior formada pelos mais próximos seguidos aos último, como Ripchip, Rilian, Tirian, Julian, Digory, Polly. No círculo seguinte, maior que o anterior, estão todos os outros amigos de Nárnia. Depois em esferas maiores tem os soldados e etc. Foi assim que compreendi sua forma de pensar. Ela os trata por camadas, sendo que seu alvo é sempre o mesmo: a criança.

Louca como Jadis é, isso só poderia vir dela e dos outros desvairados. Era o cúmulo da obsessão. Lancei um olhar para Susana e ela retribuiu. Soube que compartilhávamos o mesmo pensamento.

–Qual é o próximo alvo? - Pedro foi direto.

–Eu não sei... - ela começou, mas não teve tempo de continuar sentindo a Rhindon ser pressionada contra seu pescoço novamente. - Eu n-não sei, juro!

–Não acredito em você.

–Por favor! - ela ergueu as mãos. - Por favor, eu estou dizendo a verdade! Isso é tudo que sei!

–Não me convenceu. - ele forçou mais a lâmina e ela esganiçou em resposta.

–Não sei quando terá outra batalha! - alegou, nervosa. - Eu não sei! Você disse que seria piedoso! - acusou. - Seria piedoso se eu colaborasse!

Pedro a encarou por alguns segundos e acabou por retirar a Rhindon do pescoço de Rachel e voltando ao seu trono, pensando. Ela se pôs de pé, ainda com Tirian a segurando. Não acreditei que ele realmente teria piedade dela, até que antes de sentar ele virou para ela novamente, com expressão de ponderação e falou.

–Você não me convenceu.

Ela demonstrou pânico.

–Não! - guinchou avançando passos, mas sendo contida por Tirian. - Você disse! Deu sua palavra de que seria piedoso! Eu lhe disse tudo o que sei! Disse tudo! Confessei meus crimes...!

–Exatamente. - ele a interrompeu. Ela parou de súbito, os olhos arregalados pelo susto de ter sido tão estúpida.

–O que...?! - apenas moveu os lábios contra a expressão de triunfo em nossas faces. Pedro sorriu de lado, mas sem humor.

–Você caiu perfeitamente, Rachel, sinceramente eu esperava mais de você.

A cor sumira do rosto da garota e lágrimas de raiva escorreram silenciosas por suas faces chocadas e sem reação.

–Jay. - Pedro segurou Rhindon pela lâmina e apontou o punho. - Ela é toda sua se quiser.

Jay, com os olhos marejados, mas expressão firme, olhou da Rhindon para Rachel e de volta para Pedro. Era claro em seus olhos que ela gostaria muito de matá-la lentamente, mas Jay inspirou lentamente.

–Não posso ceder à tentação de fazer a ela tudo que desejo de mais sombrio. - foi a resposta de Jay. - Seria cruel demais e não vou parar no País de Tash por um coisa que não vai trazer meu irmão de volta.

Edmundo olhou-a expressando um suave sorriso de orgulho. Pedro assentiu e ao indicar Tirian, assentiu mais uma vez para o mesmo. Tirian fez uma curta reverência e saiu, levando Rachel para ser executada.

Vincent cruzou com ele na porta e dirigindo-se a nós pediu permissão para entrar, dizendo que tinha informações importantes.

–Chegaram camponeses, Majestades, de várias partes de Nárnia – disse Vincent. - Todos relatando fatos semelhantes.

–Do que se trata? - perguntei.

–Desastres. - resumiu o soldado. - Contaram que a terra tremia, derrubando casas, rios estão transbordando e acabando com as colheitas, muitos povoados foram inundados. Houveram muitas mortes por essas coisas, por toda parte.

–A mudança mais violenta sofrida por Nárnia foi o inverno de cem anos – refletiu Pedro. - Enquanto estive aqui jamais se teve notícias de coisas assim, rios já tiveram cheias só que nada desastroso quanto mais terremotos! Em nosso mundo isso é comum em algumas regiões, mas aqui?!

–Nem durante o domínio de Telmar, eu sequer imaginava que uma dessas era possível. - falei.

–Por Aslam, o que está acontecendo...?! - Edmundo sussurrou.

–É Nárnia – sussurrou Lúcia de repente. - Todo esse mal junto ao mesmo tempo está assolando Nárnia como o Castigo está assolando os soldados. - ela fez uma pausa, os olhos perdidos no vago. - Estamos perto do fim. Nárnia está morrendo.